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MICROBIOLOGIA CAPÍTULO 20 - Fármacos antimicrobianos RESUMO Vitória Luíza Damasceno INTRODUÇÃO Os fármacos antimicrobianos agem destruindo ou interferindo no crescimento dos microrganismos. Diferentemente dos desinfetantes, no entanto, esses fármacos devem agir dentro do hospedeiro, sem causar dano a ele. Esse é o importante princípio da toxicidade seletiva. Os antibióticos estão entre as mais importantes descobertas da medicina moderna. Muitas pessoas se recordam do tempo em que pouco podia ser feito para se tratar diversas doenças infecciosas letais. A introdução da penicilina, das sulfanilamidas e de outros agentes antimicrobianos para o tratamento de condições como um apêndice supurado ou o chamado envenenamento do sangue resultou em curas que pareciam quase milagrosas. A HISTÓRIA DA QUIMIOTERAPIA O surgimento da quimioterapia moderna é creditado aos esforços de Paul Ehrlich, na Alemanha, durante a primeira parte do século XX. Enquanto tentava corar bactérias sem corar os tecidos circundantes, ele especulava sobre alguma “bala mágica” que encontraria e destruiria patógenos de forma seletiva, mas sem afetar o hospedeiro. Essa ideia forneceu a base para a toxicidade seletiva e para a quimioterapia, termo que ele próprio cunhou. Em 1928, Alexander Fleming observou que o crescimento da bactéria Staphylococcus aureus foi inibido em uma área que circundava a colônia de um bolor que havia contaminado a placa de Petri. O bolor foi identificado como Penicillium notatum, e seu composto ativo, isolado logo em seguida, foi chamado de penicilina. Reações inibidoras similares entre colônias em meio sólido são comumente observadas na microbiologia, e o mecanismo de inibição é chamado de antibiose. Dessa palavra surgiu o termo antibiótico, substância produzida pelos microrganismos que, em pequenas quantidades, inibe outro microrganismo. Portanto, os fármacos sulfas totalmente sintéticos, são tecnicamente fármacos antimicrobianos. ESPECTRO DE ATIVIDADE ANTIMICROBIANA É fácil descobrir ou desenvolver fármacos efetivos contra células procarióticas e que não afetem as células eucarióticas dos seres humanos. Esses dois tipos celulares se diferenciam substancialmente de vários modos, como pela presença ou ausência de parede celular, pela estrutura fina de seus ribossomos e por detalhes de seus metabolismos. Assim, a toxicidade seletiva apresenta diversos alvos. O problema é mais complicado quando o patógeno tem células eucarióticas, como fungos, protozoários ou helmintos. Em nível celular, esses organismos se assemelham às células humanas muito mais intimamente do que as células bacterianas. Assim, um fármaco que tenha como alvo esses patógenos geralmente também danifica o hospedeiro. As infecções virais também são particularmente difíceis de tratar, uma vez que o patógeno está dentro da célula do hospedeiro humano, e porque a informação genética do vírus direciona a célula humana a produzir mais vírus, em vez de sintetizar materiais celulares normais. Alguns fármacos têm um espectro restrito de atividade microbiana, ou alcance dos diferentes tipos microbianos que eles podem afetar. A penicilina G que afeta bactérias gram-positivas, mas apenas algumas poucas bactérias gram-negativas. Os antibióticos que afetam uma ampla variedade de bactérias gram-positivas ou gram-negativas são chamados de antibióticos de amplo espectro. Um fator envolvido na toxicidade seletiva de ação antibacteriana reside na camada externa de lipopolissacarídeos de bactérias gram-negativas e nas porinas, que formam canais aquosos através dessa camada. Fármacos que atravessam os canais de porinas precisam ser relativamente pequenos e, preferencialmente, hidrofílicos. Fármacos que são lipofílicos ou especialmente grandes não conseguem penetrar imediatamente em uma bactéria gram-negativa. A microbiota normal geralmente compete e limita o crescimento de patógenos e outros micróbios. Se o antibiótico não for capaz de destruir determinados organismos na microbiota normal, mas eliminar os seus competidores, os sobreviventes podem proliferar e se tornarem patógenos oportunistas. Um exemplo observado muitas vezes é o crescimento excessivo da levedura Candida albicans, que não é sensível aos antibióticos bacterianos. Esse crescimento excessivo é chamado de superinfecção, termo também aplicado ao crescimento do patógeno-alvo que desenvolveu resistência a um antibiótico. Nessa situação, essa linhagem resistente ao antibiótico substituirá a linhagem originalmente sensível, e a infecção permanece. AÇÃO DOS FÁRMACOS ANTIMICROBIANOS Os fármacos antimicrobianos podem ser bactericidas que destroem os micróbios diretamente ou bacteriostáticos que impedem o crescimento dos micróbios. Na bacteriostase, as próprias defesas do hospedeiro, como a fagocitose e a produção de anticorpos, normalmente destroem o microrganismo. Inibição da síntese de parede celular A penicilina, o primeiro antibiótico verdadeiro a ser descoberto e utilizado, é um exemplo de inibidor da síntese de parede celular. A parede celular de uma bactéria consiste em uma rede macromolecular, chamada de peptideoglicano e é encontrado apenas nas paredes celulares bacterianas. A penicilina e alguns outros antibióticos previnem a síntese de peptideoglicanos intactos; consequentemente, a parede celular fica enfraquecida, e a célula sofre lise. Uma vez que a penicilina age sobre o processo de síntese, apenas células que estejam crescendo ativamente são afetadas por esses antibióticos – e, já que as células humanas não têm parede celular constituída por peptideoglicano, a penicilina apresenta pouca toxicidade para as células do hospedeiro. Inibição da síntese proteica A síntese de proteínas é comum a todas as células, sejam procarióticas ou eucarióticas, esse processo pareceria um alvo improvável para a toxicidade seletiva. Entretanto, uma diferença existe entre procariotos e eucariotos é a estrutura de seus ribossomos. As células eucarióticas têm ribossomos 80S, ao passo que as células procarióticas têm ribossomos 70S. A diferença na estrutura ribossomal é a razão da toxicidade seletiva dos antibióticos que afetam a síntese de proteínas. Contudo, as mitocôndrias também contêm ribossomos 70S similares àqueles de bactérias. Dessa forma, antibióticos que afetam os ribossomos 70S podem causar efeitos adversos nas células do hospedeiro. Entre os antibióticos que interferem na síntese proteica estão o cloranfenicol, a eritromicina, a estreptomicina e as tetraciclinas. Danos à membrana plasmática Alguns antibióticos, principalmente aqueles compostos por polipeptídeos, provocam mudanças na permeabilidade da membrana plasmática, que resultam na perda de metabólitos importantes pela célula microbiana. Alguns fármacos antifúngicos, como a anfotericina B, o miconazol e o cetoconazol, são eficientes contra uma gama considerável de doenças fúngicas. Esse fármacos se associam aos esteróis da membrana plasmática fúngica e danificam a membrana. Inibição da síntese de ácidos nucleicos Muitos antibióticos interferem nos processos de replicação e transcrição do DNA nos microrganismos. Alguns fármacos com essa atividade apresentam utilidade limitada, pois também interferem no metabolismo do DNA e do RNA de mamíferos. Inibição da síntese de metabólitos essenciais Uma atividade enzimática em particular de um microrganismo pode ser inibida competitivamente por uma substância –antimetabólito- que se assemelha intimamente ao substrato normal da enzima. Um exemplo é a inibição competitiva é a relação entre o antimetabólito sulfanilamida e o ácido paraminobenzoico (PABA). Em muitos microrganismos, o PABA é o substrato para uma reação enzimática que leva à síntese de ácido fólico, vitamina que atua como coenzima para a síntese de bases purínicas e pirimidínicasde ácidos nucleicos e de muitos aminoácidos. FÁRMACOS ANTIMICROBIANOS COMUMENTE UTILIZADOS ANTIBIÓTICOS ANTIBACTERIANOS: INIBIDORES DA SÍNTESE DE PAREDE CELULAR Para que um antibiótico funcione bem, ele geralmente precisa afetar estruturas ou funções microbianas diferentes das estruturas ou funções dos mamíferos. A célula eucariótica dos mamíferos geralmente não tem parede celular; em vez disso, ela tem apenas uma membrana plasmática. Até mesmo essa membrana difere em composição da membrana plasmática de células procarióticas. Por essa razão, a parede celular microbiana é um alvo atraente para a ação dos antibióticos. Penicilina O termo penicilina refere-se a um grupo formado por mais de 50 antibióticos quimicamente relacionados. Todas as penicilinas têm uma estrutura central comum, contendo um anel -lactâmico, chamado de núcleo. Os tipos de penicilina são diferenciados pelas cadeias laterais químicas associadas aos seus núcleos. Elas impedem a ligação cruzada entre peptideoglicanos, o que interfere nos estágios finais da construção das paredes celulares, principalmente de bactérias gram-positivas. As penicilinas podem ser produzidas de forma natural ou semissintética. Penicilinas naturais As penicilinas extraídas de culturas do bolor Penicillium são chamadas de penicilinas naturais. O composto protótipo de todas as penicilinas é a penicilina G. Ela tem um espectro de atividade restrito, mas útil, e frequentemente é o fármaco de escolha contra a maioria dos estafilococos, estreptococos e diversas espiroquetas. Quando inoculada por injeção intramuscular, a penicilina G é rapidamente excretada do organismo dentro de 3 a 6 horas. As penicilinas naturais apresentam algumas desvantagens. As principais são o seu estreito espectro de atividade e a sua suscetibilidade a penicilinases. As penicilinases são enzimas produzidas por muitas bactérias, principalmente espécies de Staphylococcus, que clivam o anel -lactâmico da molécula de penicilina. Devido a essa característica, as penicilinases são muitas vezes chamadas de -lactamases. Penicilinas semissintéticas Uma variedade de penicilinas semissintéticas tem sido desenvolvida na tentativa de superar as desvantagens das penicilinas naturais. Os cientistas desenvolvem essas penicilinas de duas maneiras. É possível interromper a síntese da molécula pelo Penicillium e obter apenas o núcleo comum das penicilinas para ser utilizado. Segundo, é possível remover as cadeias laterais de moléculas naturais completas e, em seguida, adicionar quimicamente outras cadeias laterais que as tornem mais resistentes a penicilinases, ou os cientistas podem ampliar seu espectro de ação. O termo semissintético vem de: parte da penicilina é produzida pelo bolor e parte é adicionada sinteticamente. Penicilinas resistentes à penicilinase A resistência das infecções estafilocócicas ao tratamento com penicilinas logo se tornou um problema, devido ao gene da -lactamase codificado em plasmídeos. Antibióticos que eram relativamente resistentes a essa enzima, como a penicilina semissintética meticilina, foram introduzidos na prática clínica, contudo a resistência a eles também surgiu rapidamente; assim, o organismo que apresenta essa resistência é denominado Staphylococcus aureus resistente à meticilina. Penicilinas de espectro estendido Com o objetivo de resolver o problema do espectro restrito de atividade das penicilinas naturais, as penicilinas semissintéticas de amplo espectro foram desenvolvidas. Essas novas penicilinas são eficientes contra muitas bactérias gram-negativas e também contra gram-positivas, embora elas não sejam resistentes a penicilinases. As primeiras penicilinas dessa categoria foram as aminopenicilinas, como a ampicilina e a amoxicilina. Quando a resistência bacteriana a elas se tornou comum, as carboxipenicilinas foram desenvolvidas. Membros desse grupo, que inclui a carbenicilina e a ticarcilina, apresentam, ainda, maior atividade contra bactérias gram-negativas e têm a vantagem especial de serem ativos contra Pseudomonas aeruginosa. Entre as adições mais recentes à família das penicilinas estão as ureidopenicilinas, que incluem a mezlocilina e a azlocilina. Carbapenemos Os carbapenemos são uma classe de antibióticos -lactâmicos em que um átomo de carbono é substituído por um átomo de enxofre e uma ligação dupla é adicionada ao núcleo da penicilina. Esses antibióticos inibem a síntese da parede celular e têm um espectro de atividade extremamente amplo. Um representante desse grupo é a Primaxina, combinação de imipenem e cilastatina. A cilastatina não tem atividade antimicrobiana intrínseca, mas previne a degradação da combinação nos rins. Testes têm demonstrado que a Primaxina é ativa contra 98% de todos os organismos isolados de pacientes hospitalizados. Monobactamos Um método de evitar os efeitos da penicilinase é mostrado pelo aztreonam, que é o primeiro membro de uma nova classe de antibióticos. Esse antibiótico sintético apresenta apenas um único anel -lactâmico, em vez do duplo anel convencional, sendo, portanto, conhecido como monobactamo. O espectro de atividade do aztreonam é surpreendente para um composto relacionado à penicilina – antibiótico que apresenta toxicidade excepcionalmente baixa e afeta apenas determinadas bactérias gram-negativas, incluindo as pseudomonadas e E. coli. Antibióticos polipeptídicos Bacitracina: A bacitracina é um antibiótico polipeptídico efetivo principalmente contra bactérias gram-positivas, como estafilococos e estreptococos. A bacitracina inibe a síntese da parede celular bacteriana em uma fase anterior àquela em que a penicilina e a cefalosporina agem. Ela interfere na síntese das fitas lineares dos peptideoglicanos. Seu uso é restrito à aplicação tópica para infecções superficiais. Vancomicina: faz parte de um pequeno grupo de antibióticos glicopeptídicos derivados de uma espécie de Streptomyces encontrada nas selvas de Bornéu. Originalmente, a toxicidade da vancomicina era um problema sério, porém melhorias nos processos de purificação durante a sua manufatura têm corrigido esse problema. Embora ela tenha um espectro de atividade bastante restrito, que se baseia na inibição da síntese da parede celular, a vancomicina tem sido extremamente importante no que diz respeito ao problema do MRSA. A vancomicina vem sendo considerada a última linha de defesa antibiótica no tratamento de infecções por Staphylococcus aureus que são resistentes a outros antibióticos. ANTIBIÓTICOS ANTIMICOBACTERIANOS A parede celular de membros do gênero Mycobacterium difere da parede celular da maioria das outras bactérias. Ela incorpora ácidos micólicos, que são um fator diferencial em suas propriedades de coloração, o que faz ela se apresentar como acidorresistente. O gênero inclui importantes patógenos, como aqueles que causam a tuberculose e a hanseníase. A isoniazida (INH) é um fármaco antimicrobiano sintético altamente eficiente contra Mycobacterium tuberculosis. O efeito principal da INH é a inibição da síntese de ácido micólico, componente da parede celular encontrado apenas em micobactérias. Ela tem pouco efeito sobre bactérias de outros gêneros. Quando utilizada para o tratamento da tuberculose, geralmente a INH é administrada simultaneamente a outros fármacos, como a rifampicina ou o etambutol. Esse cuidado minimiza o desenvolvimento de resistência aos fármacos. INIBIDORES DA SÍNTESE PROTEICA O cloranfenicol inibe a formação de ligações peptídicas nas cadeias nascentes de polipeptídeos pela reação com a porção 50S do ribossomo procarioto 70S. Como sua estrutura é relativamente simples, é mais vantajoso para a indústria farmacêutica sintetizá-lo quimicamente do que isolá-lo de Streptomyces. O antibiótico é relativamente barato e tem amplo espectro de ação,sendo frequentemente utilizado em locais onde custos baixos são essenciais. O seu pequeno tamanho molecular permite a difusão para áreas do organismo que são inacessíveis a muitos outros fármacos. Contudo, o cloranfenicol apresenta efeitos adversos graves, os quais incluem a supressão da atividade da medula óssea, o que afeta a formação de células do sangue. Danos a membrana plasmática A síntese da membrana plasmática bacteriana requer a produção de determinados ácidos graxos, que funcionam como blocos de montagem. Os pesquisadores, na busca por um alvo atraente para novos antibióticos, têm concentrado seus esforços nessa etapa metabólica, a qual é distinta da biossíntese de ácidos graxos em seres humanos. A interferência nesse processo é a base do mecanismo de ação de diversos antibióticos e antimicrobianos. Um ponto fraco é que muitos patógenos bacterianos são capazes de captar ácidos graxos do soro. No ambiente do solo, a partir do qual estreptomicetos produtores de antibióticos foram isolados, os ácidos graxos não estão disponíveis. Exemplos de antimicrobianos de sucesso que têm como alvo a síntese de ácidos graxos incluem o fármaco da tuberculose e o antibacteriano doméstico, triclosano. Os lipopetídeos polimixina B e bacitracina causam danos às membranas plasmáticas. A polimixina B é um antibiótico bactericida eficiente contra bactérias gram-negativas. Durante muitos anos, ela foi um dos poucos fármacos disponíveis para uso no tratamento de infecções causadas por bactérias do gênero Pseudomonas. Ela é raramente utilizada nos dias de hoje, exceto no tratamento tópico de infecções superficiais, para as quais a polimixina B encontra- -se disponível em pomadas antissépticas. Tanto a bacitracina quanto a polimixina B estão disponíveis em pomadas antissépticas, nas quais elas geralmente são associadas à neomicina, aminoglicosídeo de amplo espectro. Em uma rara exceção a regra, esses antibioticos não necessitam de uma prescrição. Inibidores da síntese de ácidos nucleicos Rifamicinas: Esses fármacos são estruturalmente relacionados aos macrolídeos e inibem a síntese de mRNAs. A utilização mais importante das rifampicinas é contra micobactérias, no tratamento da tuberculose e da hanseníase. Uma característica valiosa desse fármaco é sua capacidade de penetrar tecidos e alcançar concentrações terapêuticas no líquido cerebrospinal e em abscessos. Essa característica provavelmente é um fator importante na sua atividade antituberculose, já que o patógeno dessa doença normalmente se encontra dentro de tecidos ou macrófagos. No início da década de 1960, foi desenvolvido o fármaco , chamado de ácido nalidíxico, o primeiro do grupo de antimicrobianos, denominado quinolonas. Ele ficou conhecido por exercer um efeito bactericida único, pela inibição seletiva de uma enzima- DNA-girase- necessária para a replicação do DNA. Embora o uso do ácido nalidíxico tenha sido limitado, a sua aplicação é no tratamento de infecções do trato urinário, ele levou ao desenvolvimento, na década de 1980, de um grupo profílico de quinolonas sintéticas, denominadas fluoroquinolonas. INIBIÇÃO COMPETITIVA DE METABÓLITOS ESSENCIAIS As sulfonamidas ou fármacos sulfas, foram algumas das primeiras terapias antimicrobianas desenvolvidas. O ácido fólico é uma importante coenzima essencial para a síntese de proteínas, DNA e RNA. Os fármacos sulfas são estruturalmente similares a um precursor do ácido fólico, chamado de ácido paraminobenzoico, o que permite que elas se liguem competitivamente à enzima destinada ao PABA e, assim, bloqueiem a produção de ácido fólico. Hoje, uma combinação de trimetoprim e sulfametoxazol (TMP-SMZ) é amplamente utilizada. Quando usadas em combinação, apenas 10% da concentração de cada fármaco são necessários, se comparado à concentração necessária quando os fármacos são usados separadamente – um exemplo de sinergismo de fármacos. A combinação também amplia o espectro de atividade e reduz de forma significativa o surgimento de linhagens resistentes. FÁRMACOS ANTIFÚNGICOS Os eucariotos, como os fungos, utilizam os mesmos mecanismos de síntese de proteínas e ácidos nucleicos que animais superiores. Assim, é bem mais difícil encontrar pontos que garantam a toxicidade seletiva de fármacos em eucariotos do que em procariotos. Além disso, as infecções fúngicas têm se tornado mais frequentes em consequência de seu papel como infecções oportunistas em indivíduos imunocomprometidos, sobretudo aqueles com Aids. Muitos fármacos antifúngicos possuem como alvo os esteróis presentes na membrana plasmática. Nas membranas dos fungos, o principal esterol é o ergosterol; nas membranas de animais superiores, é o colesterol. Polienos: a anfotericina B é o membro mais comumente utilizado do grupo dos antibióticos polienos. Por muitos anos, a anfotericina B, produzida por bactérias do solo do gênero Streptomyces, tem sido a referência para o tratamento clínico de doenças fúngicas sistêmicas, como a histoplasmose, a coccidioidomicose e a blastomicose. A toxicidade do fármaco, particularmente para os rins, é um forte fator limitante ao seu uso. A administração do fármaco encapsulado em lipídeos parece minimizar a sua toxicidade. Azóis: alguns dos fármacos antifúngicos mais amplamente utilizados são os antibióticos azóis. Antes de seu surgimento, os únicos fármacos disponíveis para o tratamento de infecções fúngicas sistêmicas eram a anfotericina B e a flucitosina. Os primeiros azóis foram os imidazóis, como o clotrimazol e o miconazol, hoje vendidos sem a necessidade de prescrição médica para o tratamento tópico de micoses cutâneas, como o pé de atleta e as infecções vaginais por leveduras. Agentes que afetam as paredes celulares dos fungos A parede celular fúngica contém compostos que são exclusivos desses organismos. Além do ergosterol, um alvo primário para a toxicidade seletiva entre esses compostos é o -glicano. Uma nova classe de fármacos antifúngicos é constituída pelas equinocandinas, as quais inibem a biossíntese de glicanos, o que resulta em parede celular incompleta e lise da célula. A flucitosina, análogo da pirimidina citosina, interfere com a biossíntese do RNA e, portanto, com a síntese proteica. A toxicidade seletiva é baseada no fato de que a célula fúngica converte a flucitosina em 5-fluoruracil, que é incorporado nos RNAs, o que, por fim, leva ao bloqueio da síntese proteica. As células de mamíferos não têm a enzima que realiza a conversão do fármaco. A flucitosina tem um espectro de ação restrito, e sua toxicidade para os rins e a medula óssea limita ainda mais a sua utilização. A griseofulvina é um antibiótico produzido por uma espécie de Penicillium. O fármaco apresenta a interessante propriedade de ser ativa contra infecções fúngicas dermatofíticas superficiais de cabelo e de unhas, embora a sua via de administração seja oral. Aparentemente, o fármaco liga-se de maneira seletiva à queratina da pele, dos folículos capilares e das unhas. O seu mecanismo de ação consiste principalmente no bloqueio da síntese de microtúbulos, o que interfere na mitose e, portanto, inibe a reprodução fúngica. FÁRMACOS ANTIVIRAIS Nos países desenvolvidos, estima-se que pelo menos 60% de todas as doenças infecciosas sejam causadas por vírus, e cerca de 15% por bactérias. Devido ao fato de que os vírus se replicam dentro das células, normalmente usando os mecanismos genéticos e metabólicos do próprio hospedeiro, é relativamente difícil atingi-los sem danificar a maquinaria celular do hospedeiro. Muitos dos antivirais em uso hoje são moléculas análogas aos componentes do DNA ou do RNA viral. Entretanto, à medida que conhecemos mais sobre os mecanismos de multiplicação dos vírus, mais alvos potenciais para ação antiviral são revelados. Os fármacos que bloqueiam as etapasiniciais da infecção viral: a adsorção e penetração, são chamados de inibidores de entrada. Diversos inibidores de entrada são aprovados para o tratamento do HIV. Os inibidores de entrada têm como alvo os receptores que o HIV utiliza para se ligar à célula antes da entrada, como o CCR5. O primeiro dessa classe de fármacos que atua em uma etapa da infecção pelo HIV é o maraviroc. A entrada do HIV na célula também pode ser bloqueada por inibidores de fusão, como o enfuvirtide. Esse peptídeo sintético bloqueia a fusão do vírus à célula, mimetizando uma região da proteína gp41do envelope do HIV-1. Antes do início da replicação viral, os ácidos nucleicos virais são liberados do capsídeo proteico. Os fármacos que agem impedindo esse desnudamento incluem os fármacos anti-influenza A, amantadina e rimantadina. Uma vez que o vírus tenha entrado na célula e passado pelo processo de desnudamento, os ácidos nucleicos encontram-se livres dentro da célula. Para que o HIV possa iniciar a sua replicação, o DNA viral precisa se integrar ao genoma da célula hospedeira. Isso requer a ação da enzima integrase. Fármacos, como o raltegravir e o elvitegravir, são inibidores competitivos da integrase. A síntese de ácidos nucleicos é um alvo importante para os antivirais, sobretudo para o tratamento do HIV e de infecções herpéticas. Muitos desses fármacos são análogos de ácidos nucleicos, os quais inibem a síntese de RNA ou DNA ao incorporar o análogo. Uma etapa essencial da multiplicação de um vírus consiste na sua saída da célula hospedeira. Para os vírus influenza, esse processo necessita da ação da enzima neuraminidase. Recentemente, existem dois fármacos que são inibidores competitivos dessa enzima, o que as permite bloquear a liberação das partículas virais. Nem todos os fármacos que inibem a ação da transcriptase reversa são análogos de nucleosídeos ou nucleotídeos. Alguns inibidores não nucleosídeos, como a nevirapina, bloqueiam a síntese de RNA por meio de outros mecanismos. À medida que a replicação do HIV vai sendo mais bem compreendida, outras abordagens para seu controle se tornam disponíveis. Quando um novo vírus é produzido em uma célula hospedeira, o processo inicia pela quebra de grandes proteínas por enzimas proteolíticas. Por isso, os fragmentos proteicos são utilizados para a montagem de novos vírus. Moléculas análogas às sequências de aminoácidos dessas grandes proteínas funcionam como inibidores de proteases por interferirem competitivamente em sua atividade. Os inibidores de proteases atazanavir, indinavir e saquinavir têm se mostrado particularmente efetivos quando associados a inibidores da transcriptase reversa. Células infectadas por vírus frequentemente produzem interferon, que inibe a disseminação da infecção no organismo. Interferons são classificados como citocinas. Hoje, o interferon α é o fármaco de escolha para o tratamento de hepatites virais. A produção de interferons pode ser estimulada por um antiviral introduzido recentemente na prática clínica, o imiquimod. TESTES PARA ORIENTAR A QUIMIOTERAPIA Diferentes espécies e linhagens microbianas têm graus distintos de suscetibilidade a agentes quimioterápicos. Além disso, a suscetibilidade de um microrganismo pode se alterar com o tempo, mesmo durante o tratamento com um fármaco específico. Assim, o médico precisa conhecer a sensibilidade do patógeno antes de iniciar um tratamento. Diversos testes podem ser utilizados para indicar qual é o melhor agente quimioterápico para combater um patógeno específico. Entretanto, se os organismos já foram identificados, por exemplo, Pseudomonas aeruginosa, estreptococos β-hemolíticos ou gonococos, certos fármacos podem ser selecionados sem que testes específicos de suscetibilidade sejam feitos. Os testes são necessários apenas quando a suscetibilidade não é previsível ou quando surgem problemas relacionados à resistência aos antibióticos. Métodos de difusão: o método de teste mais amplamente utilizado, embora não seja necessariamente o melhor, é o método de discodifusão, também conhecido como teste de Kirby-Bauer. Uma placa de Petri contendo um meio de ágar sólido tem toda a sua superfície uniformemente inoculada com uma quantidade padronizada do organismo a ser testado. Em seguida, discos de filtro de papel impregnados com agentes terapêuticos em concentrações conhecidas são colocados na superfície do meio de cultura. Durante a incubação, os agentes quimioterápicos difundem-se dos discos para o ágar. Quanto mais distante do disco o agente se difundir, menor será sua concentração. Se o agente quimioterápico for efetivo contra o organismo testado, uma zona de inibição se formará ao redor do disco após um período de incubação padronizado. O diâmetro da zona de inibição pode ser medido e, em geral, quanto maior a zona, maior a suscetibilidade do microrganismo ao antibiótico. O diâmetro da zona de inibição é comparado aos valores em uma tabela padronizada para o fármaco e a concentração, e o organismo pode ser classificado como sensível, intermediário ou resistente. Um método de difusão mais avançado, denominado teste E, permite que um técnico de laboratório estime a concentração inibidora mínima (CIM), a menor concentração de um antibiótico que impede o crescimento bacteriano visível. Uma tira plástica contém um gradiente de concentrações de um determinado antibiótico, e a CIM pode ser avaliada a partir de uma escala impressa na tira plástica. Testes de diluição em caldo: uma desvantagem do método de difusão é que ele não determina se o fármaco é bactericida ou apenas bacteriostático. Um teste de diluição em caldo é frequentemente útil na determinação da CIM e da concentração bactericida mínima (CBM) de um fármaco antimicrobiano. A CIM é determinada pela preparação de uma sequência de concentrações decrescentes de um fármaco em um caldo, seguida da inoculação com a bactéria a ser testada. As amostras que não apresentam crescimento - concentrações superiores à CIM, podem ser cultivadas em outro caldo ou placas de ágar livres do fármaco. Se o crescimento ocorrer nesse caldo, isso significa que o fármaco não era bactericida, e a CBM pode, então, ser medida. A determinação da CIM e da CBM é importante, pois evita o uso excessivo ou incorreto de um antibiótico caro, além de minimizar a chance de ocorrência de efeitos tóxicos, causados por doses em concentrações maiores do que as necessárias. RESISTÊNCIA A FÁRMACOS ANTIMICROBIANOS Um dos avanços da medicina moderna tem sido o desenvolvimento de antibióticos e outros agentes antimicrobianos. Todavia, o desenvolvimento de resistência a eles por micróbios alvo é uma preocupação crescente. Para falar obre esse conceito, as populações humanas com frequência apresentam resistência relativa a doenças às quais tenham sido previamente expostas por muitas gerações. Os antibióticos representam, sob determinado ponto de vista, uma doença para uma bactéria. Quando expostos a um novo antibiótico pela primeira vez, a suscetibilidade dos micróbios tende a ser elevada, assim como sua taxa de mortalidade. Nessas condições, apenas alguns poucos sobrevivem dentro de uma população de bilhões de indivíduos. Os micróbios sobreviventes normalmente apresentam alguma característica genética responsável por sua sobrevivência, de forma que sua progênie é igualmente resistente. Um termo adotado para essas bactérias é células persistentes. As bactérias que são resistentes a vários antibióticos são popularmente conhecidas como superbactérias. Embora a superbactéria mais divulgada seja a Staphylococcus aureus resistente à meticilina, essa condição tem sido atribuída a várias outras bactérias, tanto gram-positivas quanto gram-negativas. A medicina tem apenas opções limitadas de tratamento para as infecções causadas por esses patógenos.Bactérias gram-negativas são relativamente mais resistentes a antibióticos devido à natureza de suas paredes celulares, que restringem a absorção de muitas moléculas e seus movimentos a aberturas, denominadas porinas. Alguns mutantes bacterianos modificaram a abertura das porinas, de forma que os antibióticos são incapazes de entrar no espaço periplasmático. Talvez ainda mais importante, quando as -lactamases estão presentes no espaço periplasmático, o antibiótico que entra é degradado nesse espaço antes que ele consiga penetrar na célula. Mesmo quando o uso de antibióticos é apropriado, os regimes de doses, em geral, são mais curtos do que o necessário para erradicar a infecção, o que estimula a sobrevivência de linhagens de bactérias resistentes. Medicamentos vencidos, adulterados ou até mesmo falsificados são comuns. A resistência aos antibióticos representa um alto custo em vários aspectos, além daqueles aparentes nos casos de altas taxas de doença e mortalidade. O desenvolvimento de novos fármacos para substituir aqueles que perderam a eficácia é extremamente caro. Quase todos os fármacos novos serão mais caros que seus antecessores, muitas vezes em níveis que tornam seu uso difícil mesmo em países altamente desenvolvidos. Em países menos desenvolvidos, então, os custos podem ser simplesmente impraticáveis. Os pacientes não devem nunca utilizar sobras de antibióticos para tratar uma nova doença ou usar um antibiótico que tenha sido prescrito para outra pessoa. Profissionais da saúde devem evitar prescrições desnecessárias e garantir que a escolha e a dosagem dos antimicrobianos sejam apropriadas à situação. Eles devem optar por prescrever o antibiótico mais especifico possível para o caso, em vez de antimicrobianos de amplo espectro de ação, o que ajuda a diminuir as chances de um antibiótico inadequado gerar resistência na microbiota normal do paciente. USO SEGURO DOS ANTIBIÓTICOS Muitos antibióticos são potencialmente graves, como dano hepático e renal ou desenvolvimento de surdez. A administração de qualquer fármaco envolve o julgamento dos riscos e benefícios; isso é denominado índice terapêutico. Às vezes, o uso de outro fármaco associado pode causar efeitos tóxicos que não ocorrem quando o fármaco é administrado sozinho. Um fármaco também pode neutralizar os efeitos esperados do outro. Alguns antibióticos apresentam potencial para neutralizar o efeito de pílulas contraceptivas. Além disso, alguns indivíduos podem apresentar reações de hipersensibilidade, por exemplo, a penicilinas. EFEITO DA COMBINAÇÃO DE FÁRMACOS O efeito quimioterápico de dois fármacos administrados simultaneamente algumas vezes é mais intenso que o efeito da administração isolada de cada um deles. Esse fenômeno, chamado de sinergismo. Para o tratamento da endocardite bacteriana, a penicilina e a estreptomicina são muito mais eficientes quando administradas juntas do que quando cada fármaco é administrado separadamente. O dano à parede celular bacteriana, causado pela penicilina, facilita a penetração intracelular da estreptomicina. Outras combinações de fármacos podem apresentar antagonismo. O uso simultâneo de penicilina e tetraciclina muitas vezes é menos eficiente que o uso isolado de cada um dos fármacos. Ao interromper o crescimento bacteriano, a tetraciclina, um fármaco bacteriostático, interfere na ação da penicilina, que necessita do crescimento bacteriano para a sua atuação. FUTURO DOS AGENTES QUIMIOTERÁPICOS À medida que um patógeno desenvolve resistência aos agentes quimioterápicos atualmente disponíveis, a necessidade de introdução de novas opções se torna ainda mais urgente. O desenvolvimento de novos agentes antimicrobianos não é especialmente lucrativo. Assim como as vacinas, os antimicrobianos são utilizados apenas em ocasiões específicas por períodos limitados de tempo. As companhias farmacêuticas estão compreensivelmente mais interessadas no desenvolvimento de fármacos que tratam condições crônicas, como pressão alta e diabetes, para as quais o paciente deve fazer uso regular do medicamento por anos. Os antibióticos existentes continuam a enfrentar problemas de resistência, em grande parte porque os produtores desses fármacos têm abordado uma gama limitada de alvos. Uma abordagem realmente nova para o controle de patógenos consiste em concentrar os alvos terapêuticos nos fatores de virulência desses organismos, em vez de focar no micróbio que os produz. Um novo caminho promissor para as pesquisas científicas relacionadas ao desenvolvimento de novos antibióticos provavelmente será trilhado com base na compreensão das estruturas genéticas básicas dos micróbios, conhecimento que deve nos auxiliar na identificação de novos alvos para os antimicrobianos. Por exemplo, essa é a abordagem que levou ao desenvolvimento de inibidores de protease para o HIV, e o desenvolvimento de moléculas totalmente sintéticas: como as quinolonas e as oxazolidinonas, tem sido cada vez mais importante. Existe uma necessidade especial de desenvolvimento de novos fármacos antivirais e antifúngicos, bem como de fármacos antiparasitários que sejam efetivos contra helmintos e protozoários, uma vez que o nosso arsenal de fármacos classificados nessas categorias é bastante limitado.
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