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FORBES, J A Clinica do Real - Cap 4 - O que aprendemos com a clínica estrutural

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1 
 
O QUE APRENDEMOS COM A CLÍNICA 
ESTRUTURAL: COMO O ANALISTA 
LACANIANO FAZ DIAGNÓSTICO? 
ARIEL BOGOCHVOL 
INTRODUÇÃO 
Analista faz diagnóstico? O fato de o analista lacaniano se ocupar do 
diagnóstico pode chocar sensibilidades. Quando se fala em 
diagnóstico, pensa-se no diagnóstico psiquiátrico, nas classificações, 
na lista de sintomas e nos critérios de inclusão ou exclusão 
pretensamente objetivos ou consensuais apresentados pelos órgãos 
oficiais. 
O analista lacaniano faz diagnóstico a partir de outras perspectivas. 
Não recusa o saber constituído, mas questiona sua objetividade. Não 
procura descrever ou agrupar os sintomas, mas verificar sua relação 
com o sujeito que se queixa. Não toma o sintoma como um fato, mas 
como um dito, um significante cuja significação é desconhecida. 
Interessa-se tanto pelo modo como o “sofrente” sofre, como pela forma 
com que se dirige àquele que poderá tratá-lo. 
Para ele, o sintoma não é índice de uma desordem do corpo, mas 
manifestação de estruturas subjetivas. No processo diagnóstico, o 
analista realiza uma operação tríplice de avaliação clínica, localização 
subjetiva e de introdução ao inconsciente. É esse o mote do presente 
capítulo. 
INÍCIO DE ANÁLISE 
O diagnóstico não é apenas o conhecimento da situação atual, mas 
previsão do futuro. O médico enuncia um juízo acerca da condição 
presente e a respeito da sua evolução, sobre o que existe e seus 
 
2 
 
desdobramentos no tempo. Qual é a doença? Qual é seu curso? Quais 
são os tratamentos? Quais são as chances de cura? Suas respostas 
constituem o que pode ser considerado uma predição instruída, noção 
que será alvo do próximo capítulo. É a mesma coisa na psicanálise? 
Com a psicanálise freudiana, começa não só uma prática terapêutica, 
mas algo mais profundo. O que se trata de curar? Diagnóstico deriva 
do grego διαγνϖστικóς, do latim diagnosticu (dia = através de, 
durante, por meio de + gnosticu = alusivo ao conhecimento de), e 
designa o juízo declarado sobre a característica, a composição, o 
comportamento, a natureza de uma doença com base nos dados e 
informações obtidos por meio de exame clínico e laboratorial. 
O que leva uma pessoa a procurar uma análise? Genericamente, é o 
sofrimento psíquico, expresso de modos variados. “Algo não vai bem, 
não caminha.” As queixas podem ser referidas à própria pessoa, às 
pessoas que a cercam, às dificuldades no amor, no trabalho, na família. 
Quer seja como embaraço, transbordamento, esvaziamento, 
dilaceramento, divisão, queda, impedimento, há “algo” estranho, mais 
forte que o “Eu”, sem sentido, desarmônico, que produz mal-estar. A 
pessoa quer livrar-se disso e pede um tratamento de seu mal (AMP, 
1995, p. 127). 
A psicanálise não é uma sabedoria como a sabedoria oriental ou 
como os guias de autoajuda. Nas sabedorias, trata-se de conseguir uma 
harmonia, uma correspondência entre o sujeito e o mundo. A 
psicanálise se situa sobre uma tela de fundo que é a investigação sobre 
o mal-estar na cultura, considerada estrutural, e que radica no que 
Freud nomeia “castração”. Não há nenhum plano de acesso à 
harmonia, à felicidade, à genitalidade, ao outro sexo, à normalidade, 
um modo de remediar a castração. A castração é o incurável da 
humanidade, a condição e o limite freudiano dos esforços terapêuticos 
(MILLER, 2009, p. 174-5). 
Freud advertia para os perigos do furor sanandi. O desejo de curar, 
próprio do médico, não se confunde com o desejo do analista. Se o 
analista toma em análise um paciente com o desejo de curá-lo, não vai 
conseguir sustentar sua função propriamente analítica. Somente se 
pode prometer curar alguém quando se conhece seu bem e o que “não 
 
3 
 
anda bem”. Como saber se aquilo do qual o paciente se queixa não é 
sua maior satisfação? Qual é o seu bem? 
Responder que o doente demanda a cura não é responder 
absolutamente nada, afirmava J. Lacan em uma conferência intitulada 
“O lugar da psicanálise na medicina”: 
Ele põe o médico à prova de tirá-lo de sua condição de doente, o que 
é totalmente diferente, pois isso pode implicar que ele está 
totalmente preso à ideia de conservá-la. Vem às vezes pedir para 
autenticá-lo como doente, preservá-lo em sua doença, tratá-lo da 
maneira que lhe convém, ou seja, aquela que lhe permitirá ser um 
doente bem instalado na sua doença. (LACAN, 1966/2001, p. 10) 
É uma experiência cotidiana, banal: existe uma falha entre a 
demanda e o desejo. No momento em que alguém pede, demanda 
alguma coisa, isso não é absolutamente idêntico e, por vezes, é 
diametralmente oposto àquilo que ele deseja (FORBES, 2003). 
AVALIAÇÃO CLÍNICA 
Nas entrevistas preliminares, o psicanalista escuta o pedido, a queixa, 
aquilo que “não anda”. Realiza uma operação complexa, ao final da 
qual deverá rejeitar ou avalizar a demanda de análise (MILLER, 1985) 
e criar as condições para que ela se efetue. Da mesma forma que um 
cirurgião precisa constituir seu “campo cirúrgico” para operar, Miller 
(1987a/1997, p. 232) distinguiu três níveis das entrevistas 
preliminares: avaliação clínica; localização subjetiva; e introdução ao 
inconsciente. 
A avaliação clínica tem importância vital, uma vez que uma análise 
não pode ser iniciada em quaisquer condições e não transcorre da 
mesma forma nas diversas situações clínicas. 
A lista de indicações e contraindicações variou ao longo do tempo e 
tem aspectos curiosos. Freud contraindicava a análise para pessoas 
com mais de 50 anos, para os não inteligentes, para psicóticos, para 
situações de urgência. Lacan a contraindicava para os católicos 
verdadeiros, para pessoas que nunca se sentiam culpadas, para os 
milionários, para os japoneses, para os canalhas, para os que não 
 
4 
 
tivessem um desejo decidido. Tais recomendações são porque a 
psicanálise não é uma prática inócua; ao contrário, ela tem efeitos 
colaterais, podendo precipitar uma psicose, transformar um pequeno 
canalha em grande canalha, favorecer a passagem ao ato. 
A avaliação clínica implica a realização de um diagnóstico. Para 
Freud, 
é muito difícil formar uma opinião exata de um caso antes de 
submetê-lo a uma análise aprofundada. Entretanto, é antes mesmo 
de conhecer o caso detalhadamente que nos vemos obrigados a 
estabelecer um diagnóstico e determinar o tratamento. (FREUD, 
1895/1974, p. 312) 
Desde o início da história da psicanálise, portanto, o diagnóstico se 
colocou de uma maneira problemática. Se, por um lado, o diagnóstico 
deverá ser feito no início, precocemente; por outro, só poderá ser 
confirmado no decorrer da análise. Como associar o caráter operatório 
do diagnóstico à sua relativa imprecisão (DOR, 1991, p. 2)? 
O fato de o analista lacaniano se ocupar do diagnóstico pode chocar 
sensibilidades. Para sustentar uma clínica com maior pertinência, 
parece-nos ser preciso estudar o saber clínico constituído 
originalmente fora da psicanálise, pela psiquiatria, e utilizá-lo na 
experiência. “Existem tipos de sintomas, existe uma clínica. Só que ela 
é anterior ao discurso analítico e, se este lhe traz alguma luz, isso é 
seguro, mas não é certo” (LACAN, 1973, p. 554). 
Para entender o diagnóstico, a noção de sintoma é básica, 
fundamental. Deriva do grego sumptôma – que conserva o sum de 
síntese, de reunião, de conjunto, ou seja, do que se produz junto e 
coincide. Responde à consciência natural, à filosofia espontânea e à 
posição médica: há algo que rompe com uma harmonia, com o 
funcionamento perfeito, homeostático. Não existe sintoma sem uma 
referência a certa sinfonia perturbada por uma dissonância, pela 
aparição de um acidente (MILLER, 1989, p. 9). 
Apesar de as expressões serem múltiplas, as modalidades do 
sofrimento psíquico não são infinitas. Há formas preferenciais dos 
sintomas, sintomas típicos, que foram descritos pela psiquiatria. São 
produtos da observação, do olhar e da escuta, e ocuparam os 
 
5 
 
psiquiatras e psicopatologistas durante o século XIX e início do XX. Eles 
se engajaram na tarefa de descreveros sintomas, agrupá-los, 
classificá-los, entender suas lógicas, causas, e estabelecer seus valores 
diagnósticos, diferenciais. 
Envolveram-se em discussões sem fim. Por exemplo, na criação do 
conceito de esquizofrenia, Bleuler privilegiou a alteração na 
associação de ideias – sintoma fundamental e primário, diferente de 
Kraepelin. Guiraud, um grande clínico francês, retomou Kraepelin e 
privilegiou a indiferença, o desinteresse, a inércia, a ambivalência, o 
sentimento de estranheza interior. 
Sabe-se que um mesmo sintoma pode aparecer em diversos quadros 
clínicos. A indiferença pode caracterizar uma histeria, mas também 
uma hebefrenia e não tem o mesmo valor se ocorrer em um ou outro 
quadro. A ideia de contaminação pode ocorrer na neurose obsessiva, 
mas também pode ser tema de um delírio hipocondríaco. Além da 
preocupação com o fenômeno em si, interessavam as relações dos 
fenômenos entre si. 
Uma vez que se aceitam os tipos, os agrupamentos de sintomas que 
definem uma clínica, esta se define como o conhecimento do 
agrupamento específico de sintomas. Acredita-se que eles existam no 
Real. Freud e Lacan adotaram, criticaram, recusaram e criaram tipos 
clínicos. Freud descreveu a neurose de angústia e a separou da 
neurastenia, por exemplo. Lacan propôs a paranoia de autocastigo. Os 
tipos clínicos como a histeria, a neurose obsessiva, a fobia, a 
esquizofrenia, a paranoia, a psicose maníaco-depressiva (PMD) e o 
fetichismo são referências da psicanálise freudiana e lacaniana. 
No entanto, a noção de sintoma não é a mesma na psiquiatria e na 
psicanálise. Para a psiquiatria, o sintoma é um sinal ou índice de uma 
desordem do corpo, epifenômeno de uma desordem biológica. Para a 
psicanálise, é uma formação complexa, produto do interjogo de 
instâncias e forças psíquicas. É um significante cuja significação se 
desconhece. O sintoma porta um sentido e, simultaneamente, é uma 
forma de satisfação paradoxal. 
Lacan introduziu uma exigência a mais que é a referência à 
estrutura. “Que os tipos clínicos decorrem da estrutura eis o que se 
pode escrever não sem certa flutuação” (LACAN, 1973/2003, p. 554). 
 
6 
 
A noção de estrutura é capital no ensino de Lacan. É uma configuração 
de elementos distribuídos segundo certa ordem, articulados entre si. 
Na psiquiatria, o que ocupava o lugar da estrutura era a referência ao 
processo cerebral. Lacan considera uma exigência científica conectar 
os tipos clínicos à estrutura. É uma forma de ultrapassar o nível 
descritivo para atingir um nível demonstrativo. 
Com base em Freud, estabeleceram-se três estruturas subjetivas: 
neurose, psicose, perversão – referenciadas nas formas de resolução 
do complexo de Édipo e do complexo de castração. Cada uma das 
estruturas é um modo de responder a esses complexos: a neurose pelo 
recalque, a psicose pela forclusão, a perversão pela recusa. Cada uma 
condiciona a formação dos sintomas: na neurose há retorno do 
recalcado; na psicose, retorno no real; na perversão, colocação de um 
objeto no lugar da falta. Os sintomas preferenciais, típicos, trazem a 
marca da estrutura, como mostra a Tabela 1, a seguir. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Se há algo que a experiência psicanalítica ensina é que existem 
estruturas com sintomas típicos ou preferenciais, que são sólidas, não 
se modificam, não passam de uma para a outra. Elas têm organização 
e lógicas próprias, determinadas, segundo Lacan, pela presença ou 
ausência da metáfora paterna. Em uma perspectiva estrutural, a clínica 
é categorial, descontinuísta, não admite transições: ou neurose ou 
psicose ou perversão. É o que caracteriza a primeira clínica de Lacan 
(diferente de sua segunda clínica). Comparada à proliferação das 
categorias diagnósticas psiquiátricas, de que são prova o acréscimo, 
 
7 
 
nos CIDs e DSMs1 de mais e mais categorias, a clínica estrutural é bem 
econômica, tripartindo o campo clínico. 
LOCALIZAÇÃO SUBJETIVA 
Partamos de um excerto clínico, recolhido em uma apresentação de 
pacientes no Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de 
Campinas (Unicamp). 
JF – Como vai? 
P – Um pouco melhor. 
JF – Melhor do quê? 
P – Do TOC. 
JF – O que é TOC? 
P – Transtorno obsessivo-compulsivo. 
JF – O que é isso? 
P – Sinto nojo de todos. Se o senhor pegar na minha mão, vou ficar 
doente? 
JF – Talvez. 
P – Então como é que a gente faz? 
JF – Não sei, cada um tem um jeito de evitar isso. Qual é o seu? 
Quanto ao saber clínico, o analista adota uma posição de douta 
ignorância, como exemplificado no fragmento da apresentação de 
pacientes exposto anteriormente. É alguém que sabe das coisas, mas 
que, voluntariamente, “apaga” seu saber para dar lugar ao novo que 
ocorrerá. Para além do sintoma típico, está à espera do sintoma 
singular, daquele sujeito. 
É necessário introduzir o mal-entendido presente em toda a 
conversa, na medida em que o significante é produtor de significações. 
“O que você quer dizer com isso?”. Essa interrogação dimensiona o não 
saber e mostra ao paciente que não o entendemos e que ele mesmo 
não se entende. Diferente da relação médico-paciente, que busca a 
compreensão, a relação analítica se baseia na incompreensão, no mal-
entendido. 
Existem estruturas com lógicas próprias e sintomas típicos, mas “o 
que decorre de uma mesma estrutura não tem forçosamente o mesmo 
 
8 
 
sentido” (LACAN, 1973/2003, p. 554). É o fato de o sujeito dizê-lo e o 
modo como o faz que servem para o diagnóstico psicanalítico. No 
diagnóstico psiquiátrico, busca-se uma objetividade baseada na 
presença ou ausência de determinados sinais e sintomas que podem 
ser listados conforme os manuais de classificação diagnóstica, como o 
CID-10 e o DSM-IV. Na psicanálise, o que está em causa é o sujeito. É 
possível fazer um diagnóstico baseado não na objetividade, mas no 
sujeito ou na “objetividade” do sujeito (MILLER, 1987a/1997, p. 231)? 
O sintoma freudiano só existe a partir do discurso do paciente, 
dentro do dispositivo. A base da clínica psicanalítica é a clínica 
psiquiátrica, mas, antes de tudo, uma autoclínica. O sintoma analítico 
só existe na medida em que é trazido e falado. Não é apenas um fato, 
mas um dito, e interessa, para um psicanalista, a posição que o sujeito 
adota em relação ao seu sintoma, ao seu dito. 
Mas não basta passar da dimensão do fato para a do dito. Um 
segundo passo essencial é questionar a posição daquele que fala 
quanto aos seus próprios ditos e, a partir daí, localizar seu dizer. Trata-
se de partir dos enunciados para se chegar ao sujeito da enunciação, 
lugar em que está aquele que enuncia diante do enunciado. Diferente 
da lógica, em que o que interessa no enunciado é se é verdadeiro ou 
falso, na análise interessam as modalizações do dito, que indicam a 
posição que o sujeito assume perante ele. Não há frase, discurso, 
conversa que não traga a marca da posição do sujeito. 
Localizar o sujeito consiste em fazer aparecer a caixa vazia em que 
se inscrevem as variações de sua posição subjetiva. Na linguagem 
lacaniana, sujeito não corresponde à pessoa, ao indivíduo. Ele não 
pertence ao registro dos dados, é uma descontinuidade nos dados. Não 
existe na objetividade, mas em sua própria perda. O sujeito é essa caixa 
vazia em que se inscrevem as modalizações e que encarna sua própria 
ignorância. A modalidade fundamental que deve surgir através de 
todas as variações é a seguinte: “eu não sei o que digo”. O lugar da 
enunciação é o próprio lugar do inconsciente (MILLER, 1987b/1997, 
p. 230-46). 
Antes de um acordo ideal entre o dito e o dizer, trata-se, na análise, 
de encontrar e praticar uma maneira de dizer que leve em conta a 
diferença entre o dito e o dizer e a possibilidade de mudar de posição. 
 
9 
 
O analista, separando enunciado e enunciação, reformulando a 
demanda, introduzindo o mal-entendido, guia o sujeito para o 
encontro do inconsciente e o questionamento de seu desejo. 
INTRODUÇÃO AO INCONSCIENTE E À TRANSFERÊNCIA 
A introdução do inconsciente éuma introdução à falta-a-ser; o sujeito 
é essa falta-a-ser, não tem substância. Não existindo nesse nível, é 
responsabilidade do analista produzi-lo em um lugar que lhe seja 
apropriado (MILLER, 1987b/1997, p. 253). Na psicanálise, o sujeito é 
constituído no nível ético (FORBES, 2010). 
As entrevistas preliminares não são apenas uma investigação para 
localizar o sujeito, mas servem também para uma mudança de posição. 
A retificação subjetiva é a passagem do fato de o sujeito queixar-se dos 
outros para se queixar de si mesmo. O ato analítico consiste em 
implicar o sujeito em seu queixume, em seu próprio motivo de 
queixar-se, posto que, por sua posição, o sujeito sempre é responsável. 
É uma questão ética: o que você tem a ver com a desordem de que se 
queixa? 
A clínica analítica é uma clínica sob transferência (CST), um saber 
determinado de ponta a ponta por suas condições de elaboração, isto 
é, pela estrutura da experiência analítica. A entrada em análise, em 
geral, é um encontro com o real e conota invariavelmente o golpe 
sofrido na segurança do sujeito em sua matriz de significação. O sem-
sentido que aparece para o sujeito tem como consequência chamar um 
saber suposto. A instituição do analista como Sujeito Suposto Saber 
recobre, de imediato, a destituição subjetiva dada pelo non sense do 
sintoma. O analista ocupa esse lugar sem se confundir com aquele que 
efetivamente sabe, que é a posição do médico. 
O sintoma analítico exige sua implantação na relação com o analista. 
O sintoma é dirigido ao analista e, na medida em que o complementa 
com o objetivo de restituir-lhe o sentido, ele faz parte do sintoma. O 
matema da transferência, formalizado por Lacan na Proposição de 9 
de outubro de 1967 (LACAN, 1967/2003), estabelece que um 
significante do analisante se conecta a um significante qualquer do 
 
10 
 
analista pondo em marcha o saber inconsciente, como se vê na Figura 
1. 
 
 
 
 
 
O primeiro momento da experiência analítica se traduz por uma 
reorganização a partir da inclusão do analista (MILLER, 1981/1997, p. 
121). A partir dessa localização, o sujeito aceita a associação livre, falar 
sem censura, abandonar a posição de mestre, de senhor de si mesmo. 
Há histerização do discurso e o início de análise (MILLER, 1985, p. 5-
10). É o modo de entrada clássico. Verificam-se, na 
contemporaneidade, outras formas, não mais pela via do saber, como 
foi desenvolvido por Jorge Forbes (2010) a partir da segunda clínica 
de Lacan. 
No tratamento, busca-se a realização de um sujeito que, ao contrário 
de uma exigência de domínio do eu, constitui-se no buraco aberto na 
experiência pela referência do ser falante ao Outro, compreendido 
como vínculo da fala. O tratamento não tem como objetivo preencher 
essa falha, mas expô-la para que o sujeito possa encontrar uma nova 
relação com o seu desejo e seu gozo. 
Embora as estruturas típicas e suas características sejam levadas em 
conta, seguindo a orientação de Lacan, interessa mais o modo como 
cada paciente se refere a elas. No diagnóstico, o que está em causa é o 
sujeito. Em suma, para realizar o diagnóstico em psicanálise, o mais 
importante é a posição do analista, caracterizada pelos seguintes 
traços: a douta ignorância; o apagamento voluntário do saber, para dar 
lugar à singularidade do paciente; a espera do novo, do singular, em 
vez da utilização de chaves de interpretação pré-fabricadas; e o mal-
entendido, utilizado para não deixar que o paciente se aliene a 
qualquer diagnóstico que seja. 
 
 
11 
 
Referências bibliográficas 
AMP. A transformação do sintoma na análise. In: Como terminam as análises? Textos reunidos 
pela Associação Mundial de Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. p. 126-31. 
DOR, Joel. Estrutura e perversões. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991. 
FORBES, Jorge. Você quer o que deseja? São Paulo: Best Seller, 2003. 
_______. Inconsciente e responsabilidade. Tese de doutorado em Psicologia. Rio de Janeiro: 
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2010. 
FREUD, Sigmund. (1893-1895) Estudos sobre a histeria. In: Edição standard brasileira das 
obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. II. Rio de Janeiro: Imago, 1974. 
LACAN, Jacques. (1966) O lugar da psicanálise na medicina. In: Opção Lacaniana, São Paulo, n. 
32, p. 8-14, 2001. 
________. (1973) Introdução à edição alemã de um primeiro volume dos Escritos. In: Outros 
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________. Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola. In: Outros escritos. 
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p. 248-64. 
MILLER, Jacques-Alain. (1981) Psicanálise e psiquiatria. In: Lacan elucidado: palestras no 
Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. p. 121-37. 
_________. Conferencia a los estudiantes de psicología. Buenos Aires: Manantial, 1985. 
_________. (1987a) Diagnóstico e localização subjetiva. In: Lacan elucidado: palestras no Brasil. 
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. 
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Mental Disorders.

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