Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Curso Ênfase © 2019 DIREITO PREVIDENCIÁRIO – PHELIPE CARDOSO AULA35 - ACIDENTE DE TRABALHO 1. ACIDENTE DE TRABALHO Trata-se de tema pouco estudado dentro do Direito Previdenciário, mas com razoável incidência em provas de concurso. 1.1. NOÇÃO O tema do acidente de trabalho tem como fundamento o art. 201, § 10, CF/88, segundo o qual a cobertura dos riscos de acidente de trabalho no Brasil é feita, concomitantemente, pelos setores público e privado. Quando o tema é estudado na matéria de Direito Previdenciário, o enfoque recai sobre o espectro público de cobertura dos riscos de acidente de trabalho (proteção social de acidentes do trabalho), portanto, trata-se da parcela da Previdência Social sobre riscos sociais concretizados em razão de eventos com causa laboral. É a cobertura de situações de incapacidade para o trabalho advindas de eventos ligados ao trabalho. Os benefícios e serviços da Previdência Social podem ter natureza previdenciária, propriamente dita (benefícios previdenciários em sentido estrito), quando não têm como causa um evento decorrente do trabalho, ou podem ter caráter acidentário quando, ao revés, possuem como causa um evento decorrente do trabalho (benefícios acidentários). As prestações previdenciárias são as mesmas, o que varia é a causa dessas prestações. Os benefícios e serviços (reabilitação profissional e serviço social), bem como seus requisitos, são os mesmos previstos no Plano de Benefícios que guardem compatibilidade lógica com a causa acidentária. O importante são as causas do benefício, não seus requisitos. Nesse sentido, o art. 18 do PB, que traz os benefícios previdenciários, já prevê sua incidência também para acidentes de trabalho: Art. 18. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços Prestações compatíveis: a) serviço social e reabilitação profissional; bem como Direito Previdenciário – Phelipe Cardoso Aula35 - Acidente de Trabalho 2 Curso Ênfase © 2019 b) benefícios gerados por incapacidade real do segurado: aposentadoria por invalidez, auxílio-doença (nestes dois últimos, há dispensa de carência quando acidentários), auxílio- acidente e pensão por morte (incapacidade laboral do instituidor). Prestações incompatíveis: benefícios programados, relacionados a uma causa ficta (presumida) de incapacidade laboral, tais como aposentadorias (programadas) por idade, por tempo de contribuição e especial, salários maternidade e família, e auxílio-reclusão. É logicamente incompatível dizer que alguém se aposentou por idade em decorrência de acidente de trabalho, por exemplo. O fato de um benefício ser previdenciário ou acidentário apresenta consequências práticas, e não meramente acadêmicas: • no custeio da Previdência (como contribuições adicionais ou diferenciadas) haverá prestações específicas para bancar contribuições decorrentes de acidente de trabalho (essa matéria será abordada em aula específica); • na esfera dos direitos e obrigações dos trabalhadores e empregadores/tomadores de serviço (como a estabilidade provisória por 12 meses do empregado/doméstico após alta de auxílio-doença acidentário); • na seara processual (ações próprias, competência jurisdicional diferenciada). Para minimizar o risco de ocorrência de acidentes do trabalho, as leis trabalhistas e previdenciárias trazem, em inúmeras passagens, normas obrigatórias de segurança e higiene do trabalho (estudadas pelo Direito do Trabalho, portanto, que fogem ao escopo desta aula), as quais devem ser observadas tanto pelos empregados, quanto pelos empregadores. O respeito a essas normas de segurança e higiene no trabalho é tão importante que o seu descumprimento doloso, por parte da pessoa física responsável, é pena de multa para uma contravenção penal prevista na própria Lei 8.213/91, art. 19, § 2º: § 2º Constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho. 1.2. CONCEITO (ART. 19, PB) Direito Previdenciário – Phelipe Cardoso Aula35 - Acidente de Trabalho 3 Curso Ênfase © 2019 Sinteticamente, acidente de trabalho é o evento decorrente do trabalho que causa alguma repercussão negativa na capacidade laboral do trabalhador, seja redução ou perda desta, ou mesmo a morte do trabalhador. O elemento evento decorrente do trabalho (1) pode ser: a) um acidente propriamente dito um evento externo, traumático, com momento precisamente definido no tempo; b) uma doença ocupacional; ou c) uma situação equiparada pela lei. As doenças ocupacionais e as situações equiparadas pela lei possuem regramentos detalhados na legislação. 1.2.1. Doenças ocupacionais Subdividem-se, pela lei, em: a) doenças profissionais, ou tecnopatias ou ergopatias (art. 20, I, PBPS); e b) doenças do trabalho ou mesopatias (art. 20, II, PBPS). O elenco de doenças ocupacionais, trazido no Anexo II do RPS, é, induvidosamente, exemplificativo por expressa previsão legal. A própria Lei de Benefícios prevê que, em seu art. 20, II, em caso excepcional, constata-se que a doença não incluída na relação resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e como ele se relaciona diretamente, logo, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho (art. 20, § 2º, PBPS). Doenças profissionais, ou tecnopatias ou ergopatias: desencadeadas pelo exercício peculiar/típico de determinadas profissões, produzidas por uma causa intrínseca à singularidade de uma dada profissão. A relação entre a profissão e a doença é tão própria que se dispensa a prova do nexo causal, que, nesse caso, é presumido. Advindo uma doença daquela determinada profissão, presume-se se tratar de doença profissional. Exemplo: a silicose no mineiro de mineração de sílica. Doenças do trabalho ou mesopatias: podem se manifestar em razão do trabalho, mas não são típicas da função. Produzidas pela condição em que o trabalho é exercido, são enfermidades que também se fazem presentes em outras atividades. Há uma relação menos próxima de causa e efeito em relação ao trabalho, por isso exigem a demonstração do nexo causal, que não é presumido. Exemplo: a disacusia ou perda de audição do tecelão. Direito Previdenciário – Phelipe Cardoso Aula35 - Acidente de Trabalho 4 Curso Ênfase © 2019 Por outro lado, a Lei de Benefícios (art. 20, § 1º, PBPS) traz também um elenco de doenças que, expressamente, não são consideradas, em hipótese alguma, doenças ocupacionais: a) a doença degenerativa; b) a inerente a grupo etário; c) a que não produza a incapacidade laborativa; d) a doença endêmica adquirida por habitante de região em que ela se desenvolva. Nas doenças ocupacionais, qual é o dia do acidente de trabalho? No acidente propriamente dito, considerado um evento externo, traumático e temporalmente definido, sabe-se quando ele ocorreu. As doenças, por sua vez, também são acidentes de trabalho, porém, muitas das vezes advêm de um processo silencioso, lento e progressivo. Nessa hipótese, reputa-se juridicamente ocorrido o acidente de trabalho em 3 possíveis datas (a que ocorrer primeiro): 1.2.2. SITUAÇÕES EQUIPARADAS (ART. 21, PB) Também são considerados acidentes de trabalho os eventos assim equiparados expressamente pela lei. São acidentes com causa múltiplas, mas que contêm alguma concausa ligada, em alguma medida, ao trabalho, como, por exemplo, agressão/sabotagem/terrorismo/ofensa/casos fortuitos ocorridos em situações ligados ao trabalho, ou acidentes ocorridos nos períodos destinados à refeição, descanso ou satisfação de necessidades fisiológicas, bem como eventos ocorridos em viagens a trabalho e durante a dedicação voluntária aotrabalho ou eventos que acontecem durante a execução de ordem ou serviço sob a autoridade da empresa. Como essas situações ficariam em uma zona cinzenta, a lei desde logo reputou-as equiparadas a acidentes de trabalho, em rol trazido no art. 21, cuja memorização é necessária. Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei: I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação; Direito Previdenciário – Phelipe Cardoso Aula35 - Acidente de Trabalho 5 Curso Ênfase © 2019 Como esse inciso I, representa uma cláusula aberta, entendendo que o rol trazido no art. 21 é meramente exemplificativo. Não é considerada agravação ou complicação de acidente do trabalho a lesão que, resultante de acidente de outra origem, se associe ou se superponha às consequências do anterior (art. 21, § 2º, PBPS). 1.3. BENEFICIÁRIOS Dentre os beneficiários da Previdência Social, quais são aqueles que se beneficiam das prestações acidentárias? Há duas correntes: a) (minoritária) qualquer segurado que preste serviço à empresa ou ao empregador doméstico (único requisito exigido pelo art. 19, PB, interpretação literal); b) (majoritária) somente os segurados em relação aos quais há previsão legal de contribuições adicionais (do segurado ou da empresa) para custeio de prestações decorrentes da concretização dos riscos de acidentes de trabalho é que fazem jus às prestações decorrentes de acidente do trabalho (interpretação sistemática da legislação). Apenas fazem jus a essas prestações, portanto: • o empregado e o avulso (art. 22, II, PCPS); • o empregado doméstico (art. 34, III, LC 150/15 e art. 24, II, PCPS); • o segurado especial (art. 25, II, PCPS). 1.4. FORMALIZAÇÃO DA OCORRÊNCIA Cabe à empresa comunicar à Previdência Social do acidente através da Comunicação de Acidente de Trabalho - CAT, sob pena de multa. Subsidiariamente, caso a empresa não o faça, podem emitir CAT: o próprio acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o médico que o assistiu ou qualquer autoridade pública. Ainda, assim, na ausência de emissão de CAT por algum dos legitimados, cabe à Previdência Social agir de ofício e proceder a fiscalização e o enquadramento do evento como acidente de trabalho. O INSS, através de sua perícia médica, pode imputar a ocorrência de acidente laboral através de uma ferramenta denominada de Nexo Técnico Epidemiológico - NTEP, cientificando e facultando à empresa e ao segurado a possibilidade de recorrerem em caso de discordância. 1.5. AÇÃO REGRESSIVA ACIDENTÁRIA (ART. 120, PB) Direito Previdenciário – Phelipe Cardoso Aula35 - Acidente de Trabalho 6 Curso Ênfase © 2019 A cobertura do risco de acidente de trabalho se dá, concomitantemente, pelos setores público (RGPS) e privado (art. 201, § 10, CF/88). Nos casos de negligência (culpa) quanto às normas de padrão de segurança e higiene do trabalho, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis (art. 120, PB). Ou seja, o INSS pode processar a empresa negligente para se indenizar dos gastos que teve ou está tendo com o benefício acidentário, portanto, é a ação indenizatória que o INSS move em face da empresa que agiu com negligência na observância das normas de segurança e higiene do trabalho, para ser ressarcido dos custos da prestação acidentária arcados pela autarquia. Não havendo culpa, contudo, decorrendo o acidente de evento fortuito, o INSS arca com a prestação sem ser ressarcido. Trata-se de ação de conhecimento de rito comum, indenizatória que visa aferir a responsabilidade subjetiva (culpa) da empresa. O pagamento das contribuições adicionais (tributos) a cargo da empresa para custeio de prestações decorrentes da concretização dos riscos de acidente de trabalho (chamado adicional RAT - Riscos Ambientais do Trabalho, previsto nos arts. 22, II, e 24, II, PCPS) não exime o empregador da responsabilidade na ação regressiva acidentária. Esse argumento é inválido, pois o fato da empresa cumprir sua obrigação como contribuinte de pagar as contribuições próprias em razão de sua atividade econômica, não a exime de observar fielmente as normas de segurança e higiene do trabalho. Há inversão do ônus da prova (presunção relativa de culpa): cabe à empresa provar que observou adequadamente as normas de segurança (STJ, AgRg no REsp 1567382/RS). Basta o INSS provar que houve o acidente, cabendo à empresa provar as observâncias das regras legais. No que tange à prescrição, tem-se que o prazo é de 5 anos, por isonomia com as pretensões contra a Fazenda Pública, com base na aplicação analógica do Decreto 20.910/32 (STJ, EREsp 387.412). O termo inicial da prescrição é a data da concessão do benefício, e não a data do acidente, atingindo o próprio fundo de direito (STJ, AgRg no REsp 639.952 - tema não pacífico, mas é o entendimento prevalecente atualmente no STJ). Outrossim, não há o que se falar em imprescritibilidade, uma vez que o STF já consignou que está restrita aos atos dolosos de improbidade administrativa. STF (RE 852.475): São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa. Direito Previdenciário – Phelipe Cardoso Aula35 - Acidente de Trabalho 7 Curso Ênfase © 2019 Existe ação regressiva previdenciária em sentido estrito? A Previdência Social pode processar outros responsáveis por culposamente dar causa à concessão de benefícios fora das situações de acidente do trabalho? Não há previsão legal expressa da ação regressiva previdenciária em sentido estrito. No entanto, o INSS tem aproveitado dessa ferramenta jurídica utilizando como fundamento o art. 120 do PBPS, por analogia, e os princípios gerais de responsabilidade civil e vedação do enriquecimento sem causa, previstos no Código Civil (arts, 186 e 927, CC). Competência: Em regra, as ações em que o INSS litiga em um dos polos são da competência da Justiça Federal, exceto: a) na competência previdenciária delegada (art. 109, §3º, CF/88); e b) nas causas acidentárias (art. 109, I, CF/88 c/c Súmula 15, STJ): de competência sempre da Justiça estadual, mais capilarizada, atendendo à lógica de facilitação do acesso. Entende-se como causas acidentárias, de competência da Justiça estadual, aquelas em que se discute a concessão, revisão, restabelecimento ou a repetição de valores pagos indevidamente a título de benefícios por acidente de trabalho. Isso inclui a pensão por morte acidentária (STJ, CC 132.034/SP - consolidação de novo entendimento, após viragem jurisprudencial), pois, embora o pensionista seja alheio à causa acidentária, não o é o falecido instituidor (morte decorre de acidente de trabalho). Exceção à competência da Justiça estadual: A demanda de benefício delegada ou acidentária manejada via mandado de segurança será sempre de competência da Justiça Federal, pois prevalece a competência funcional em razão da autoridade federal vinculada ao INSS. Por último, a ação regressiva acidentária é sempre da competência da Justiça Federal, não estando compreendida na competência delegada, logo, não há a lógica de facilitação de acesso, pois a competência delegada não diz respeito à ação entre autarquia e empregador.
Compartilhar