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DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO AULA 6 Profª Karla Knihs 2 CONVERSA INICIAL Bem-vindo(a) a mais uma aula de nossa disciplina! Neste encontro iremos estudar como funciona a resolução dos conflitos na seara do direito internacional. O direito internacional prescreve que os conflitos devem ser resolvidos de maneira pacífica e, para tanto, existem diversos instrumentos. Se, para o direito internacional, a soberania deve ser respeitada, não havendo sobre isso o mesmo caráter sancionador que existe no direito interno, como se dá a resolução de conflitos, sem que se fira a soberania dos Estados? Vamos compreender essa sistemática na presente aula. TEMA 1 – RESOLUÇÃO DE CONFLITOS INTERNACIONAIS Assim como no direito interno, as relações internacionais estão sujeitas a conflitos, sendo que, em vista da soberania dos Estados e das peculiaridades dos atores internacionais, ante a ocorrência de conflitos internacionais foi necessário criar instrumentos, regulados pelo direito internacional, para a solução pacífica desses possíveis conflitos internacionais. De tal modo que, hoje, existem vários instrumentos para a resolução de conflitos internacionais, bem como para disciplinar pacificamente as relações entre os envolvidos em controvérsias, no cenário mundial. Esses instrumentos podem ser jurisdicionais ou não jurisdicionais, conforme veremos a seguir. Importante ressaltar que não há hierarquia entre eles e que cabe às partes escolhê-los, segundo os seus critérios de avaliação e a situação de fato e de direito em que estejam essas partes envolvidas. Os conflitos internacionais podem ser solucionados de duas formas: pacífica e não pacificamente, sendo que, pelos princípios que regem o direito internacional, devem-se respeitar os métodos pacíficos, já que os não pacíficos se tratam essencialmente do usa da força pelas partes que estão em conflito. Os meios pacíficos estão relacionados à vontade dos países em conflito, sendo: meios diplomáticos, meios políticos, meios jurisdicionais. Dentre os modos não jurisdicionais de solução pacífica de conflitos encontram-se os meios diplomáticos e políticos. Nestes, falta a norma jurídica cogente a ser aplicada, cabendo aos litigantes encontrar maneiras de satisfazer a lacuna existente, por meio de analogia e equidade ou com negociação e diálogo. 3 Convém destacar que um conflito pode se dar entre dois Estados, um grupo de Estados, bem como entre os demais sujeitos do direito internacional público, tais como as organizações internacionais. Diversas convenções tiveram por objeto a questão da resolução de conflitos internacionais, como a Convenção de Haia para a Solução Pacífica de Conflitos Internacionais (1899); a segunda Convenção de Haia para a Solução Pacífica de Conflitos Internacionais (1907); e o Ato Geral para a Solução Pacífica de Controvérsias Internacionais, mais conhecido como Ato Geral de Arbitragem de Genebra, sob a égide da Liga das Nações (1928). Frise-se que a resolução pacífica é sempre a mais benéfica a todos os envolvidos, conforme dispõe o art. 2°, parágrafo 3° da Carta das Nações Unidas (ONU, 1945a): “Todos os membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais”. O art. 33, parágrafo 1°, inciso I da mesma Carta complementa: As partes em uma controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso à entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha. (ONU, 1945a) Vamos estudar, especificamente, os meios pacíficos de resolução de conflitos. TEMA 2 – MEIOS DIPLOMÁTICOS As negociações diplomáticas costumam fornecer os melhores resultados em solução de conflitos, por sua informalidade. Os meios diplomáticos pressupõem a negociação direta entre as partes, de maneira a se chegar a um objetivo ou acordo, com ou sem a intervenção de terceiros. Frise-se que o parecer resultante da negociação não pode obrigar as partes. Em outros termos, podemos dizer tais negociações são realizadas mediante comunicação diplomática, tanto oralmente quanto por meio de troca de notas entre chancelaria e embaixada. As negociações diplomáticas, em que se utiliza a comunicação diplomática tácita (oral) ou expressa (escrita), podem ser bilaterais ou multilaterais. Nessa forma, as partes são equivalentes e não há, portanto, a intervenção de terceiros. 4 Por meio dos bons ofícios, existe um terceiro que, de forma amigável, tende a fazer a aproximação entre as partes. Isso ocorre quando as partes em litígio não têm condições de negociar devido a desentendimentos e desconfianças mútuas. O terceiro atua com o objetivo de criar um clima amigável. Assim, os bons ofícios são a tentativa de amistosamente abrir via às negociações dos Estados ou partes interessadas, bem como de reatar as negociações que foram rompidas. Há também a possibilidade de se utilizar de conciliação, realizada por meio de uma comissão integrada tanto por membros dos Estados litigantes, quanto por membros neutros, que irão analisar o caso concreto e apresentar uma solução. Essa solução, contudo, não é obrigatória, sendo facultado seu acatamento pelas partes. Existe, também, uma forma de se prevenir o conflito, por meio do sistema de consultas, em que as partes previamente combinam de se consultarem periodicamente, para tratarem de um assunto determinado. Normalmente, essa combinação ocorre por tratados. Nos encontros periódicos, as partes irão levantar questões que ocorreram em um prazo determinado e as deixaram descontentes e assim irão propor soluções. TEMA 3 – MEIOS POLÍTICOS Conforme vimos, a Carta da ONU (1945a) determina, em seu art. 33, que nas controvérsias em que haja ameaça à manutenção de paz e da segurança internacional, as partes litigantes devam chegar a uma solução pacífica por um dos modos existentes no direito internacional ou por qualquer outro meio. A Assembleia Geral e o Conselho de Segurança das Organização das Nações Unidas (ONU) funcionam como instâncias políticas de solução dos conflitos. Por suas próprias especificidades, o mais comum é que as partes se utilizem do Conselho de Segurança, por sua disponibilidade e facilidade de acesso e por ele possuir instrumentos mais eficazes de ação quando da eminência de uma guerra. Nesse caso, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) deve investigar, discutir e expedir recomendações para a solução do litígio, sendo que essa solução, via de regra, é provisória. Como nos informa Rezek (2005, p. 346), em razão de a não obediência a uma recomendação do Conselho de Segurança ou da Assembleia Geral da ONU não configurar ato ilícito, bem como tendo em vista o fato de os Estados serem 5 soberanos, podendo agir conforme o seu entendimento, muitas vezes de nada adianta a intervenção das instâncias políticas. Além dos órgãos da ONU, existem os esquemas regionais especializados, que são organizações que têm alcance regional, por exemplo a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Liga dos Estados Árabes (LEA). Ambas funcionam da mesma forma que os órgãos da ONU. As partes de um conflito, da mesma maneira, não são obrigadas a acatarem suas decisões, exceto se foram ambas as partes que requisitaram sua interferência e, mesmo assim, somente se não houver prejuízo à soberania de algum dos Estados. TEMA 4 – MEIOS JURISDICIONAIS Os meios jurisdicionais se distinguem dos meios diplomáticos e políticos de solução de conflitos internacionais porque neles há a existência de uma jurisdição, com foro especializado e independente, que tem por função proferir decisões de executoriedadeobrigatória. Isso significa que há nesses organismos um tribunal, que prolata decisões com caráter de aplicação compulsório. Dividem-se em: arbitragem; e solução judiciária. Na arbitragem, a obrigatoriedade jurídica existe porque as nações soberanas conflitantes entram em acordo e estabelecem a via arbitral para solucionar suas controvérsias, obrigando-se, portanto, a cumprir a decisão proferida pelo árbitro neutro. Esse acordo entre os países se denomina compromisso arbitral e deve conter, no mínimo, o objeto do litígio, o compromisso de submeter questão à arbitragem e o método de formar o tribunal e o seu número de árbitros. O prazo para que se sentencie é o que consta do compromisso, havendo a possibilidade de que, em havendo necessidade, se prorrogue o prazo original. Frise-se que as deliberações do tribunal correm em sigilo. A arbitragem, por suas peculiaridades, é usualmente empregada em assuntos que não necessitam de interferência da Corte Internacional de Justiça (CIJ) ou quando as partes necessitam de celeridade na resolução do conflito. A solução judiciária consiste em se submeter o litígio a um tribunal judiciário composto de juízes independentes, com investidura pretérita ao litígio, que estabelece a solução do conflito. O alcance da solução judiciária é mundial, atingindo Estados, empresas e entidades de direito público, bem como indivíduos particulares e, assim como 6 ocorre na arbitragem, a solução judiciária necessita ser previamente requisitada pelas partes. O que faz com que a sentença tenha caráter definitivo e obrigatório é a concordância e a sujeição das partes perante as cortes permanentes, o pacta sunt servanda. Sem esse requisito, a sentença não tem validade, pois nenhum Estado soberano será obrigado a cumprir uma decisão contra a sua vontade, devendo assim existir a sua pré-aceitação. Essa aceitação prévia pode se dar por meio de tratados bilaterais, quando as partes entram em um acordo para se submeterem ao julgamento da corte, dirigindo-se assim em conjunto até ela; ou, então, elas combinam que, quando da ocorrência do litígio, qualquer uma pode procurar pela corte. Outro caso de submissão à corte ocorre quando uma parte entra com uma inicial, demonstrando assim o seu interesse em uma solução judicial. Se a parte contrária contestar o mérito, já configurou-se a sua aceitação do julgamento desse mérito pela corte. A solução judiciária é exercida pelas cortes internacionais, que são permanentes. A CIJ é o tribunal internacional mais importante da atualidade. TEMA 5 – A CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA (CIJ) A Carta das Nações Unidas (ONU, 1945a) determinou a criação da CIJ, em 1946, tendo sido o Estatuto da CIJ anexado à Carta, da qual se fez então parte integrante (ONU, 1945b). Assim, com o fim da Segunda Guerra, a Corte de Haia ressurgiu na mesma sede, com outro nome oficial: Tribunal Internacional de Justiça ou Corte Internacional de Justiça, sendo o principal órgão judiciário da ONU, sediado em Haia, nos Países Baixos, razão pela qual é conhecido também como Corte de Haia ou Tribunal de Haia. Sua sede é o Palácio da Paz. A CIJ é o órgão que mais destaque tem, na atualidade, para a solução de litígios internacionais, pois tem a finalidade de solucionar conflitos e emitir pareceres consultivos para as solicitações apresentadas pelo Conselho de Segurança ou pela Assembleia Geral da ONU. Trata-se de um tribunal em que os juízes devem se comprometer a manter uma postura rígida, em obediência aos princípios jurisdicionais (imparcialidade, principalmente), sendo que a CIJ engloba todos os Estados soberanos 7 existentes, bastando apenas que os interessados manifestem expressamente a intenção de se submeter à sua jurisdição. A competência daquela corte diz respeito a todas as questões que as partes lhe submetam, bem como a todos os assuntos que estejam previstos na Carta das Nações Unidas (ONU, 1945a) ou em tratados e convenções em vigor. Vejamos a seguir a redação do Estatuto da CIJ, acerca de sua competência (art. 36): 2. Os Estados, partes do presente Estatuto, poderão, em qualquer momento, declarar que reconhecem como obrigatória, ipso facto e sem acordos especiais, em relação a qualquer outro Estado que aceite a mesma obrigação, a jurisdição da Corte em todas as controvérsias de ordem jurídica que tenham por objeto: a) a interpretação de um tratado; b) qualquer ponto de direito internacional; c) a existência de qualquer fato que, se verificado, constituiria violação de um compromisso internacional; d) a natureza ou extensão da reparação devida pela ruptura de um compromisso internacional. 3. As declarações acima mencionadas poderão ser feitas pura e simplesmente ou sob condição de reciprocidade da parte de vários ou de certos Estados, ou por prazo determinado. 4. Tais declarações serão depositadas junto ao secretário-geral das Nações Unidas que as transmitirá, por cópia, às partes contratantes do presente Estatuto e ao Escrivão da Corte. 5. Nas relações entre as partes contratantes do presente Estatuto, as declarações feitas de acordo com o Artigo 36 do Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional e que ainda estejam em vigor serão consideradas como importando na aceitação da jurisdição obrigatória da Corte Internacional de Justiça, pelo período em que ainda devem vigorar e de conformidade com os seus termos. 6. Qualquer controvérsia sobre a jurisdição da Corte será resolvida por decisão da própria Corte. (ONU, 1945b) Já o art. 37 do mesmo diploma dispõe que: Sempre que um tratado ou convenção em vigor disponha que um assunto deva ser submetido a uma jurisdição a ser instituída pela Liga das Nações ou à Corte Permanente de Justiça Internacional, o assunto deverá, no que respeita às partes contratantes do presente Estatuto, ser submetido à Corte Internacional de Justiça. (ONU, 1945b) Por sua vez, o art. 38 do Estatuto da CIJ trata da aplicação das fontes do direito internacional: 1. A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará: a. as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; b. o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito; c. os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas; 8 d. sob ressalva da disposição do artigo 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito. 2. A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão ex aequo et bono, se as partes com isto concordarem. (ONU, 1945b) Percebe-se que a CIJ se utiliza de convenções internacionais, costumes, princípios gerais de direito e decisões judiciárias para embasar as suas decisões. NA PRÁTICA Apesar de a CIJ não ter decidido um grande número de casos, há um exemplo de sua importante atuação, com o veredito em um caso que ficou conhecido como Austrália versus Japão. Na decisão do órgão, datada de 31 de março de 2014, a CIJ decidiu que a caça “científica” de baleias praticada pelo Japão no Santuário de Baleias do Oceano Austral não tinha caráter científico e ordenou sua imediata paralisação. Para saber sobre essa celeuma, acesse: <https://www.youtube.com/watch?v=RYaocgkagF0> (Austrália, 2013). Perceba que, no caso, houve o compromisso, por parte dos envolvidos, de acatarem a decisão da corte, razão pela qual ela lhes foi obrigatória. FINALIZANDO Chegamos ao fim das nossas aulas e, em que desenvolvemos a competência de compreender como se dão as relações jurídicas na esfera internacional e quais são as fontes do direito internacional, bem como quem são os atores que atuam nessa seara. Estudamos, também, o direito dostratados e seus reflexos sobre o ordenamento jurídicos dos Estados, em suas relações jurídicas contemporâneas. Por fim, é importante ressaltar que o direito internacional, em decorrência da globalização, ganha a cada dia mais importância, abrindo horizontes aos profissionais que pretendem atuar na seara das relações internacionais. 9 REFERÊNCIAS ACCIOLY, H. Tratado de direito internacional público. 3. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009. AUSTRÁLIA e Japão enfrentam-se no tribunal de Haia sobre a caça à baleia. Euronews (em português), 26 jun. 2013. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=RYaocgkagF0>. Acesso em: 25 mar. 2019. CONVENÇÃO de Haia para a Solução Pacífica de Conflitos Internacionais. Haia, 29 jul. 1899. CONVENÇÃO de Haia para a Solução Pacífica de Conflitos Internacionais. Haia, 18 out. 1907. GUTIER, M. S. Introdução ao direito internacional público. Uberaba, jan. 2011. Disponível em: <http://murillogutier.com.br/wp- content/uploads/2012/02/INTRODU%C3%87%C3%83O-AO-DIREITO- INTERNACIONAL-MURILLO-SAPIA-GUTIER.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2019. HUSEK, C. R. Curso de direito internacional público. 10. ed. São Paulo: LTr, 2010. LIGA DAS NAÇÕES. Ato Geral para a solução pacífica de controvérsias internacionais. Genebra, 1928. MAZZUOLI, V. de O. Curso de direito internacional público. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. ONU – Organização das Nações Unidas. Carta das Nações Unidas. São Francisco, 26 jun. 1945a. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/carta/>. Acesso em: 25 mar. 2019. _____. Estatuto da Corte Internacional de Justiça. In: _____. Carta das Nações Unidas. São Francisco, 26 jun. 1945b. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/carta/>. Acesso em: 25 mar. 2019. REZEK, F. Direito internacional público. São Paulo: Saraiva, 2005.
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