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Aula9 - Retroatividade da Lei Ben®fica

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Curso	Ênfase	©	2019
DIREITO	PENAL	-	PARTE	GERAL	–	MARCELO	UZEDA
AULA9	-	RETROATIVIDADE	DA	LEI	BENÉFICA
1.APLICAÇÃO	DA	LEI	PENAL	NO	TEMPO
Vamos	tratar	do	parágrafo	único,	do	artigo	2º	do	Código	Penal	que	dispõe	sobre	a	novatio
legis	in	mellius,	isto	é,	da	lei	nova	que,	apesar	de	não	descriminalizar,	traz	algum	tipo	de	benefício
ao	réu.
1.1.	Lei	penal	no	tempo
O	parágrafo	único	do	art.	2	do	Código	Penal	versa	sobre	a	novatio	 legis	 in	mellius,	 ipsis
litteris:
Art.	2º
[...]
Parágrafo	único.		A	lei	posterior,	que	de	qualquer	modo	favorecer	o	agente,	aplica-
se	aos	 fatos	anteriores,	ainda	que	decididos	por	sentença	condenatória	 transitada
em	julgado.
Tem-se,	desse	modo,	o	fenômeno	da	novatio	legis	in	mellius	ou	lex	mitior,	que	consiste	em
lei	que	de	qualquer	modo	favorece	o	agente,	sem	descriminalizar	a	conduta.
Em	suma,	a	novatio	legis	in	mellius	é	a	lei	penal	mais	benéfica	(em	relação	a	anterior)	e	irá
ser	aplicada	mesmo	que	haja	sentença	condenatória	transitada	em	julgado.	
Ademais,	 quando	 falamos	 em	 sentença	 transitada	 em	 julgado	 devemos	 recordar	 da
Súmula	611	do	Supremo	Tribunal	Federal,	in	verbis:
STF.	Súmula	611.	Transitada	em	julgado	a	sentença	condenatória,	compete	ao	juízo
das	execuções	a	aplicação	de	lei	mais	benigna.
Então,	nos	termos	da	Súmula	611	do	Supremo	Tribunal	Federal,	caberá	ao	juiz	da	execução
penal	a	aplicação	da	lei	mais	benéfica,	quando	transitada	em	julgado	a	sentença	condenatória.	Ou
seja,	na	fase	de	execução	compete	ao	juiz	da	execução,	a	aplicação	da	lei	mais	benéfica.	
Portanto,	 se	 durante	 a	 execução	 da	 pena,	 surge	 uma	 nova	 lei	 que	 de	 alguma	 forma
favorece	 o	 condenado,	 o	 juiz	 da	 execução	 irá	 aplicá-la	 ao	 caso	 concreto,	 desde	 que	 não	 seja
necessária	uma	nova	apreciação	de	mérito,	isto	é,	desde	que	a	aplicação	da	nova	lei	seja	feita	de
maneira	objetiva,	como,	por	exemplo,	na	aplicação	de	pena,	no	regime	de	cumprimento,	etc.
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Para	melhor	compreensão,	veja	o	exemplo	da	Lei	12.015/2009	que	trata	dos	crimes	contra
dignidade	sexual.	Antes	de	2009,	havia	as	 figuras	 típicas	do	estupro	e	do	atentado	violento	ao
pudor.	 Nesses	 termos,	 imagine	 que	 o	 sujeito,	 no	 mesmo	 contexto,	 tenha	 praticado,	 contra	 a
mesma	vítima,	ato	 sexual	de	conjunção	carnal	e	outro	ato	 libidinoso.	Antes	da	 lei	12.015/2009,
haveria	concurso	material	de	crimes.
Nesse	âmbito,	dentre	outras	mudanças,	a	Lei	12.105/2009	revogou	o	art.	214,	mas	não
houve	 abolitio	 criminis,	 porque	 a	 conduta	 prevista	 no	 art.	 214	 foi	 incorporada	 ao	 art.	 213	 do
Código	Penal.
ATENÇÃO
Quando	 há	 revogação	 de	 uma	 figura	 típica,	 mas	 a	 conduta	 descrita	 é	 transferida	 e
incorporada	por	outra,	não	há	abolitio	criminis,	há	continuidade	da	norma.
Então,	 naquela	 ocasião,	 o	 legislador	 acabou	 com	 essa	 dualidade	 de	 estupro	 e	 atentado
violento	ao	pudor,	 ao	 transferir	 a	 conduta	 "outro	ato	 libidinoso"	para	o	artigo	213,	 reunindo	as
condutas	em	um	único	tipo	penal.	Nesse	caso,	houve	continuidade	normativa,	e	não	há	que	se
falar	em	abolitio	criminis.
Além	disso,	essa	lei	foi	benéfica,	pois,	na	vigência	da	lei	anterior,	quem	praticava	estupro	e
ato	 libidinoso	 no	mesmo	 contexto	 fático,	 cometia	 dois	 crimes,	 em	 concurso	material.Por	 outro
lado,	a	aplicação	da	lei	nova	em	relação	à	mesma	conduta,	indica	crime	único,	visto	que	o	art.	213
do	Código	Penal	é	tipo	penal	misto	alternativo.
Em	síntese,	havia	concurso	material	e	com	a	lei	nova	temos	apenas	um	crime.	Assim,	na
medida	em	que	aplica	apenas	uma	pena	(em	vez	de	duas),	a	lei	penal	retroagiu	para	beneficiar	o
réu.	E,	visto	que	envolve	a	mera	adequação	de	pena,	sem	reexame	do	mérito,	a	lei	nova	pode	ser
aplicada	pelo	juiz	da	execução.
Em	contraponto,	se	fosse	necessária	nova	apreciação	jurídica	[1],	haveria	revisão	criminal,
com	vistas	a	adequar	aquela	sentença	transitada	em	julgado	ao	novo	texto.
Em	síntese,	se	a	questão	envolve	mero	cálculo	matemático,	simples	aplicação	de	pena	ou
regime	de	cumprimento,	o	juiz	da	VEP	vai	aplicar	a	lei	nova	nos	termos	da	Súmula	611	do	STF.
Como	ocorre,	por	exemplo,	no	caso	supracitado	do	estupro	e	do	atentando	violento	ao	pudor,	em
que	 a	 lei	 nova	 foi	 mais	 benéfica,	 já	 que	 tornou	 o	 tipo	 alternativo,	 de	modo	 que	 não	 há	mais
concurso	material,	e	sim	crime	único	ou	continuado	[2].
Nesse	contexto,	perceba	que	agora	se	trata	de	crime	continuado	(e	não	concurso	material)
porque	os	crimes	são	de	mesma	espécie,	uma	vez	que	as	condutas	foram	reunidas	no	mesmo
tipo	penal.	Nesse	caso,	portanto,	a	lei	nova	de	qualquer	modo	favoreceu	o	agente,	porque	afetou
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a	aplicação	da	pena.
Outrossim,	temos	a	questão	da	LEP,	Lei	12.433/2012,	que	alterou	o	instituto	da	remição.
Inicialmente,	rememore	que	o	condenado	 irá	remir	a	pena	usando	os	dias	em	que	trabalhar	ou
estudar,	de	acordo	com	a	proporção	estabelecida	em	lei.	Para	mais,	observe	a	redação	do	art.
127	da	LEP,	ipsis	litteris:
LEP.	Art.	127.	Em	caso	de	falta	grave,	o	juiz	poderá	revogar	até	1/3	(um	terço)	do
tempo	remido,	observado	o	disposto	no	art.	57,	recomeçando	a	contagem	a	partir
da	data	da	infração	disciplinar.		
Agora,	com	a	nova	redação	do	artigo	127	da	LEP,	o	sujeito	que	pratica	falta	grave	durante
a	execução	será	sancionado,	dentre	outras	penalidades,	com	a	perda	de	até	um	terço	do	tempo
remido.	Em	contrapartida,	a	 lei	anterior	permitia	a	perda	da	 totalidade	dos	dias	 remidos.	Logo,
trata-se	de	Lei	benéfica.
Ademais,	nesse	âmbito,	é	importante	saber	que	é	vedada	a	combinação	de	leis,	de	modo
que	será	aplicada	a	Lei	nova	ou	antiga	em	sua	integralidade.	Por	isso,	com	vistas	a	apurar	qual	lei
é	mais	benéfica,	é	necessário	que	se	analise	todo	o	seu	texto.
Nesse	contexto,	sobre	a	combinação	de	leis	verifique	o	texto	da	seguinte	Súmula:
STJ.	Súmula	471.	Os	condenados	por	crimes	hediondos	ou	assemelhados	cometidos
antes	da	vigência	da	Lei	n.	11.464/2007	sujeitam-se	ao	disposto	no	art.	112	da	Lei	n.
7.210/1984	(Lei	de	Execução	Penal)	para	a	progressão	de	regime	prisional.
Assim,	de	acordo	com	o	entendimento	pacífico	dos	Tribunais	Superiores,	na	avaliação	da	lei
mais	benéfica,	é	necessário	a	avaliação	do	conjunto	das	suas	normas,	aplicadas	aos	fatos	no	caso
concreto.	Isso	porque,	conforme	já	afirmado,	os	Tribunais	Superiores	entendem	que	é	incabível	a
combinação	de	leis,	porque	criaria	uma	lex	tercia.
Nesses	 termos,	 a	 lex	tercia	 é	 fruto	 da	mistura	 de	 leis	 diferentes	 e	 que	 se	 sucedem	no
tempo,	é	o	que	o	Supremo	Tribunal	Federal	chama	de	hibridismo	Penal	[3].
Em	 resumo,	 os	 Tribunais	 Superiores	 pacificaram	 o	 entendimento	 de	 que	 é	 vedada	 a
combinação	 de	 leis,	 ou	 seja,	 a	 adoção	 simultânea	 da	 parte	 benéfica	 da	 lei	 anterior	 e	 da	 parte
benéfica	da	 lei	 posterior.	 Isso	porque,	 combinando	os	dois	 elementos	 teríamos	uma	 terceira	 lei
híbrida	que,	in	concreto:
•	violaria	o	princípio	da	legalidade,	porque	o	juiz	estaria	legislando	e	criando	uma	nova
figura	legal,	sem	ter	atribuição	para	isso;	e,
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•	criaria	uma	lex	tercia,	ou	seja,	um	hibridismo	de	normas	diferentes,	usurpando,
portanto,	a	função	do	legislador.
Por	conseguinte,	haveria	violação	à	separação	dos	poderes	e	funções	estatais	[4].
Nesse	 ínterim,	a	doutrina	minoritária	defende	entendimento	no	sentido	de	que,	 já	que	o
legislador	não	fez	nenhuma	ressalva	(no	5º,	XL,	da	Constituição	Federal	e	no	parágrafo	único	do
art.	2º,	CP),	seria	admitida	a	combinação	de	Leis.	Entende,	ainda,	que	o	juiz	não	estaria	criando
uma	lei	nova,	estaria	fazendo	uma	distribuição	da	 justiça.	Em	síntese,	pontua	que	o	 juiz	estaria
aplicando	a	lei	por	equidade,	no	seu	aspecto	benéfico,	preservando	a	ultra-atividade	benéfica	da	lei
anterior	e	a	retroatividade	da	lei	benéfica	posterior.Contudo,	embora	essa	lógica	seja	adotada	por	uma	parcela	da	doutrina,	recomenda-se,	na
prova,	a	adoção	da	orientação	dos	Tribunais	Superiores.
Para	mais,	verifique	o	texto	da	Súmula	501	do	STJ,	ipsis	litteris:
STJ.	Súmula	501.	É	cabível	a	aplicação	retroativa	da	Lei	n.	11.343/2006,	desde	que	o
resultado	da	incidência	das	suas	disposições,	na	íntegra,	seja	mais	favorável	ao	réu
do	que	o	advindo	da	aplicação	da	Lei	n.	6.368/1976,	sendo	vedada	a	combinação	de
leis.
Trata-se	do	tráfico	privilegiado.	Nesse	sentido,	rememore	que	o	artigo	12	da	Lei	6.368/76
previa	a	pena	mínima	para	o	tráfico	de	3	anos,	mas	a	figura	tráfico	privilegiado	ainda	não	existia.
Por	seu	turno,	a	Lei	nova,	no	artigo	33,	prevê	a	pena	de	5	a	15	anos,	mas	permite	a	redução	de
1/3	a	2/3	no	seu	§4º.	
Nesse	caso,	a	Súmula	501	do	STJ	veda	a	aplicação	da	pena	antiga	com	o	novo	redutor.
Não	admitindo,	portanto,	que	o	sujeito,	no	caso	concreto,	seja	beneficiado	com	a	manutenção	da
lei	antiga	e	com	a	redução	da	pena	na	lei	nova,	por	meio	da	combinação	de	leis.
Desse	modo,	deve	se	optar	entre	(a)	calcular	a	pena	de	acordo	com	a	íntegra	da	lei	nova
(com	a	fração	de	redução	nova)	ou	(b)	manter	a	pena	antiga	sem	o	redutor.	Uma	coisa	ou	outra,
sem	possibilidade	de	combinação	de	leis.
Ademais,	em	que	pese	a	Súmula	501	seja	específica	para	o	tráfico	privilegiado,	poderá	ser
aplicada	para	outros	institutos.
Por	fim,	há	posição	dos	tribunais	superiores,	e	ainda	de	parcela	da	doutrina,	que	sustenta	a
possibilidade	dessa	combinação	quando	beneficiar	o	réu,	e	demonstrar	uma	melhor	distribuição	da
Justiça	no	caso	concreto.	
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2.	NOTA	DE	RODAPÉ
[1]	 isto	 é,	 quando	 a	 nova	 lei	 trouxer	 um	 novo	 cenário	 e	 a	 sentença	 antes	 aplicada	 for
incompatível.
[2]	há	crime	único	quando	mais	de	uma	conduta	é	praticada	no	mesmo	contexto	fático.
Por	outro	lado,	haverá	crime	continuado	quando	o	agente	praticar	o	estupro	de	manhã	e	a	tarde
praticar	outro	ato	libidinoso	contra	a	mesma	vítima.
[3]	o	hibridismo	penal	consiste	na	combinação	de	normas.
[4]	visto	que	o	juiz	estaria	legislando,	criando	lei	nova	e	violando	o	princípio	da	legalidade.	E,
tal	função	é	atribuída	ao	Poder	Legislativo.

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