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ARTIGOS SOBRE A CRISE VENEZUELANA NO BRASIL

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ARTIGOS SOBRE A CRISE VENEZUELANA NO BRASIL. 
Grave crise em Roraima justifica fechamento da fronteira? Entenda os argumentos contra e a favor
A explosão de violência no último fim de semana em Pacaraima, cidade de Roraima na fronteira com a Venezuela, tornou visível para o restante do Brasil a grave situação em que se encontra o Estado devido à incapacidade de receber adequadamente o fluxo de imigrantes que fogem da crise no país vizinho.
Diante desse cenário, o governo de Roraima voltou a solicitar, na segunda-feira, ao Supremo Tribunal Federal (STF) o fechamento temporário da fronteira com a Venezuela, sob o argumento de que seus serviços de saúde e segurança estão em colapso. O primeiro pedido, feito em abril, foi negado liminarmente pela ministra Rosa Weber.
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Mas, apesar do agravamento da violência no Estado, o governo federal repudiou tal medida por considerá-la ilegal e ineficaz. "O fechamento da fronteira é impensável", disse na segunda-feira o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Sérgio Etchegoyen. "A lei brasileira de migração determina o acolhimento de refugiados e imigrantes. É uma solução (fechar a fronteira) que não ajuda em nada a questão humanitária."
O governo de Roraima, por sua vez, argumenta que os direitos humanos de venezuelanos e roraimenses não estão sendo garantidos, mas violados, devido à falta de apoio financeiro da União para garantir o adequado acolhimento dos imigrantes.
O procurador do Estado de Roraima Edival Braga, que está à frente da ação movida pela governadora Suely Campos no STF, diz que há centenas de crianças mendigando nas ruas da capital, Boa Vista. Na sua avaliação, a atual situação permitiria suspender temporariamente a entrada de imigrantes em Roraima sob dois argumentos legais: desrespeito aos direitos humanos, já que os serviços públicos estão em colapso, e ameaça à soberania nacional, devido à instabilidade na fronteira.
"Essa política do governo federal de fronteiras abertas, sem ter uma política pública efetiva que possibilite aos imigrantes ou refugiados viver de forma digna, termina sendo aquele tipo de coisa que o Brasil acena no cenário internacional estar cumprindo os direitos humanos quando na verdade ele está descumprindo os direitos humanos", defendeu Braga à BBC News Brasil.
"Não pedimos fechamento da fronteira, mas suspensão temporária da entrada, até que a União garanta o atendimento adequado e a redistribuição dos venezuelanos para outros Estados do país", ressaltou também.
'Fechar fronteira aumentaria tráfico de pessoas', diz jurista
A proposta do governo de Roraima, porém, tem sido repudiada não só pelo governo federal, mas por juristas especialistas em direitos humanos.
Beto Vasconcelos, que chefiou a Secretaria Nacional de Justiça (SNJ) do Ministério da Justiça e foi presidente do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) no governo Dilma Rousseff (PT), sustenta que o fechamento da fronteira, além de ilegal, deixaria os venezuelanos à mercê dos coiotes (pessoas que oferecem transporte clandestino e inseguro para cruzamento de fronteiras a altos preços).
"É uma falácia defender o fechamento da fronteira como solução para a crise. É impossível impedir a entrada de venezuelanos no Brasil. São mais de dois mil quilômetros de fronteira no meio da selva amazônica", ressaltou.
"O único efeito prático seria o aumento do tráfico de humanos, deixando os venezuelanos e venezuelanas sob o risco de serem enganados, roubados, agredidos, estuprados", disse também.
Vasconcelos representa quatro organizações de direitos humanos que ingressaram na ação movida por Roraima no STF como amici curiae ("amigos da corte"), instrumento que lhes permite se manifestar na ação.
Ele ressalta que a Constituição brasileira estabelece como fundamento da República a "dignidade da pessoa humana", impedindo, dessa forma, o fechamento da fronteira à entrada de pessoas que estão em situação de extrema miséria e vulnerabilidade.
O jurista destaca, também, que o artigo 4º da Constituição determina que as relações internacionais do país são regidas pelos princípios da "cooperação entre os povos" e a "prevalência dos direitos humanos", além da "concessão de asilo político".
Vasconcelos acrescenta que somos signatários da Convenção dos Refugiados da ONU desde 1961 e da Declaração de Cartagena, que trata do mesmo tema no âmbito da América Latina, desde 1985. Depois, os direitos previstos nesse acordo viraram também Legislação nacional em 1997, com a chamada Lei de Refúgio.
Esses marcos legais, afirma ele, garantem a entrada e proteção no Brasil de refugiados - pessoas que fogem de situações de grave e generalizada violação de direitos humanos ou de perseguições por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas.
"Os imigrantes venezuelanos podem se encaixar em ao menos três dessas categorias: grave e generalizada violação de direitos humanos, perseguição política, e por grupo social, no caso dos indígenas. Seria totalmente ilegal o país impedir a entrada, sem qualquer análise dos pedidos de refúgio", argumenta Vasconcelos.
Segundo balanço da Polícia Federal, entraram no país por Pacaraima, de 2017 a junho de 2018, quase 128 mil pessoas. Desses, quase 69 mil já deixaram o Brasil.
Dos que ficaram no país, 56.740 procuraram a PF para se regularizar - 35.540 solicitaram refúgio e 11.100 pediram residência (visto que pode ser concedido por questões humanitárias). Nem a PF nem a Casa Civil souberam dizer como anda a tramitação desses processos.
Vasconcelos explica que tanto o refugiado como o residente têm direito a obter documentação brasileira, a usar serviços públicos e a trabalhar.
Omissão do governo federal?
Na ação movida no STF, o governo de Roraima solicitou também repasse de R$ 184 milhões do governo federal para cobrir gastos extras que teve devido à entrada dos imigrantes. Já houve duas audiências para tentativa de conciliação que não resultaram em acordo. Uma terceira será realizada, mas ainda não tem data.
O procurador de Roraima Edival Braga disse à BBC News Brasil que o governo estadual quer propor adoção de cotas para distribuição dos venezuelanos pelos Estados brasileiro, baseadas no tamanho da população e no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de cada unidade federativa. Ele ressalta que Roraima tem o menor PIB do país e, portanto, menos condições de absorver os imigrantes
Por enquanto, apenas 820 venezuelanos foram levados para outros sete Estados do país em ação articulada entre governo federal e ONGs.
"A política de migração é responsabilidade da União não do Estado de Roraima", reforça Braga.
Questionado pela BBC Brasil, o governo federal não rebateu diretamente as críticas, mas enviou uma lista das ações tomadas em relação à crise em Roraima. Em março deste ano, por exemplo, foram destinados R$ 190 milhões ao Ministério da Defesa para financiamento do plano operacional e outras ações de assistência emergencial aos venezuelanos.
A partir daí, os quatro abrigos de imigrantes passaram para administração federal em parceria com a ONU, e mais cinco foram abertos nos mesmos moldes. Atualmente, há cerca de 3.800 imigrantes abrigados e está prevista a abertura de mais três unidades de acolhimento, com 1.500 vagas.
Xenofobia
Embora reconheça o valor das ações iniciais do governo federal, Beto Vasconcelos critica a resistência em dar mais apoio financeiro ao Estado num momento de crise. Por outro lado, ele também repudia a postura do governo de Roraima que, na sua visão, incentiva a xenofobia (ódio ao estrangeiro).
No início do mês, a governadora Suely Campos restringiu, por meio de decreto, o acesso dos venezuelanos a serviços públicos, medida que acabou derrubada por decisão judicial.
"Chegamos a um ponto em que está faltando razão a todos. Há dois mitos contra os imigrantes que alimentam o medo, ade que são violentos e que roubam os empregos dos nacionais. Os imigrantes são, por natureza, empreendedores e, na sua maioria, vítimas de violências", diz Vasconcelos.
Já o procurador Braga afirma que a imigração tem afetado a segurança do Estado. Os graves atos de violência contra os venezuelanos neste fim de semana ocorreram após um comerciante de Pacaraima ter sido roubado e agredido por quatro homens que ele afirma serem imigrantes.
"Não estamos dizendo que os venezuelanos são violentos. O que estamos dizendo é que, quem está em condições de miserabilidade, às vezes faz atos de violência por R$ 20 reais para poder comer. A situação aqui de milhares de venezuelanos é de mendicância", lamenta o procurador.
O presidente da OAB de Roraima, Rodolpho Morais, também negou que haja xenofobia entre os roraimenses. Embora reconheça que acordos internacionais impedem o fechamento da fronteira, ele diz que o pedido do governo de Roraima é uma forma de gerar sensibilização em relação à crise do Estado.
"Na verdade não é sentimento xenofóbico. A gente vive na fronteira, frequentávamos muito a Venezuela, assim como a Guiana, e recebíamos muitos venezuelanos. O que ocorre é que na medida que você tem seus direitos básicos precarizados por uma desatenção do responsável, que é o governo federal, você tem um sentimento de indignação", acredita.
"Nós não temos condição de suportar toda essa carga no nosso Estado. Então, pelo amor de Deus, nos socorram", apelou Morais.
FONTE: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-45266973
A Venezuela e a imigração para o Brasil
Rogério Tadeu Romano
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A nova Lei de Migração, em vigor desde 21 de novembro de 2017, em substituição ao Estatuto do Estrangeiro, traz uma visão mais garantista e protetiva sobre a matéria.
I – A LEI DE IMIGRAÇÃO NO BRASIL
Entrou em vigor, no dia 21 de novembro de 2017, a nova Lei de Migração, em substituição ao Estatuto do Estrangeiro, legislação oriunda do regime militar que abordava a imigração do ponto de vista da segurança nacional. 
Um dos princípios contidos na lei, por exemplo, é a "não discriminação em razão dos critérios ou dos procedimentos pelos quais a pessoa foi admitida em território nacional".
Passa-se a ter, pela Lei, uma visão mais humanista na matéria consentânea com direitos e garantias constitucionais.
O eixo central da nova lei é a proteção de direitos humanos na temática das migrações, intuída já na escolha da epígrafe: trata-se de uma lei de migração, aplicando-se ao migrante que vive no Brasil e, inclusive, ao brasileiro que vive no exterior. O reconhecimento da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos como princípio de regência da política migratória brasileira (artigo 3º, I) é decorrência da proteção da dignidade humana, vetor axiológico da Constituição (artigo 1º, III) e dos tratados de direitos humanos celebrados pelo Brasil e princípio constitucional impositivo.
Visando a facilitar a regularização dos migrantes que entram no país, foram trazidas as seguintes novidades: i) racionalização das hipóteses de visto (com destaque para o visto temporário para acolhida humanitária); ii) previsão da autorização de residência; iii) simplificação e dispensa recíproca de visto ou de cobrança de taxas e emolumentos consulares, definidas por mera comunicação diplomática. Ainda, os integrantes de grupos vulneráveis e indivíduos em condição de hipossuficiência econômica são isentos do pagamento de taxas e emolumentos consulares para concessão de vistos ou para a obtenção de documentos para regularização migratória.
Importante inovação é o regramento do impedimento de ingresso. Foi assegurado que ninguém será impedido de ingressar no País por motivo de raça, religião, nacionalidade, pertinência a grupo social ou opinião política, possibilitando-se a responsabilização dos responsáveis pela prática de atos arbitrários na zona primária de fronteira.
Migrar é um direito e esta é a essência da nova Lei. Deve ser editado decreto com objetivo de regulamentar a Lei. 
Diversas foram as alterações promovidas pela Lei com relação a situação do imigrante no país. 
Ficou mantida a proibição de exercício de atividade remunerada ao portador de visto de visita, porém com a facilitação em transformar para autorização de residência dentro do território brasileiro.
A concessão de vistos temporários para acolhida humanitária foi institucionalizada com a nova lei, que dá visto de um ano "ao apátrida, ou ao nacional de qualquer país", em "situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de conflito armado, de calamidade de grande proporção, de desastre ambiental ou de grave violação de direitos humanos ou de direito internacional humanitário, ou em outras hipóteses."
Os vistos temporários poderão ser concedidos em 10 (dez) hipóteses, sendo que a concessão para trabalho está inserida nesta previsão. Dependerá de regulamento posterior os requisitos para sua concessão. Poderá ser concedido ao imigrante que venha exercer atividade laboral, com ou sem vínculo empregatício, desde que comprove oferta de trabalho, dispensando esta exigência se o imigrante comprovar titulação em curso de ensino superior ou equivalente.
II – A CRISE VENEZUELANA
Para o chavismo, cujo propósito é perpetuar-se no poder, a política econômica não é um mecanismo para gerar riqueza e prosperidade a todos, mas um instrumento para sustentar seu projeto de dominação. O empobrecimento generalizado — consequência direta do modelo econômico aplicado pelo regime —é considerado pelo oficialismo como positivo e funcional para a materialização de seu projeto, porque torna o cidadão mais dependente do Estado e, assim, mais controlável e manipulável. Aplicam a fórmula empregada em Cuba para, coma repressão, consolida ruma ditadura.
Faz bem o Brasil, pelo poder executivo, em receber os venezuelanos que fogem da ditadura em seu país. Trata-se de uma tragédia humana só comparável ao que está acontecendo com os refugiados que buscam a sobrevivência na Europa, vindos de países do Oriente. O insucesso da economia da Venezuela se transforma em crise humanitária.
Segundo a ONU, 2,3 milhões de venezuelanos deixaram o país em dois anos. A título de comparação, 1,8 milhão de migrantes entraram em toda a União Europeia em quatro anos.
A crise de refugiados na Europa começou em 2015, quando levas crescentes de pessoas que fugiam de dificuldades econômicas ou de conflitos tentavam alcançar a União Europeia, atravessando o mar Mediterrâneo ou por terra, pelo sudeste europeu.
De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os refugiados (ACNUR), as três principais nacionalidades entre mais de um milhão de migrantes que chegaram pelo mar Mediterrâneo entre janeiro de 2015 e março de 2016 eram sírios (46,7%), afegãos (20,9%) e iraquianos (9,4%).
O número de refugiados e migrantes caiu drasticamente nos últimos anos, devido a medidas de retenção de entrada como o acordo que a União Europeia assinou com a Turquia. A xenofobia foi outro fenômeno que se espalhou por todo o continente.
Enquanto cerca de 1,8 milhão de refugiados chegaram na Europa desde 2015, a crise migratória da Venezuela já contabiliza mais de 2,3 milhões de migrantes que fogem da miséria em apenas dois anos.
Os países sul-americanos foram surpreendidos com essa onda imigratória inédita.
O governo brasileiro decidiu editar uma Medida Provisória para combater a imigração maciça de venezuelanos em Roraima. A iniciativa demorou a acontecer. Desde 2016, o governo do estado de Roraima pede ajuda para lidar com a crise, por meio de ofícios e reuniões, sem qualquer resposta de Brasília.
Noticiou-se que, graças a uma ação do Ministério Público Federal, eles ficaram isentos do pagamento de taxas de cerca de R$ 300,00 para a solicitação. Tratava-se de um valor proibitivo para egressos de um país onde o salário mínimo mensal equivale a cerca de US$ 1.
Também podem pleitear a condição de refugiado ao Conare (Comitê Nacional para os Refugiados).
O venezuelano que chega a Roraima está fugindo da fome. Elesestão passando fome. Tem gente que fala que o salário de uma semana inteira dava para comprar um pão. As pessoas estão vindo por extrema necessidade. Roraima é quinta opção. O venezuelano mais rico foi para os Estados Unidos. O de classe média procurou a Colômbia ou Trinidad e Tobago. Quem fica em Roraima é o venezuelano mais necessitado. Disse o general Gustavo Dutra de Menezes, ao Globo. 
Consoante o site do Estadão, o fluxo de migrantes da Venezuela em direção às cidades colombianas e brasileiras já se assemelha ao fluxo mensal de migrantes que cruzaram o mar Mediterrâneo em direção às ilhas italianas no auge da crise. O alerta é de Joel Millman, porta-voz da Organização Internacional de Migrações (OIM).
"Fomos informados de um fluxo de 40 mil pessoas por mês cruzando a fronteira para a Colômbia", disse. "Isso é quase o equivalente ao que vimos no auge da crise na Europa, em 2015, no sul da Itália", explicou. "Trata-se de uma emergência diferente", afirmou Millman. "Mas acompanhamos de perto a situação com atenção", disse o porta-voz da OIM.
"Fomos informados de um fluxo de 40 mil pessoas por mês cruzando a fronteira para a Colômbia", disse. "Isso é quase o equivalente ao que vimos no auge da crise na Europa, em 2015, no sul da Itália", explicou. "Trata-se de uma emergência diferente", afirmou Millman. "Mas acompanhamos de perto a situação com atenção", disse o porta-voz da OIM.  
O socialismo bolivariano, na Venezuela, revelou-se um fracasso
A partir do dia 18 de agosto, o Equador passou a exigir um passaporte aos venezuelanos. Essa decisão unilateral vai contra os acordos regionais em vigor. Quito nem se deu ao trabalho de informar a Colômbia, que sozinha já recebeu cerca de um milhão de migrantes e por onde passam os que seguem para o Equador.
Por sua vez, o Peru pretende proibir que venezuelanos sem passaporte entrem no país a partir do dia 25 de agosto do corrente ano.
Diante do desafio migratório, todos os países envolvidos evocam, no entanto, as virtudes da cooperação regional, assim como a ONU e a Organização dos Estados Americanos (OEA). Mas o secretário-geral das Nações  Unidas, Antonio Guterrez, se mantem estranhamente silencioso sobre o assunto.
III – A QUESTÃO DA ABERTURA DA FRONTEIRA COM A VENEZUELA  E O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO
O Brasil não deve fechar em caráter temporário sua fronteira com a Venezuela. Por certo existem na Lei de imigrantes as medidas de retirada compulsória que só devem ser adotadas quando necessárias.
São medidas de retirada compulsória (art. 47): repatriação; deportação; e expulsão. Em todos os casos, deve-se observar os dispositivos da Lei 9.474/97 (Estatuto dos Refugiados) e os tratados ratificados pelo Brasil sobre a proteção jurídica aos apátridas.
A REPATRIAÇÃO (art. 49) consiste em medida administrativa de devolução de pessoa em situação de impedimento (impedido de ingressar em território nacional pela fiscalização fronteiriça – DPF, em razão da ausência de documento ou visto, por exemplo) ao país de procedência ou de nacionalidade. Comunicação imediata do ato de repatriação deverá ser feito à autoridade consular do país de procedência ou de nacionalidade do migrante ou visitante a ser repatriado. A lei veda (art. 49, par. 4) medida de repatriação à pessoa em situação de refúgio ou de apatrídia e ao menor de 18 anos desacompanhado, não podendo haver qualquer devolução para país em situações de risco à vida.
A DEPORTAÇÃO (art. 50) consiste na retirada compulsória de pessoa que se encontre em situação migratória irregular em território nacional, e deve ser precedida de notificação pessoal ao deportando apontando as irregularidades e o prazo para a regularização. Essa notificação não impede a livre circulação em território nacional. Vencido o prazo sem que se regularize a situação migratória, a deportação poderá ser executada. Prevê-se que a DPU (Defensoria Pública da União) deverá prestar assistência jurídica ao deportando nos procedimentos administrativos de deportação, em respeito aos princípios da ampla defesa e do contraditório. Além disso, reproduzindo a regra do Estatuto do Estrangeiro, “não se procederá à deportação se a medida configurar extradição não admitida pela legislação brasileira” (art. 53). Esta será precedida de notificação pessoal do deportando, sendo que será ofertado um prazo de, no mínimo, 60 (sessenta) dias, prorrogável por igual período, para sua regularização migratória. Será assegurado o contraditório e a ampla defesa, com a garantia de recurso administrativo com efeito suspensivo, ou seja, a medida não poderá ser executada enquanto não houver decisão final da administração.
A EXPULSÃO (art. 54) consiste em medida administrativa de retirada compulsória de migrante/visitante do território nacional, com impedimento de reingresso, na hipótese de condenação judicial transitada em julgado relativa à prática de: I – crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra ou crime de agressão; ou II – crime comum doloso passível de pena privativa de liberdade.
Não se procederá à repatriação, à deportação ou à expulsão de nenhum indivíduo quando subsistirem razões para acreditar que a medida poderá colocar em risco a vida ou a integridade pessoal.
O artigo 50, em seus parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º, institui prazo de 60 dias (renováveis por igual período) para a deportação, retirando da  PF o poder de deportação sumária. 
O artigo 51, caput e parágrafo 1º, abre espaço para a Defensoria Pública da União poder exercer a devida defesa do estrangeiro. 
O artigo 55, impede a expulsão quando o ilegal tiver filho brasileiro, ou cônjuge e companheiro residente no Brasil. 
 O artigo 75, inclusive, permite o reconhecimento do filho depois da notificação de expulsão.
A nova Lei de Migração permite ao estrangeiro organizar e participar de reuniões para agremiação política, por força do princípio de liberdade. A prisão por exercer atividades de natureza política já teria sido revogada pela Constituição de 1988.
A Lei de migração ainda prevê normas sobre o asilo político e o refúgio.
Para que uma pessoa possa ser considerada asilada política, é fundamental que ela esteja sendo perseguida por motivos políticos em seu país de origem. Para receber o benefício, o solicitante de asilo não pode ter cometido crime comum ou estar em aguardo de julgamento relacionado a um crime comum.
Diferente do asilo, que somente se refere a uma perseguição política, o refúgio pode ter relação com os mais diferentes tipos de perseguição: de etnia, religião, nacionalidade, grupo social, convicção política, entre outros. O refúgio também pode ser solicitado quando há uma situação de guerra ou conflito interno no país de origem.
Outra grande diferença é que, enquanto a decisão de receber um asilado político é exclusivamente do Estado, consistindo em uma relação direta deste com o indivíduo, o refugiado faz parte de um grupo que sofre perseguição por um mesmo motivo, não cabendo ao Estado decidir de forma política acolher ou não esses indivíduos que chegam a seu território após fugir de uma situação de risco.
A regulamentação internacional referente ao refúgio se baseia principalmente na Convenção de Genebra de 1951, que, dentre outros benefícios, garante aos refugiados o direito de não serem expulsos ou retornados a seus países de origem enquanto permanecerem os riscos à sua vida ou liberdade.
A Lei brasileira reconhece o direito de circular livremente, pois a todos é dado o amplo direito de ir e vir. 
A Lei também garante que o estrangeiro não deve ser deportado ou repatriado se correr risco de morrer ou de sofrer ameaças à sua integridade pessoal ao retorna ao país de origem.
A nova Lei de Migração prevê uma anistia para migrantes sem documentos que entraram no país até 6 de julho de 2016, conforme consta no artigo 118. Seu objetivo é bem claro: ajudar a regularizar os migrantes que já contribuem com o Brasil e possuem uma vida estabelecida por aqui, mas ainda se encontram em situação indocumentada – causada, em grande parte, pelos empecilhos presentes no Estatutodo Estrangeiro.
O Brasil tem uma bela tradição de recepcionar imigrantes, que aqui chegaram e muito contribuíram para o progresso do Brasil. Disse bem o Jornal do Brasil, em editorial, no dia 25 de agosto de 2018:
“No caso dos venezuelanos há alguma complexidade, para a qual devem estar atentas as entidades que pedem socorro, porque eles não se transferiram. Milhares apenas esperam melhores horizontes, para logo empreender a viagem de volta. Vieram porque o Brasil fica do outro lado; fácil a chegada, fácil o retorno. Não havendo mínimo sinal de perenidade, torna-se difícil a fixação de residências e postos de trabalho. Não há como orientá-los para a profissionalização.
Sem considerar um detalhe complicador: engrossam o contingente de 13 milhões de desempregados. Ocupar a mão de obra estrangeira, qualificada ou não, mas de presença incerta e passageira, torna o quadro mais complexo, afora um dado que constrange e não deixa de aborrecer: quanto mais fugitivos recebermos, melhor para a ditadura de Maduro, que se safa de protestos e cobranças. O esquisito bolivariano fica nos devendo a gentileza.”
O problema, certamente, está longe de figurar entre os de fácil solução.
FONTE: https://jus.com.br/artigos/68583/a-venezuela-e-a-imigracao-para-o-brasil
Como o Brasil lida com a imigração venezuelana João Paulo Charleaux 14 Fev 2018 (atualizado 02/Jul 19h46)
 Após visita de Temer a Boa Vista, especialistas criticam falta de dados confiáveis e demora na análise de pedidos de refúgio
O presidente Michel Temer anunciou na segunda-feira (12), em Boa Vista, que liberará recursos adicionais a Roraima, além de criar um “comitê nacional” para lidar com os 40 mil venezuelanos que, de acordo com a prefeitura, vivem hoje em abrigos da cidade. Na quarta-feira (14), o governo anunciou que decretará emergência social no estado, medida que reduz burocracias para o repasse dos recursos. O fluxo de venezuelanos para fora do país caribenho já foi classificado como “êxodo”, “diáspora” e “crise migratória”, e tem como origem a turbulência política, social e econômica. Não há, entretanto, dados confiáveis sobre o número de imigrantes venezuelanos no Brasil, uma vez que muitos entram e saem do país apenas para comprar mantimentos, enquanto outros entram e permanecem sem registro formal. 1 milhão É o número de venezuelanos que deixaram o país caribenho entre 2014 e 2017, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados Para um número cada vez maior de países, organismos internacionais e organizações não governamentais, o presidente Nicolás Maduro transformou a Venezuela numa ditadura na qual adversários políticos são perseguidos, presos, torturados e mortos e as eleições são fraudadas. Ao mesmo tempo, o país vive uma recessão marcada pela escassez de produtos básicos e pela explosão no número de casos de desnutrição. Maduro, por sua vez, se diz vítima da pressão de uma oposição incapaz de conquistar o poder pelas vias eleitorais, que atua respaldada sobretudo pelos EUA, cujo secretário de Estado, Rex Tillerson, já sugeriu em público que o governo da Venezuela fosse deposto por força militar. O presidente venezuelano também refuta as acusações de fraude eleitoral e diz que o país está aberto a observadores internacionais. Com o fracasso das negociações entre governo e oposição que vinham ocorrendo na República Dominicana, no dia 7 de fevereiro, e com a proximidade de uma nova eleição presidencial, anunciada por Maduro para o dia 22 de abril, crescem os preparativos para que o Brasil receba novos imigrantes venezuelanos. PORTA DE ENTRADA   O governo Temer diz que há perseguição política contra opositores de Maduro na Venezuela. Entretanto, não aplica à maioria dos venezuelanos o Estatuto do Refugiado, criado em 1951 para os casos em que exista um “fundado temor de perseguição” por razões políticas, entre outras causas. Além disso, Temer diz que dará uma “abordagem humanitária” para a questão. Entretanto, o presidente foi a Roraima acompanhado de ministros da área de segurança. Prometeu lidar com a situação enviando as Forças Armadas para a região. O Nexo conversou por telefone, nesta quarta-feira (14), com dois especialistas em migração que vêm acompanhando de perto a situação dos venezuelanos no Brasil. Eles analisaram as aparentes contradições do governo a esse respeito e a dimensão que o fenômeno tem quando comparado ao quadro migratório mais amplo do país. Os especialistas ouvidos são: Camila Asano, coordenadora do Programas da ONG Conectas Direitos Humanos, formada em Relações Internacionais pela USP, com mestrado em ciência política pela mesma universidade João Carlos Jarochinski, coordenador do curso de relações internacionais da Universidade Federal de Roraima e vice-coordenador do programa de mestrado Sociedade e Fronteiras, na mesma universidade Qual a dimensão do fluxo migratório venezuelano, hoje, no Brasil? Ele é grande? Ele sobrepassa a capacidade de absorção brasileira? Como ele se compara a fluxos anteriores? Enfim, é uma ‘crise migratória’? CAMILA ASANO As autoridades brasileiras não têm números confiáveis, o que nos impede de ter uma ideia precisa. Os dados mais confiáveis são os publicados até agora pela Polícia Federal. De acordo com eles, até o final de 2017, cerca de 30 mil venezuelanos pediram regularização no Brasil. Destes, cerca de 22 mil solicitaram refúgio e 8.000 solicitaram a residência pela Resolução 126 do CNIg [resolução do Conselho Nacional de Imigração, de março de 2017, que facilita a residência temporária de estrangeiros no Brasil]. Muitos entram por Roraima, mas buscam, em seguida, outros países. Outros, entram, fazem compras e saem, num movimento migratório pendular. Então, usar o número de entrada das pessoas pela fronteira, na cidade de Pacaraima, não significa necessariamente contar as pessoas que de fato estão no Brasil. Seja como for, se trata de um fluxo migratório considerável. É o maior fluxo no Brasil hoje, mas está longe de sobrepassar a capacidade de absorção brasileira. O país registra um número baixo de imigrantes, em comparação com o PIB, com a extensão territorial e com a população total. Todos os imigrantes, regulares e irregulares, correspondem hoje, no Brasil, a 1% da população total do país. Nos EUA, é 14%. Na Argentina, 4%. O Brasil recebe pouco e poderia receber muito mais. A questão é que a cidade de Boa Vista e o estado de Roraima não têm capacidade de receber mais, mas o Brasil, sim. Por isso, é preciso realizar um estudo sério de interiorização, para absorver imigrantes venezuelanos que chegam a Roraima, mas querem ir para outras partes do Brasil. Chamar de “crise migratória” é uma opção do Brasil, mas a verdade é que eles fogem de uma crise na própria Venezuela. É a falta de respostas adequadas aqui que dá a sensação de crise no Brasil. Mas não há uma crise humanitária aqui. JOÃO CARLOS JAROCHINSKI Eu não uso o termo “crise migratória”. Há um exagero. A demanda não se compara a outros locais nos quais esse fluxo é ainda mais efetivo. A saída dos venezuelanos é num contexto de crise, lá, mas a vinda para o Brasil é bastante residual quando comparada a outros países. Na Colômbia, os dados mostram uma variação que pode ir de 550 mil a 1 milhão de venezuelanos. Há muitos irregulares, daí a imprecisão. Na metade de 2017, já se falava em 40 mil venezuelanos em Trinidad e Tobago, por exemplo, que é muito menor que o Brasil. Eu calculo que, hoje, no Brasil, deva haver algo na ordem de 50 mil a 60 mil venezuelanos no território todo. Houve três momentos da imigração venezuelana em Roraima. O primeiro momento foi pendular. Com a crise de desabastecimento de 2015, os venezuelanos vinham, trabalhavam poucos dias, compravam coisas e retornavam para a Venezuela. No segundo momento, houve uma fixação perto da fronteira. E, finalmente, hoje, há um trânsito, há uma entrada de pessoas que deixam Roraima na direção de outros centros. O número preciso de tudo isso é, entretanto, muito difícil de determinar. Em termos nacionais, o número de entrada de venezuelanosé muito baixo. Estamos falando, na hipótese mais exagerada, em 60 mil. Acho muito estranho o dado que a prefeitura de Boa Vista tem passado, de que há 40 mil venezuelanos aqui [em Boa Vista] agora. Isso equivaleria a mais de 10% da população. Há muita gente, sim, mas os serviços estão funcionando sem registro dessa demanda. Desconfio. O Brasil tem 1% de imigrantes. A média mundial é de 3,7%. O Brasil considera que há perseguição política na Venezuela. No entanto, não concedeu refúgio a nenhum venezuelano, nos termos da lei, que fala em ‘refúgio por fundado temor de perseguição por razões políticas’, entre outras. Há, nisso, uma contradição? CAMILA ASANO Dos 30 mil pedidos de regularização apresentados até o final de 2017, 22 mil são pedidos de refúgio. Isso mostra que muitos venezuelanos estão procurando essa via para se regularizar. O que diz a lei brasileira e a convenção das Nações Unidas sobre refúgio é que cada caso precisa ser avaliado individualmente. O Brasil tem tardado em fazer essa análise. Logo, há um passivo muito grande de casos acumulados que deixam essas pessoas em situação temporária de proteção. Ser solicitante de refúgio já traz alguns direitos, como o de não ser devolvido a seu país de origem e o de receber CPF e Carteira de Trabalho, mas, ainda assim, é uma situação temporária de proteção. Como o maior número de pedidos de refúgio no Brasil vem de venezuelanos, é preciso que o Conare (Comitê Nacional para os Refugiados) faça um esforço e delibere sobre esses casos. Agora, veja: a lei brasileira de refúgio não fala apenas em “fundado temor de perseguição”, mas também em “grave e generalizada violação de direitos humanos”. Esse seria um caminho para a concessão de refúgio. Então, o Brasil precisa se posicionar com mais clareza a respeito da concessão de refúgio. O que não pode é se acomodar e deixar as pessoas que procuram refúgio como forma de proteção sem uma resposta. JOÃO CARLOS JAROCHINSKI Para conceder refúgio é preciso, antes, fazer uma análise de cada caso. Você pode ter ditadura ou outros tipos de governo que possam gerar perseguição, mas a concessão do refúgio dependerá de o solicitante comprovar o “fundado temor de perseguição”. Depende da análise de cada caso e do conjunto comprobatório que está ali naquela solicitação. O contraditório é que o Brasil tem um discurso contundente contra a Venezuela, mas não sequer reconhece os venezuelanos como refugiados pela segunda hipótese possível pela lei brasileira, que é o de “grave e generalizada violação de direitos humanos”. O que acontece na Venezuela, em relação aos atendimentos médicos, em relação à questão alimentar, é uma dado que justificaria o reconhecimento de “grave e generalizada violação de direitos humanos”. Isso o governo brasileiro tende a não conceder, por razões políticas. Apesar do tratamento crítico [do governo brasileiro em relação a Maduro], há interesses comuns. É um país fronteiriço. Além disso, teme-se que isso possa gerar aumento da demanda, já que a lei de refúgio dá mais garantias [que as demais leis brasileiras de migração. Por exemplo: a regra de não devolução do solicitante ao país de origem, conhecida como regra de non refoulement]. O presidente fala da dimensão humanitária da resposta brasileira à imigração venezuelana, mas levou para reunião em Boa Vista apenas ministros das áreas militar e de segurança pública. Não estavam presentes ministros da Saúde, do Trabalho, dos Direitos Humanos e da Educação. Há uma contradição nisso? CAMILA ASANO Há uma enorme contradição na fala do presidente Temer. Ele diz que há uma abordagem humanitária, mas a resposta tem sido desenhada mais no âmbito da segurança. Isso mostra uma visão anacrônica, de que a abordagem do tema migratório está mais no âmbito da segurança nacional do que no âmbito dos direitos humanos. Além de anacrônico, vai contra a própria Lei de Imigração que entrou em vigor no Brasil [regulamentada em novembro de 2017]. Essa nova lei trouxe uma mudança de paradigma. Antes, o Estatuto do Estrangeiro via a questão da imigração como uma questão de segurança nacional. A nova lei vê como uma questão de direitos humanos. É preocupante a fala do presidente Temer que, em alguns aspectos, fala em maior controle de fronteira e em respostas militarizadas. No entanto, é positivo quando ele traz a dimensão humanitária. A questão é converter isso em ações concretas, dando soluções jurídicas para essa população. A nova lei dá autorização de residência por razões humanitárias. Isso deveria ser aplicado aos venezuelanos que não buscarem o refúgio, pois seria condizente com a fala do presidente e com a posição do Grupo de Lima [formado pelos governo do Brasil, Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Paraguai e Peru, no dia 8 de agosto de 2017 para assumir posições coletivas na região a respeito da crise venezuelana], do qual o Brasil faz parte, e que classifica a situação venezuelana como uma crise humanitária de fato. JOÃO CARLOS JAROCHINSKI Tem uma contradição, sim. Quem está construindo essas respostas [federais] é o setor de segurança. A própria demanda apresentada pelos governos locais chama atenção para as questões de segurança e de saúde. Antes da visita do presidente, houve uma visita do Conselho Nacional de Direitos Humanos. Esse Conselho fez algumas recomendações. Parte delas foi incorporada ao discurso de Temer. Mas, efetivamente, na hora de bater o martelo, na hora de o governo federal assumir um compromisso mais efetivo, a predominância foi da área de segurança. Tanto é assim que o ministro que mais tem falado da demanda em relação à Venezuela é [o ministro da Defesa] Raul Jungmann. Fala-se muito da questão humanitária, mas as ações são muito engessadas ainda, dentro de um panorama de segurança. É contraditório. A questão humanitária está muito no discurso, um discurso que politicamente é interessante para se fazer a crítica da Venezuela, uma vez que atacar o atual governo da Venezuela é também uma forma de atacar forças políticas nacionais, aqui no Brasil. Esse fluxo é comparável ao fluxo de haitianos, de 2012? O Brasil está aplicando lições aprendidas naquela ocasião? CAMILA ASANO Ambos são fluxos intensos e por terra, em cidades que não têm expertise nem condições de receber essas populações. Um ponto parecido com o caso dos haitianos é a demora ou a omissão do governo federal em assumir sua responsabilidade na coordenação da resposta ao fluxo migratório. Muitas lições foram aprendidas naquele momento [em 2012]. A cidade de Manaus, por exemplo, possui hoje um sistema de acolhida que teve como base as lições aprendidas na época dos haitianos. Isso é positivo. Por outro lado, ainda há lições não implementadas, como a interiorização coordenada. É preciso evitar que se repita um erro ocorrido no caso dos haitianos, que foi a ação unilateral do governo do Acre, sem a devida coordenação com o governo do estado e com a prefeitura de São Paulo [que começou a receber ônibus com haitianos enviados do Acre sem aviso prévio]. Esse ponto é fundamental. E seria inaceitável que isso se repetisse. JOÃO CARLOS JAROCHINSKI A similaridade está no fato de serem fluxos migratórios nas fronteiras amazônicas, nessa espécie de porta dos fundos, com dificuldade de acesso, de atendimento, com a prevalência de uma visão de que a fronteira é negativa, que ela traz coisas negativas, traz tráfico de pessoas, de drogas, de armas. A fronteira vira a periferia do país, nos dois casos. Mas, no caso dos haitianos, eles têm a questão migratória muito mais presente dentro da sua história. O Haiti tem uma trajetória de mais de cem anos de migrações, o que, obviamente, cria redes migratórias e influencia na maneira de se comportar diante do fenômeno migratório também. Se existe uma nacionalidade que pode ser considerada hiper móvel é a haitiana. No Brasil, assim que os haitianos começaram a sentir os efeitos negativos da crise começaram a se dirigir para o Chile, por exemplo. Eles têm uma perspectiva migratória de pouca vinculação com odestino. Os venezuelanos são diferentes. Eles são de um país que, tradicionalmente, era um país de chegada de imigrantes. Nos anos 1980, mais de 7% da população venezuelana era de estrangeiros. Não tinha tradição de saída. É algo que está se constituindo agora. Então, é distinto. A forma de lidar com a migração é distinta. Outra questão: os haitianos usavam o norte como rota de entrada, de passagem. No caso dos venezuelanos, há uma grande permanência na fronteira, que é o que garante vinculação com o local de origem, que permite fazer o circuito rodoviário e permite a remessa de dinheiro em espécie [de volta para a Venezuela]. Eles também compram os produtos e mandam para lá, pois às vezes não adianta enviar dinheiro, pois os produtos, lá, simplesmente não existem. 
FONTES: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/02/14/Como-o-Brasil-lida-com-a-imigra%C3%A7%C3%A3o-venezuelana

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