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1 Curso Ênfase © 2019 DIREITO PENAL - PARTE GERAL – MARCELO UZEDA AULA6 - PRINCIPIO DA LEGALIDADE 1.PRINCÍPIO DA LEGALIDADE O princípio da legalidade se desdobra em dois aspectos, quais sejam: reserva legal e a anterioridade. E, está previsto no art. 5º, XXXIX da Constituição Federal e no art. 1º do Código Penal, ipsis litteris: Art. 5º. [...] XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Anterioridade da Lei Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. Ademais, trataremos de três desdobramentos do Princípio da Legalidade, são eles: a tipicidade, a anterioridade e a taxatividade. 1.1. RESERVA LEGAL Inicialmente, perceba que não é incorreto falar em Princípio da Reserva Legal. Isso porque, a reserva legal é um dos aspectos do princípio da legalidade, visto que somente a lei em sentido formal pode criminalizar condutas e cominar penas. Por conseguinte, é vedada a edição de medida provisória em matéria penal, consoante art. 62 da Constituição Federal, in verbis: Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) I – relativa a: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) b) direito penal, processual penal e processual civil; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) [...] Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula6 - Principio da Legalidade 2 Curso Ênfase © 2019 Portanto, veda-se a edição de medidas provisórias em matéria penal, porque a lei em sentido formal é o veículo adequado para tratar das questões inerentes ao tema, visto que envolve um debate com a sociedade e a iniciativa da função Legislativa do Estado para a seleção de condutas. Nesses termos, consoante afirmado nas aulas anteriores, o legislador faz a seleção das condutas e dos bens jurídicos que merecem proteção legal, com base em observação, análise e debate na seara adequada, que é o parlamento, o Poder Legislativo. Com base nessa lógica, considera-se lei em sentido formal a Lei Ordinária., bem como, a Lei Complementar, embora essa esteja adstrita às matérias específicas previstas na Constituição e sujeite-se a um processo legislativo mais rígido e elaborado. Em síntese, portanto: • a lei ordinária é o instrumento para a veiculação da matéria penal e criminal; e • é vedada a edição de medidas provisórias em matéria incriminadora, isto é, para impor penas e tipificar delitos. Desta feita, questiona-se: é possível a edição de medidas provisórias descriminalizadoras, ou que criem alguma causa de extinção. de punibilidade? Entende-se que não, a matéria penal descriminalizadora tem que partir do Poder Legislativo. Contudo, há precedentes de medidas provisórias que criaram a abolitio criminis temporária, como, por exemplo, a Lei de Armas. Nesse sentido, rememore que em 2008, na segunda fase do desarmamento, ocorreu a chamada abolitio criminis temporária, decorrente de uma medida provisória, posteriormente convertida em Lei que alterou a Lei de Armas. Observe que não houve descriminalização (ou abolitio criminis no sentido próprio) [1], mas abolitio criminis temporária ou vacatio legis indireta, ou seja, um período de não incidência da lei penal (de 2008 a 2009). Ademais, temos, também, como exemplo, o Refis II (Parcelamento Especial), que deu origem à Lei 10.684/2003, a qual prevê causa extintiva de punibilidade. Desse modo, ao dispor que matéria criminal não pode ser tratada por medida provisória, a Constituição teve por intuito evitar que o instrumento inadequado, fosse utilizado de forma abusiva pelo Executivo para tratar de matéria penal: criminalizando, cominando penas, aplicando sanções mais graves, e até descriminalizando. Porque, enfatize-se, essa tarefa é do legislador. Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula6 - Principio da Legalidade 3 Curso Ênfase © 2019 Logo, em resumo: a) em regra, não cabe medida provisória em matéria penal. b)em passado recente, editou-se medida provisória que, embora não fosse exclusivamente criminal, tinha repercussões nessa seara, quais sejam: • O Refis II, convertido na Lei 10.683/2003, trouxe previsão de uma causa de extinção de punibilidade pelo pagamento do tributo e suspensão da pretensão punitiva pelo parcelamento. Naquela ocasião, tratou-se de matéria penal, inicialmente, em medida provisória, posteriormente convertida em Lei. Não houve declaração de inconstitucionalidade [2]. E, • modificando a Lei de Armas, a medida provisória de fevereiro 2008, posteriormente convertida em lei, tratou do desarmamento e criou uma abolitio criminis temporária, de modo que quem entregasse a arma teria a extinta a punibilidade. Portanto, esse tema merece atenção, pois, em que pese a vedação, existem exemplos recentes de emprego de medida provisória em matéria penal, em abordagem benéfica [3], inclusive, criando causa extintiva de punibilidade. Logo, a medida provisória não pode descriminalizar condutas [4], nos termos do caput do art. 2º Código Penal, in verbis: Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Assim sendo, se o legislador é quem criminaliza, também deverá ser quem descriminaliza codnutas, ou seja, a abolitio criminis precisa ser veiculada por meio de lei, sob pena de usurpação do Poder Legislativo, e da função legislativa. Desse modo, em síntese, o primeiro aspecto importante acerca da Reserva Legal é: Somente a lei, em sentido estrito [5], pode criminalizar comportamentos e dispor sobre a cominação e agravamento de penas. Por conseguinte, medidas provisórias, decretos e regulamentos não podem incriminar condutas. Superados esses aspectos, passamos a estudar a tipicidade. 1.2. TIPICIDADE. A tipicidade é desdobramento do princípio da legalidade, e indica que somente a prática de conduta prevista em lei pode caracterizar-se como infração legal, isto é, não há crime sem lei que o defina. Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula6 - Principio da Legalidade 4 Curso Ênfase © 2019 Desta feita, somente a prática da conduta descrita no tipo penal pode ser infração penal [6]. Nesse âmbito, o tipo penal é um padrão de comportamento (um standard) eleito pelo legislador para caracterizar a conduta proibida. Ademais, o tipo penal tem uma função garantidora. Então, rememore que o princípio da legalidade decorre da limitação do poder punitivo do Estado. Surge, portanto, no momento em que se percebe a necessidade de conter os excessos do Estado na seara penal, como forma do Estado de Direito se autolimitar. Assim, o Estado, ao exercer o poder de punir, deverá observar regras previamente estabelecidas, por força da segurança jurídica e como garantia conferida à sociedade. Logo, o tipo penal exerce função garantidora, e essa é fundamental. Outrossim, observe as disposições sobre a anterioridade. 1.3. ANTERIORIDADE A anterioridade determina que a Lei Penal deve estar em vigor na prática do fato. Então, não há crime sem lei anterior que o defina. Nesses termos, a anterioridade, assim como a tipicidade, é uma garantia da sociedade, ante o poder de punir do Estado. Em suma, é necessário que esta regra já esteja prevista expressamente em Lei, antes da prática da conduta. Ademais, a Lei nova não poderáretroagir para incriminar ou agravar situações, senão para beneficiar o réu, nos termos do art. 5º, XL, in verbis: Art. 5º. [...] XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu; Desse modo, em resumo, o Princípio da Anterioridade determina: • Para ser aplicável, a Lei deve estar em vigor antes de ser praticada a conduta nela prevista; e, • a Lei Penal não retroage para alcançar fatos anteriores, de modo a incriminar comportamentos ou agravar as penas, mas retroage quando for benéfica ao réu. Finalmente, observe apontamentos sobre a taxatividade. 1.4. PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula6 - Principio da Legalidade 5 Curso Ênfase © 2019 O princípio da taxatividade determina que a lei penal deve ser certa, não se admitindo descrições vagas e imprecisas da conduta proibida. Portanto, assim como os demais, o princípio da taxatividade também é uma garantia. Nesse sentido, verifica-se crítica importante no emprego da expressão "gestão temerária" pelo artigo 4º da Lei 7.492. Trata-se de uma descrição vaga e imprecisa de um tipo penal, que gera dúvidas por conta da indefinição. Desse modo, cabe a jurisprudência conceituar o instituto. Assim, gestão temerária seria aquela que extrapola o risco tolerado no mercado financeiro, colocando em risco os investidores e a instituição financeira (por exemplo: conceder empréstimos sem lastro de garantia). Nesses termos, tem-se que a construção desse conceito é casuística e, na prática, demanda o uso das regras do mercado e das normas que orientam o sistema financeiro (para identificar se a conduta é ou não temerária). Contudo, aos presentes estudos, basta saber que se o art. 4º da Lei 7.492 é criticado pela doutrina, em razão de sua vagueza e imprecisão, as quais acabam prejudicando a abordagem da Legalidade. . Para mais, no que se refere a taxatividade e a tipicidade, é importante que se trate do conceito de norma penal em branco. 2. NORMA PENAL EM BRANCO A norma penal em branco, ou primariamente remetida, é aquela em que a descrição da conduta punível se mostra incompleta ou lacunosa, que necessita de outro ato normativo para a sua integração ou complementação. Trata-se, em essência, de uma técnica legislativa, em que o legislador, ao tipificar um comportamento, deixa lacunas na figura típica. Haverá, desse modo, um processo de integração ou complementação. E, uma norma complementar irá integrar a norma penal em branco. Em suma, há norma penal em branco quando a descrição da conduta punível está incompleta, ou seja, existe uma lacuna que demanda complemento. Todavia, rememore que, em razão do princípio da taxatividade, a lei deve ser certa e taxativa. Logo, cabe ao legislador descrever precisamente, na figura típica, o comportamento que é proibido, não podendo se valer de tipos penais abertos ou vagos. Nesses termos, o tipo penal deverá ser fechado (sempre que possível), com a descrição pormenorizada dos comportamentos e elementos do crime, com vistas a respeitar o princípio da legalidade. Em vista disso, questiona-se: A norma penal em branco viola o princípio da legalidade? Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula6 - Principio da Legalidade 6 Curso Ênfase © 2019 A doutrina majoritária diz que a norma penal em branco não viola o princípio da legalidade, desde que respeitados dois elementos. Então, para não haver ofensa à absoluta reserva de lei exigida pelo Princípio da Legalidade e incorrer em inconstitucionalidade, a lei penal em branco deve prever o núcleo essencial da conduta, ou seja, a essência do comportamento proibido. Além disso, a previsão imperativa deve fixar com transparência os precisos limites de sua integração por outro dispositivo legal [7], isto é, o procedimento de remissão, pois o caráter delitivo da conduta só pode ser delimitado pelo poder competente. Desta feita, admite-se a norma penal em branco, sem prejuízo ao Princípio da Legalidade, quando além da (a) descrição do núcleo essencial, (b) houver expressamente a remissão. Nesse sentido, pode ser citada como exemplo, as Lei de Drogas, que: • no artigo 1º indica que se consideram drogas aquelas substâncias psicotrópicas enumeradas em uma Portaria do Ministério da Saúde; e • no artigo 66, parte final, determina que, enquanto não for atualizado o rol de substâncias proibidas, aplica-se a Portaria 344/98 e suas atualizações. Trata-se, por conseguinte, de norma penal em branco que não viola o Princípio da Legalidade, na medida em que atende os dois requisitos necessários, quais sejam (relembre): a) descrição do núcleo essencial da conduta proibida; e b) indicação do procedimento de remissão. Ademais, existem vários outros exemplos de Lei Penal em branco, como, por exemplo, a Lei de Armas, na medida em que, modernamente, essa técnica é muito utilizada, sobretudo quando o complemento não é a própria lei. Por fim, verifique a classificação das normas penais em branco. 2.1 CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS PENAIS EM BRANCO As normas penais em branco são classificadas em dois grupos, nos termos seguintes: • Heterogêneas, e • Homogêneas. As Normas Penais Heterogêneas (em sentido estrito) ou Próprias (ou Propriamente Ditas) são aquelas cujo complemento é oriundo de fonte normativa diversa daquela que a editou, como, por exemplo: decreto, regulamento, portaria, etc. Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula6 - Principio da Legalidade 7 Curso Ênfase © 2019 Assim, essa técnica tem por objetivo a mantunção da atualidade da lei, por meio de um complemento com maior fluidez para atualizar o corpo principal, por isso é chamada de norma penal em branco própria, propriamente dita ou em sentido estrito. Em suma, a lei será complementada por outra fonte normativa de categoria hierarquicamente inferior (decreto, regulamento, portaria, etc.), como ocorre, por exemplo, com a Lei de Drogas e a Lei de Armas. Nesse âmbito, a vantagem desse modelo é rápida atualização, visto que surgindo uma droga nova, por exemplo, um ato do executivo a incluirá na lista de substâncias proscritas, e consegue-se atualizar a norma principal. Perceba que a discussão e procedimento seriam mais extensos e demorados se tal mudança ocorresse por meio de Lei. Por seu turno, a Norma Penal em Branco Homogênea (em sentido amplo) ou Imprópria tem complemento oriundo da mesma fonte de produção normativa. Nesse caso, a lei é complementada por outra Lei. É o que ocorre, por exemplo, no crime de uso de documento falso, previsto no art. 304 do Código Penal, o qual faz referência aos artigos 297 a 302 do mesmo diploma. A referência aos documentos, portanto, embora em outro tipo, está própria lei penal, o que configura uma norma penal em branco homogênea. Para mais, existem outros tipos penais que vão fazer referência a Lei civil, administrativa, tributária, etc. Desta feita, a norma penal em branco homogênea será complementada por norma de integração de mesma fonte, ou seja, produzidas pelo Poder Legislativo. Outrossim, as normas penais em branco homogêneas podem ser (a) homovitelinas ou (b) heterovitelinas. Nesses termos, as normas penais em branco homogêneas homovitelinas são aquelas cujo complemento é oriundo da mesma instância legislativa (mesma estrutura normativa). Ou seja, a Lei penal complementa a norma principal. Nesse âmbito, podem ser citados, como exemplo: • o art. 304 do Código Penal, que faz referência aos documentos dos arts. 297 a 302 do próprio CP; e, • o art. 312 do Código Penal que, ao descrever o crime de peculato, remete-se a figura do funcionário público conceituada pelo art. 327 da mesma estrututra normativa. Por outro lado, consideram-se heterovitelinas aquelas cujo complemento é emanado de outra instância ou estrutura legislativa. Aqui, citam-se, como exemplos: Direito Penal - Parte Geral – Marcelo UzedaAula6 - Principio da Legalidade 8 Curso Ênfase © 2019 • o art. 178 do Código Penal, que trata do crime de emissão irregular de conhecimento de depósito ou "warrant", e é complementado pelo Decreto 1.102/1903 • o art. 236 do Código Penal, que tipifica a figura do induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento (que não seja outro casamento), cujo complemento é encontrado no art. 151 do Código Civil. Portanto, a norma heterovitelina é complementada por normas de outras esferas que não a penal. Os complementos, nesse caso, derivam da lei empresarial, civil, administrativa, tributária, etc. Em resumo, pode-se dizer que: a) na norma homovitelina o complemento vem do próprio direito penal e da respectiva estrutura normativa; b) na norma heterovitelina o complemento vem de outras instâncias ou estruturas normativas, de modo que a Lei é complementada por norma civil, empresarial, etc. Por fim, observe a lei penal incompleta. 3. LEI PENAL INCOMPLETA A Lei Penal Incompleta também é chamada de estruturalmente incompleta; secundária remetida; em branco às avessas ou ao revés ou invertida; ou Lei Penal Imperfeita. Nesse caso, há previsão apenas do preceito penal incriminador, e o preceito secundário (sanção penal) é remetido a outro dispositivo da própria Lei ou em diferente texto legal. Ou seja, o legislador estrutura o tipo penal e, com relação à sanção, faz remissão a outra figura típica. Logo, a Lei Penal Incompleta sempre será homogênea. Nesse sentido, cita-se, como exemplo, o art. 304, CP que é, ao mesmo tempo, norma penal em branco e norma penal incompleta, verifique: Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302: Pena - a cominada à falsificação ou à alteração. Observe que, na medida em que dispõe que a pena aplicada será aquela cominada à falsificação ou à alteração, torna-se norma penal imperfeita ou incompleta. Nesse âmbito, é importante que as figuras não sejam confundidas, rememore: • na norma penal em branco é o preceito primário (descrição da conduta) que demanda Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula6 - Principio da Legalidade 9 Curso Ênfase © 2019 complemento, e • na lei penal incompleta é o preceito secundário (sanção) que é remetido a outro tipo penal. 2. NOTAS DE RODAPÉ [1] veremos essa questão mais à frente e analisaremos a Súmula do STJ quanto ao tema. [2] nem da Lei, nem da Medida Provisória. [3] Já que não houve uma abordagem de aumento de pena ou de incriminação de comportamento, por exemplo. [4] Nota do monitor: o professor pontua que esse é o seu entendimento. [5] Trata-se, no caso, de lei Ordinária. [6] Claro que, também, a sanção penal correspondente deve estar na lei. [7] Ou, até mesmo, infralegal, por exemplo, por um decreto ou regulamento.
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