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DF Cristina Queiroz_part2

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2016/2017 – Segundo Semestre
Apontamentos de Direitos Fundamentais
Parte 2
Capítulo IV – O conceito de norma de direito fundamental
A formulação de norma de direitos fundamentais
Afirmar que a norma jurídica equivale, de forma unilateral e exclusiva, à disposição textual (ou seja, “à letra”) que a consagra é, simplesmente, errado: antes esta é produto de um trabalho de interpretação, sendo o texto normativo não mais do que o objeto, ou melhor, a fonte de um trabalho hermenêutico que, por seu turno, é responsável por definir o sentido, alcance e significado da norma jurídica a aplicar – dá-se portanto a criação do Direito através do processo de interpretação (a que os americanos dão o nome de “law as interpretation”), pois a norma jurídica revela-se no espírito da lei, e não necessariamente na sua letra.
Assim se conclui que determinado texto normativo-jurídico estará sempre aberto, em maior ou menor grau, a uma pluralidade significativa de regras, sendo estas obtidas e aplicadas pelo juiz quando este, utilizando os mais variados processos e critérios da metodologia interpretativa (a unidade do sistema jurídico, o “telos” que o legislador tinha em mente, etc.), vê-se confrontado com a necessidade de resolver um caso concreto. Será portanto o juiz que verdadeiramente formula a norma jurídica – composta por uma dimensão abstrata, apoiada na letra da lei, e uma dimensão subjetiva, apoiada no trabalho interpretativo.
Como refere MULLER: “o conteúdo da norma jurídica não deverá ser confundido com o texto da norma”. Ou seja, será com base na norma formulada, através da interpretação, pelo tribunal que se formulará a decisão individual – a dita “norma de decisão”, com o qual se põe fim ao processo jurisprudencial – e que incidirá sobre o caso concreto julgado.
Quem igualmente partilha desta metodologia é GOMES CANOTILHO, que vem assim definir duas componentes fundamentais do conceito de norma jurídica:
O “programa normativo”, que compreende a componente linguística;
O “âmbito normativo”, que compreende a componente contextual, empírica e factual;
Estas duas componentes vêm assim desempenhar funções opostas, mas contudo complementares: o programa (ou seja, a letra) vem desempenhar um função negativa, funcionando como “filtro” que limita as opçõs a ser consideradas no âmbito normativo, que por seu turno desempenha uma função positiva, visto ser daqui que se extrai a norma jurídica. De qualquer das formas, devemos concluir que a norma jurídica não é o ponto de partida da interpretação, mas pelo contrário, é o resultado desta – daqui se apreende o porquê de, apesar do sistema de Common Law ter como fonte formal o Costume, é o precedente judicial que de facto determina o que é de Direito, visto ser a jurisiprudência que é responsável por determinar o âmbito, sentido e significado desta mesma fonte jurídica (e recordando mais uma vez a afirmação de JOHN HUGHES, “Somos regidos por uma Constituição, mas são os juízes que dizem o que é a Constituição”). 
Daí que a construção do Direito fundamenta-se no seguinte processo: 
determinação do texto da norma, tarefa em regra desempenhada pelo legislador ou outra autoridade legitimada para o efeito; 
concretização da norma em sentido amplo, tarefa que materialmente recai sob os tribunais de instância superior (Tribunal Constitucional, Supremos tribunais,…) que assim criam os precedentes, assentos, acórdãos uniformizadores,…; 
concretização da norma no caso concreto, trabalho esse desempenhado pelo juiz responsável.
Ora, tendo em conta o facto de que é da interpretação que resulta a norma e, como referido na parte anterior, é no Estado de Direito o poder judicial que assume e garante a efetiva aplicação da Constituição, convém antes do mais, portanto, definir uma “teoria normativa do Direito judicial de controlo”, bem como de “interpretação constitucional”: esta última inclui necessariamente os três poderes soberanos – legislativo, executivo e judicial – que estão vinculados, num espírito de cooperação, em concretizar em conjunto as disposições constitucionais. A isto alia-se uma ideia de neutralidade ideológica na interpretação da Constituição – este deverá ser “livre e aberto”, tendo os direitos fundamentais um papel de “princípio” e “regra” que se entranha no próprio processo lógico-argumentativo da interpretação constitucional. Os tribunais de justiça constitucional procuram assim essencialmente reconhecer a certa “norma” como pertencente à ordem constitucional e jurídica, desempenhando assim uma papel de esclarecimento de dúvidas sobre o Direito a aplicar em caso de conflito prático, criando a partir daí uma regra abstrata vinculante. 
Direitos enumerados versus direitos não enumerados
Como já analisado, o grupo dos direitos fundamentais, fruto do princípio da​ cláusula aberta, não compreende apenas os direitos consitucionais, podendo estes ser revelados pelo Direito internacional, jurisprudência e legislação ordinária. Assim se conclui que existem duas modalidades de direitos fundamentais: os direitos não enumerados, a que o prof. JORGE MIRANDA dá o nome de direitos fundamentais em sentido material, e que se caraterizam por terem a sua natureza deduzida[footnoteRef:1] por interpretação constitucional, seja esta operada pelo Tribunal Constitucional, seja esta operada via legislativa; e os direitos enumerados, que JORGE MIRANDA dá o nome de direitos fundamentais em sentido formal, visto estarem expressamente previstos na CRP. [1: Que, como refere GOMES CANOTILHO, pode deter tanto natureza de DLG como de DESC] 
Assim, os direitos fundamentais não estão vinculados ao princípio da tipicidade, resultando os direitos não enumerados não da sua previsão expressa do legislador constituinte (que aliás poderá propositadamente ter evitado consagrar o respetivo direito), mas antes da intepretação constitucional desenvolvida ou pela jurisprudência constitucional, ou legislador ordinário.
O grau de proteção jurídica dos direitos não enumerados varia consoante a fonte da sua revelação: quando esta acontece via Tribunal Constitucional (TC), o seu conteúdo passa a integrar a “norma constitucional” (que como já mencionado é produto da interpretação), pelo que a sua legitimidade já não poderá ser contestada pelo legislador – a ocorrer uma eventual “alteração” ou “revogação” esta apenas se operará de dois modos: ou o TC, em decisões posteriores, muda o seu entendimento em relação àquele direito, ou opera-se uma revisão formal da Constituição[footnoteRef:2]. Já quando é uma lei ordinária que consagra certo direito não enumerado, o seu conteúdo poderá ser sempre modificado ou revogado posteriormente pelo legislador ordinário, caso seja esse o seu entendimento – concluindo, o legislador, neste segundo cenário, pode impedir que o Tribunal Constitucional venha a estabelecer um “precedente”, pois o respetivo direito que advém da “vontade” do legislador pode ver o seu conteúdo modificado por este, sem que o TC possa interferir (fruto do princípio de separação de poderes), a não ser que lhes reconheça natureza constitucional (e aí o direito em questão passa a caber na primeira situação). [2: Existem até alguns que defendem que nem via revisão formal será possível “modificar/eliminar” direitos revelados via jurisprudencial, fruto do limite de revisão imposto pelo artigo 288.º d) e e) da CRP] 
Aplicar-se-á, aos direitos não enumerados, o regime de equiparação previsto no artigo 17.º CRP, ou seja, o regime constitucional dos DLG aplicar-se-á também a esta categoria de direitos fundamentais? Tendo isto em conta, GOMES CANOTILHO vem fazer a seguinte sistematização:
Os direitos extraconstitucionais, independentemente da sua natureza, continuam a deter a mesma força jurídica que os direitos constiucionais (artigo 18.º CRP), só não sendo-lhes aplicável os preceitos previstos no artigo 18.º n.º1 CRP (ou seja, não detém aplicabilidade direta nem vinculam entidades não públicas, estando contudo o seu regime de restrição condicionado pelos n.º2 e 3 do artigo 18.º);
No caso dos direitos análogos constitucionais(DESC e outros que sejam previstos na Constiuição, mas que não estejam presentes na Parte I da Constituição) ser-lhes-á aplicável, na íntegra, o regime de equiparação do artigo 17.º CRP;
No caso dos direitos fundamentais extraconstitucionais, estes não adquirem valor constitucional, mas ainda assim de valor reforçado, não podendo leis posteriores livremente derrogar o seu conteúdo e alcance, ou seja, a desconformidade de leis posteriores com o conteúdo de um direito fundamnetal consagrado via legislativa resultará na sua ilegalidade. 
Assim se conclui que GOMES CANOTILHO tenta conciliar, ao mesmo tempo, a garantia acrescida de direitos fundamentais com o princípio de separação de poderes: por um lado, o legislador vê-se competente para limitar o alcance e eficácia dos direitos que anteriormente tinha consagrado, se bem que esta capacidade fica, de certa forma condicionada. Já quando é o Tribunal deduz certo direito fundamental, este propõe-se apenas a demonstrar aquilo que já se encontrava implícito na Lei Fundamental, impedindo assim o legislador comum de intervir.
Dito isto tudo, a conclusão a que podemos chegar é que esta distinção entre direitos enumerados e não enumerados não faz rigorosamente sentido – no limite, pode-se levantar a questão da eficácia dos direitos não enumerados junto do poder jurisdicional, ou seja, saber “se” e “quando” têm os tribunais supremos/constitucionais competência para consagrar e aplicar direitos não enumerados, e impô-los sobre a vontade do legislador, sem que tal represntar uma violação do princípio de separação de poderes: a conclusão a que se chegou foi de que deve existir um compromisso entre a “soberania do Parlamento” (“parliamentary soveregnity”) e o princípio do “Estado de Direito” (“rule of law”), que se manifesta principalmente no princípio da constitucionalidade das leis. Como refere DWORKIN, o catálogo de dos direitos compreende uma rede de princípios (uns mais abstratos e outros mais concretos) que originam um “ideal político” e na “estrutura constitucional da Sociedade”, pelo que não podem deixar de ser considerados pelo poder judicial: esta posição seria partilhada por autores como CORWIN, que consideravam os direitos não enumerados como um produto do “direito natural” – teriam assim os direitos não enumerados consagração constitucional, só que esta estaria presente não na Consituição formal, mas estariam na Constituição não escrita ou material, gozando de proteção constitucional quando revelados e “integrados” pelo poder judicial, ou legislativo.
Ora é a partir destas conclusões que muitos autores afirmam que os direitos fundamentais possuem assim uma “dupla natureza”: são tanto “instrumentos” jurídicos como “político-normativos” – são direitos “positivos” (pois estão previstos expressemante no texto constitucional), mas ao mesmo tempo existem “anteriormente” e “fora” da Constituição escrita: como refere CORWIN, “direitos não são fundamentais porque se encontram no instrumento. São fundamentais porque o são”. 
O “caráter duplo” dos direitos fundamentais
Na primeira metade do século XX, as doutrinas alemã e italiana têm conotado com os direitos fundamentais um "princípio programático”, em especial no que toca aos DESC: estes representarão uma “finalidade constitucional aberta”, respresentando um objetivo “jusfundamental” que se transforma num dever de “ação” do Estado, para além dos direitos fundamentais, ao afirmarem-se como princípios, passam a ter “valor interpretativo e integrativo” das restantes disposições constitucionais.
Esta posição tem contudo vir a ser criticada:
Esta dimensão objetiva, em primeiro lugar, vem a “sobrecarregar” o legislador, e de certo modo, a vincular, de forma excessiva, a sua vontade (que se pressupõe ser a vontade do Povo);
 Em segundo lugar, vem de certo modo, sugerir que deve haver sobreposição sobre os “deveres de prestação” do Estado sobre os “deveres de abstenção”;
Em terceiro lugar, deverá ser o sistema de valores constitucionais (ou seja, os direitos fundamentais) fonte de decisões jurídico-constitucionais, ou será a “telos” da lei, sendo os direitos fundamentais apenas uma condição de validade;
Assim, é relevante determinar se a proteção jurídica do catálogo de direitos fundamentais radica numa dimensão objetiva ou subjetiva: desde logo, convém destacar que a CRP vem negar uma mera natureza programática dos direitos fundamentais (ou de meros apelos, como acontecia com a CRP de 1933, às instâncias públicas soberanas), ao impor os princípios da constitucionalidade (artigo 3.º n.º2 e 3), da aplicabilidade direta (artigo 18.º n.º1) e da tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º n.º1), em especial no que se refere aos DLG, pelo que os direitos são sempre justiciáveis, não necessitando do legislador para ter força jurídica efetiva. Por outro lado, são de certo modo “direitos subjetivos de proteção acrescida”, pois estabelecem uma relação “triádica entre sujeitos, um objeto e os seus destinatários”, apresentando posições jurídicas de comando, proibição e autorização”, e obrigando a outrem o dever de não obstaculizar ou impedir o seu exercício por parte do seu titular: tendo isto em conta, ALEXY vem afirmar que um direito fundamental objetivo só o será quando estes não incorporam um direito subjetivo público	, isto é, estes não possam ser interpretados como meros direitos individuais, mas autênticas normas jurídicas objetivas.
Resumindo, o caráter objetivo dos direitos fundamentais encontra repercussão, para além da teoria do “status” de JELLINEK, também no trabalho lógico-sistemático protagonizado por GRIMM: este vem a definir os direitos fundamentais como “princípios básicos da ordem social”, cuja sua finalidade primeira é a da consagração da liberdade individual. Logo, a restrição deste tipo de direitos acarreta não só a restrição de um direito individual, como acaba, de certo modo, por restringir normas objetivas com “mandamentos constitucionais” – é esta conclusão que legitima a aplicação direta dos direitos fundamentais (artigo 18.º n.º1 CRP), e que permite que estes sejam eficazes e perceptíveis por si próprios, a que o juiz invalide e “desautorize” normas legislativas, algo que era intolerável no Estado Liberal clássico, mas que se tornou “regra” com o Estado Social. 
No poder jurisdicional recai portanto não só fazer cumprir a vontade do legislador, mas sobretudo a “vontade da Constituição”, que não é momentânea, nem propriamente atualista, mas antes direcionada na prossecução de um fim permanente e duradouro – o da defesa e promoção da dignidade humana, bem como a construção de uma sociedade livre justa e solidária, tal como exposto pelo artigo 1.º da CRP. Daí que, ao conferir caráter objetivo aos direitos fundamentais, a jurisdição constitucional acaba por transformá-los em “bens jurídicos protegidos”, sem que haja perda da sua individualidade, para além de fixar ao mesmo tempo deveres de prestação ao Estado.
Tudo isto contudo levanta uma questão, que se torna espcialmente relevante quando enquadrada com o princípio de separação de poderes: terão os tribunais, em especial o Tribunal Constitucional, capacidade e competência para verificar a prossecução destes mesmos fins, revelados através dos direitos fundamentais? 
Ora os direitos fundamentais, pelo seu caráter objetivo e aplicabilidade direta e imediata (artigo 18.º n.º1 CRP), obriga a que se opere sempre a uma “ponderação do valor de bens jurídicos”, quando se dá uma colisão entre direito fundamental e interesse público/do Estado ou então entre direitos, ou então na própria efetivação do direito em causa. 
Acontece que esta ponderação envolve não só fatores jurídicos, mas também certos factos exteriores ao Direito, desde logo de ordem sociológica e económica, e dos quais depende certo direito fundamental para que este se possa realmente se verificar – ora esta particularidade é especialmente relevante no que se refere aos DESC, e funda-se num princípio (e que tem cada vez mais sido apoiado na doutrina), sendo este denominado como o limite da reservado possível.[footnoteRef:3] [3: Sobre esta temática debruça-se, por exemplo, o acórdão 148/94 do TC, sobre o sistema de propinas do ensino público universitário] 
Ora este princípio do limite da reserva do possível (que, de um modo simples, determina que certo direito fundamental só pode ser concretizado na medida em que existe recursos sociais e económicos para tal) evidencia, de certo modo, a falta de legitimidade política, bem como os instrumentos, para que os tribunais pudessem apreciar o mérito da gestão de políticas de bem-estar social.
Contudo, esta conclusão não pode “ilibar” os tribunais de justiça constitucional de intervir, em ultima ratio, quando se torna evidente que as políticas seguidas pelo legislador colocam em causa o próprio princípio da dignidade humana – princípio este que se assume comutativo e como um “direito acima da própria lei”. 
Assim, qualquer direito fundamental será sempre “judiciável”, independentemente de este estar mais ou menos limitado na sua aplicabilidade pela “reserva do possível” (mais uma vez há que relevar os DESC, que ao contrário dos DLG, não podem ser por isso entendidos como “reinvidicações” do sujeito sobre o Estado e Sociedade).
Mais, a reserva do possível não se traduz nunca na ineficácia de qualquer direito fundamental, mas antes releva a sua necessidade de ponderação – é neste pressuposto que assenta a “construção de uma sociedade livre, justa e solidária”, objetivo maior do Estado português, tal como disposto no artigo 1.º da CRP.
Está assim investido no poder jurisdicional a proteção e garantia dos direitos fundamentais, cabendo-lhe essencialmente a tarefa da sua delimitação jurídico-funcional nso casos de conflito prático (artigos 202.º n.º2, 204.º e 221.º CRP).
Para além das situações de conflito prático, esta competência de garantia juridico-constitucional dos direitos fundamentais também se revela em processos abstratos, desde logo:
Na declaração de invalidade de atos normativos que, injustificadamente, “ataquem” direitos fundamentais”, por isso, são desconformes com a Constituição;
Na possibilidade de exigir ao legislador que legisle de modo a efetivar certo direito fundamental – artigo 283.º CRP;
Assim, vê-se claramente “abandonada” qualquer tese defensora dos direitos fundamentais dependerem, bem como estar sujeitos à reserva da lei, como era norma no Estado Liberal. Nos dias de hoje, pelo contrário, o que se constata é uma construção jurídica concorrencial do catálogo dos direitos fundamentais, dentro do espírito do princípio de separação de poderes, sendo reconhecido ao legislador a precedência deste no desenvolvimento dos direitos fundamentais, havendo contudo primazia dos tribunais de justiça constitucional no momento em que se torna necessário corrigir uma eventual “arbitrariedade” cometida pelo legislador e, acima de tudo, quando se torna necessário efetivar, de forma contundente, o espírito constitucional em vigor.
O princípio geral da igualdade: o seu sentido na CRP e o seu enquadramento com os princípios da proporcionalidade e liberdade na construção de um ideal de justiça
Previsto no artigo 13.º da Constituição, o princípio da igualdade – onde de certo modo podemos englobar os princípios da universalidade (artigo 12.º CRP) e da equiparação dos estrangeiros aos nacionais (artigo 15.º), de certo modo corolários da igualdade – não se define meramente como “um direito a tratamento igual”: é, acima de tudo, um requisito e parte integradora de qualquer direito fundamental, em especial no que toca ao seu exercício e proteção. 
Em especial, o princípio da igualdade, juntamente com os da proporcionalidade e da autonomia da pessoa, tem essencialmente como função definir as relações entre pessoas, bem como a posição destas perante a Lei, e vice-versa. Seguindo a senda defendida por KANT, a dignidade humana consubstancia-se no reconhecimento da liberdade e igualdade do Homem, estando tal realidade plasmada através dos direitos fundamentais, ou seja, o homem é um ser digno porque não só detém direitos que lhe são inatos e indissociáveis, mas essencialmente porque os exerce de forma livre e igual para com os outros. De certo modo, o reconhecimento dos direitos fundamentais tem o intuito de consagrar a liberdade e igualdade de todos os indivíduos.
Mas o que devemos entender por igualdade? Devemos enquadrar este princípio numa lógica de “igualdade absolutizadora”? Numa lógica de tratamento igualitários ou então, paradoxalmente, numa perspetiva de “direito à diferença”? Neste processo de definição do princípio, deve-se assim em primeiro lugar ter em atenção a dicotomia entre igualdade jurídico-formal e igualdade social (também denominada por igualdade material).
O conceito de igualdade jurídico-formal deriva claramente da raíz positivista-liberal própria do século XIX, onde se exigia, acima de tudo, uma igualdade absoluta entre os cidadãos, ou seja, todos serão iguais perante a lei, detendo todos os mesmos direitos, que são exercidos de igual forma – de todo, não é, segundo esta conceção, admissível qualquer possibilidade de discriminação, seja esta positiva ou negativa: caso, por exemplo, o Estado adotasse regimes e leis discriminatórias, mesmo com um intuito “benigno”, tal Estado assumiria uma posição “paternalista”, ou então elevaria “uma elite” perante o resto do Povo, cometendo assim um atentado à liberdade individual e diginidade dos “discriminados”, algo inadmissível para o liberalismo pós-revolucionário: aliás, o princípio da generalidade e abstracionismo da lei – produto advindo do individualismo e jusracionalismo – aparece historica e filosoficamente ligado ao princípio da igualdade.
Já a conceptualização da igualdade numa vertente material, também denominada por igualdade real ou social, surge com o Estado Social e a consagração dos DESC no século XX, passando a exigir-se do Estado (ao contrário do que era “norma” anteriormente) um papel mais interventivo. Contudo não se deve retirar a conclusão que a perspetiva de uma igualdade material é contraposta à da jurídica-formal, muito pelo contrário: “a igualdade jurídica será sempre, como refere VITTORIO MATHIEU, condição preliminar da igualdade formal”, ou seja, e como defende JORGE MIRANDA, “não se forma uma sociedade de iguais se os seus membros não têm, antes do mais, o direito de ser iguais” – assim, a consideração de uma igualdade material pode ser vista como um desenvolvimento do conceito de igualdade jurídica, onde passa-se a ter em conta as condições concretas das pessoas. Isto é, embora o ordenamento jurídico considere que todos os seres humanos possuem igual dignidade, e por isso, os direitos devam ser, em regra os mesmos para todos, a verificação de desigualdades materiais, e inerentes às condições sociais e fisiológicas, entre certos grupos de indivíduos face a outros obrigam a que o Estado intervenha, em regra, através da introdução de discriminações jurídicas positivas – a este comportamento discriminatório contudo deve ser rejeitada qualquer ideia de um Estado “paternalista” ou “excessivamente intrusivo” (como acontece com os Estados autoritários) – este interfere na vida social só, e mesmo só, porque reconhece que não existe outro meio social que corrija uma determinada desigualdade material, assumindo por isso a Lei esse papel, que assim visa concretizar uma igualdade de oportunidades que de outro modo não seria possível de ser observada.
Resumindo, a consideração e garantia de uma igualdade material na Constituição, em detrimento de uma igualdade meramente jurídica, assenta nos seguintes pressupostos: a) são problemáticas distintas a proclamação de um princípio da igualdade e a sua aplicação prática na vida social, bem como a consagração constitucional do princípio e a sua realização legal-normativa; b) a construção jurídica do conceito de igualdade deve caraterizar por ser um processo contínuo e dinâmico, devendo especialmente ter em conta a “cultura cívica” dominante na comunidade, nomeadamente os seus valores e ideias preconcebidas; c) a conquista da igualdadepor vezes exige do Estado um papel ativo na sociedade civil, seja esta atividade realizada de modo negativo (através da eliminação de sucessivas desigualdades), seja de modo positivo (através da extensão de novos benefícios, que contudo não devem ser confundidos com privilégios); d) mais do que um ideal do Estado, a igualdade deve ser um ideal da Sociedade, isto é, a atuação Estado, de modo a que seja legítima e eficaz, deve resultar de uma própria “transformação social”, contribuindo muito para tal os movimentos cívicos e políticos que se formam e fomentam-se dentro da comunidade – é, de certo modo, neste aspeto que se funda o princípio democrático, onde o Estado opera as mudanças que o Povo (verdadeiro titular da soberania) deseja, pretende e, acima de tudo, necessita[footnoteRef:4]. [4: É esta mesma conclusão que se encontra explícita nos artigos 1.º e 2.º da CRP ] 
É exatamente esta visão de igualdade real que a CRP de 1976 veio a consagrar: não só reconhece uma igualdade perante a lei – presente desde logo, nos artigos 12.º (universalidade), 13.º (igualdade) e 15.º (equiparação de estrangeiros e apátridas aos nacionais), se bem que a CRP não se circunscreva à enumeração destes princípios, aplicando-os diretamente com a consagração de DLG que têm o intuito de promover a igualdade em “zonas em que esta questão será sensivelmente relevante”[footnoteRef:5] – como visa concretizar essencialmente uma igualdade real entre portugueses – é este o pressuposto que desde logo se encontra subjacente com a consagração dos DESC, bem como de alguns DLG com conteúdo “positivo” (o caso paradgmático será o artigo 20.º, sobre o direito a uma tutela jursidicional efetiva assegurada pelo Estado). Mais, a necessidade de promoção de uma igualdade real manifesta-se não só no catálogo dos direitos fundamentais, mas como no próprio processo e conteúdo das decisões políticas​: é o que comprova, por exemplo, o artigo 9.º[footnoteRef:6] d), g) e h), e em especial o artigo 81.º, onde o princípio da igualdade assume, nos mais variados quadrantes, uma preponderância enorme como critério no que toca à definição das políticas económicas e sociais do Estado [nomadamente alíneas a), b), d), e) e f)]. [5: Podemos começar, desde logo, pela enumeração exaustiva operada artigo 13.º n.º2 de situações em que a discriminação é proibida, mas também reflete-se uma ideia de igualdade em direitos como o do sufrágio universal e direto (artigo 10.º n.º1), a liberdade de expressão e de imprensa (artigos 37.º e 38.º), o direito de antena, de resposta e de réplica política (artigo 40.º) e a liberdade religiosa, de consciência e culto (artigo 41.º), etc.] [6: Que enumera as tarefas fundamentais do Estado] 
Assim, o sentido de igualdade que a CRP consagra assenta em três pilares:
Igualdade jurídica não equivale a igualdade natural;
A ideia de igualdade aparece corolária à ideia de justiça;
O princípio da igualdade não pode ser interpretado de forma separada e abstrata, mas antes conetado com outros princípios e valores presentes na Constituição material;
Ao analisar estes três pontos, a grande conclusão a retirar-se é que existem duas dimensões inerentes ao sentido do princípio da igualdade: a) a primeira é uma negativa, e que se consubstancia numa total proibição dos privilégios – discriminações com um pressuposto subjetivo de, injustificadamente, beneficiar um grupo de indivíduos sobre os outros, ou de relevar uma “maioria” em detrimento de uma “minoria”, e que por isso não devem ser confundidas com situações de vantagem fundadas numa intenção de corrigir desigualdades de facto, e que por isso possuem um caráter temporário; b) a segunda será uma dimensão positiva, assente nos seguintes pressupostos – tratamento igual de situações iguais, tratamento desigual de situações desiguais, tratamento em moldes de proporcionalidade, tratamento das situações não tão só como existem, mas também como idealmente deveriam existir.
Assim se conclui que “dar tratamento igual é, ao abrigo da Constituição, equivalente a “dar tratamento proporcional”. Ora isto significa que, tal como referido anteriormente, o princípio da igualdade não pode ser interpretado e aplicado de forma autónoma, mas antes associado com os princípios da liberdade e proporcionalidade – estes acabam por ser corolários, codefinindo-se mutuamente: “todo o ser humano é livre, pelo que, em virtude da sua condição humana, todas as pessoas serão iguais perante a Lei, pelo que gozam todos dos mesmos direitos, sendo o seu exercício proporcional à situação factícia em que cada um se insere”. Daí que a liberdade, e em especial, a igualdade dos indivíduos e a proporcionalidade das medidas sejam os grandes critérios de constitucionalidade material de qualquer norma jurídica.
A proporcionalidade desempenha, desde logo, um importante papel para entender o que “é igual e o que é desigual, o que é comparável e o não comparável”: “o arbítrio, a desrazoabilidade, inadequação ou desproporção da solução legislativa revelam, de modo mais flagrante, a sua preterição”. Para além disso, e mais do que as medidas serem proporcionais, há que verificar se, no caso de estamos perante uma lei à partida discriminatória, a diferença de tratamento se conforma com os valores e metas constitucionais, ou seja, uma discriminação tem que assentar num fundamento material com valor constitucional. Ora estes dois requisitos (proporcionalidade e razoabilidade constitucional) transmitem, como refere ELYS, uma desconfiança por parte do poder constituinte para com legislador, pelo que o princípio da igualdade serve como limite à atividade legislativa, exigindo-se uma não contrariedade dos fins constitucionais, nomeadamente o princípio da dignidade humana, por parte das normas jurídicas
Exemplo: o governo, após um trabalho estatístico, apura que os menores de 25 anos, com emprego, auferem em média 20% a menos em termos de salário, quando comparados com as gerações mais velhas. Face a isto, o Governo legisla de modo a que os menores de 25 anos, que se socorram do crédito habitação ou automóvel, serão apoiados pelo Estado em 15% - à primeira vista, é introduzida um discriminação de tratamento, em termos de recurso ao crédito, entre menores de 25 anos e os de gerações mais velhas, contudo pode-se considerar que o princípio da igualdade foi respeitado, pois o Governo assenta esta medida não num sentido de dar um privilégio, mas sim auxiliar um grupo de cidadãos que, em situações normais, estão em desvantagem perante os outros, tentando por isso compensar de modo proporcional à diferença registada além deste até realizar uma discriminação que aparece desde logo constitucionalmente justificada (artigo 70.º CRP). 
Resumindo, a constitucionalidade de qualquer norma jurídica assenta nos seguintes factos:
Se a norma fizer uma diferenciação não fundada, ou pior, com base nas cláusulas previstas no artigo 13.º n.º2 CRP[footnoteRef:7], então esta será sempre inconstitucional. Assim, o n.º2 do artigo 13.º enumera diversas cláusulas onde não é permitido ao legislador a sua utilização para justificar, nem que seja em parte, qualquer discriminação legislativa; [7: Há contudo exceções à proibição de discriminação com base nas cláusulas do artigo 13.°/2, desde que seja, obviamente, a situação factícia que o exija (no caso do desporto p.e.)] 
Se houver discriminação legislativa objetiva, esta terá que ser positiva, isto é, incidir sobre situações que a própria CRP já admite que existe uma desigualdade estrutural, sendo necessário a tomada de políticas e medidas corretivas (artigo 71.º p.e.); 
A medida legislativa (e que eventualmente introduza um regime subjetivo diferenciado) tem que obedecer a critérios de razoabilidade. Mas como definir algo como razoável? Doutrina e jurisprudência, interpretando o artigo 18.º n.º2 e 3.º, têm vindo a apontar os seguintes parâmetros: 
Admissibilidade – os fins legislativos têm que ser coerentes com os do poder constituinte, ou seja, a lei deve prosseguir um interesse público constitucionalmente consagrado;idoneidade e necessidade – a medida tomada pelo legislador é um meio mais adequado, ou até mesmo único para alcançar o fim proposto pela lei, pois de outro modo este não poderia ser prosseguido sem maior “onerosidade” para os particulares; 
proporcionalidade em sentido estrito – eventuais restrições de direitos, ou discriminações introduzidas devem limitar-se ao estritamente necessário para atingir as “metas” propostas pela lei; 
São assim nestes três pontos, integrados numa lógica de igualdade jurídica dos indivíduos, onde assenta o controlo material constitucional das leis, que contudo não pode, nem deve, ser confundido como uma intromissão do poder judicial no poder legislativo! Antes corresponderá àquilo a que nos EUA se dá o nome de “minimal scrutiny”, onde se pretende fazer uma conciliação entre o dever judicial dos tribunais em proteger e garantir os direitos fundamentais, e a observância e respeito pelo princípio de separação de poderes, onde se exige o respeito pela autonomia da vontade do legislador pelos demais poderes públicos, incluíndo o jurisdicional.
Então como se caraterizará este escrutínio mínimo?
Opera-se o “teste da racionalidade”, ou seja, tem que verificar-se uma relação positiva entre “fim” e “meios”: se a finalidade a prosseguir pela lei não é mais do que um “subterfúgio” para o emprego de certo meio (não existindo por, isso relação consequente entre “meio” e “fim”) então tal lei será irracional, ainda por mais quando vem a introduzir tratamento discriminatório/desigual. Assim, importa desde logo “entender” as razões que levam o legislador a “singularizar” uma determinada situação em prejuízo de outras;
Faz-se uma ponderação entre as razões enumeradas para justificar a desigualdade legislativa e os valores constitucionais implicados: a este procedimento a doutrina italiana viria a denominar por “contraposição entre direitos subjetivos e interesses legítimos”, onde se justifica uma avaliação dos argumentos lógicos que servem de apoio para certa lei discriminatória;
Não se admite qualquer conclusão de que a Constituição só impõe uma única solução legislativa para a regulação de uma situação específica. Reconhece-se por isso que existe uma pluralidade de soluções, estando investido no legislador, e nunca no poder jurisdicional, determinar qual será a mais adequada. Caso o Tribunal, mais do que determinar uma eventual invalidade ou inadequação constitucional de certa norma legal, decidisse positivamente impor certas medidas vinculativas (mesmo com “boas intenções”), tal resultaria certamente num “esvaziamento do conteúdo mínimo dos demais poderes soberanos” – e, porventura, numa violação do princípio de separação de poderes – além de subverter a própria função jurisdicional, que se assume como uma função de poderes passivos.
Como defende DUCAT, a apreciação jurisdicional da “razoabilidade” e “racionalidade” não se consubstancia em verificar se a solução A é mais apropriada do que as soluções B, C ou D, mas antes verificar ser a solução A, é uma solução “racional” e “proporcional”. “Contemplar um leque amplo de alternativas”, afirma DUCAT, “é tarefa do legislador, não dos tribunais de justiça constitucional”.
Assim, qualquer solução ou medida tomada pelo legislador será sempre legítima quando: 
Qualquer eventual tratamento discriminatório introduzido deve fundar-se apenas e unicamente numa distinção objetiva de situações onde será aplicável;
Não admita qualquer discriminação subjetiva fundada nas cláusulas enumeradas no artigo 13.º n.º2 CRP, salvo nos casos previstos na CRP (artigo 71.º, por exemplo) ou porque a factualidade concreta assim o demanda (desporto, serviço militar,…);
Prossigam um fim legitimado constitucionalmente (artigo 18.º n.º2 CRP);
Seja uma medida adequada, necessária e empregue meios proporcionais ao objetivo prosseguido;
Finalmente, convém referir que o princípio da igualdade, por virtude do artigo 18.º n.º1 CRP, não só se aplica nas relações Estado/particulares, mas também nas relações exclusivamente entre particulares. Contudo a sua aplicação torna-se mais complexa, uma vez que se torna necessário fazer uma conjugação do princípio da igualdade com o da autonomia da vontade individual,também ele consagrado constitucionalmente e visto como elemento da dignidade humana (artigos 26.º n.º1, 47.º n.º1, 61.º n.º1 e 62.º CRP, p.e.). Ora a articulação entre estes dois princípios tem sido aceite e aplicada da seguinte forma:
Direitos e princípios que sejam um reflexo do princípio da igualdade nas relações privadas – artigo 36.º n.º 3 e 4 CRP é um exemplo clássico – são de aplicação imediata, sem quaisquer restrições;
A vedação/proibição de privilégios e discriminações fundadas nas cláusulas enumeradas pelo artigo 13.º n.º2 CRP é também imediatamente aplicável, sem necessidade de lei interposta. Como refere o Prof. JORGE MIRANDA, “ninguém pode ser desconsiderado por outros, nem tratado arbitrariamente ou afetado nos seus direitos e deveres por algum dos fatores ali (n.º2 do artigo 13.º) previstos ou por qualquer outra causa de discriminação”. Este mesmo regime é também, e especialmente aplicável no interior de quaisquer pessoa coletiva ou grupo não personalizado, onde se exige igualdade (ou pelo menos, que não haja discriminação fundada nos fatores previstos no dito artigo 13.º n.º2) entre os direitos e deveres dos seus integrantes, bem como no próprio direito de acesso.
É legítimo contudo, que uma pessoa coletiva e associação, quando a natureza da atividade que desempenha assim o exije[footnoteRef:8], coloque de forma objetiva, restrições fundadas em alguns preceitos previstos no n.º2 do artigo 13.º, no que diz respeito ao direito de acesso a essa mesma instituição. Será por isso admissível, por exemplo, que uma equipa de futebol masculino rejeite que ingresse nesta uma jogadora pelo simples facto desta ser do sexo feminino p.e.; [8: E desde que conforme com os preceitos constitucionais – artigo 46.º n.º 4 CRP] 
Embora seja princípio-regra, no ordenamento jurídico, a consagração da liberdade contratual e negocial dos particulares (artigo 405.º CC), não deixa de ser contudo habitual que o legislador, ou até mesmo a Constituição (artigo 60.º nomeadamente), venha a restringir essa mesma liberdade – tal geralmente tem como fundamento a verificação de desigualdades de facto entre as partes negociais, tendo o legislador por isso o intuito de “artificialmente” equilibrar as posições contratual destas[footnoteRef:9]; [9: A igual autonomia da vontade partes é, aliás, o pressuposto para o princípio da liberdade contratual] 
Conclui-se assim que, e citando o prof. JORGE MIRANDA, “a autonomia da vontade nas relações entre particulares não pode legitimar a prática de atos que (…) sejam violadores da dignidade da pessoa humana, Dignidade e igualdade são incindíveis, seja entre pessoas e o Estado, seja entre as pessoas como particulares”. 
Capítulo V – A estrutura das normas de direitos fundamentais
Sistema aberto, ou sistema fechado?
Num Estado de Direito, o sistema jurídico é conceptualizado, em regra, de duas formas fundamentais: um sistema aberto, inspirado na tese do constitucionalismo, e um sistema fechado, fruto do espírito do legalismo. 
O modelo defendido pelo legalismo corresponde essencialmente ao entendimento de que o sistema jurídico é simplesmente composto por regras jurídicas, sendo por isso uma sistema “fechado”, equivalente à ordem jurídica, e que incide e regula de forma direta os demais factos sociais e relações jurídicas. Assim se percebe que o legalismo é produto do positivismo jurídico, sendo o sistema jurídico postulado pela racionalidade da lei, sendo tudo o resto extrajurídico.
Já o sistema aberto proposto pelo constitucionalismo define-se numa ponderação orientada por regras e princípios constitucionais, sendo estes últimos os validantes dos primeiros. A ordem jurídica será portanto composta tanto por regras como princípios, o que indica uma abertura do sistema, pois a ordem jurídica não se justifica a si própria: tal é fornecidopelos princípios, que se revelam acima de tudo como parâmetros de interpretação e aplicação efetiva e prática das normas jurídicas – estas são assim produto não necessariamente de um texto legal, mas sobretudo resultado de uma interpretação construtiva, subjacente em princípios jurídicos.
Será então neste contexto de um sistema jurídico aberto que, por exemplo, GOMES CANOTILHO vem a assentar a sua perspetiva “principialista” do sistema, na senda de DWORKIN e ALEXY – o sistema jurídico não compreenderá apenas regras, mas também princípios, que se manifestam fundamentalmente no catálogo dos direitos fundamentais, que pela sua consagração na Lei fundamental acabam por limitar o próprio procsso político-legislativo, e estabelecendo-se como critério último de validade de toda a ordem jurídica
Mas como definir o conceito de direito fundamental? É com o intuito de dar uma resposta a esta questão que em 1977, DWORKIN vem assim refutar todas as teorias positivistas (dominantes à época), para no seu lugar estabelecer a tese que ficaria conhecida como a teoria dos princípios jurídicos.
 
O modelo de regras e princípios propostos por DWORKIN
O modelo apresentado por DWORKIN veio a assentar nos seguintes pressupostos:
Em relação à estrutura e limites do sistema jurídico: este compreende não só regras, mas também um conjunto de princípios (revelados na sua maioria pelos direitos fundamentais);
Em caso de conflito entre duas ou mais regras, a solução não se encontrará no quadro jurídico (que não oferece nenhum critério de decisão), mas antes recai no intérprete/juiz, com base na sua competência;
Em relação à discricionariedade do juiz: os direitos fundamentais detém anterioridade e independência das regras que os corporizam;
Os princípios revelam-se por isso como sendo o parâmetro de validade da “right answer” que dão resposta aos “hard cases”, que por seu turno estabelecem o precendente de decisão para os “soft cases”.
Mas o que se deverá entender por princípio? DWORKIN vem a definí-los como todas as medidas, mesmo aquelas não corporizadas em regras, e que se apresentam como argumentos a favor de, além de revelarem, direitos fundamentais. Derivam, defende DWORKIN, sobretudo da prática judicial, e que os tribunais reconhecem como tal no exercício da suas funções. DWORKIN vem também a subdividir os princípios em duas categorias: a primeira denominada por “princípios strictu sensu”, correspondentes aos direitos fundamentais, e a segunda denominada por “policies”, que no seu entender correspondem aos bens jurídicos coletivos, ou a fins comunitários gerais.
Qual a relação entre princípios e regras? A imposição dos princípios nos “hard cases” tem, no entender de DWORKIN, um efeito “all or nothing” nas regras em confronto: se a regra for conforme ao princípio, esta não poderá ser contestada nas suas consequências. Já caso não seja conforme, a regra não pode nunca mais ser utilizada como base de decisão nos “soft cases”. 
Mas e quando se opera um confronto de princípios? Nestas situações apelar-se-á a um procedimento de ponderação, pendendo a decisão para o princípio que apresente maior peso relativamente ao caso prático, não havendo contudo efeito invalidante. 
Conclui-se portanto que a diferença entre princípios e regras reside na estrutura e nos diferentes modos de colisão:
As regras impõem “comandos”, que em caso de conflito determina-se a preterição e exclusão de uma face a outra;
Os princípios impõem critérios de decisão, de modo a obter-se a solução ideal;
A colisão entre direitos fundamentais obriga ao estabelecimento de um sistema de preferência, e não de derrogação ou revogação como acontace com as regras, fruto do facto destes objetivamente deterem o mesmo valor;
O modelo tripartido de ALEXY e GOMES CANOTILHO
Como complemento ao modelo apresentado por DOWRKIN sobre a composição do sistema jurídico, autores como ALEXY e GOMES CANOTILHO vêm sugerir um terceiro elemento, a juntar-se às regras e princípios: nas palavras de ALEXY, este terceiro componente do sistema jurídico será o dos “procedimentos de aplicação”, que terão o intuito de assegurar uma aplicação racional do Direito, garantindo-se assim a institucionalização de procedimentos judiciais efetivadores dos princípios e regras judiciais.
Resumindo, a tese de ALEXY, denominada por “teoria processual da correção prática” vem afirmar que a norma jurídica será produto de um processo de deliberação jurídica pré-determinado, e pré-validado, assentando nos seguintes pressupostos:
As regras ditam o Direito;
Os princípios validam e justificam o Direito;
Os procedimentos revelam e efetivam o Direito;
No mesmo sentido seguiu HABERMAS na sua “teoria jurídica do discurso racional”, provavelmente a mais importante das teorias procedimentais da justiça. Segundo HABERMAS, os procedimentos corresponderão a “formas de argumentação”: as decisões jurídicas não dependerão necessariamente da qualidades dos argumentos justificantes, mas principalmente da “estrutura do processo de argumentação”.
Este “processo de argumentação”, na opinião de HABERMAS, revela-se nos seguintes pressupostos:
Igualdade de oportunidades de todos os participantes na formulação da decisão jurídica;
Liberdade de expressão e argumentação destes participantes;
Coerência nos princípios implicados no processo e decisão;
A veracidade, ou melhor ainda, a verossimilidade dos argumentos apresentados;
Ausência de coação, ou qualquer outro tipo de constrangimento, na formulação da decisão jurídica.
A contrapor-se a HABERMAS temos RAWLS, que distingue entre justiça procedimental, e justiça substantiva, que apesar de diferentes, não serão realidades separadas, estando conetadas entre si. Com a “justiça do processo” revelar-se-á na equidade e racionalidade do procedimento que leva à decisão jurídica, sendo por isso composta por um conjunto de valores e princípios procedimentais. Já por “justiça substantiva” entende-se a substância da decisão judicial final propriamente dita, e que encapsula os valores, princípios e direitos fundamentais substantivo. 
Capítulo VI – A função das normas de direitos fundamentais
A função social dos direitos fundamentais
Os direitos fundamentais, na sua conceção original, têm como pressuposto o desenvolvimento e exponencialização da condição humana: assim, a dignidade humana assentará no facto de todo o indivíduo ser igual e livre para desenvolver a sua personalidade – era nestes pontos onde se assentava o individualismo clássico, cujo modelo corresponderá a uma separação entre Estado e Sociedade, onde esta última deveria “autogovernar-se”, “cabendo à Constituição, garantir juridicamente a realização da autonomia societária de das suas iniciativas individuais”.
Conclui-se portanto (e como já exaustivamente referido) que os direitos fundamentais impunham basicamente uma “abstenção” e “desparecimento” do Estado nas questões sociais. Ora quando veio a atribuir-se aos direitos fundamentais uma função social, tal teve o intuito de limitar esta mesma perspetiva: estabeleceu-se assim uma síntese entre direitos fundamentais de defesa “clássicos”, e os direitos “modernos” de cariz prestacional e participativa – a uma dimensão negativa, juntou-se portanto, uma dimensão positiva, e à “liberdade face ao Estado”, passa a estar associada a “liberdade através do Estado”, onde é facultada e garantida aos indivíduos o gozo efetivo de bens constitucionalmente protegidos. 
O estatuto da cidadania, como limite da arbitrariedade dos poderes públicos, já não consiste unicamente em proteger uma esfera jurídica de liberdades individuais através da “imposição de barreiras ao Estado”, mas também no incentivo e garantia de macanismos de participação e intervenção dos cidadãos na vida público-social, que por seu turno têm como corolários deveres que os cidadãos devem assumir para com o resto da comunidade e Estado, e que extravazam o mero respeito dos direitos de outrem. Ou seja, o indivíduo assume uma “compromisso em relação aos interesses fundamentais da Sociedade”.
Não existe melhor exemplo desta preposiçãoque o artigo 66.º n.º1 CRP, que consagra, não só o direito aos indivíduos de viver num ambiente sadio e equilibrado, como também impõe um dever a estes de garantir e preservar este mesmo “status quo”. 
 
Os direitos económicos, sociais e culturais
Na sua assunção clássica, os DESC definem-se como “direitos a prestações”, isto é, os DESC são vistos como “pretensões dos cidadãos face aos poderes públicos”, numa obrigação de facere imposta ao Estado de prestar algum serviço aos seus cidadãos. Esta conceção ainda se reflete, de certo modo, na estrutura consitucional do catálogo dos direitos fundamentais (se bem que a CRP integra alguns direitos “defensivos”, como o da propriedade privada – artigo 62.º CRP – na parte dos DESC, e em outras situações considera direitos “positivos” – como o direito à greve, previsto no artigo 57.º CRP – como DLG), visto formalmente a CRP só expressamente consagrar, nos termos dos artigos 17.º e 18.º, um regime específico e diferenciado para os DLG.
Deste modo, a sistematização constitucional dos direitos fundamentais fundar-se-á no seguinte esquema:
Direitos “strictu sensu” – corresponderão aos status positivus e status activus do estatuto da cidadania, sendo direitos inerentes à condição humana e que constituem o “mínimo” necessário para que o indivíduo interaja na comunidade.
Liberdades – correspondem ao status negativus do estatuto da cidadania, tendo como papel a defesa da esfera jurídica que é indispensável ao indivíduo;
Garantias – compõem o status activus procssualis, traduzindo-se nos meios processuais adequados para a defesa e proteção dos direitos fundamentais;
Ora tendo em conta este panorama, onde se encaixará os DESC, que apresentam de forma mais forte a problemática da sua efetividade e exequabilidade? Alguns DESC, como é exemplo o direito da propriedade privada, são por natureza diretamente aplicáveis, mas a grande maioria necessita de uma atividade mediadora que tem que ser levada a cabo pelo Estado (exemplo do direito à habitação – artigo 65.º CRP). Por sua vez, em alguns DLG clássicos também se coloca a questão da sua exequabilidade e efetivação, onde o Estado tem que criar normas e procedimentos, e adotar políticas legislativas, organizativas e administrativas de modo a que haja na prática a consagração de direitos como o do acesso à tutela jurisdicional efetiva – artigo 20.º CRP.
 Para além do problema da sustentabilidade da maior parte dos DESC, vários autores (onde se destaca MARTIN OASKY) vêm a criticar a conceção clássica dos DESC devido ao que denominam de “efeito perverso de dependência do indivíduo face ao Estado”, o que, de certo modo, no entender destes autores, contraria a própria razão de existência dos direitos fundamentais (precisamente a independência e liberdade do indivíduo). Mais, a consagração dos DESC vem ainda mais tornar os cidadãos dependentes e vulneráveis da ação e decisão dos poderes estatais, que assim “impõe soluções que deveriam ser definidas e encontradas pela própria Sociedade em si” – assim, esta “dependência” acaba por ter efeitos paradoxalmente simétricos: por um lado, o Estado assume um cariz cada vez mais “paternalista”, para não dizer autoritário, e por outro, torna nos direitos sociais não numa proteção da dignidade do indvíduo, mas num instrumento de reivindicação insustentada e indevida do indivíduo sobre o Estado[footnoteRef:10]. Logo, para esta parte da doutrina, a concretização dos DESC por parte dos poderes públicos deve-se ser subsidiária, limitando-se ao estritamente necessário, e sempre quando a sociedade, por ela própria, não consegue dar uma “resposta” minimamente condigna. [10: Por exemplo, seria insustentável que um cidadão, por força do artigo 65.º CRP, exigisse que o Estado lhe oferecesse uma habitação, mesmo que o cidadão em questão detenha os meios necessários para ele próprio adquirir a dita habitação] 
Assim, por força do problema da sustentabilidade e da “dependência”, uma parte considerável da doutrina tem vindo a dividir os direitos fundamentais em dois “grupos”: os “direitos de defesa” e os “direitos fundamentalmente económico-sociais”.
De acordo com esta divisão, os primeiros não terão custos, ou quando os há, estes serão residuais, não estando por isso dependentes da situação económico-social que a dado momento se encontra a sociedade e finanças públicas. Já os segundos, devido aos custos implicados, só poderão ser garantidos e efetivados em medida proporcional ao progresso e desenvolvimento econcómico-social registado. Ora daqui se retira duas conclusões: a primeira é que, no seu conjunto, os DESC estão limitados pelos pressupostos de facto que permite a sua realização efetiva; já a segunda conclusão será de que o legislador detém primazia no que diz respeito à configuração jurídico-normativa dos DESC, integrando-se esta tarefa [entre nós prevista pelo artigo 9.º d) CRP] nas competências orçamentais e financeiras próprias do legislador, fazendo por isso parte do seu “domínio de ação”.
Será portanto nestas preposições onde se assenta aquilo a que a doutrina dá o nome de “princípio do limite da reserva do possível”, que exprime, deste modo, o seguinte:
Há uma dependência e relação direta entre direitos “prestacionais” e os recursos sociais-económicos disponíveis;
É o legislador detém poder discricionário para determinar as prioridades políticas no que concerna aos DESC, podendo os poderes públicos, por força de eventual inexistência de recursos, “fazer menos” do que aquilo a que estavam teoricamente vinculados a “fazer”.
Contudo, o limite da reserva do possível não iliba a autoridade estatal em “não fazer nada”: por força dos princípios da dignidade humana e proteção da confiança dos cidadãos, a tarefa imposta ao Estado pelo artigo 9.º d) da CRP não pode ser simplesmente “descartada” – neste aspeto, como refere GOMES CANOTILHO, o “mínimo de concretização” dos DESC é, de certo modo, um “direito de defesa” dos cidadãos, se bem que este se traduza em obrigações de prestação do Estado para com os cidadãos.
Ora a exigência do mínimo de concretização por seu turno afasta outra noção errada acerca dos DESC – de que estes serão pouco mais do que “apelos” ao legislador, ou pelo, normas programáticas sem exequabilidade. Pelo contrário, de acordo com o espírito da CRP, estes dispõem de vinculatividade normativa geral (artigo 18.º n.º1), sendo não só normas de “ação” – o seu incumprimento pode originar uma inconstitucionalidade por omissão (artigo 283.º CRP) – mas também “parâmetros de controle” no que toca à apreciação da consitucionalidade de medidas legais que os restrinjam ou contradigam.
Por outro lado, o princípio do limite da reserva do possível faz com que os DESC não possam ser interpretados como “pretensões jusfundamentais subjetivas abstratas”: o direito à saúde (artigo 64.º CRP), por exemplo, não poderá obrigatoriamente ser entendido numa obrigação do Estado em garantir que os cidadãos possuam sempre um bom estado de saúde, mas antes que tome medidas que permitam aos indivíduos ter acessos a cuidados básicos de modo a que eles próprios possam garantir uma vida minimamente “saudável”. Relembrando o que fora referido anteriormente, a norma “nasce” de um trabalho interpretativo, onde se faz uma adequação entre o texto da norma e a situação concreta onde esta vai ser aplicada – ora, por força do limite da reserva do possível, na definição da “situação concreta” inclui-se a verificação, por parte do intérprete, da disponibilidade dos recursos orçamentais, económicos e financeiros para efetivação dos direitos fundamentais no seu conjunto.
Então como deverão ser caraterizados os DESC? A doutrina alemã, por exemplo, tem vindo a descrever o núcleo dos DESC como “direitos derivados a prestações”, assentes nos seguintes dogmas:
São direitos de igual acesso, obtenção e utilização das demais instituições públicas, designadamente as de educação, trasnportes, saúde, etc.;
São direitos de igual participação nas prestações fornecidas pelos serviços e instituições públicas e comunitárias, comopor exemplo subsídios escolares, prestações de reforma e invalidez, etc.
De modo esquemático, podemos afirmar que os DESC, ou melhor, os “direitos derivados a prestações” consistem na promoção no igual acesso a determinadas atividades ou serviços relevantes quer quanto à participação numa instiuição quer quanto à prestação de que gozam outras pessoas em idêntica posição. 
Conclui-se portanto que existe, mais até do que acontece nos DLG, uma relação simbiótica entre o princípio da igualdade e os DESC: o seu intuito é, sobretudo, concretizar uma igualdade material entre os indivíduos. Daí que direitos prestacionais assumem-se como verdadeiros direitos fundamentais da igualdade, traduzindo-se na atribuição aos cidadãos de um direito a uma participação igual nas prestações estaduais. Assim, os DESC serão no fundo “direitos a ações e prestações iguais do Estado”, consistindo estes na seguinte conclusão: “todos aqueles que se encontram ou possam cumprir os mesmos pressupostos, gozam também de uma igual pretensão a prestações”.
Por tudo isto, os DESC não podem nunca ser vistos como meras concessões do legislador! Pelo contrário, estes são deveres de prestação, de ação a cargo do Estado, decorrentes de imperativos constitucionais. Os DESC constituem assim, segundo SUNSTEIN, uma parte fundamental do Contrato Social (onde o Estado exerce a sua soberania em prol do Povo) – logo, a sua não realização, ou realização deficiente, conduzirá a uma violação do princípio da confiança do cidadão, visto estarem “defraudadas” as legítimas expectativas depositadas pela Sociedade no Estado.
Será esta a lógica acerca dos DESC que se encontra plasmada na Constituição de 1976 – esta faz um reconhecimento dos direitos económicos e sociais, acompanhando-os de uma​ imposição ao legislador em adotar políticas públicas que os concretizem, ou seja, os DESC são, tal como os DLG, vistos como direitos “originários” e constitucionais, vinculando os poderes públicos, não sendo por isso “direitos derivados ou consagrados em lei”, além de obrigar os poderes públicos à aprovação de medidas (tendo em conta os recursos disponíveis) com vista à realização progressiva e gradual destes direitos fundamentais.
 Conclui-se assim que é impossível negar aos DESC o seu status constitucional de bens jurídicos protegidos, apresentando-se tal como os DLG numa forma “de liberdade e independência do indivíduo”, tendo assim também uma natureza de direito de defesa, para além do seu caráter prestacional.
Contudo, não se poderá negar que os DESC possuem uma indeterminabilidade estrutural bem maior quando comparados com os DLG – ora isto acaba por traduzir-se, por seu turno, num “maior espaço de apreciação” que é concedido ao legislador, inclusive na determinação dos correspondentes “deveres de proteção” implicados no direito económico, social e cultural em questão. Assim sendo, os DESC assumem-se mais propriamente como uma “garantia relativa”, pelo que um eventual conflito entre um DESC e direitos, liberdades e garantias, o legislador deverá ter particular atenção em tomar medidas de proteção e efetivação do DESC que sejam o menos gravosas possível, tendo este que demonstrar que mais nenhum meio será idóneo de modo a prosseguir o interesse público subjacente ao DESC.
GOMES CANOTILHO, por exemplo, e de modo a minimizar a problemática da indeterminabilidade estrutural e força jurídica, vem afirmar que a consagração de “direitos a prestações” implica o seguinte:
A interpretação das normas legais que têm impacto, direto ou indireto, no alcance e efetivação de um DESC, deve ser conforme com o “espírito da Constituição económica, social e cultural” ou, como defende HESSE, numa ótica de realização efetiva do direito. Exemplo: uma certa norma que introduza alterações no sistema da segurança social deve ser apreciada de acordo com o espírito do artigo 63.º CRP, isto é, o “espírito” da norma é contraposta com sentido que a CRP imprime para a efetivação do direito à segurança social; 
A “inércia” do Estado pode dar lugar a inconstitucionalidade por omissão, fruto da não tomadas de medidas que efetivem determinado DESC, ou porque as normas legais adotadas não vão ao encontro daquilo que é pretendido pela Constituição;
Proibição do retrocesso social[footnoteRef:11] – este princípio significa que, uma vez consagrados e desenvolvidos legalmente os preceitos constitucionais de um determinado DESC, o legislador não pode “retratar-se”, isto é, não poderá mais tarde vir a eliminá-las ou reduzir o seu alcance, a não ser por força do princípio do limite da reserva do possível[footnoteRef:12], ou então por apresentar medidas alternativas adequadas. Por causa deste princípio de proibição do retrocesso, o que antes era uma obrigação positiva – a do Estado desenvolver e efetivar determinado DESC – transforma-se, com a sua efetivação e concretização, numa obrigação negativa – a do Estado abster-se em adotar medidas e políticas que atentem contra a realização dada a certo DESC, e que se traduza na violação do conteúdo essencial do direito em causa. [11: Acórdão do TC n.º 39/84 e Acórdão 509/2002 também do TC ] [12: Ou seja, é permitida uma espécie “derrogação temporária”, face a uma insuficiência de recursos ou então, por outro prisma, operar-se-á uma restrição de direitos, de acordo com as regras previstas no artigo 18.º n.º2 e 3 da CRP ] 
Mas de que modo devem ser concretizados os direitos sociais, económicos e culturais? A grande maioria dos autores (entre nós destaca-se GOMES CANOTILHO) vem defender o princípio da reserva da lei, isto é, a efetivação e realização de determinado DESC de caráter prestacional só será operável através de uma lei tanto em sentido material (isto é, ser geral e abstrata) como formal (isto é, tem que assumir forma de ato legislativo) – tal tem duas justificações: a primeira é o princípio geral da igualdade, e a segunda será que, em regra, os serviço prestados pelo Estado, as determinados cidadãos, ao abrigo de um DESC geralmente acarreta custos e encargos para outros, fruto da necessidade de recursos que o Estado necessita e que são obtidos, na sua larga maioria, através de receita tributária. Ou seja, e como já mencionado anteriormente, a efetivação de um DESC depende sempre da realidade económica, financeira e orçamental do Estado – ora acontece que eventuais deliberações acerca destas matérias só podem ser tomadas sob a forma de lei (artigos 103.º n.º 2 e 166.º n.º2 CRP), e pelo órgão de soberania representativo do Povo[footnoteRef:13], ou seja, o Parlamento [artigos 147.º, 161.º g) e h) CRP]. [13: Ou com autorização deste – artigo 165.º CRP] 
Do princípio da reserva da lei contudo, não se pode retirar a conclusão de que a prestação em concreto é obrigatoriamente definida e determinada via ato legal. Antes, vem significar que só através da lei podem ser delineados os “critérios objetivos” de determinada prestação ao abrigo de um DESC, bem como os respetivos procedimentos administrativos a aplicar. Por seu turno, a delimitação, avaliação e contemplação das “pretenções” dos “interessados” ao abrigo de um DESC, tornado exequível por certa disposição legal, será antes uma responsabilidade e atribuição investida na Administração, cuja função é exatamente adaptar uma “realidade legislativa-normativa” aos pressupostos de facto/realidade factícia verificada.
Conclui-se assim que os DESC estabelecem e relevam uma relação intríseca entre Constituição, Poder Legislativo e Função Administrativa, definida nos seguintes moldes: a Constituição consagra certo direito, a lei desenvolve-o e torna-o positivamente aplicável pela Administração, que o efetiva e o verifica na vida social – é exatamente este espírito de cooperação, originado pela necessidade não só de reconhecimento, mas sobretudo de promoção dos DESC, que está desde logo por detrás da conceção de Estado Social de Direito.
A conceção de Estado Social de Direito
Nos dias de hoje, Portugal define-se como um Estado Social de Direito – tal é demonstrado desde logo pelo artigo 2.º da CRP, que definea República Portuguesa como sendo “um Estado de Direito democrático, baseado na soberania popular (…) e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural (…)”.
Mas em concreto como definir o Estado Social? Tanto Lei como Constituição são algo omissos, pelo que devemos atender à realidade histórica, e esta aponta-nos para o modelo que surgiu nos primórdios do século XX: o Estado Social veio a assumir-se, não propriamente como substituto do Estado Liberal, mas antes como um modelo “corretivo” deste. Se no Estado liberal assentou-se sobretudo na distribuição e divisão do poder político, e na separação formal entre Estado/Sociedade (ou melhor, Estado/Indivíduo) o Estado Social, embora mantendo a cultura de separação de poderes no meio político, veio contudo a atribuir ao aparelho estatal uma relevância intervencionista e reguladora que antes, não só não detinha, como era recusada.
Assim, em contraposição com o “abstencionismo” social que caraterizou o modelo liberal clássico, o Estado Social vem assumir um papel ativo socialmente, onde o Estado, perante situações de desigualdade e desiquilíbrio verificadas no seio da Sociedade, assume um papel de “protetor” e “distribuidor”, de “interveniente” e “regulador”, assumindo por isso uma função de resdistribuição equitativa de bens e serviços – o Estado passa, de certo modo, a gerir a Sociedade que governa, introduzindo nesta própria, através da redistribuição de riqueza e dos DESC, uma espécie de “checks and balances” que, tipicamente, só se verificava no domínio político. Dá-se assim, como o Estado Social, um duplo fenómeno: por um lado temos uma socialização do Estado, e por outro, assiste-se a uma estatização da Sociedade. 
 Mais do que consagrar uma democracia política, o Estado Social veio assim a consagrar uma democracia social: o cidadão deixa de ser reconhecido exclusivamente como indivíduo, para antes se caraterizar como um indivíduo socialmente situado, de acordo com o modo e forma como se insere na vida social e nas relações jurídico-sociais relevantes – o indvíduo, aos olhos do Direito, assume-se também como trabalhador (artigo 53.º e seguintes da CRP), empresário, consumidor (artigo 60.º CRP), professor (artigo 77 CRP), jovem (artigo 70.º CRP), idoso (artigo 72.º CRP), etc.
A própria socialização do indivíduo veio a ter efeitos no próprio processo de decisão política, assistindo-se a uma metamorfose da democracia partidária, onde os principais intervenientes seriam quase exclusivamente os partidos políticos, para se transformar numa democracia associativa, onde a figura das associações e organizações civis e grupos sociais de interesse – que adquirem, tal como os partidos, uma função de representatividade dos cidadãos – assumem uma posição de intermediário entre Indivíduo e Estado, tendo um impacto direto no comportamento e posição dos dois: 
Por um lado, seja representando diretamente a vontade dos associados[footnoteRef:14], aliando-se e apoiando-se em partidos políticos (tornando-se lobistas, por exemplo), ou seja através de atos de contestação social[footnoteRef:15], estes grupos sociais vêm a afetar, de forma decisiva, a tomada de decisões do poder político-legislativo, incluíndo a própria definição do que é interesse público; [14: Através da concertação social por exemplo] [15: O direito à greve só se torna exercícivel coletivamente, o que justifica a preponderância dos sindicatos para o seu exercício] 
Por outro, o indivíduo passa a estar representado, em inúmeras situações, pelos grupos e associações no qual se insere – estas são muitas vezes o seu “ponto de contacto” com outras realidades sociais, ou o meio pelo qual se fazem “exprimir” junto do poder político. De certo modo, a própria titularidade, exercício e alcance de alguns direitos por parte dos indivíduos depende, em grande medida, da ação destas associações civis e grupos de interesse, que são por isso responsáveis em grande medida pela definição da situação social dos indivíduos que representam.
Conclui-se portanto que o pluralismo político e o reconhecimento da relevância política das associações e grupos de interesse acarreta, por inerência, o reconhecimento de um pluralismo de ideias e interesses, todos à priori de igual legitimidade. Ora esta preposição resulta em duas conclusões importantes: a primeira é a recusa de qualquer imposição ideológica e autocrática sobre a Sociedade, e por inerência, sobre o indivíduo, bem como a recusa de qualquer forma de exercício do poder de modos autoritários ou totalitários; a segunda é de que o Estado acaba por se tornar numa espécie de “árbitro” e “mediador” do “conflito” entre interesses sociais, ao passo que resultado proveniente deste conflito acaba por ditar aqueles que prevalecerão ou ganham primazia na esfera de decisão política. Assim, o processo político no Estado Social acaba por se revelar num processo de “bargaining”/negociação, entres grupos civis e de interesse e entre estes e a autoridade pública.
Face a tudo isto, a Constituição torna-se não só numa Constituição do Estado, mas da própria Sociedade, estando sobre si investida a tarefa de institucionalizar este pluralismo[footnoteRef:16], bem como de estabelecer um regime que regule o “debate social-político”, de modo a legitimar todas as alternativas (desde que não contrárias ao espírito constitucional – artigo 46.º n.º4 CRP) e assim que não haja uma imposição ideológica de uma sobre as outras. A Constituição procura assim promover um consenso e tolerância entre grupos, sendo este o princípio máximo da convivência comunitária e do processo de definição da política social do Estado. [16: No caso português: artigos 46.º, 51.º n.º1, 54.º, 55.º, 56.º CRP, p.e.] 
Abertura a “novos” direitos e deveres fundamentais
Em virtude de estarmos perante um sistema jurídico aberto, e por força do princípio da cláusula aberta (artigo 16.º n.º1 CRP), não será passível de ser afirmado que o catálogo dos direitos fundamentais restringe-se na sua composição aos direitos, liberdades e garantias por um lado, e direitos económicos, sociais e culturais por outro.
Antes, os direitos fundamentais serão uma realidade em mutação, fruto das mudanças e evoluções que todas as sociedades e Estados atravessam ao longo da sua existência: por um lado, novos direitos, ou mesmo novas tipologias e “gerações” de direitos vão surgindo, e por outro, a interpretação, significado, alcance e sentido de um direito fundamental já consagrado vêm-se expandidos na sua abrangência, sendo este facto evolutivo dos direitos fundamentais consagrado no ordenamento jurídico, tal como já referido, via legislativa, revisão constitucional e/ou via jurisprudencial.
Se pensarmos no direito da inviolabilidade da correspondência informática (artigo 34.º CRP) este passou, com a “era digital”, a incluir o direito à privacidade dos dados informáticos (artigo 35.º n.º 4 CRP). Outro exemplo será o direito à identidade pessoal (artigo 26.º n.º1 CRP), que com a revisão constitucional de 1997 passou também a incluir o direito à identidade genética (artigo 26.º n.º4 CRP).
Uma área onde esta “abertura” e “desenvolvimento” se tem mais sentido será a dos direitos de personalidade, em especial no que diz respeito à vida privada e autodeterminação da pessoa: estes, após revelados, passam a ser vistos não tanto como direitos, mas como “liberdades”, sendo por isso inatos, imprescindíveis ao indivíduo, passando assim a integrar o próprio conceito e princípio da dignidade humana. 
Assim, onde antes existia um conjunto variado de direitos enumerados e referentes à personalidade (um exemplo deste fenómeno é o artigo 26.º n.º1 CRP), aparece agora um direito geral da personalidade – este consubstanciará, de acordo com doutrina e jurisprudência germânica, a “uma esfera íntima e inviolável do indivíduo, em que ninguém sem autorização do seu titular, poderá alguma vez penetrar” – e o que compreenderá esta esfera? Direitos sobre os mais variados aspetos pessoais, desde o domicílio, a família, ascendênciaesfera de direitos e deveres, património, entre outros. 
Ora estes direitos, liberdades e garantias pessoais, fruto da grande “amplitude” deste direito geral da personalidade, passam assima ser referidos e consagrados de acordo com a sua qualidade, e não propriamente de forma expressa, enumerada e exaustiva.
Para além disto, estes direitos de “desnvolvimento da personalidade” e de autodeterminação vêm a reforçar o papel e proteção das “minorias” enquanto membros de “pleno direito” na Sociedade. Assim, os direitos fundamentais pessoais tornaram-se essencialmente, nos dias de hoje, numa questão de afirmação da identidade individual e coletiva no espaço público, o que de certo modo veio limitar ainda mais a influência e imposição do aparelho estatal na vida social. Será portanto a conciliação entre soberania estadual, e entre a “liberdade”, “direitos” e “deveres” individuais uma das maiores problemáticas do constitucionalismo moderno, assumindo os tribunais, nesta conciliação, um papel preponderante para a construção de um governo republicano limitado.
 
FIM DA PARTE 2
Bibliografia
Queiroz, Cristina, “Direitos fundamentais, Teoria Geral”, 2.ª ed., 2010, Coimbra Editora, pp. 101 – 213;
Miranda, Jorge, “Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direito Fundamentais”, 5.ª ed., 2012, Coimbra Editora, pp. 263 – 295;
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Universidade do Porto – Faculdade de Direito
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