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Indaial – 2019 Teoria Geral da invesTiGação e Perícia Prof.a Fabiane Brião Vaz Prof.a Ivone Fernandes Morcilo Lixa 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2019 Elaboração: Prof.ª Fabiane Brião Vaz Prof.ª Ivone Fernandes Morcilo Lixa Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: V393t Vaz, Fabiane Brião Teoria geral da investigação e perícia. / Fabiane Brião Vaz; Ivone Fernandes Morcilo Lixa. – Indaial: UNIASSELVI, 2019. 126 p.; il. ISBN 978-85-515-0430-7 1. Investigação e perícia. - Brasil. I. Lixa, Ivone Fernandes Morcilo. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 340 III aPresenTação Nesta unidade você será introduzido à teoria geral da investigação e perícia, dando início ao desenvolvimento do pensamento acerca de tão importante disciplina. Isto será possível através do delineamento de questões que abordarão desde noções básicas sobre investigação e estruturação da ideia acerca dos fundamentos da investigação criminal até uma finalização construída sobre o chamado garantismo penal, onde será possível que o aluno compreenda as diferentes estruturas de investigação. Isso tudo passando por identificação e diferenciação de conceitos como “investigação científica” “investigação criminal” “meios de investigação criminal” “fins de investigação criminal”, entre outros. O tema a ser trabalhado neste livro, em que pese ser de fácil instigação ao interesse de muitos, uma vez que a prática das perícias é amplamente necessária dentro do ordenamento social atual. Por outro lado, ainda é uma área um tanto embaraçada visto as confusões que cercam a concretização do desempenho ideal de uma investigação criminal. Pode-se dizer que essa execução ideal se faz efetivada no momento em que as barreiras da investigação ultrapassam o processo penal, adquirindo significado e eficácia transdisciplinar. É de simples absorção a ideia de que a investigação criminal, na qualidade objeto científico de estudo, se faz frequentemente mal interpretada tanto por juristas como pela própria sociedade. Prof.ª Ma. Fabiane Brião Vaz IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA V VI Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! LEMBRETE VII UNIDADE 1 – TEORIA GERAL DA INVESTIGAÇÃO .................................................................. 1 TÓPICO 1 – NOÇÕES BÁSICAS SOBRE INVESTIGAÇÃO ......................................................... 3 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3 2 A INVESTIGAÇÃO .............................................................................................................................. 3 2.1 A INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA ................................................................................................. 5 2.2 A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL ................................................................................................... 9 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 17 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 18 TÓPICO 2 – FUNDAMENTOS DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL ............................................. 19 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 19 2 HISTÓRICO DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL ........................................................................... 19 2.1 OS FUNDAMENTOS DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL ......................................................... 21 2.2 OS FINS DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL ................................................................................ 23 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 26 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 27 TÓPICO 3 – TEORIA DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL .............................................................. 29 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 29 2 A INVESTIGAÇÃO COMO PESQUISA ......................................................................................... 29 2.1 O GARANTISMO PENAL ............................................................................................................. 31 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 34 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 39 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 41 UNIDADE 2 – DAS PROVAS ................................................................................................................ 45 TÓPICO 1 – AS PROVAS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO ............................................... 47 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 47 2 A PROVA ................................................................................................................................................ 48 2.1 MEIOS DE PROVA .......................................................................................................................... 51 2.2 A PROVA CRIMINAL ..................................................................................................................... 53RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 58 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 59 TÓPICO 2 – A ORGANIZAÇÃO PERICIAL ..................................................................................... 61 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 61 2 O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ............................................................................................ 63 2.1 A PERÍCIA COMO FATOR DE PROMOÇÃO DA JUSTIÇA ................................................... 65 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 66 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 67 sumário VIII TÓPICO 3 – PROVA PERICIAL ............................................................................................................ 71 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 71 2 A IMPORTÂNCIA DA PROVA PERICIAL NO PROCESSO PENAL ....................................... 71 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 77 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 81 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 82 UNIDADE 3 – PROVAS E PERÍCIAS .................................................................................................. 83 TÓPICO 1 – PROVAS E PERÍCIAS CRIMINAIS ............................................................................. 85 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 85 2 A PROVA PERICIAL ............................................................................................................................ 85 2.1 TIPOS DE PROVA PERICIAIS ....................................................................................................... 87 2.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS CARACTERÍSTICOS DAS PROVAS PERICIAIS ......... 90 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 94 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 95 TÓPICO 2 – O PERITO .......................................................................................................................... 99 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 99 2 PARTICULARIDADES DA ATIVIDADE DO PERITO .............................................................101 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................104 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................105 TÓPICO 3 – MODALIDADES DE PERÍCIA ...................................................................................107 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................107 2 EXAME DE CORPO DE DELITO ....................................................................................................107 3 EXAME NECROSCÓPICO, “AUTÓPSIA” OU NECROPSIA ...................................................110 4 EXUMAÇÃO PARA EXAME CADAVÉRICO ...............................................................................113 5 EXAME PERINECROSCÓPICO ......................................................................................................115 6 EXAME DO LOCAL DO CRIME .....................................................................................................115 7 EXAME SOBRE OS INSTRUMENTOS DO CRIME ...................................................................117 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................118 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................121 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................122 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................123 1 UNIDADE 1 TEORIA GERAL DA INVESTIGAÇÃO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • introduzir o acadêmico às noções básicas acerca de investigação; • identificar os fundamentos da investigação criminal; • constatar as ideias principais da Teoria da Investigação Criminal; • perceber a investigação criminal no cenário brasileiro. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – NOÇÕES BÁSICAS SOBRE INVESTIGAÇÃO TÓPICO 2 – FUNDAMENTOS DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL TÓPICO 3 – TEORIA DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 NOÇÕES BÁSICAS SOBRE INVESTIGAÇÃO 1 INTRODUÇÃO No presente tópico deste livro didático, como início do fio condutor que irá nos levar até a compreensão eficaz acerca das questões mais relevantes sobre perícia investigativa para a ciência nos dias atuais, pretendemos delinear os pontos fronteiriços que se localizam entre a investigação científica e a investigação criminal. Isso será possível através da elaboração de uma apreciação filosófica e jurídica sobre essas atividades. Assim, inicialmente, o que pretendemos nesta primeira unidade é proporcionar uma análise ampla sobre os estudos da investigação, tanto científica quanto criminal. 2 A INVESTIGAÇÃO A origem da palavra “investigação” é do latim, investigatione (in + vestígios + ato), que significa, ação dirigida de ir atrás de um vestígio e que levou a tradução de ato de pesquisar, indagar, investigar. Como seguir o rastro de alguém ou perseguir marcas e vestígios. A palavra “investigação” surgiu no século XV, pouco antes da revolução científica que deu origem à ciência moderna. Investigar não é apenas procurar à toa, e sim perseguir uma hipótese, que é implicitamente aceita, e procurar saber se ela está ou não correta. Caso ela se mostre inconsistente com a chegada de uma informação nova que antes não se conhecia, então terá que ser trocada ou desconsiderada. É aqui que habita a dificuldade do trabalho investigativo: não é apenas sobre procurar de uma maneira minuciosa algo que estaria ao alcance de muita gente, mas sim de chegar a um resultado que anteriormente não era conhecido. Muitas vezes usa-se a palavra “investigar” numa definição corriqueira. Quando se estuda um determinado tema por um livro, pode-se alcançar conclusões novas para si, no entanto, essas conclusões certamente não são novas para muitos outros, por exemplo, os próprios autores do livro. O verdadeiro sentido de “investigar” consiste em alcançarconclusões que são novidades não apenas para ele, mas para muitos outros. Investigar se trata, além de perseverança, de inteligência e criatividade, pois deve-se enxergar além UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA INVESTIGAÇÃO 4 do que já foi visto, e, preferencialmente, tentar transmitir isso da forma mais clara possível para as pessoas. Para isso, se faz necessário enxergar conclusões diferentes das que estão estabelecidas, examinando com atenção as evidências disponíveis. Em uma concepção teleológica de investigação criminal é possível que se faça uma aproximação dela com a ciência. Isso pode ocorrer tanto a partir da história quanto de acordo com a lógica do âmbito do direito, uma vez que ambos os campos proporcionam aspectos metodológicos que conjecturam uma racionalidade específica. Assim, é possível que se faça referência acerca da investigação “como” ciência, se este “como” estiver representado no sentido de uma semelhança, e não de uma total igualdade, por dois motivos basilares (BRITTO, 2014): • a investigação criminal é um conceito mais histórico do que científico, pois é da história, que se obtém acesso às suas questões intelectuais iniciais, sobretudo aquelas que dizem respeito à verdade acerca de fatos passados. Assim, qualquer ciência que se pretenda a partir dela não pode ignorar as questões sobre a possibilidade de uma ciência da história; • ainda que impugne às ciências empíricas, aos seus enunciados (teoria e leis) e às suas formas de pesquisa (métodos e técnicas), isso ainda não nos deixa falar de uma ciência da investigação criminal nem desconsiderar a incidência da lógica do direito na justificação do conhecimento. No conjunto, a investigação “como” ciência possui fronteiras inerentes ao conhecimento, que decorrem tanto da natureza histórica da investigação quanto da falibilidade da ciência, além de condicionantes ético-jurídicas, sejam eles comuns a qualquer área de saber que se pratica em sociedade, sejam os que se impõem por razão de direitos garantidos em face da ação de instituições estatais (BRITTO, 2014). Nesse sentido é que se diz haver uma lógica do direito, que incide, inevitavelmente, na ideia de uma investigação como ciência, nos Estados de direito, e nos permite falar de um contexto jurídico da metodologia da investigação criminal, que se particulariza por certas normas (princípios e regras) relativas ao crime e ao processo penal. A compreensão das normas jurídicas da investigação, em diálogo tanto com o discurso da história quanto com o da ciência, permite-nos, não apenas esboçar o estatuto disciplinar do domínio de saber investigativo-criminal, mas também evidenciar a perspectiva epistemológica dessas normas para além da função garantista que cumprem no âmbito do direito. Trata-se de percorrer as dimensões histórica e científica da investigação criminal para reafirmarmos com uma maior força compreensiva a sua dimensão jurídica, e em que sentido esta dimensão acaba por sobrepor-se às demais, nos Estados de direito que postulam a proeminência da dignidade da pessoa. TÓPICO 1 | NOÇÕES BÁSICAS SOBRE INVESTIGAÇÃO 5 Existem diferenças básicas entre a investigação científica e a investigação criminal. Um crime usualmente é investigado por poucas pessoas, enquanto na ciência, o “crime” é a própria natureza e muitos se questionam ao mesmo tempo sobre o tema, em várias grandes equipes, “competindo” pela mesma resposta e, normalmente, divulgando os resultados uns para os outros (BRITTO, 2014). Na investigação criminal, quem, afinal, atribui a culpabilidade não é o investigador, mas sim um juiz. Na investigação científica, quem anuncia uma determinada conclusão termina sendo a comunidade científica da área estudada, que trabalha como um tipo de conjunto de juízes, quando finalmente se entendem sobre fato a ser divulgado. Outra diferença pode ser notada quanto aos erros, que apesar de serem possíveis quando se tratam de investigações criminais, podem culminar com o crime resolvido e a investigação pode ser dada por encerrada. Na investigação científica, as conclusões obtidas só são aceitas temporariamente, até que novos estudos permitam rever as decisões feitas anteriormente e consigam que outras conclusões de alguma forma compreendam as antigas. A ciência é cumulativa ao incorporar, em cada situação de descoberta, o essencial das descobertas prévias. Outra diferença é que, tirando uma ou outra exceção, é possível descobrir a verdade nos casos de investigações criminais, enquanto nas pesquisas científicas, a verdade só é idealmente alcançável. Chegar realmente na verdade, ou melhor, tentar descobrir o erro, torna o trabalho dos investigadores científicos contínuo. 2.1 A INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA Preliminarmente, para dar início à conceituação eficaz de nossos estudos, se faz importante obter um entendimento do plano filosófico acerca da investigação científica. Para isso, é inescusável que passemos a analisar um breve agrupamento das ideias de alguns pensadores que dedicaram um espaço de suas obras para este importante tema. Dois nomes, com certeza, merecem destaque quando falamos em investigação científica analisada do ponto de vista filosófico, são eles, René Descartes e Francis Bacon. Estes pensadores dispensaram parte de suas obras para a pesquisa acerca das direções da investigação dentro da Ciência. Descartes, em Regras para a direção do espírito, elaborou vinte e uma regras onde delineou seu sistema filosófico e científico, vejamos agora as que mais se fazem relevante para o estudo a ser elaborado neste caderno. O filósofo inicia suas regras explicando que a maneira mais provável de incentivar um afastamento do caminho em busca da verdade científica é orientando os estudos de acordo com fins pessoais. Isso por que é fundamental que UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA INVESTIGAÇÃO 6 os atos investigativos estejam fundamentados pelo preceito da imparcialidade. Nas palavras de Descartes, “os estudos devem ter por finalidade a orientação do espírito, para que possamos formular juízos firmes e verdadeiros sobre todas as coisas que se lhe apresentam” (DECARTES, 1990, p. 4). A fim de manter o foco na imparcialidade do investigador, Descartes (1990) rejeita completamente as formas de conhecimento que se baseiam em juízos de probabilidades. Por isso, ainda, são interessantes de serem lembradas aqui as regras número dois e três, onde ele defende que se deve acreditar somente naquilo que é conhecido por completo, somente nos fatos que não abrem brechas para dúvidas. Para este pensador, a investigação científica tem como foco a busca pelo o que ele chama de verdade real, e não formal. De acordo com Descartes (1990, p. 4), “convém lidar exclusivamente com aqueles objetos cujo conhecimento certo e indubitável o nosso espírito é capaz de alcançar” e “acerca dos objetos considerados, deve-se investigar não o que os outros pensaram ou o que nós próprios suspeitamos, mas aquilo que podemos ter uma intuição clara e evidente, ou que podemos deduzir com certeza, pois de outro modo não se adquire ciência” (DESCARTES, 1990, p. 6). Descartes (1990) também dedica um tempo para observar a diferenciar a intuição intelectual da simples dedução. Na dedução ocorre o firmamento de uma ideia através da conclusão definitiva de ideias já concebidas, enquanto na intuição intelectual ocorre a criação de conceitos diferenciados de qualquer ideia anteriormente concebida, não restando dúvidas quanto à certeza dessa compreensão. Para o filósofo, as duas figuras descritas no parágrafo anterior elaboram juntas a maneira mais confiável de se fazer ciência. Uma vez que a intuição intelectual leva o cientista a concretizar os princípios primordiais para persecução de seu objetivo enquanto a dedução o auxilia a enxergar as conclusões mais distantes, aquelas que cercam o objeto de estudo e são igualmente importantes para sua percepção (DESCARTES, 1990). Devemos observar também, a quarta regra de Descartes(1990, p. 7), a qual diz: “o método é necessário para a procura da verdade”. O filósofo acredita que regras certas e fáceis constroem o método e, com ele, é possível que o cientista não incorra em erro. É através do método que se alcança o verdadeiro conhecimento. Como enunciado anteriormente, outro nome importante na filosofia para o estudo da investigação científica é o do filósofo Francis Bacon. Este pensador, também dedicou uma parte de sua obra para procurar um método que conduzisse à verdade científica, ele fez isso em sua obra intitulada Novum Organum. A ideia de Bacon (2002) está fundamentalmente ligada ao que chamamos de indução. Isto é, a técnica pela qual se obtém uma contemplação de validade dos fatos através de analogia. Ou seja, ao observar um número de reações iguais para determinado fato, se admite que todas as situações análogas terão a mesma reação, em que pese não ter sido avaliado cada um dos fatos individualmente. TÓPICO 1 | NOÇÕES BÁSICAS SOBRE INVESTIGAÇÃO 7 Com isso, percebe-se que temos duas diferentes vertentes sobre a verdade científica, para René Descartes, observamos um método investigativo em busca de uma verdade real, enquanto para Francis Bacon (2002) podemos observar a busca de uma verdade formal através do método investigativo. A investigação científica é parte fundamental e característica da ciência, pois sem método científico, não há ciência. Trata-se do conjunto de etapas e processos a serem adotados na procura da verdade sobre os fenômenos e fatos investigados. Entende-se que um método é um caminho escolhido para se alcançar um objetivo, ou seja, o conjunto de procedimentos que serão feitos até que construa o resultado. Tendo como objetivo a construção de uma verdade, a partir do esclarecimento dos fatos, a ciência utiliza métodos que imaginam os elementos como sendo interligados entre si por determinadas relações e, a partir disso, são provocadas formas de se entender essas relações como leis e princípios científicos. A busca da verdade baseia-se em pressuposições que avaliam a razão, experimentação e observação da investigação de fenômenos e fatos que nos levam a análises de raciocínio distintos. A era atual permite que haja valorização da experimentação e da observação, acompanhadas do raciocínio como portas para se fazer ciência. Tal pressuposição pondera que é possível descobrir os motivos dos fenômenos da natureza, apresentando em leis gerais o seu modo de atuação. Antes disso, o pressuposto predominante não levava em consideração a observação humana como uma forma de produzir conhecimento pois os únicos esclarecimentos possíveis eram o dos sistemas religiosos em que Deus fornecia aos homens. Ao se fazer uma análise sobre a composição do conhecimento científico, pode-se ter de um lado o homem que se apoia a conhecer (sujeito) e do outro lado a própria realidade a ser conhecida (objeto). A partir disso, notam-se caminhos para a ciência cujo foco está no sujeito, no objeto ou em ambos. Esses caminhos metódicos identificam as bases de construção do saber científico e da pesquisa científica na modernidade. Ainda que existam muitas variações conceituais e técnicas a respeito do método científico e, também, que haja um certo desacordo sobre como deve ser utilizado, as etapas básicas são fáceis de entender. A visão tradicional do método científico consiste nas seguintes etapas: • Observação. • Investigação sobre o tema. • Formulação de uma hipótese. • Experimentação. • Analise de resultados e conclusão. UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA INVESTIGAÇÃO 8 Na observação, aplicam-se os sentidos para analisar como os objetos, acontecimentos ou fenômenos se apresentam na natureza. A curiosidade é o primeiro passo para geração de conhecimento e perguntas derivam de observação empírica, ou seja, no que provém do senso comum, baseado em experiências vividas, ainda não interpretadas de forma racional nem com comprovação científica. A observação é a evidência inicial que pode comprovar métodos científicos. A investigação sobre o tema é essencial para se ter noção de como a questão já foi abordada por outras pessoas. É a pesquisa sobre o assunto, uma profunda revisão do conhecimento existente sobre o tema, a fim de descobrir informações que possam auxiliar nos seus questionamentos, ou, até mesmo, responde-los de imediato, pois pode ser que já exista uma solução que se aplique ao seu problema. A formulação de uma hipótese que possa tentar responder às dúvidas sobre o objeto, acontecimento ou fenômeno, que deve marcar uma posição de relação causa-efeito, que gera explicação a ser experimentada pelo método. Uma suposição, independentemente do fato de ser verdadeira ou falsa, como um princípio a partir do qual se pode deduzir um determinado conjunto de consequências. Por exemplo, o carro não liga porque está sem gasolina. É importante que essa possibilidade possa ser testada, para não comprometer a etapa seguinte da pesquisa. No caso do exemplo anterior, deve ser possível, por exemplo, colocar gasolina, para verificar se o carro ligaria. A experimentação pode ser feita a partir da elaboração de experiências controladas que testam a hipótese. O experimento deve ser imaginado para tentar isolar o fenômeno e as sugestões de causalidade. A experimentação controlada consiste em testar um fator por vez e comparar os resultados obtidos no grupo experimental com o que foi obtido no grupo controle para, assim, descobrir se houve alguma variação ou não. Ocorrendo diferenças entre os resultados do grupo experimental e do controle, elas são atribuídas ao fator que está sendo testado. Não ocorrendo diferenças, pode-se dizer que o fator analisado não interfere no processo em estudo. Seguindo o exemplo anterior, se colocaria apenas a gasolina no carro, pois, caso outra alteração fosse feita, não se teria certeza de qual das duas interferiu no resultado, ou seja, qual a verdadeira causa do fenômeno. Se mesmo após colocar a gasolina, o carro não funcionar, sabe-se, então, que esse não é o problema, ou ao menos, não é o único problema. Nesse caso não, o problema não poderia ser isolado em um único experimento e seria necessário outro carro nas mesmas condições para que outros testes fossem feitos, sucessivamente. Tendo isso em vista, é imprescindível manter registros detalhados de todos os experimentos possível de replicações. TÓPICO 1 | NOÇÕES BÁSICAS SOBRE INVESTIGAÇÃO 9 A análise de dados e a conclusão é o momento de analisar seus resultados. Nesta etapa, é preciso checar se o que foi agregado é suficiente para explicar os problemas que surgiram com os questionamentos iniciais. É nesta etapa, também, que é determinado se haverá a necessidade de inclusão de novas hipóteses, que irão provocar mais pesquisa e experimentação, ou se há resultados suficientes para determinar a conclusão. É possível também, presumir o resultado do teste como inconclusivo. Deve- se fechar com um relatório, que deve conter, além dos resultados, a metodologia, ou seja, o passo a passo e todos detalhes que forem possíveis, incluindo as hipóteses, as bases teóricas e metodológicas, bem como as conclusões. Um aspecto extraordinário da ciência é que os conhecimentos científicos se modificam sempre e com base no método científico novas teorias são formuladas, muitas vezes substituindo outras previamente aceitas. Uma teoria pode ser alterada frente a novas encontradas. 2.2 A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL A investigação criminal é o aparelho pelo qual se completa a apuração de fatos supostamente delituosos e sua apropriada autoria a partir da ocorrência ou notícia, com o intuito de esclarecer se se harmonizam ou não com alguma norma penal tipificada. Uma apreciação mais sintética desta atividade é apresentada por Manoel Monteiro Guedes Valente (2009, p. 102), de acordo com trecho a seguir: A investigação criminal, levada a cabo pela polícia, procura descobrir, recolher, conservar, examinar, e interpretar provas reaise também procura localizar, contatar e apresentar as provas pessoais que conduzam ao esclarecimento da verdade material judicialmente admissível dos factos que consubstanciam a prática de um crime, ou seja, a investigação criminal pode ser um motor de arranque e o alicerce do processo crime que irá decidir pela condenação ou pela absolvição. Como se pode ressaltar, o objeto da investigação criminal é a isenta apuração da materialidade e autoria de um suposto crime, ou contravenção penal, mediante busca da sua verdade fática e jurídica com embasamento em um juízo de probabilidade indiciária. Cabe ainda ressaltar que a compreensão de verdade pretendida pela investigação criminal diz respeito à verdade processual (adequada à persecução penal como um todo), definida por Luigi Ferrajoli (2014), que a divide entre verdade processual de fato e de direito, as quais não podem ser afirmadas por observações diretas. A verdade processual fática, para o referido jurista, incide em um tipo particular de verdade histórica, relativa a conjecturas que discorrem de representações passadas que não estão abertamente compreensíveis como por UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA INVESTIGAÇÃO 10 exemplo, a experiência. Enquanto isso, a verdade processual jurídica é uma verdade que pode se chamar de classificatória, ao referir-se à classificação ou qualificação dos acontecimentos históricos evidenciados segundo as categorias pelo léxico jurídico e elaboradas mediante a interpretação da linguagem legal. Visto isso, podemos afirmar que a investigação criminal, assim como a investigação científica, pretende buscar uma verdade formal aproximada e corrigível, passível de aperfeiçoamento, com a particularidade de que, na primeira, esta verdade é ordinariamente retrospectiva, uma vez que, via de regra, diz respeito a fatos passados. Ou seja, fatos que não estão mais acessíveis às experiências. Deste modo, enquanto veículo da busca pela verdade processual (formal), decorrem da investigação criminal três funções basilares (BRITTO, 2014): • resguardar a imparcialidade; • resguardar a economicidade; • resguardar a eficiência da Justiça Criminal, Despontando da soma destas três funções o principal bem jurídico tutelado pela investigação criminal, qual seja, a defesa da ordem jurídica. A imparcialidade da Justiça Criminal conserva-se agasalhada pela investigação criminal na avaliação em que esta aprovisiona o juiz com um algoritmo temporário derivado de um órgão não comprometido, ou vinculado, nem com a acusação nem com a defesa, assim resguardando a investigação de ponderações parciais. Tal observação restou, bem ilustrada, no item IV da Exposição de Motivos do Código de Processo Penal vigente, ao discorrer sobre o inquérito policial: É ele uma garantia contra apressados e errôneos juízos, formados quando ainda persiste a trepidação moral causada pelo crime, nas suas circunstâncias objetivas e subjetivas. Por mais perspicaz e circunspeta, a autoridade que dirige a investigação inicial, quando ainda perdura o alarma provocado pelo crime, está sujeita a equívocos ou falsos juízos a priori, ou a sugestões tendenciosas. Não raro, é preciso voltar atrás, refazer tudo, para que a investigação se oriente no rumo certo, até então desapercebido. Por que então, abolir-se o inquérito preliminar ou instrução provisória, expondo-se a justiça criminal aos azares do detetivismo, às marchas e contramarchas de uma instrução imediata e única? Pode ser mais expedito o sistema de unidade de instrução, mas nosso sistema tradicional, como inquérito preparatório, assegura uma justiça menos aleatória, mais prudente e serena (BRASIL, 1941a, p. 2). A economicidade da Justiça Criminal sustenta-se ao mesmo tempo resguardada pela investigação criminal, enquanto evita que acusações infundadas ou temerárias sejam indevidamente judicializadas. Assim, impedindo que estes tipos de acusações sejam submetidos à Juízo, além de que salvaguarda os direitos individuais ao impedir que inocentes sejam submetidos ao desgaste de um processo penal de maneira imprudente. TÓPICO 1 | NOÇÕES BÁSICAS SOBRE INVESTIGAÇÃO 11 Para Aury Lopes Jr. (2001), a função de evitar acusações infundadas é o principal fundamento da investigação criminal, porquanto, em verdade, impedir acusações sem fundamentos é asseverar a sociedade de que não haverá abusos por parte do poder persecutório estatal. Visto que a impunidade pode gerar um grave desassossego social, não menos grave é o mal causado por processar um inocente. Essa atividade de “filtro processual”, para Aury Lopes Jr. (2001), se faz inteiramente concretizada quando levarmos em consideração três fatores: • o custo do processo judicial; • o sofrimento que causa para o sujeito passivo; • a estigmatização social e jurídica geral. José Pedro Zaccariotto (2005) vai ainda mais além, ao esclarecer que parte considerável das notícias de crimes, que cotidianamente chegam às Delegacias de Polícia, dizem respeito a fatos, por vezes, até claramente ilícitos, contudo desprovidos de comprobação quanto à sua efetiva natureza, se civil ou criminal, como acontece, com grande assiduidade, em face de casos permeados por hipotéticos inadimplementos de obrigações, habitual e obstinadamente explanados, como estelionatos e apropriações indébitas, benefício da delicada fronteira que abaliza o território das mencionadas espécies. Nesses, e em tantos diferentes episódios análogos, não deve a investigação criminal objetivar o descobrimento do autor dos fatos que lhe são apresentados de forma abreviada e partidária, mas, sim, descobrir se estes fatos estão ou não de acordo com alguma hipótese delituosa. Assim, podemos concluir que, para a positiva efetividade, tanto da investigação criminal, como da investigação científica, é essencial que enigmas, fundamentados em fatos com suposição criminosa, constituam indícios de maneira concisa e objetiva, uma vez que a metodologia da investigação criminal também não é autossuficiente. Ou seja, não é possível que ela germine no vácuo de informação ou na total indeterminação, circunstância na qual se abordam as notícias de crime que não carregam indicativos ínfimos de prática delituosa. Em compensação, o que passa pelo mencionado “filtro processual”, com o devido desenvolvimento de materialidade de autoria delituosa, resulta em uma maior eficácia da Justiça Criminal, ao permitir que a parte autora da ação penal ingresse em juízo com informações mínimas que proporcionem que o mesmo possa genuinamente exercer o jus persequendi, com uma expectativa palpável de admissível condenação. Em que pese a instrução preliminar não ser indispensável ao ajuizamento da ação penal, esta, via de regra, acompanha a inicial acusatória, adquirindo maior autoridade por ser instruída com informações adquiridas por um órgão alheio e imparcial em relação ao destino da causa. UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA INVESTIGAÇÃO 12 Infelizmente, a estigmatização social e jurídica geral é frequentemente mencionada pela doutrina processualista penal brasileira. Este fato faz com que tenhamos, como consequência, a diminuição da investigação criminal como uma prática unidirecional e monocular, destinada tão exclusivamente para proporcionar a aspiração da parte acusadora de subsequente processo penal, cuja condenação seria seu objetivo principal. Este encaminhamento, além de em claro desacerto com devido processo legal, se analisado sob um prisma filosófico, desemboca na compreensão de verdade afamada por Michel Foucault (2003). Este pensador acredita que o encontro da verdade é consequência de inúmeras coerções, produzindo na sociedade efeitos normatizados por poder, além disso, diz ainda, que a verdade é determinada e transmitida sob autoridade dominante de um ou mais instrumentos hegemônicos. Com tudo, percebemos que a investigação criminal, além da compreensão reducionista visivelmente pacificada na doutrina jurídica do nosso país, deve ser desempenhadapretendendo a imparcialidade na busca da verdade formal. Ainda, pertinente à metodologia da investigação criminal, compete abordar as lições de André Rovegno (2005), autor que afirma que não existe no inquérito policial uma sucessão de atos que implique uma correlação na qual o antecedente acondicionaria o consequente, assim como, também não existiria legislação a recomendar uma ordem para a citada sucessão, diferentemente do que se observa nos processos e procedimentos. A lei confia uma espaçosa margem de discricionariedade para que a autoridade de polícia judiciária contemple as diversas aberturas a perseguir. Para isso, a autoridade policial necessita buscar de todas as maneiras possíveis o sucesso da investigação, ou seja, buscar pela maior aproximação possível da verdade. Quanto aos direitos fundamentais de investigados e indiciados, a legislação processual penal também são fatores que deverão ser perseguidos pela autoridade de polícia judiciária em toda a sua liberdade discricionária conferida pela lei. Ainda segundo André Rovegno (2005, p. 179) “apenas o destino está fixado: a reconstrução, pautada pelo imperativo de busca inarredável pela verdade, de um fato que se apresentou preliminarmente como criminoso”. Como na investigação científica vista no anteriormente, as normas que estruturam a metodologia da investigação criminal possuem somente uma justificativa pragmática. Isso quer dizer que não é possível que se elabore listas acerca da verdade na investigação científica e, ainda, não é possível que se antecipe conclusões independentemente do caso concreto em questão. Entretanto, é imprescindível que as normas seguidas pela autoridade de polícia judicial agreguem não exclusivamente regras compatíveis com as leis da lógica e da ciência, mas, também, que se façam em concordância com o sistema de normas fundamentado numa estrutura jurídica. E, além disso, devem também estar em consonância com os direitos fundamentais dos indiciados e investigados. TÓPICO 1 | NOÇÕES BÁSICAS SOBRE INVESTIGAÇÃO 13 Importante salientar a ideia de Eliomar da Silva Pereira (2010) que diz sobre o fato de os direitos fundamentais provocarem uma verdadeira intervenção jurídica no método da investigação criminal, uma vez que, conquanto não seja verificado por regras positivas necessárias de pesquisa, encontra-se restrito por preceitos negativos, que extraem do seu campo de probabilidade uma quantia de caminhos analisados como inadmissíveis diante do direito, ou acolhidos exclusivamente sob determinadas espécies. Entretanto, cabe lembrar que mesmo que em menor escala, as investigações científicas ainda estão sujeitas a limitações jurídicas decorrentes de direitos fundamentais. Como exemplo disso temos as questões polêmicas relacionadas ao Biodireito, onde o método da investigação científica, a depender do objeto de estudo, pode sugerir em transgressão a direitos fundamentais, especialmente aqueles relacionados à dignidade da pessoa. NOTA Biodireito é o ramo do Direito Público que se associa à bioética, estudando as relações jurídicas entre o direito e os avanços tecnológicos, normalmente obtendo foco para as questões referentes ao corpo e à dignidade da pessoa humana. O material complementar pode ser encontrado no site www.jusbrasil.com.br onde estão disponíveis inúmeros artigos sobre o tema. A investigação criminal ou ainda investigação policial, já que de acordo com a tradição, no Brasil, a investigação criminal é realizada pela polícia, é a forma de indicar a procura, ou busca dos vestígios pertinentes a um crime. No momento em que ocorre um suposto crime e essa notícia chega até a polícia, o sistema penal é empregado a fim de esclarecê-lo para que se possa ter a justa aplicação da lei penal. A partir disso são destacados investigadores para trabalhar no caso. A investigação criminal é o instrumento com o qual se realiza a apuração do ocorrido com a avaliação de acontecimentos supostamente delituosos e da correspondente autoria a partir da sua ocorrência ou notícia, com o objetivo de descobrir se há ou não alguma infração penal. Quando o crime exige uma perícia de local de crime, os peritos criminais se deslocam para realizar os exames periciais e quando se trata de um crime que não necessita de perícia no local, a investigação continua a busca por informações até que possa ser determinada uma perícia posterior. UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA INVESTIGAÇÃO 14 O ordenamento jurídico brasileiro se utiliza do inquérito policial (art. 4 ao 23 do Código de Processo Penal) para fornecer elementos informativos que sejam juridicamente admissíveis e que possam colaborar com o objetivo de desvendar o caso sobre o qual há um interesse jurídico-criminal para, com isso, ajudar o titular da ação penal (art. 24 ao 62 do Código de Processo Penal) a formar convicção sobre o ocorrido. É importante que ao solicitar uma perícia, seja pelo delegado, promotor ou juiz, sejam incluídos no pedido o máximo de informações possíveis sobre o inquérito, para que a avaliação seja feita da melhor forma possível e, também, dando condições para que o perito possa avaliar o que seria importante acrescentar ao laudo, dada as circunstancias. A perícia deve ser considerada como uma parte conjunta da investigação e deve ser feita de forma integrada e em comunicação com a investigação criminal. Devem ser complementares, afinal, o objetivo da investigação criminal é encontrar as provas referentes ao ato sob investigação. Como anteriormente visto neste tópico, a ciência é metodologicamente única, apesar da pluralidade de seus objetos e das técnicas adequadas. No que concerne à natureza do objeto a ser estudado, é ela quem dita os possíveis métodos especializados para a matéria ou campo de investigação apropriado. Isto não é diferente com a investigação criminal, resguardadas as particularidades do fato criminoso, que é o seu objeto. Desta forma, pode-se afirmar que é inteiramente admissível conjecturar uma interconexão metodológica entre as investigações científica e criminal, a partir das seguintes assertivas (FONTELES, 2001): • A investigação criminal, assim como a investigação científica, aponta para a busca pela verdade, contemporaneamente arquitetada de maneira formal aproximada e aperfeiçoável, com a particularidade de que na investigação criminal esta verdade é comumente retrospectiva, uma vez que esta, via de regra, diz respeito a fatos passados não mais acessíveis à experiência. • Para devida eficácia da investigação criminal, assim como na investigação científica, é fundamental que os impasses, motivados em fatos com suposição criminosas, consistam em propositura de forma concisa e prática, visto que ambas as metodologias não são autossuficientes. Logo, não podem se desenvolverem no vácuo de conhecimento ou na total indeterminação. • Assim como na investigação científica, as normas que estruturam a metodologia da investigação criminal têm somente uma justificativa pragmática, e não uma justificação teórica. Entretanto, é imprescindível que tais regras agreguem um aparelho de preceitos fundamentado numa estrutura jurídica, não apenas ajustada com as leis da lógica e as leis da ciência, mas também com os direitos fundamentais dos indiciados e investigados. • Os direitos fundamentais aludem em verdadeira intervenção jurídica na metodologia da investigação criminal, e, também, no método da investigação científica, uma vez que as duas, ainda que não sejam verificadas por regras positivas imprescindíveis de pesquisa, acham-se adstritas por regras negativas, que tiram do seu campo de probabilidade uma verba de aberturas consideradas inadmissíveis perante o direito, ou admitidos somente sob determinadas condições. TÓPICO 1 | NOÇÕES BÁSICAS SOBRE INVESTIGAÇÃO 15 A cientificidade é possível quando os elementos epistemológicos obedecem a certos critérios formais e seus enunciados obedecem a certas leis de construção de proposições. Essaetapa passa por compreender como a investigação criminal se tem apropriado do discurso da ciência, seus enunciados e suas técnicas, e o tem transportado para a busca da verdade acerca dos crimes e sua justificação. Entender em que medida ou sentido isso é possível passa pela compreensão da ciência e das diversas teorias que se têm proposto acerca dela, bem como ela se infiltra no discurso do saber investigativo-criminal. É o que abordaremos no Tópico 2 deste trabalho. Entretanto, há que se entender, preliminarmente, que a ciência se produz dentro e a partir de um saber e nele desempenha um papel, segundo o seu discurso. A ciência não precisa se identificar com o saber, mas não o excluí, apenas se localiza nele, estrutura seu objeto, sistematiza seus métodos, orienta seus conceitos e enunciados. É nesse ponto que surge o problema da ideologia na ciência. Certo é que essa ciência, contudo, pode ou não aparecer; o saber pode ou não dar lugar ao aparecimento de uma ciência. Mas não é por causa da ideologia jurídico-penal que a ciência pode não se tornar possível. Afinal, tem-se entendido que “a ideologia não exclui a cientificidade” (FOUCAULT, 2008, p. 208). A ideologia jurídico-penal até pode conduzir a contradições, lacunas, defeitos teóricos, na medida em que seus efeitos fundam a base da prática e seu discurso. E não basta retificar esses erros e contradições para desfazer a relação com a ideologia. A questão é que o papel da ideologia na ciência não diminui à medida que aumenta o rigor na aceitabilidade e coerência do conhecimento. E a ciência pode acabar até por oferecer argumentos contra a própria ideologia. Além disso, tem-se reconhecido que mesmo as ciências constituídas têm permanecido ideológicas, pois seu paradigma, ou sua matriz disciplinar, se originou em um contexto ideológico bem determinado. Gerard Fourez (1995) distingue, porém, discurso ideológico de primeiro grau e de segundo grau, conforme se encontrem, ou não, vestígios da construção das representações da realidade. No primeiro caso, temos discursos científicos com exortações normais a valores declarados, ao passo que no segundo, temos representações apresentadas como evidentes, quando ainda são discutíveis. Essa compreensão, lançada sobre o conhecimento investigativo-criminal, permite-nos vislumbrar dois caminhos para uma ciência que se possa construir nesse contexto. Uma no sentido de legitimar o saber de domínio prático, para dominação e diminuição de direitos fundamentais; outra no sentido de minimizar o recurso ao uso da força e exclusão da violência como forma de potencializar os direitos fundamentais. UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA INVESTIGAÇÃO 16 Esse último caminho parece ser o único condizente com uma investigação criminal, segundo princípios fundamentais do Estado de direito, que giram em torno do seu objeto e seu método, mesmo dentro e a partir de uma ideologia jurídico-penal. Trata-se da construção de uma ciência que, em complemento ao movimento constitucionalista de limitação do poder e de garantia das liberdades, vise, igualmente, à limitação do poder e ao aumento da liberdade do homem. 17 Neste tópico, você aprendeu que: • Investigar não é apenas procurar à toa, e sim perseguir uma hipótese, que é implicitamente aceita, e procurar saber se ela está ou não correta. • Não é apenas sobre procurar de uma maneira minuciosa algo que estaria ao alcance de muita gente, mas sim de chegar a um resultado que anteriormente não era conhecido. • Na investigação criminal, quem, afinal, atribui a culpabilidade não é o investigador, mas sim um juiz. • Na investigação científica, quem anuncia uma determinada conclusão termina sendo a comunidade científica da área estudada. • Na investigação científica, as conclusões obtidas só são aceitas temporariamente, até que novos estudos permitam rever as decisões feitas anteriormente. • Dois nomes, com certeza, merecem destaque quando falamos em investigação científica analisada do ponto de vista filosófico, são eles René Descartes e Francis Bacon. • Descartes, em Regras para a direção do espírito, elaborou vinte e uma regras onde delineou seu sistema filosófico e científico. • Francis Bacon também dedicou uma parte de sua obra para procurar um método que conduzisse à verdade científica, ele fez isso em sua obra intitulada Novum Organum. • A busca da verdade baseia-se em pressuposições que avaliam a razão, experimentação e observação da investigação de fenômenos e fatos que nos levam a análises de raciocínio distintos. • A compreensão de verdade pretendida pela investigação criminal diz respeito à verdade processual (adequada à persecução penal como um todo). RESUMO DO TÓPICO 1 18 1 De acordo com o que foi estudado neste tópico, discorra sobre a atuação das autoridades policiais durante o curso de uma investigação. Eles devem dar prioridade para a indicação de um autor para o crime investigado ou à busca da verdade? 2 A respeito da investigação, independentemente se científica ou criminal, como foi demonstrado neste primeiro tópico do presente Livro Didático, a primeira lição a ser aprendida é que o seu objetivo é a persecução da verdade. A partir disso, explique de que maneira essa verdade deve ser buscada e qual o obstáculo principal na busca de um investigador. 3 Ao falarmos sobre investigação científica vimos que primeiramente é necessário, assim como qualquer outra ciência, que seja analisado o método mais eficaz a ser utilizado para a concretização dos objetivos dessa ciência. Do ponto de vista filosófico, os nomes que se destacam para a análise da investigação dentro da ciência são René Descartes e Francis Bacon. Explique quais os pontos mais relevantes entre as ideias desses pensadores, indicando um ponto diferenciador entre elas. 4 Ainda sobre a investigação científica, vimos que, em que pese existirem inúmeras variações conceituais e técnicas a respeito do método científico e, também, que haja um certo desacordo sobre como deve ser utilizado, as etapas básicas são fáceis de entender. Assim, a visão tradicional do método científico consiste em cinco etapas, quais são elas e como devem ser utilizadas? 5 Sobre a investigação criminal como uma vertente da investigação científica, conceitue esse tipo de investigação, ressaltando quais são seus objetivos, e objeto principal, e discorra sobre preceitos importantes para que ela seja identificada. AUTOATIVIDADE 19 TÓPICO 2 FUNDAMENTOS DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Neste tópico, o aluno será direcionado para questões específicas acerca da investigação criminal. Uma vez que já compreendemos o conceito de investigação e diferenciamos os tipos que interessam para o conhecimento objeto de alcance com este caderno, sendo eles investigação científica e criminal. Passamos agora a delinear os fundamentos da investigação criminal, para isso, será feita uma linha lógica iniciando num breve histórico acerca desse tipo de investigação, em seguida observando os pilares que a embasam e fundamento e, finalmente, serrão analisados os fins de investigação criminal, os diferenciando dos chamados meios de investigação. Ainda neste tópico, o aluno encontrará um resumo com destaque apenas para subtópicos importantes que aqui forem vistos, além de cinco questões de autoatividade para fixação do conteúdo. 2 HISTÓRICO DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL A utilização dos conhecimentos científicos para a análise de provas de crimes iniciou-se desde o surgimento da civilização, em decorrência da necessidade de esclarecimento de um fato delituoso, através de uma sistemática norteada por padronizações e regras cientificas e jurídicas. Antigamente, os métodos utilizados eram baseados em violência e tortura em busca de autorias baseadas em confissões, que podem ter pouca credibilidade. Não se podia imaginar que um dia a sociedade poderia, tão certeiramente, descobrir o autor de um crime e ter provas para culpá-lo, com a progressãoda prova em sentido amplo, de maneira testemunhal e, também, material. No mundo todo, muitos crimes sempre passaram despercebidos por falta da prova material. Desde meados de 1870, na França, eram utilizadas fotografias nas fichas criminais. O objetivo era que elas servissem como um meio de reconhecimento, como um banco de dados para identificação. Após alguns anos de tentativa, Alphonse Bertillon (Paris, 1853-1914), famoso criminologista francês, emplaca um método científico de reconhecimento dos indivíduos e classificação de suas fichas baseado em mensurações antropológicas. UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA INVESTIGAÇÃO 20 Esse método foi adotado internacionalmente e utilizado até 1970. Nesse movimento, ferramentas como o retrato falado, as fotografias e, mais à frente, a datiloscopia tornam-se procedimentos complementares. É que, para Bertillon, somente com a antropometria era possível entregar à justiça provas científicas irrefutáveis no que se refere à identificação de um criminoso reincidente. O oficial da polícia francesa é considerado o criador da polícia técnica moderna e o sistema ficou conhecido como “sistema Bertillon” ou “bertillonagem”. A partir disso, surge a criminalística. No Brasil, a origem da criminalística se confunde com o surgimento da medicina legal, que recebeu forte influência da experiência francesa. Na época da administração colonial no Brasil, quase não foram feitas pesquisas científicas sobre medicina legal. Somente depois do ano de 1832, com o surgimento das faculdades de medicina, foram produzidas teses com o tema, devido ao requerimento para obtenção do título de graduação. Em torno de 1839, já eram possíveis de serem encontrados os primeiros trabalhos sobre o assunto. Para evidenciar os métodos científicos para resolução de crimes, surgem os chamados Institutos de Criminalística, conhecidos também como polícia técnico- científica, que tem como objetivo a criação dos laboratórios criminalísticos, para que seja possível suprir as necessidades de aplicação dos métodos científicos no esclarecimento dos crimes. A polícia técnica é um órgão da Administração Pública subordinado à Secretaria de Segurança Pública na maior parte dos estados nacionais e tem como objetivo coletar e analisar as provas periciais. A função dos Institutos de Criminalística é contribuir com o exercício das perícias criminais, oferecendo, aos peritos, materiais e ferramentas que possam ser importantes na descoberta do responsável e na elaboração do laudo pericial. Entre suas diversas áreas, cada uma especializada em um diferente tipo de perícia, pode-se contar, por exemplo, com áreas de acidente de trânsito, crimes contábeis, informática, áreas de exames, análise e pesquisas – instrumental, balística, biológica, bioquímica, física e química, entre inúmeras outras. A criminalística e seus métodos de utilização dos estudos de vestígios descobertos no local são essenciais para o esclarecimento de crimes. O conhecimento é útil não somente para os peritos criminais, mas também para os operadores do direito que se inclinam para compreensão da matéria e sua aplicabilidade no âmbito penal, a fim de alcançar credibilidade e autenticidade dos fatos necessários para resolução do conflito. De acordo com o Código de Processo Penal Brasileiro, é mandatório o exercício do exame de corpo de delito para os crimes que deixarem vestígios. Isso entrega ao juiz meios materiais para a resolução do apurado fato delituoso, pois se trata de uma prova importante, científica e isenta, considerando a materialidade. TÓPICO 2 | FUNDAMENTOS DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL 21 Desde a Constituição Federal de 1988, são confirmados os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, a fim de evitar tratamentos injustos ou degradantes que precedam a decisão do juiz. Essa é a presunção de inocência, preceituada no art. 5, inciso LVII: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LVII- ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (BRASIL, 1988, s.p.). No mesmo Art. 5, inciso LV, também é previsto o princípio do contraditório, observando o direito à prova para assegurar às partes os recursos suficientes a defesa do acusado: “LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (BRASIL, 1988, s.p.). É preciso que se busque sempre a justiça nos processos penais, levando em consideração o princípio da dignidade humana e a Constituição Federal de 1988. Com a prova pericial, então, não é necessário que o magistrado se atenha apenas a fatos divulgados por pessoas ou pela confissão, que podem ser menos confiáveis. 2.1 OS FUNDAMENTOS DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL Como parte das funções do Estado, estão a proteção dos direitos fundamentais e a promoção da justiça. Ao surgir a notícia da prática de um ilícito penal, faz-se necessário que, por meio dos órgãos competentes, aplique-se a persecução criminal ou penal, que é a mesma coisa que perseguir, no sentido de ir atrás da apuração do fato, a fim de confirmá-la, ou não, e, consequentemente, se for o caso, iniciar uma ação penal. Isso é feito, no Brasil, pela polícia judiciária nas fases de averiguação e pelo Ministério Público, que por fim pode oferecer denúncia ao juiz, dando início à ação penal pública. A persecução criminal é, portanto, o dever do Estado de promover o processo penal acusatório, e a própria investigação que o precede, quando for cabível. Pode-se definir a investigação criminal, brevemente, como uma atividade preliminar que antecede o processo, visando à produção e obtenção de elementos de convicção (evidências) acerca da materialidade e da responsabilidade de uma ocorrência criminosa. Quando se fala em diligências, meios e técnicas de investigação, se trata da prática dos atos investigativos. Eles normalmente são provenientes do inquérito policial, em fase preliminar expressivamente independente se comparado ao processo criminal. UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA INVESTIGAÇÃO 22 No que se refere à esfera criminal, a atividade investigativa é mais marcante. São determinadas pela Constituição Federal, as autoridades responsáveis pela apuração das infrações penais: Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se a: I- apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; § 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares (BRASIL, 1988, s.p.). Complementarmente, o artigo 4º do CPP revela que: Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. (Redação dada pela Lei nº 9.043, de 9.5.1995) Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função (BRASIL, 1941b, s.p.). O Código de Processo Penal regulamentou, com muito mais precisão, as normas sobre a investigação, tanto sobre o inquérito policial, quanto por leisexclusivas sobre os métodos de investigação. Sabe-se que isso ocorre, pois fazem parte do julgamento de processo criminal vários assuntos sensíveis: direitos como a liberdade, honra, intimidade, segurança individual e pública. O simples fato de se ajuizar uma demanda judicial injustamente já pode estabelecer um dano irreparável ao acusado. E, em contrapartida, a falta de preparo do processo a que foi dado início pode culminar na impunidade de um indivíduo que mereça uma sanção penal. Como foi visto no parágrafo único do artigo 4º do Código de Processo Penal, além da polícia judiciária, outros órgãos administrativos podem realizar o ato investigativo, dentro de suas atribuições legais. A investigação criminal policial ocorre quando, após notificação de um crime, o sistema policial define a polícia judiciária para coordenar a investigação preliminar da situação, com o objetivo de obter elementos que possam servir para formar a convicção do órgão acusador. TÓPICO 2 | FUNDAMENTOS DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL 23 A autoridade policial determina a orientação da investigação e decide como deve proceder ao ato investigativo: oitiva de testemunhas, corpo de delito etc. E delibera, também, quem será responsável por cada função. Se for necessária alguma restrição de direitos, como, por exemplo, uma prisão cautelar ou interceptação telefônica, deve ser apresentada uma solicitação ao órgão judicial. Nesse momento, a polícia judiciária atua de forma autônoma em sua forma de conduzir a investigação. Não se subordina, funcionalmente, nem ao ministério público e nem ao poder judiciário. O procedimento de investigação alcançado por meio desse sistema é de caráter administrativo, e, apesar do nome, a polícia judiciária não está ligada ao poder judiciário e não é dotada de poder judicial. É um órgão da administração pública, da estrutura do poder executivo. A vantagem desse sistema é que nem a polícia tem grande alcance e consegue atingir com mais agilidade um local que o poder judiciário e o ministério público. No entanto, o fato da polícia ser armada e, consequentemente, representar o componente mais perceptível do controle da criminalidade, a faz ter, por vezes, a ação mais dirigida a grupos já estigmatizados, ignorando criminosos de classe social elevada. Isso fere os princípios de igualdade jurídica. O discurso da discricionariedade (poder que é entregue para agir livremente, dentro dos limites da lei, sem restrição, ou seja, sem estar vinculado à uma conduta) pode apresentar algumas alterações na conduta policial. 2.2 OS FINS DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL A investigação criminal é pesquisa orientada a estabelecer a verdade fática acerca de uma lesão penalmente relevante a um bem jurídico decorrente de conduta humana. É pesquisa que se faz a partir de uma hipótese típico-legal (direito penal) e segundo formas delimitadas juridicamente (direito processual penal). É atividade que não se limita a apenas uma fase do processo penal (inquérito), pois, paralelamente à interpretação jurídica, percorre todas as suas fases. É a parcela do processo que se destina a estabelecer a verdade fática, antes que se faça a subsunção dos fatos à norma penal (verdade jurídica), mas ao passo que se vai investigando, interpretações não definitivas são necessárias. Investigação e interpretação, portanto, não são atividades estanques que se realizam sucessivamente, mas simultaneamente, embora sem definitividade, até que se chegue a uma sentença penal condenatória. Nesse caminho, vários sujeitos processuais intervêm e pesquisas de naturezas diversas se realizam. UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA INVESTIGAÇÃO 24 A verdade, contudo, é apenas uma condição necessária (não prescindível), mas não suficiente para legitimar as ações de pesquisa e sua forma. Há uma verdade processual, validada juridicamente, não uma verdade material. Isso nos exige distinguir entre um conceito de verdade, que aspira por ser uma correspondência com os fatos, e critérios de verdade, que no direito são delimitados juridicamente. São os meios, portanto, não os fins, que justificam a investigação criminal, salvo se a ela pudermos atribuir fins, outros além da busca da verdade, o que faz desta verdade um valor dependente de outros valores concorrentes. Se ao direito se impõe a prevenção de conflitos, ou sua solução posterior sem recurso à violência, como forma de promover a paz, não pode a investigação criminal, na busca por uma verdade, produzir mais problemas além do que tem a resolver, ou mesmo agravá-los. O escopo da investigação criminal, nesse sentido, é a solução de problemas por meios menos gravosos a direitos fundamentais. Assim, se podemos conceber caminhos a uma maior eficácia da investigação: • pelo aumento do poder com uma, cada vez maior, restrição de direitos; • pelo aumento do saber com uma, cada vez menor, restrição de direitos. Apenas este último pode ser o sentido de um aperfeiçoamento da investigação como ciência, nas sociedades políticas que têm a forma de Estado de direito. O fim de uma investigação criminal, ao contrário do que muitos pensam, não é a obtenção e produção de elementos que provem a prática de um ilícito. Dizer isso seria o mesmo que dizer, também, que toda a instrução preliminar teria como objetivo a demonstração de um ilícito, não levando em consideração outros elementos que estivessem apontando justamente o oposto. Com o intuito de comprovar ou não um delito, existe a instrução processual propriamente dita, com todos os princípios essenciais a ela, especialmente o contraditório e a ampla defesa. A busca da verdade real (art. 156 do CPP) visa a reconstrução histórica da situação, sob juízo, com igualdade das partes no que diz respeito a produção das provas, que é o contraditório e a ampla defesa, a fim de que o convencimento judicial da sentença seja adequadamente motivado, como prega o princípio do livre convencimento motivado ou princípio da persuasão racional (art. 157 do CPP). Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) I– ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) II– determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) TÓPICO 2 | FUNDAMENTOS DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL 25 Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) § 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) § 2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) § 3º Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) (BRASIL, 1941b, s.p.). Pode-se entender, então, que a investigação preliminar não tem como função primária comprovar o delito. Se isso fosse verdade, não seria chamada de preliminar e quando o procedimento terminasse já se poderia ter a confirmação ou não confirmação, ou seja, não seria mais necessário prosseguir o processo. A investigação preliminar deve alimentar a ação penal, colhendo elementos para que não se faça necessário prosseguir com uma ação sem fundamento oufadada ao fracasso. Sabe-se que um processo penal traz consigo muitos custos a todos os envolvidos. O acusado se submete ao custo de todo o rito processual penal, com os ônus e deveres derivados dele e o fator psicológico de estresse e ansiedade causados pela espera e desconhecimento do desfecho da ocorrência jurídica. Enquanto aguarda, ainda carrega consigo a alcunha de réu. A outra parte, que o acusa, seja ela da esfera pública ou privada, mobiliza o sistema judiciário e administrativo. Isso custa recursos materiais e ocupa recursos humanos que poderiam estar sendo utilizados de outra forma. Tendo isso em vista, pode-se compreender que não se deve permitir que uma acusação informal dê início a abertura de um processo que não esteja minimamente fundamentado com indícios produzidos e alcançados no momento da investigação. Inclusive, cada vez mais, busca-se a proteção de direitos fundamentais e contenção dos poderes do Estado. É notado, como consequência, que o direcionamento dado preliminarmente, pela investigação, tem como função abrir caminho para uma possível ação penal de forma responsável, seja ela iniciada por um particular ou pelo Estado. Assim, afirma-se que a investigação criminal, seja ela qual for, tem como função oferecer elementos que alimentem a acusação e a tornem legítima. 26 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • No Brasil, a origem da criminalística se confunde com o surgimento da medicina legal, que recebeu forte influência da experiência francesa. • Para evidenciar os métodos científicos para resolução de crimes, surgem os chamados Institutos de Criminalística, conhecidos também como polícia técnico-científica. • O objetivo da criação dos laboratórios criminalísticos é suprir as necessidades de aplicação dos métodos científicos no esclarecimento dos crimes. • A polícia técnica é um órgão da Administração Pública subordinado à Secretaria de Segurança Pública na maior parte dos estados nacionais e tem como objetivo coletar e analisar as provas periciais. • A criminalística e seus métodos de utilização dos estudos de vestígios descobertos no local são essenciais para o esclarecimento de crimes. • É preciso que se busque sempre a justiça nos processos penais, levando em consideração o princípio da dignidade humana e a Constituição Federal de 1988. • A persecução criminal é o dever do Estado de promover o processo penal acusatório e a própria investigação que o precede, quando for cabível. • Pode-se definir a investigação criminal, brevemente, como uma atividade preliminar que antecede o processo, visando à produção e obtenção de elementos de convicção (evidências) acerca da materialidade e da responsabilidade de uma ocorrência criminosa. • No que se refere à esfera criminal, a atividade investigativa é mais marcante. São determinadas pela Constituição Federal, as autoridades responsáveis pela apuração das infrações penais • A investigação preliminar deve alimentar a ação penal, colhendo elementos para que não se faça necessário prosseguir com uma ação sem fundamento ou fadada ao fracasso. 27 1 Como vimos, para evidenciar os métodos científicos e solucionar crimes, foram instituídos os chamados Institutos de Criminalística ou polícia técnico-científica. Explique qual o objetivo e função desses Institutos. 2 Constatamos também que o Código de Processo Penal Brasileiro obriga que se faça o exame de corpo delito nos crimes que deixam vestígios. Explique a importância dessa norma. 3 De acordo com o que foi visto neste início do estudo sobre investigação e perícia, já é possível concluir alguns pontos importantes sobre a importância fundamental que a prova pericial tem na persecução do processo penal. Com isso, levando em consideração também as normas constitucionais, disserte sobre a importância desse tipo de prova. 4 De acordo com os conhecimentos adquiridos, elabore uma linha temporal de um processo de investigação, pontuando os momentos de autonomia da autoridade policial e sua relação com o Poder Judiciário. 5 Sabemos que não se deve permitir que uma acusação informal dê início à abertura de um processo que não esteja minimamente fundamentado com indícios produzidos e alcançados no momento da investigação. Cada vez mais, busca-se a proteção de direitos fundamentais dos acusados e indiciados em detrimento da contenção dos poderes do Estado, por que isso ocorre? AUTOATIVIDADE 28 29 TÓPICO 3 TEORIA DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Como último tópico da presente unidade deste livro didático, direcionamos o aluno para a teoria da investigação criminal per si. Aqui serão vistos dois pontos muito importante para aplicação da investigação criminal no ordenamento jurídico brasileiro. Primeiramente, o aluno entenderá a importância da investigação como pesquisa, começando a traçar a ponte de pensamento com a obtenção de provas durante um processo judicial, tema da Unidade 2 deste livro. Depois, será analisado o garantismo penal como ponto central de motivação para a teoria da investigação criminal em nosso ordenamento. Ainda nesse tópico, o aluno encontrará um resumo com destaque apenas para subtópicos importantes que aqui forem vistos, além de cinco questões de autoatividade para fixação do conteúdo. 2 A INVESTIGAÇÃO COMO PESQUISA A investigação criminal é o ponto de partida da persecução penal. É o início da atividade de verificação de um fato determinado que, por qualquer motivo, se acredita que é criminoso. Ainda que vista de maneira exterior ao processo-crime, a investigação propriamente dita, é elemento germinador da origem do saber e do conhecimento. É preceito inicial para todas as coisas que o ser humano ambiciona adquirir informação. Isso quer dizer que a totalidade das coisas que o homem possui conhecimento teve origem no saber e, além disso, os indivíduos estão sempre buscando a ampliação desse conhecimento. A investigação, então, é desde a pesquisa até o exercício do saber, e isso pode ocorrer tanto por simples curiosidade como para o desenvolvimento do intelecto. Contudo, no âmbito do direito criminal, para mais da investigação que apenas procura um conhecimento específico sobre determinado assunto com objetivo de mera satisfação pessoal, existe, também, a necessidade de que a investigação siga os moldes determinados e disciplinados pelas normas legais, de maneira que predomine a satisfação do interesse público. 30 UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA INVESTIGAÇÃO Dessa maneira, a investigação se posiciona como preceito indispensável do sistema de justiça criminal, visto que ela se propaga sobre inevitabilidade de observação da verdade real e da capacidade de poder provar essa verdade em juízo, para que assim seja possibilitado o correto aproveitamento da lei penal. A investigação criminal transpassa a totalidade de um procedimento de apuração da responsabilidade penal do sujeito praticante de um crime. Isso ocorre de maneira que, primeiramente, dá-se início à busca pelo conhecimento do fato e todas as suas circunstâncias e, em seguida, ocorre a análise dos fatos, levantados por meio da busca, pelas autoridades legitimadas pelo sistema de justiça criminal, possibilitando, assim, o experimento de uma verdade admissível, fundamentada nas informações adquiridas no procedimento de apuração. Perpetradas as considerações iniciais acima, almejamos, agora, passar a estudar a compreensão de investigação criminal sob dois aspectos relevantes, quais sejam o prático e jurídico. Inicialmente, cabe estruturarmos a concepção de investigação criminal do aspecto prático. Pode-se dizer que, nesse aspecto, a investigação é elaborada como um aglomerado de atividades previamente estabelecidas e devidamente formalizadas que, dentro das fronteiras permitidas pela lei, se propõem a aperfeiçoar a essência, materialidade, conjunturas e autoria de uma determinada infração penal, angariando provas e elementos de informações que poderão ser utilizadas
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