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1 Curso Ênfase © 2019 DIREITO PENAL - PARTE GERAL – MARCELO UZEDA AULA35 - ITER CRIMINIS PARTE7 1. DA ILICITUDE (ANTIJURIDICIDADE) Nesta aula, trabalharemos com o segundo elemento do crime: ilicitude. Em sentido amplo, quando se fala em antijuridicidade, não se quer dizer, necessariamente, contrariedade à lei penal, sim à ordem jurídica. Significa dizer, em outras palavras, que há fatos antijurídicos e que, no entanto, não são crimes. As diversas esferas do direito - administrativo, ambiental, civil, tributário, dentre outras - possuem suas próprias normas que, em caso de não cumprimento, serão considerados, também, ilícitos. Todavia, invocando novamente a premissa, nem todo ilícito será considerado ilícito penal, pois o Direito Penal se fomenta como “ultima ratio”, afetando somente aquelas condutas tidas como criminosas - ilícitos penais. Exemplo 1: O dano culposo é ilícito na esfera civil, porém, não é crime previsto no art. 163, do CP – direção irregular no volante que gerou a colisão entre veículos, sem qualquer vítima ou danos físicos entre os passageiros. Exemplo 2: A fuga de preso, desde que não seja praticada violência contra a pessoa (art. 352, do CP), é um fato antijurídico (considera-se FALTA GRAVE, conforme a LEP), todavia, não é crime. Cabe relembrar, nesta oportunidade, que a tentativa de falta grave é punida com a mesma sanção da falta grave consumada. Portanto, para que se considere determinada conduta como antijurídica, não basta apenas ser ilícita, deverá, ainda, configurar a incidência de uma Lei Penal prescrevendo sua antijuridicidade. O CONCEITO UNITÁRIO DE ILICITUDE aplica-se à relação de contrariedade entre o fato humano e as exigências do ordenamento jurídico – aspecto formal, representando uma lesão ou ameaça de lesão a bens jurídicos protegidos – aspecto material. Unitário por unir tanto aspecto formal como o aspecto material. Nesse sentido, o juízo de valor negativo recai sobre a conduta humana que caracteriza um fato típico – juízo social negativo. A relação de antagonismo se estabelece entre uma conduta humana voluntária e o ordenamento jurídico, de sorte a causar lesão ou a expor a perigo de lesão um bem jurídico tutelado. Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula35 - Iter Criminis Parte7 2 Curso Ênfase © 2019 1.1 TEORIA CLÁSSICA Na Teoria Clássica, a antijuridicidade (puramente objetiva) referia-se à mera comprovação de que a conduta contrariava formalmente a lei penal. Bastava constatação de que a conduta era típica e de que não concorreria qualquer causa de justificação para reconhecer-se a ilicitude. Inexistia, portanto, qualquer valor normativo/valorativo à ilicitude. Em relação às causas de justificação, na Teoria Clássica, não se vislumbravam quaisquer aspectos subjetivos (legítima defesa – animus defendendi; estado de necessidade – animus salvandi), bastando a ocorrência de elementos objetivos para se caracterizar alguma causa de justificação. Para o Sistema Clássico, não ocorrendo qualquer causa de justificação para afastar a presunção de ilicitude, a conduta era tipicamente ilícita – “ratio cognoscendi”. A Teoria da “Ratio Cognoscendi” defende ser a Tipicidade e a Ilicitude elementos separados; o Fato Típico exerce uma função indiciária da Ilicitude. Concluindo-se que caso inexista alguma causa de justificação, existirá uma presunção relativa de ilicitude. Insta salientar que, segundo o Sistema Clássico, o dolo e a culpa estavam alocados na Culpabilidade, como espécies. Por tal razão, na análise da Tipicidade e da Ilicitude, não se perquiria qualquer vontade de agir do agente (dolo ou culpa), visto que, até então, não era possível analisar estes elementos subjetivos. 1.2 TEORIA NEOCLÁSSICA Na Teoria Neoclássica a antijuridicidade deixa de ser a simples e lógica contradição entre a conduta e a norma jurídica (conceito formal) e passa a conter um juízo de desvalor material – danosidade social – com a introdução de considerações axiológicas e teleológicas. Onde não houver lesão de interesse algum, o fato não poderá ser qualificado como antijurídico. O juízo de desvalor material fundamenta-se como elemento normativo/valorativo introduzido à análise da Tipicidade e da Ilicitude - o que não ocorria durante o período clássico. À vista disso, o comportamento humano será considerado ilícito quando for socialmente intolerável, não bastando apenas a subsunção do fato à norma penal. Os aspectos da antijuridicidade poderão ser compreendidos de modo formal e material: Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula35 - Iter Criminis Parte7 3 Curso Ênfase © 2019 • Formal: oposição à norma; • Material: danosidade social. Contudo, durante o Sistema Neoclássico, dolo e culpa foram mantidos quando da análise da Culpabilidade. 1.3 TEORIA FINALISTA No Sistema Finalista, a antijuridicidade é compreendida em seu aspecto forma e material - mantendo, desse modo, os ensinamentos neoclássicos. Destaca-se, neste momento histórico, a transferência do Dolo e da Culpa à Tipicidade e à Ilicitude, inclusive dando valor subjetivo às causas de justificação. As Causas de Justificação tornam-se Tipos Permissivos (art. 23, do CP): • Objetivo: pressupostos legais das causas de justificação; • Subjetivo: consciência e vontade de agir justificadamente. A análise do aspecto subjetivo nos tipos penais permissivos é de suma importância nos casos, por exemplo, de autores de crimes se utilizarem como pretexto alguma causa de justificação para o cometimento de algum delito. Exemplo: autor provoca seu desafeto para que, a pretexto de estar em legítima defesa, possa matá-la. Admitem-se Causas Supralegais - como, por exemplo, o consentimento do ofendido. São consideradas pela doutrina e pela jurisprudência pelo fato de não estarem previstas em lei, no entanto, são elementos formadores do “inter criminis”. 2. TEORIA DA RATIO COGNOSCENDI OU DA INDICIARIEDADE Posição adotada pela maioria da doutrina: o tipo e a antijuridicidade são elementos autônomos, mas há uma relativa interdependência entre eles. A EXISTÊNCIA DO FATO TÍPICO É A RAZÃO DE CONHECER DA ILICITUDE. A tipicidade exerce uma função indiciária de ilicitude (“onde há fumaça, há fogo”), ou seja, encerra um juízo condicionado de ilicitude, que se verifica se não houver uma causa de justificação prevista pelo ordenamento. A tipicidade gera, portanto, presunção relativa de ilicitude. 3. TEORIA DA RATIO ESSENDI OU DA ABSOLUTA DEPENDÊNCIA O tipo é a antijuridicidade tipificada. Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula35 - Iter Criminis Parte7 4 Curso Ênfase © 2019 A ILICITUDE É A RAZÃO DE SER DA TIPICIDADE. A Tipicidade encontra-se inserida na antijuridicidade. A antijuridicidade contém a tipicidade (se imaginarmos uma panela e seu conteúdo, teríamos a panela como antijuridicidade e como conteúdo a tipicidade); ou Excluída a ilicitude, não subsiste o fato típico. A análise da Tipicidade e da Antijuridicidade será realizada em conjunto, em um único bloco. A doutrina do professor Zaffaroni é simpatizante à Teoria da “Ratio Essendi”, quando se trabalha a Tipicidade Conglobante: tipicidade formal, antinormatividade e tipicidade material. A antinormatividade, traduzida como ilicitude, encontra-se alocada em conjunto com a tipicidade. Há Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula35 - Iter Criminis Parte7 5 Curso Ênfase © 2019 um esvaziamento das causas de justificação, trazendo-as para a lógica do fato típico - terceiro elemento do fato típico.. Exemplo: servidor público em cumprimento de mandado de penhora. Para a Teoria da “Ratio Cognoscendi” o fato do servidor estar em cumprimento de um mandado de penhora não desconfigura o elemento Tipicidade, todavia, por estar em devido cumprimentode dever legal (causa de justificação), não ser-lhe-á atribuído qualquer sanção penal, posto que inexiste ilicitude em sua conduta. Por tal razão, estamos diante uma conduta típica, porém lícita - Tipo Penal Permissivo. Já para a Teoria da “Ratio Essendi” não há que se falar em conduta delituosa do agente público, pois inexiste ilicitude (causa de justificação – estrito cumprimento de dever legal), cuja análise se dá em conjunto com a própria tipicidade da conduta. Deste modo, a conduta do servidor público será considerada ATÍPICA . 4. TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO A tipicidade contém a ilicitude – se imaginarmos, por exemplo, uma panela e seu conteúdo, teríamos como panela a Tipicidade e como conteúdo a Antijuridicidade (diferentemente da teoria da ratio essendi). As causas de justificação seriam elementos negativos do tipo. Os elementos positivos do Tipo Penal seriam os elementos incriminadores. Caso o agente haja amparado em uma causa de justificação (elemento negativo), levar-se-ia à “negativização” do próprio tipo penal, ou seja, a conduta do agente seria ATÍPICA. As causas de justificação não excluem a ilicitude e sim a adequação típica. Para a doutrina do Professor Jescheck: Elementos do tipo e pressupostos da causa de justificação se reúnem, por esta via, no tipo total e se situam sistematicamente no mesmo nível. Embora o resultado prático leve à mesma conclusão da Teoria da Ratio Essendi – atipicidade a conduta, o ponto de partida e a metodologia adotada pela Teoria dos elementos negativos do tipo são distintos e contrários àqueles. Conforme ensinamentos do Professor Wessels: Tipos e causas justificantes, dentro desta forma de consideração, não se situam face a face como proibição geral e norma permissiva autônoma; as causas de exclusão do injusto aparecem muito mais como meras limitações à norma proibitiva [...]. Direito Penal - Parte Geral – Marcelo Uzeda Aula35 - Iter Criminis Parte7 6 Curso Ênfase © 2019 Em visão sistemática, fundem-se assim tipicidade e antijuridicidade forçosamente em um estágio unitário de valoração (construção bifásica do delito: tipo total de injusto - culpa). As causas excludentes da ilicitude devem estar agregadas aos tipos de delito - tipos provisórios do injusto ou tipos incriminadores - como requisitos negativos. EXEMPLO: Art. 121, do CP – o tipo total de injusto seria: matar alguém, salvo em legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de direito e estrito cumprimento de dever legal.