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Ensino à Distância Instituto 
Alfa e Beto
Abril-Maio de 2020
CURSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES 
ALFABETIZADORES
JOSÉ MORAIS
Universidade Livre de Bruxelas (ULB), Bélgica
isbn
 978-85-7868-0
77-0
Professores e pais alfabetizam crianças há milê-
nios. Entretanto, nem todos têm sucesso. Por quê?
Ao aprofundar-se no tema buscando uma resposta 
para essa questão, José Morais: 
• baseia-se em estudos científi cos reconhecidos 
internacionalmente;
• orienta professores, educadores, pais e profi ssio-
nais da saúde a compreenderem o que acontece 
no cérebro quando a criança aprende a ler, consi-
derando seus processos cognitivos e as relações 
entre as diversas aquisições que conduzem à 
alfabetização;
• explora as origens das difi culdades encontradas 
nessa faixa etária;
• sugere formas de intervenção e estratégias para 
evitar ou superar as difi culdades que podem 
surgir no processo da alfabetização. 
JOÃO BAT I S TA A R AU JO E OL I V E I R A
Presidente do Instituto Alfa e Beto
capa.indd 1-3 28/11/12 6:42 PM
9
para Ler Muito, é neCessário 
saBer Ler. então.. . o que é Ler e o 
que é saBer Ler?
Na leitura partilhada, obviamente, a criança ainda não 
lê. Embora nada impeça ou torne inconveniente que os 
pais ensinem os seus fi lhos a ler, é missão do professor 
ensinar seus alunos desde o início do 1o ano de escolaridade 
e, depois, acompanhar sua leitura para poderem aperfeiçoar e 
consolidar os processos que utilizam quando leem.
A aprendizagem da leitura não se faz espontaneamente. 
Ainda hoje, há adultos iletrados na sociedade brasileira que 
sempre passaram a vida em um ambiente letrado, expostos 
a palavras escritas nos mais variados lugares ou suportes, 
entre outros, nas telas de televisão. Não terem sido ensinados 
é a primeira razão pela qual nunca aprenderam. Portanto, 
alguém tem de ensinar a criança a ler para que ela aprenda.
O processo de aprendizagem da leitura é longo e difícil. 
O processo de aquisição da língua materna também é longo, 
mas não é difícil. Ele não exige uma intervenção específi ca. 
Nenhum governo se preocupa em criar escolas para ensinar 
as crianças a compreender a fala e a falar. Os pais também 
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não ensinam os seus filhos a falar. Falam-lhes naturalmente 
e sabem espontaneamente como fazê-lo.
Para ler, é necessário saber ler. O objetivo do ensino da 
leitura é fazer com que a criança venha a saber ler. Mas tal 
como se lê mais ou se lê menos, também se sabe ler mais ou 
se sabe ler menos. E as duas coisas geralmente estão asso-
ciadas. A criança começa a ler ao aprender a ler. Ensino, apren-
dizagem e prática da leitura são processos inseparáveis.
o que é “saBer Ler” 
Saber ler não é saber no mesmo sentido que se diria de um 
estudante que sabe a matéria de uma disciplina para passar 
em uma prova. Saber ler aproxima-se mais daquela forma 
de saber que se atribui a alguém que sabe nadar ou andar de 
bicicleta. Há, claro, diferenças importantes entre essas habi-
lidades porque, sabidamente, pode-se aprender sozinho a 
nadar ou a andar de bicicleta, o que não acontece com o 
saber ler. Mas há pelo menos duas semelhanças. 
Uma delas é que tanto a aprendizagem da leitura como 
a das habilidades motoras, incluindo o aprender a andar 
quando se é bebê, incluem uma fase inicial, em que é neces-
sário um conjunto de capacidades conscientes: motivação, aten- 
ção e esforços para controlar e eventualmente corrigir o que 
se pretende fazer. 
E a outra semelhança é que a certa altura do processo 
de aprendizagem, deixamos de saber – no sentido de saber 
consciente – o que estamos fazendo. Saber ler, no sentido 
habitualmente utilizado dessa expressão, não é saber cons-
ciente. Nenhum leitor, pelo simples fato de ser um leitor 
competente, sabe o que faz quando identifica as palavras 
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1 1
escritas. Só a pesquisa científica sobre os processos de leitura 
nos permite alcançar esse saber.
Ler implica um sistema mental de tratamento da informa- 
ção escrita, isto é, um conjunto complexo de operações de 
transformação de representações em outras representações. 
Essas operações fazem com que a representação de entrada – 
o sinal gráfico – seja convertido, no fim desse processo incri-
velmente rápido, em representações da sua pronúncia e do 
seu significado. 
Esse sistema de tratamento é adquirido progressiva-
mente a partir da instrução e da prática da leitura e, obvia-
mente, graças também às capacidades cognitivas da criança 
e ao fato de ela já ser capaz de compreender e falar uma 
língua. O que é exatamente ler, o que é exatamente essa 
habilidade que chamamos “saber ler”, veremos um pouco 
mais adiante. 
Antes disso, convém pensar em uma outra analogia entre 
aprender a ler, aprender a andar de bicicleta e, por exemplo, 
aprender a jogar tênis. Um bom ciclista pode não ser capaz de 
atingir uma bola de tênis muito facilmente, e um bom tenista 
pode cair da bicicleta logo na primeira esquina. Cada habili-
dade se exerce – e se exercita – sobre um material específico: 
bicicleta, bola e raquete, e – no caso da leitura – a escrita.
Assim, não há leitura sem texto escrito. Ler é “traduzir” 
o que está escrito. Traduzir em quê? Traduzir naquilo que o 
texto representa, quer dizer, em linguagem. Não é, portanto, 
possível compreender o que é a habilidade de leitura e como 
se aprende a ler sem se ter em conta o texto escrito e sobre-
tudo o fato de que este representa a linguagem e a maneira 
como a representa.
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Vejamos então, antes de qualquer outra coisa, o que é 
a escrita. 
a esCrita, representação gráfiCa 
da LinguageM 
A escrita não é uma forma de linguagem à parte. Ela foi criada 
para representar de modo duradouro a linguagem oral, para 
que a linguagem sobreviva à ausência e à morte. Saber ler 
é, portanto, ser capaz de recuperar no material escrito o 
episódio de fala (palavra, frase, discurso) ou de pensamento 
verbal, isto é, de fala interna, que ele representa.
Nós percebemos e produzimos linguagem. Quando a 
linguagem é oral, no primeiro caso, percebemos a fala e, no 
segundo, falamos. Quando a linguagem é escrita, no primeiro 
caso, lemos e, no segundo, escrevemos.
Quando ouvimos alguém falar em uma língua desco-
nhecida, também percebemos alguma coisa, já que somos 
capazes de repetir (embora imperfeitamente). Não enten-
demos o sentido do que foi dito, mas conseguimos perceber 
alguns sons, desde que se assemelhem aos de nossa língua. 
Com a leitura passa-se o mesmo. Se temos à nossa frente 
uma palavra escrita que é desconhecida (vamos chamar de 
palavra nova), somos capazes de a ler, isto é, de recuperar 
aquilo que ela representa em termos de som da fala, ou seja, 
recuperamos a representação fonológica* dessa palavra, a 
sua pronúncia. Voltaremos a essa noção (lembramos que, no 
fim do livro, se encontra um Glossário, e que as palavras ou 
expressões contidas nele são indicadas no texto por um aste-
risco quando aparecem pela primeira vez). 
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Normalmente, não nos divertimos a ler palavras desco-
nhecidas, embora isso aconteça de vez em quando, uma 
vez que não conhecemos todas as palavras da nossa língua. 
Alguém que não conhece, por exemplo, a palavra “xero-
dermia” pode lê-la, pronunciá-la em voz alta e perguntar 
a outra pessoa mais habilitada o que significa, ou inferir, a 
partir das informações contextuais presentes no texto que 
está sendo lido, que se trata de uma secura patológica da pele.
Isto quer dizer que, se ler um texto é recuperar os enun-
ciados de fala que ele representa, nós queremos em geral 
fazer mais do que o ler: queremos compreendê-lo. E para 
compreender o texto temos de aplicar às representações 
de fala que extraímos do texto um conjunto de capacidades 
e de conhecimentos muitovariados. 
No plano das capacidades cognitivas gerais, temos de, 
entre outras coisas:
•	 manter a atenção no que lemos;
•	 recuperar conhecimentos prévios (sobre ideias, fatos, etc.);
•	 manter as informações já obtidas em uma memória ativa, 
chamada memória de trabalho, porque, se necessário, as 
repetimos na mente para reutilização imediata;
•	 relacionar informações que estão em frases diferentes 
para extrair delas um sentido que pode não estar explí-
cito no texto. 
No plano das capacidades e dos conhecimentos linguísticos, 
temos de:
•	 ativar o significado preciso das palavras reconhecidas 
sem ignorar o contexto (a rosa dos ventos não é uma flor 
nem uma cor);
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•	 interpretar as expressões metafóricas e outras figuras 
de estilo;
•	 analisar a estrutura sintática de cada frase; 
•	 construir o seu sentido a partir de todos esses dados; 
•	 ligar cada frase à seguinte tendo em conta as marcas explí-
citas de transição (“assim”, “porém”, “também”, “do mesmo 
modo”...).
A compreensão de um texto depende, como se vê por essas 
indicações não exaustivas, de um largo espectro de capaci-
dades e conhecimentos a que chamaremos daqui para frente, 
muito sumariamente, de capacidades e conhecimentos cogni-
tivos e linguísticos.
Ler requer uMa haBiLidade espeCífiCa: 
a haBiLidade de identifiCação das 
paLavras esCritas 
Porém (assim fica ilustrado o caso de “porém” a ligar duas 
ideias), tais capacidades e conhecimentos, por mais extraor- 
dinários que sejam, não permitem compreender o texto se não 
se identificar correta e precisamente as palavras escritas. O 
leitor hábil (leitura hábil*) ou competente é alguém que adquiriu 
esta habilidade: a de identificar as palavras escritas. Essa habi-
lidade é específica da leitura, quer dizer, adquire-se durante o 
processo de aprendizagem da leitura e só serve para a leitura.
No leitor hábil, a habilidade de identificação das pala-
vras escritas é utilizada de maneira automática e obrigatória. 
A palavra que está à nossa frente é identificada mesmo que 
não queiramos. Não temos outro remédio senão lê-la, a não 
ser fechar os olhos ou afastar-nos dela.
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15
A habilidade de identificação das palavras escritas 
também é inconsciente. Não sabemos como identificamos 
as palavras. Não é juntando conscientemente cada letra à 
seguinte. A impressão que temos é de um reconhecimento 
direto, imediato. Mas também não é isso que fazemos. 
Nós, ou melhor, uma área do nosso cérebro, na região 
posterior e inferior do hemisfério esquerdo, especializou-
-se em identificar as palavras escritas. São processos mentais 
complexos os que intervêm na identificação das pala-
vras escritas, como complexos são os que nos permitem 
perceber e produzir a fala, andar de bicicleta ou atirar 
com pontaria.
Dissemos que ler requer a habilidade mental* de iden-
tificação das palavras escritas. Repare que não utilizamos 
o termo capacidade mental* como quando, anteriormente, 
dissemos que a compreensão em leitura exige capacidades 
cognitivas e linguísticas. “Poderes” ou “faculdades” mentais, 
como, por exemplo, a atenção, a memória, a linguagem, o pen- 
samento e a imaginação, são capacidades. Por quê? Porque 
estão enraizados no nosso patrimônio biológico e não care- 
cem de aprendizagens particulares para se desenvolverem 
(pelo menos até certo ponto). 
As habilidades (skills na língua inglesa) distinguem-se das 
capacidades mentais essencialmente por não serem adqui-
ridas naturalmente, por terem de ser aprendidas. Isto é, elas 
geralmente requerem alguma instrução e um exercício prolon-
gado, e formam-se pela aplicação de determinadas capaci-
dades a um certo tipo de objeto. 
No caso que nos interessa, o material é a escrita, e o 
aprendiz recorre às suas capacidades de percepção visual, 
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de linguagem, de atenção e de memória para desenvolver 
os mecanismos que asseguram a identifi cação das palavras 
escritas. É o conjunto desses mecanismos que designamos pela 
expressão “habilidade de identifi cação das palavras escritas”. 
Ler, no sentido de utilizar a habilidade – absolutamente 
necessária para ler com compreensão – de identifi cação das 
palavras escritas, requer, portanto, uma “técnica” que, por 
meio de muitos estudos científi cos experimentais, conhe-
cemos hoje com bastante precisão. É essa técnica que as 
crianças que aprendem a ler têm de adquirir, além de preci-
sarem desenvolver – em paralelo – as capacidades cogni-
tivas e os conhecimentos linguísticos que lhes permitem ler 
com compreensão.
Quando os professores ensinam os alunos a ler, devem 
procurar, acima de tudo, fazer com que eles desenvolvam a 
habilidade de identifi cação das palavras escritas. A aprendi-
zagem dessa habilidade, que é crucial para ler, depende ela 
mesma da formação, logo no início do processo de apren-
dizagem, de um certo tipo de representações e operações 
mentais que indicaremos mais adiante.
reCoMendações aos professores 
Deve ser preocupação do professor observar o desem-
penho do aluno para avaliar corretamente sua motivação 
para aprender a ler, a precisão e a qualidade da sua comu-
nicação oral, sua capacidade de atenção e de memória. 
Também é importante verifi car se o aluno não sofre de 
alguma insufi ciência sensorial, visual ou auditiva que até 
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reCoMendações aos professores 
Deve ser preocupação do professor observar o desem-
penho do aluno para avaliar corretamente sua motivação 
para aprender a ler, a precisão e a qualidade da sua comu-
nicação oral, sua capacidade de atenção e de memória. 
Também é importante verifi car se o aluno não sofre de 
alguma insufi ciência sensorial, visual ou auditiva que até 
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então tenha passado despercebida ou não tenha sido assi-
nalada ao professor.
Além dessa preocupação inicial, o professor deve ter 
bem presente que aprender a ler não é aprender a pensar 
ou aprender a se comunicar oralmente, embora, mais tarde, 
ao ler, a criança também aprenda a pensar e a se comunicar. 
O professor tem de ter consciência de que é um “instrutor” 
cuja missão é ajudar o aluno a dominar uma técnica, um pou-
co à maneira do técnico ou preparador de futebol, que explica 
àqueles que aspiram a jogar nos melhores times e na seleção 
nacional como se para uma bola, se dribla e se passa a bola 
para um parceiro colocado na posição certa. 
O professor tem de estar consciente de que aprender a 
ler é, antes de qualquer coisa, aprender a habilidade que nos 
permite converter uma sequência de sinais gráfi cos na pronúncia 
e no signifi cado que lhe correspondem. E que lhe correspondem 
exatamente! 
Ao ensinar a ler, o professor pode, por exemplo, utilizar 
manuais com imagens, mas não pode aceitar que a criança 
diga “pasta” quando está escrito “mochila”. O professor não 
deve concluir que o erro é pequeno apenas porque as duas 
palavras se referem a dois objetos com quase a mesma 
função. Não, o erro é enorme: pasta e mochila só têm em 
comum a vogal fi nal reduzida.
No exemplo que acabamos de dar, a criança pura e sim-
plesmente não leu: ela tentou adivinhar, e adivinhar é uma 
tendência que tem de ser combatida. Sem se escandalizar com 
esses erros, mas fi rmemente, o professor tem de conduzir o 
aluno pelo caminho da aprendizagem da identifi cação das 
palavras escritas. 
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o que é o aLfaBeto
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Antes de chegarmos à aprendizagem da leitura, vamos ver o 
que é o alfabeto e o que ele representa. 
Qualquer trabalhador manual sabe que, para trabalhar 
bem um material, é essencial conhecer as suas propriedades. 
O mesmo ocorre com os materiais “mentais”. Quem ensina 
a ler em um sistema alfabético de escrita precisa saber o 
que é o alfabeto. Claro, todos sabem o que é o alfabeto,no 
sentido de abecedário. Mas esse é um conhecimento super-
fi cial, mecanizado. Quem ensina a ler deve ter um conheci-
mento muito mais profundo do alfabeto, porque vai ter de 
explicitar à criança, e de algum modo levá-la a compreender 
certos aspectos desse conhecimento profundo.
os vários sisteMas de esCrita e o nosso 
sisteMa aLfaBétiCo
O sistema alfabético não é o único sistema de escrita. Entre 
os sistemas atualmente mais utilizados, há aqueles que 
representam morfemas* (pequenas unidades de signifi cação, 
do tamanho da sílaba – na China) ou sílabas* (na Índia). No 
Japão, usam-se um sistema herdado do chinês e outro em que 
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se representam pequenas unidades de som – corresponden- 
do a uma vogal ou a uma sílaba feita de consoante e vogal, 
ou à nasal “n” –, que duram mais ou menos o mesmo tempo 
(são as “mora”). Dizemos isso apenas para mostrar que há 
diversas soluções para representar a fala por escrito e que 
muita gente é letrada – lê e escreve – sem ser alfabetizada.
O alfabeto, cuja característica principal é de representar 
as consoantes, teve sua origem nas civilizações semíticas. 
Posteriormente, os fenícios iniciaram a representação das 
vogais, que se consolidou com os gregos. O alfabeto tem apro-
ximadamente três mil anos – uma ninharia! – comparado 
com a história da humanidade e, em particular, com a história 
da linguagem falada. Além disso, alfabetos têm havido muitos, 
algumas centenas, muitos já desapareceram e alguns foram 
criados há menos de um século. As formas dos caracteres – as 
letras – são muito diferentes entre as muitas escritas alfabé-
ticas, mas o que nos interessa sobretudo é o chamado alfabe- 
to latino, o nosso.
O alfabeto latino é utilizado por muitas comunidades 
linguísticas. Mas, em parte, justamente porque as línguas são 
diferentes, o número de letras não é sempre o mesmo. Nós, 
os mais velhos, aprendemos 23 letras, mas atualmente se 
ensinam também o “k”, o “w” e o “y”, que fazem parte do novo 
código ortográfico e que são muito frequentes, por exemplo, 
em inglês. Há países em que as letras são utilizadas juntando 
diacríticos a algumas delas. Os diacríticos são pequenos sinais 
que geralmente servem para determinar de modo mais 
preciso a pronúncia da vogal ou da consoante. Em português, 
por exemplo, ninguém tem dúvidas em como pronunciar “ç”, 
ninguém pronuncia “caça” como “caca”.
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21
Antes de aprofundarmos mais a relação, que não é 
simples nem direta, entre as letras e os sons, falemos da sua 
importância na leitura. As letras são o material escrito de base, 
e elas formam os grafemas (vide a seguir), que são as unidades 
menores que servem para distinguir o significado entre as 
palavras na escrita. É impossível ler uma frase sem ler as pala-
vras que ela contém, e também é impossível reconhecer ou 
identificar uma palavra escrita sem “tratar”, “processar” de 
algum modo as letras que formam as palavras escritas.
para aLéM das Letras, os grafeMas, 
os quais representaM foneMas 
Na realidade, o mecanismo de processamento das letras que 
temos no cérebro não se contenta em analisar esses carac-
teres; ainda não acabou de analisar as letras, já está anali-
sando os grafemas*. 
Grafemas são aquelas letras simples – falamos então de 
grafemas simples – ou aqueles grupos de letras (em portu-
guês não mais do que duas) – falamos então de grafemas 
complexos – que se pronunciam como um “som” elementar. 
Assim, na palavra “casa”, cada letra é também um grafema; 
elas correspondem sucessivamente aos sons de “k”, “a”, “z” 
e “a”, portanto, temos quatro letras e quatro grafemas; mas 
em “chá”, temos primeiro duas letras (“ch”), que têm o som 
inicial do nome da letra “x”, e depois “á”, que tem o som de “a”; 
portanto, três letras mas só dois grafemas.
É importante ter consciência de que o tal “som” elementar 
não é um som, e que o seu nome, consagrado na linguística, é 
fonema*. Grafemas são, portanto, mais exatamente, as letras 
ou grupos de letras que correspondem a um fonema.
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22
Acrescentemos que o mecanismo cerebral que analisa 
os constituintes das palavras escritas não se contenta em 
extrair os grafemas da sequência de letras; extrai grupos 
de letras, como grupos de consoantes – por exemplo, “br” 
em “branco” – e ditongos – por exemplo, “ão” em “nação” –; 
extrai unidades ainda maiores, como as sílabas, por exemplo 
em “nação” extrai “na” e “ção”. Em nível morfológico, extrai 
também, por exemplo, os prefixos e os sufixos. 
A função de todas essas operações é tornar disponível 
a informação suficiente para que, no nosso léxico mental* – 
isto é, o conjunto das palavras que conhecemos, registradas 
em nossa memória –, sejam selecionadas as representações 
ortográfica e fonológica que correspondem, por exemplo, à 
sequência de letras “nação”.
Representação ortográfica e representação fonológica: 
o leitor talvez saiba o que essas expressões significam. Mas 
não vamos em frente sem verificarmos se todos sabem. O que 
ambos os tipos de representação têm em comum é serem 
representações de um conteúdo abstrato e não concreto, físico.
representação ortográfiCa e 
representação fonoLógiCa 
Comecemos pela representação ortográfica.
Há uma diferença de abstração entre grafia e ortografia*. 
Se escrevermos CRIANÇA, criança, criança, criança, criança, 
são todas realizações gráficas diferentes, formas visualmente 
diferentes. E, no entanto, sabemos muito bem que se referem 
à mesma palavra. É isso a representação ortográfica*: não 
importa se está em maiúsculas ou minúsculas, em itálico ou 
não, em outra fonte ou em outro tamanho.
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23
Em português, há algumas centenas de milhares de pala-
vras diferentes, por isso precisamos de um mecanismo rápido e 
automático para que o reconhecimento de cada palavra em 
um texto tenha lugar em dois ou três décimos de segundos. 
Se não calculássemos representações ortográficas e apenas 
percebêssemos representações gráficas, teríamos de reco-
nhecer entre milhões de milhões de milhões de formas 
possíveis, uma infinidade, e a leitura seria impossível!
E a representação fonológica? O princípio é o mesmo. Cada 
pessoa que diz “palavra” em voz alta a pronuncia diferente-
mente, porque temos vozes diferentes, maneiras ligeiramente 
diferentes de falar, mais depressa ou mais devagar, com 
mais ou menos força, e segundo o sotaque regional. Assim, o 
carioca pronuncia o “s” de “lápis” como o início do nome da 
letra “X”, enquanto os outros o pronunciam como na letra “S”; 
e muitos gaúchos pronunciam o “r” de “roda” enrolando a 
língua, enquanto os outros o fazem guturalmente. São formas 
acústicas e até fonéticas* diferentes, que percebemos como 
diferentes. De novo, estamos perante milhões de milhões de 
milhões, uma infinidade de formas (pronúncias) possíveis.
Para percebermos e produzirmos a fala, e para a repre-
sentarmos graficamente, precisamos reduzir toda essa varie-
dade a formas abstratas – as tais representações fonológicas, 
nas quais as nossas maneiras diferentes de pronunciar o “r” 
de “roda” já não são representadas. Sabemos que o nosso 
cérebro dispõe de tais representações, e que elas participam 
do reconhecimento das palavras escritas.
Depois desta breve digressão por tais mecanismos, vol- 
temos às letras, mas agora em relação à aprendizagem 
da leitura.
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os foneMas não são sons
Já dissemos anteriormente que cada letra ou, em alguns 
casos, um pequeno grupo de letras, representa um fonema, 
um “som” elementar, que, na realidade, não é um som: é antes 
uma abstração do som. Essa noção de fonema é difícil de 
entender, e as crianças, antes de aprenderem a ler, não têm a 
menor intuição do que seja. E se um adulto que não estudoufonologia* não tem muita dificuldade em compreender o 
que é o fonema, é justamente porque aprendeu a ler no siste- 
ma alfabético.
Como “fonema” é uma palavra técnica, tal como são 
técnicas as palavras “átomo”, “elétron”, “gene”, “aminoácido”, 
etc. – sua compreensão depende de conhecimentos cientí-
ficos –, as pessoas ficam surpresas ao ouvirem dizer que as 
letras representam fonemas.
Leram por acaso a primeira estrofe do poema português 
Balada da neve, de Augusto Gil?
Batem leve, levemente,
Como quem chama por mim.
Será chuva, será gente?
Gente não é, certamente.
E a chuva não bate assim.
O fonema também bate de algum modo, mas ao “ouvido da 
mente”. Comecemos por ouvir a primeira palavra: “Batem”. 
Ela tem duas emissões de voz, duas unidades sonoras, duas 
sílabas (desculpe-nos a falta de poesia da análise formal...). 
A primeira sílaba é “ba”, e escreve-se com um “b” e um “a”, 
uma consoante e uma vogal. Se quisermos dizer apenas a 
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25
vogal, não há qualquer dificuldade: “a”. Aliás, acabamos de 
dizer (escrever) “há”. Podemos dizer um “a” mais curto, dizer 
um “aaaa” mais longo e contínuo, sempre em um só episódio 
de emissão de voz. 
Mas se quisermos dizer apenas a consoante, aí começa a 
dificuldade; na realidade, é impossível. Podemos começar, “b...”, 
e não terminar a sílaba. Porém, não é só “b...” o que dizemos. 
Na realidade é /bɘ/, mas não procure ler este símbolo /ɘ/, que 
faz parte do Alfabeto Fonético Internacional (AFI)2 e designa 
uma vogal central semifechada. É como um “ê” reduzido, que 
se pronuncia quase sem abrir os lábios. Para ter uma ideia 
do que ele representa, comece a pronunciar o “b-” da palavra 
“besta”, mas já não o “-es”, como se tivesse se dado conta que 
era melhor ficar calado. Por mais que tentemos cortar cedo a 
sílaba, por mais forte que seja a nossa impressão de dizermos 
só “b...”, ainda dizemos uma vogal muito rápida, muito tênue. 
Confirmando essa ideia, foram feitas experiências com 
sílabas como /ba/ gravadas, às quais se ia cortando pedaci-
nhos de som a partir do início e, sem surpresa, a certa altura só 
ficou o /a/; mas quando se fazia o contrário, isto é, começava 
a cortar a partir do fim, pedacinho por pedacinho, quando 
se deixou de ouvir /ba/ com um /a/ muito breve, também já 
não se ouvia a consoante /b/, mas um som estranho que não 
2 Os símbolos do AFI são apresentados entre linhas oblíquas, geralmente 
utilizadas para indicar representações fonológicas abstratas (fonemas ou 
sequências de fonemas), enquanto os segmentos fonéticos ou fones (ver fo-
nética* no Glossário) são indicados entre parênteses retos. Por simplificação, 
não faremos aqui essa distinção.
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parecia ser fala. O que isso quer dizer? Que nós percebemos 
que no início de /ba/, /bu/, /bi/, /be/, etc., há qualquer coisa 
que é sempre a mesma, uma coisa que designamos por “b”, 
mas na realidade este “b” não existe isoladamente. E os adultos 
que nunca aprenderam a ler e escrever em uma escrita alfa-
bética não conseguirão dizer que no início de “ba”, “bu”, “bi”, 
etc. há um “b”. Apenas serão capazes de achar que têm um 
ar familiar. 
Portanto, nossa certeza de que todas essas sílabas co me- 
çam pelo mesmo “som”, um “b”, é uma impressão de pes soa 
alfabetizada. Ao começarmos, quando crianças, a aprender 
as letras e a fazê-las corresponder a pequenas unidades 
abstratas na fala, para podermos representar por escrito 
sílabas como /ba/, criamos essa falsa impressão de que /ba/ 
são dois sons.
Você, leitor, nos dirá: muito bem, “b” não é som, mas 
alguma coisa há de ser.
os grafeMas representaM foneMas e 
os foneMas representaM MoviMentos 
artiCuLatórios CoMpLexos 
O leitor tem razão: alguma coisa é, ou melhor, “b” corres-
ponde a alguma coisa. Corresponde ao conjunto de movi-
mentos articulatórios que são efetuados quando dizemos 
/ba/, /bu/, /bi/, etc. Que o leitor diga então essas sílabas, agora 
mesmo, enquanto lê este trecho. Reparou no que fez com a 
boca? Se a tinha aberta, fechou-a. E onde é que a fechou? Nos 
lábios. Para pronunciar cada uma das sílabas, deve até ter 
tido a impressão de que empurrou a boca para a frente com 
o ar que vinha de seus pulmões. É isso. O tal /b/ produz-se 
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fechando os lábios, por isso se diz que é uma oclusiva labial. E 
agora diga /da/, /du/, /di/. Nesses três casos também obstruiu 
a boca, mas mais atrás, nos dentes, e quando os abriu para 
deixar passar o ar, isso produziu o que se chama uma oclu-
siva dental. 
Nós, letrados alfabetizados, transformamos em um 
conceito, em um “som” e até em uma coisa o que, na reali-
dade, é apenas uma maneira particular de produzir fala. Ainda 
se esses movimentos articulatórios pudessem acontecer 
sozinhos, independentemente do resto... Mas não, não se 
podem separar dos outros gestos que permitem pronunciar 
a vogal. Por quê? Porque, antes de abrir a boca, a língua, rela-
tivamente ao palato, não está na mesma posição quando se 
diz /ba/, /bu/, /bi/. A consoante é exatamente isto que a palavra 
diz: ela acompanha uma soante. A consoante não gosta de 
viver sozinha, gosta demais das vogais. Ou, então, é a vogal 
que nunca deixa a consoante ir a lado algum sem ela. Por 
vezes, há outra consoante que se mete pelo meio, como em 
“bra” de “bravo”, mas sempre há uma vogal.
Para a criança que ainda não aprendeu a ler, falar de “b” é 
falar de /bɘ.../. Dizer-lhe que as letras “b” e “a” juntas fazem “ba” é 
dizer qualquer coisa de incompreensível, porque /bɘ/ e /a/, para 
alguém ajuizado, não faz /ba/, faz /bɘ-a/, e por mais que tente 
colar uma à outra, dizê-las sem intervalo, o mais depressa 
possível, faz sempre /bɘa/. Para essa criança, /bɘ/ + /a/ só fará 
/ba/ quando ela compreender que em /ba/ não está /bɘ/, o 
que está em /ba/, em /bu/, em /bi/ não é um som, é uma unidade 
abstrata da estrutura da fala (/b/), que está em todas elas. 
Ela vê a letra “b” antes do “a”, do “u”, do “i”, ouve o adulto 
pronunciar essas sílabas, procura entender suas explicações, 
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o vê apontar para “bo” e, em algum momento, tudo se passa 
como se dissesse para consigo: 
— Pois é, esse tal “bɘ” com “o” não pode dar “bɘ-ó”. Com “a”, 
“u” e “i”, ele não gostou nada que eu dissesse “bɘ-a”, “bɘ-u”, 
“bɘ-i”. No “b” (bê), há “bɘ”, e no “bɘ” – curioso, quase não 
ouço o “ɘ” – digo qualquer coisa que também digo em “ba”, 
em “bu”, em “bi”. Como agora ele me mostra “bo”, e já me 
disse que “o” é “ó”, se digo “bɘ-ó”, vou errar de novo. O “b” 
do “bo” deve ser essa coisa que sinto nos meus lábios e que 
ouço na minha cabeça quando digo “ba”, “bu”, “bi”. Ah, então 
– digo para mim mesmo – é capaz de ser “bó”. Olho para 
o “o”, arredondo os lábios e baixo a língua como se fosse 
para dizer “ó”, mas asseguro-me que, antes do “o”, a vigiá-
-lo, está o “b” e arrisco: “bó”. Olha agora a cara dele: — Muito 
bem, parabéns!, diz-me, todo excitado. E eu, que satisfação 
a minha! Parece que compreendi alguma coisa... Ele agora 
mostra-me “bi”. Penso no “i”, estico os lábios, mas sei que 
não é só “i”, que não posso dizê-lo sem primeiro fechar os 
lábios como fiz para “bo”, e de repente digo: bi! 
E essa criança, que acaba de inferir de algum modo o que 
é fonema, começa a acreditar, ela também, erradamente 
como muitos adultos alfabetizados, que o fonema (“bɘ”, 
como ela diz e muitos de nós dizemos), representado pela 
letra “b”, é um som. Essa é uma crença que resulta da nossa 
tendência de transformar em unidades concretas, em 
coisas, aquilo que só existe como representação abstrata 
de um padrão articulatório, comum a um determinado 
conjunto de sílabas. 
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Pouco importa que a criança considere como um som o 
/b/ de “ba”, “bu”, “bi”, etc., o que importa é que ela não o utilizecomo um som, porque, se o fizesse, continuaria a não saber 
ler em um sistema alfabético de escrita. Não se pretende que 
ela se forme em linguística aos seis anos; o que se quer é 
que aprenda a ler, e para isso que se torne capaz de representar 
mentalmente as diferentes consoantes e vogais de maneira a 
poder lê-las nas suas diferentes combinações silábicas. 
a noção de foneMa, uMa proeza 
de introspeCção no funCionaMento 
da LinguageM 
Como é que a criança pré-alfabetizada poderia pensar que a 
fala é uma sequência organizada de pequenas unidades – a que 
chamamos fonemas – se nunca teve necessidade de repre-
sentá-las? Mesmo adulta, se nunca tiver sido alfabetizada, 
dirá que há palavras curtas, que se dizem em pouco tempo, 
como “rã” e “lã”, mas não vai nos entender se lhe dissermos 
que cada uma dessas palavras é constituída por duas 
unidades.
Na realidade, a representação que nós, adultos alfabe-
tizados, temos da fala não é inteiramente correta. Temos 
tendência a pensar que em “rã” e “lã” há primeiro uma con- 
soante e depois uma vogal, como se pronunciássemos 
primeiro uma e depois a outra. Essa impressão resulta de 
escrevermos primeiro a consoante e depois a vogal (r-ã). 
Porém, na fala, isso não acontece. Se quiséssemos que a 
nossa boca tomasse a configuração necessária para primeiro 
produzir a consoante e depois a vogal, na realidade pro- 
duziríamos “rɘ-ã”. Para produzirmos “rã”, quando a boca 
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se abre, ela já está configurada para produzir tanto a con- 
soante como a vogal. Por isso dizemos que, na fala, os fonemas 
são coarticulados. E é assim que a nossa escrita, sendo alta-
mente analítica, transforma em sequência estrita aquilo que 
na fala não é estritamente sequencial. 
Ao aprendermos a ler, aprendemos que há letras que 
representam consoantes e outras que representam vogais. 
Aprendemos que há letras de vogais que por si só represen- 
tam palavras – “a”, “e”, “o” –, mas que as consoantes nunca se 
escrevem isoladamente. E damo-nos conta de que as fron-
teiras entre as sílabas geralmente são indicadas por con- 
soantes (p. ex., em “boneco”, “carta”). Porém, há diferenças 
funcionais importantes entre as consoantes e as vogais de que 
não nos apercebemos ao aprendermos a ler e escrever. As 
variações de consoante permitem gerar um número enorme 
de palavras com significados muito diferentes. Por exemplo, 
a partir da base “(C1)ola”, mudando a consoante inicial, encon-
tramos “bola”, “cola”, “gola”, “mola”, “rola”, “sola”, todas essas 
palavras com significados diferentes. Em contrapartida, 
a variação de vogal muitas vezes serve para indicar uma 
variação morfológica ou sintáxica; por exemplo, “(a) cola”, “(eu) 
colo”, “(que eu/ela/ele) cole”. Assim, embora a escrita alfabética 
nos dê alguns indícios sobre a estrutura fonológica da fala, ela 
não nos revela essas funções das consoantes e das vogais. 
Acontece frequentemente na história da humanidade 
que todas as potencialidades de uma capacidade não sejam 
imediatamente concretizadas e suas propriedades, com- 
preendidas. Foi o caso da escrita em geral e da escrita alfa-
bética em particular. Só muitos milhares de anos depois de 
os seres humanos terem começado a se comunicar pela 
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fala, eles elaboraram um instrumento, a escrita alfabética, 
que representa a propriedade não aparente, escondida, da 
fala, que é o fato de nos sons que produzimos haver vogais 
e consoantes e de todas elas poderem ser representadas 
por sinais gráficos distintos. É essa proeza cultural dos se- 
res humanos mais recentes (há três mil anos apenas!) que 
cada uma das nossas crianças tem de refazer por sua vez. 
Como alguém pode imaginar que seja fácil e muito menos 
espontâneo? Não é nem para o adulto... 
Como alguém pode imaginar que basta colocar o 
aprendiz do alfabeto diante de textos ou mesmo de palavras 
escritas isoladas e esperar que ele descubra por si só a chave 
do enigma? É difícil compreender que haja quem defenda 
que a aprendizagem da leitura não necessita de ensino, argu-
mentando que a criança, senhora de uma inteligência ativa, 
construtora de hipóteses, rapidamente descobre, sem ajuda 
de professor, qual é o elo que liga o alfabeto à fala. Na verdade, 
esse elo é altamente abstrato. 
As letras do alfabeto representam a dinâmica própria da 
fala, a estrutura do seu movimento. Não representam coisas 
nem sons. Os fonemas são como os flocos de neve do poema 
“Batem leve, levemente...”. Não é chuva, não é gente: eles caem 
e, ao caírem na neve já formada no solo, fundem-se nela e 
deixam de ter existência própria. 
Ouvir a neve a cair exige um coração de poeta. Ouvir os 
fonemas a pulsarem na fala exige uma criança e um adulto 
a auscultarem juntos as mais apropriadas combinações de 
letras. O princípio alfabético* é o princípio de correspondên- 
cia entre os fonemas e os grafemas. Descobri-lo requer um 
estetoscópio muito especial.
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Na literatura de cordel, feita pelo povo e para o povo 
(parafraseando Lincoln, poderíamos dizer “literatura demo-
crática”), mais precisamente em um folheto intitulado A 
gramática em cordel, de José Maria do Ceará, pode ler-se o 
seguinte poema:
As letras trazem fonemas.
E para mais claro ficar,
Os fonemas são os sons
Que usamos pra falar.
Onde está o erro e onde está a verdade nesse poema? Quando 
José Maria do Ceará escreveu “As letras trazem fonemas”, o 
“trazem” exprime muito bem a função das letras. Mas quando 
escreveu “Os fonemas são os sons...”, retomou uma velha 
crença. Na verdade, é necessário termos presente, nós que 
queremos ensinar a leitura às nossas crianças, que fonemas 
não são sons.
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reCoMendações aos professores
O professor deve estar consciente de que não é fácil, para 
a criança, compreender o que representam as letras e os 
grafemas. E deve refl etir ele próprio sobre essa questão. Para 
escolher corretamente os exercícios que permitem essa 
compreensão – dos quais veremos ulteriormente alguns 
exemplos –, avaliar as difi culdades de cada criança que estão 
aparentes nas suas respostas e procurar a melhor maneira 
de contorná-las, é muito útil que o professor leia esta ou 
aquela obra acessível sobre o papel da fonologia na leitura e na 
aprendizagem da leitura (uma lista bibliográfi ca é apresentada 
no fi m do livro). Essa leitura deve ser completada por discus-
sões coletivas na escola, entre professores, tanto sobre os princí-
pios teóricos como sobre situações vividas e casos de alunos 
que reagem bem ou mal às atividades destinadas à tomada 
de consciência dos fonemas*.
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