Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE Volume 5 2016 São Paulo Coordenadores Cláudio Finkelstein Vladmir oliVeira da silVeira Organizadora ana Carolina souza Fernandes DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE Volume 5 Nossos Contatos São Paulo Rua José Bonifácio, n. 209, cj. 603, Centro, São Paulo – SP CEP: 01.003-001 Acesse: www. editoraclassica.com.br Redes Sociais Facebook: http://www.facebook.com/EditoraClassica Twittter: https://twitter.com/EditoraClassica Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-PUBLICAÇÃO Editora Responsável: Verônica Gottgtroy Produção Editorial: Editora Clássica Capa: Editora Clássica Equipe Editorial EDITORA CLÁSSICA Allessandra Neves Ferreira Alexandre Walmott Borges Daniel Ferreira Elizabeth Accioly Everton Gonçalves Fernando Knoerr Francisco Cardozo de Oliveira Francisval Mendes Ilton Garcia da Costa Ivan Motta Ivo Dantas Jonathan Barros Vita José Edmilson Lima Juliana Cristina Busnardo de Araujo Lafayete Pozzoli Leonardo Rabelo Lívia Gaigher Bósio Campello Lucimeiry Galvão Luiz Eduardo Gunther Luisa Moura Maria Lucia de Barros Rodrigues Mara Darcanchy Massako Shirai Mateus Eduardo Nunes Bertoncini Nilson Araújo de Souza Norma Padilha Paulo Ricardo Opuszka Roberto Genofre Salim Reis Valesca Raizer Borges Moschen Vanessa Caporlingua Viviane Coelho de Séllos-Knoerr Vladmir Silveira Wagner Ginotti Wagner Menezes Willians Franklin Lira dos Santos Conselho Editorial Direito Internacional em Análise / Ana Carolina Souza Fer- nandes (org.); Coordenadores Cláudio Finkelstein, Vladmir Oliveira da Silveira – São Paulo: Clássica, 2016. 23 cm. (Coleção estudos internacionais). Inclui bibliografia e índice ISBN 978-85-99651-53-7 1. Imigração e Refugiados; 2. Comércio Internacional; 3. Direito Internacional Público. I. Fernandes, Ana Carolina Souza. II. Finkelstein, Cláudio. III. Silveira, Vladmir Oliveira da. IV. Série. 12-7922. CDU: 341:347.9 5 Prefácio A cada volume lançado temos a certeza de que apresentamos ao mundo jurídico uma nova safra de acadêmicos que buscam contribuir com o aprimoramento e o desenvolvimento dos estudos do Direito Internacional. Por essa razão que este volume, em especial, contou com a contribuição de alguns alunos selecionados da Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, inscritos na matéria de Iniciação Científica, além dos alunos pertentes ao Programa de Pós- Graduação (Mestrado e Doutorado) também da PUC/SP. Não se pode almejar o desenvolvimento e o progresso de uma disciplina se não houver estudos realizados de maneira séria e científica, com vistas a indagar, perquirir e/ou dar novos contornos ao ordenamento jurídico vigente. A forma como o mundo se estabelece neste século tem relação direta com o processo de globalização, caracterizado por sua dinamicidade, e o Direito tem o dever de acompanhar essa evolução, sob pena de se tornar obsoleto e distante da realidade a que se pretende regular. Os temas abordados neste volume, portanto, buscam refletir esse entendimento. Atualmente, por exemplo, a União Europeia vem sofrendo uma grave crise migratória e esta temática, por consequência, não poderia deixar de ser abordada. Por outro lado, o estudo do comércio internacional é imprescindível para que a legislação seja constantemente atualizada e/ou reformada para garantir a segurança jurídica dos negócios jurídicos firmados no âmbito internacional. Por fim, a última parte da obra busca fazer uma análise aprofundada de aspectos específicos do direito internacional, como, por exemplo, a questão das imunidades das organizações internacionais, a mudança de paradigma do conceito clássico da soberania, do tribunal penal internacional, o direito internacional do trabalho e o direito internacional do meio ambiente. DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 6 Vislumbra-se, novamente, nesta obra o comprometimento dos alunos, seja da graduação, seja da pós-graduação, em enfrentar questões outrora consideradas clássicas da disciplina de Direito Internacional, sob um enfoque contemporâneo. Nossos sinceros agradecimentos aos autores desta obra: Isadora Barretto de Almeida, Josycler Aparecida Arana Santos, Karem Luisa Cárdenas Ynfanzón, Fernanda Brusa Molino, Thaísa Daniel Pereira, Taísa Silva Reque, Laura Martins Moura de Oliveira, Caroline Valois Santos, Fernando Nelson Fontoura, Andrezza Coelho Maestri, Fernanda Silva Bombonati, Fernanda de Miranda S. C. Abreu e Thiago Jello Prego. São Paulo, agosto de 2016. Cláudio Finkelstein Advogado Professor de Direito Internacional da PUC/SP, Coordenador do Núcleo de Direito Internacional do Programa de Pós-Graduação da PUC/SP Vladmir oliVeira da silVeira Advogado Professor de Direito Internacional da PUC/SP Professor e Coordenador do Programa de Mestrado em Direito da Uninove/SP 7 O sucesso do lançamento dos volumes anteriores nos impulsionou a seguir adiante nessa satisfatória empreitada de incentivo à produção científica. Com muito orgulho fui novamente incumbida de fazer a apresentação deste quinto volume da coletânea de Direito Internacional em Análise, inobstante ser também a organizadora. Diferentemente dos demais volumes, este volume congratula não somente alunos do Programa de Mestrado e Doutorado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, como também alunos da Graduação em Direito da mesma Instituição. Agradeço o convite feito pelos Professores coordenadores desta obra, Cláudio Finkelstein e Vladmir Oliveira da Silveira, que atuam com uma seriedade ímpar em seus ofícios acadêmicos. Os artigos desta obra foram criteriosamente selecionados para contemplar alunos que buscam contribuir efetivamente para o aprimoramento do Direito Internacional, a partir de trabalhos apresentados em sala de aula, eventos, conferências, entre outros, realizados na PUC/SP. Assim, esta obra conta com três partes distintas, a saber: (i) Direito Internacional, Imigração e Refugiados; (ii) Comércio Internacional e Diálogo entre Tutelas; e (iii) Direito Internacional Público e que, de modo sucinto, apresentaremos aqui os temas que nesta obra serão tratados. A primeira parte da obra, voltada ao estudo do “Direito Internacional, Imigração e Refugiados”, tem início com o artigo escrito por Isadora Barretto de Almeida intitulado de “A Imigração Ilegal e os Direitos dos Estrangeiros: O Brasil como Destino Imigrante da América Latina no Século XXI”, aborda a questão do crescimento vertiginoso da imigração ilegal no Brasil, a partir de uma perspectiva voltada para os latino-americanos, que hoje são a grande maioria dos estrangeiros que buscam, ilegalmente, viver neste País. Assim, Apresentação DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 8 são o foco principal do artigo é a problemática jurídica que está por trás dos motivos que levaram o Brasil a atrair tantos imigrantes e a situação socialmente fática e jurídica destes estrangeiros. Josycler Aparecida Arana Santos e Karem Luisa Cárdenas Ynfanzón, por sua vez, no artigo “Quadro Legal para Proteger a Migração do Haiti no Peru e no Brasil: Expectativas e Desvios de Realidade”, realizam um estudo sobre a lei aplicável à migração haitiana no Peru e no Brasil que, após o terremoto de 2010 que devastou o país caribenho, levou seus cidadãos a procurar proteção humanitária nos países segundo as regulamentações nacionais de cada Estado. O artigo procurou destacar as dificuldades de cada país para lidar com este problema, em conformidade com as normas internacionais, e os desenvolvimentos no âmbito doméstico que têm sido realizados para aliviar a situação de emergência humanitária. Na sequência, o artigo “A União Europeia e a Questão dos Refugiados”, escrito por Fernanda Brusa Molino, faz um estudo sobre a União Europeia e o instituto do refúgio, na qual se faz uma análise específica acerca da atualcrise que se apresenta na união econômica e política. A autora igualmente analisou os aspectos da criação da União Europeia e seu atual estágio correlacionando com a problemática dos fluxos migratórios originados por conta das questões de conflito armado e atos terroristas presentes no território europeu. Por fim, a autora exporá os casos de controle de fluxo de refugiados e o questionamento sobre o tal posicionamento sob o aspecto legal considerando a soberania dos países envolvidos. A segunda parte da obra, que aborda questões sobre o Comércio Internacional e Diálogo entre Tutelas, Thaísa Daniel Pereira, no artigo “O Acordo TRIPS e o Direito Internacional Público: Uma Análise do TRIPS em face dos Principais Acordos Internacionais”, faz uma análise do TRIPS, ou seja, acordo internacional sobre aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio em face do comércio internacional, e ainda, pretendeu traçar os aspectos de influência entre tal acordo perante os principais acordos internacionais, na tentativa de identificar os resultados desde acordo na esfera mundial. A “Homologação de Sentença Estrangeira e Carta Rogatória: Uma Análise sobre a Jurisprudência do STJ – Atualizado de acordo com o CPC/2015”, escrito por Taísa Silva Reque, examina a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur em cartas rogatórias, traçando um paralelo com a antiga jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e ressaltando as alterações ocorridas após a vigência do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015). Laura Martins Moura de Oliveira propôs, em seu artigo “A Disputa de Patentes a partir do Caso IGB Eletrônica x Apple”, explorar a disputa 9 DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 de patentes entre a IGB Eletrônica e a Apple, que repousou no conceito de marca e patente e na atuação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI acerca do período de caducidade e efetiva detenção da marca. Verificou-se que propriedade deve ser exercida de acordo com os requisitos para a sua fruição, considerando que a inércia não assegura registro à marca por tempo ilimitado. Por sua vez, Caroline Valois Santos escreve sobre “A Ponderação de Direitos no Caso dos Pneus e seu Contencioso no Direito Internacional”, na qual abordou o caso dos pneus recauchutados, reutilizados e remodelados e suas consequências para o direito internacional. A autoria também fez uma análise acerca da ponderação entre o direito ao livre comércio e o direito ao meio ambiente, constante nas decisões tomadas por organizações internacionais relativas a este conflito. Fernando Nelson Fontoura, em seu artigo “OMC e a Regulamentação de Financiamento à Exportação (PROEX)”, aprofunda os estudos em relação ao Programa de Financiamento à Exportação (“PROEX”), buscando averiguar se referido Programa possui ou não o caráter de subsídio e, desta forma, beneficiar a indústria brasileira, causando um desequilíbrio no mercado mundial, por gerar uma concorrência desleal. O autor esclarece que a questão surgiu quando a empresa Bombardier questionou os órgãos de comércio internacional se o Brasil não estaria beneficiando sua indústria nacional com subsídios. A terceira parte trata de temas de “Direito Internacional Público”. Abre essa parte a autora Andrezza Coelho Maestri, em seu artigo “Teoria da Soberania Clássica a Caminho do Estado Constitucional Cooperativo e as Mudanças no Plano Internacional”, analisou as profundas transformações que passou a teoria clássica da soberania chegando a atual teoria do Estado Constitucional Cooperativo. O artigo objetivou delinear o novo conceito de soberania, sob a estrutura do futuro desenvolvimento fático do constitucional cooperativismo no plano internacional, contando com o método dedutivo de pensamento e a ciência política contemporânea para desenvolver seus argumentos. Fernanda Silva Bombonati, em seu artigo “Tribunal Penal Internacional: Características, Funcionalidades e Jurisdição”, realiza um estudo do Tribunal Penal Internacional (“TPI”), com o objetivo de responder quais são as características do TPI, o que garante seu funcionamento e a sua efetividade. E visto isso a autora pretendeu entender até onde se estende a competência e jurisdição do mesmo e até que ponto sua atuação é possível, quais crimes de sua competência e quais os crimes que não entram em sua jurisdição. O artigo “Direito Internacional do Trabalho como Expressão do Jus Cogens Internacional”, escrito por Fernanda de Miranda S. C. Abreu, trata da análise da natureza jurídica e do conceito do chamado jus cogens internacional e de sua cristalização pela Convenção de Viena de 1969. A autora procurou DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 10 estudar o papel da Organização Internacional do Trabalho (“OIT”) no processo de reconhecimento do direito dos trabalhadores como normas imperativas na esfera jurídica internacional. Com o advento da Declaração da OIT Sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho tal natureza passou a ser reconhecida expressamente. Por fim, a autora perscruta os efeitos de tal Declaração na ordem brasileira, em especial com a aplicação da Convenção nº 87 da OIT. Por fim, Thiago Jello Prego finaliza essa obra com o artigo “Direito Internacional do Meio Ambiente: A Origem da Responsabilidade dos Estados por Danos ao Meio Ambiente no Caso Fundição em Trail”, estuda a responsabilidade internacional dos Estados por danos causados ao meio ambiente, considerando o caso da Fundição em Trail como leading case, conforme a doutrina e jurisprudência internacionais. O autor buscou analisar o caso pelas razões que fundamentaram a responsabilização, transformando-o em paradigma. Ao final, analisou o autor os objetivos do direito internacional do meio ambiente, a partir de seus princípios, que fomentaram a responsabilidade dos Estados soberanos na manutenção de um meio ambiente equilibrado. Boa Leitura! São Paulo, inverno de 2016. ana Carolina souza Fernandes 11 Sumário 13 27 49 63 77 103 113 125 PARTE 1 - DIREITO INTERNACIONAL, IMIGRAÇÃO E REFUGIADOS A IMIGRAÇÃO ILEGAL E OS DIREITOS DOS ESTRANGEIROS: O BRASIL COMO DESTINO IMIGRANTE DA AMÉRICA LATINA NO SÉCULO XXI Isadora Barretto de Almeida ..................................................................... QUADRO LEGAL PARA PROTEGER A MIGRAÇÃO DO HAITI NO PERU E NO BRASIL: EXPECTATIVAS E DESVIOS DE REALIDADE Josycler Aparecida Arana Santos e Karem Luisa Cárdenas Ynfanzón .......... A UNIÃO EUROPEIA E A QUESTÃO DOS REFUGIADOS Fernanda Brusa Molino ............................................................................. PARTE 2 - COMÉRCIO INTERNACIONAL E DIÁLOGO ENTRE TUTELAS O ACORDO TRIPS E O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO: UMA ANÁLISE DO TRIPS EM FACE DOS PRINCIPAIS ACORDOS INTERNACIONAIS Thaísa Daniel Pereira ................................................................................ HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA E CARTA ROGATÓRIA: UMA ANÁLISE SOBRE A JURISPRUDÊNCIA DO STJ – ATUALIZADO DE ACORDO COM O CPC/2015 Taísa Silva Reque ....................................................................................... A DISPUTA DE PATENTES A PARTIR DO CASO IGB ELETRÔNICA X APPLE Laura Martins Moura de Oliveira .............................................................. A PONDERAÇÃO DE DIREITOS NO CASO DOS PNEUS E SEU CONTENCIOSO NO DIREITO INTERNACIONAL Caroline Valois Santos ............................................................................... OMC E A REGULAMENTAÇÃO DE FINANCIAMENTO À EXPORTAÇÃO (PROEX) Fernando Nelson Fontoura ........................................................................ 12 143 159 179 207 PARTE 3 - DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO TEORIA DA SOBERANIA CLÁSSICA A CAMINHO DO ESTADO CONSTITU- CIONAL COOPERATIVO E AS MUDANÇAS NO PLANO INTERNACIONAL Andrezza Coelho Maestri ..........................................................................TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL: CARACTERÍSTICAS, FUNCIONALIDA- DES E JURISDIÇÃO Fernanda Silva Bombonati ........................................................................ DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO COMO EXPRESSÃO DO JUS CO- GENS INTERNACIONAL Fernanda de Miranda S. C. Abreu .............................................................. DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE: A ORIGEM DA RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS POR DANOS AO MEIO AMBIENTE NO CASO FUNDIÇÃO EM TRAIL Thiago Jello Prego ..................................................................................... 13 DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 A IMIGRAÇÃO ILEGAL E OS DIREITOS DOS ESTRANGEIROS: O BRASIL COMO DESTINO IMIGRANTE DA AMÉRICA LATINA NO SÉCULO XXI Isadora Barretto de Almeida1 SUMÁRIO: Considerações Iniciais. 1. Contextualização Histórica e Temática. 2. Da América Latina para o Brasil. 2.1. O Trabalho Análogo à Escravidão e os Bolivianos 2.2. A Rota do Acre e a Entrada dos Haitianos. 3. O Estatuto do Estrangeiro e os Direitos dos Imigrantes. Conclusão. Referências. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Qualquer simples análise dos periódicos evidencia o crescimento de questões diplomáticas envolvendo a imigração ilegal no Brasil. Antes, o país que emigrava milhares de brasileiros para os Estados Unidos e Europa passou, nos últimos quinze anos, a ser um polo atrativo de imigração. São muitos os casos de grupos ilegais e/ou de refugiados vindos, principalmente, da China, Oriente Médio, África e América Latina, que enxergam no Brasil mais do que uma oportunidade de trabalho: uma oportunidade de sobrevivência. No decorrer deste artigo estudar-se-á e analisar-se-á criticamente este fenômeno da imigração para o Brasil a partir de diferentes perspectivas, começando com uma breve contextualização histórica da problemática, passando pelos principais motivos que levam os imigrantes a escolherem o Brasil e, por fim, aprofundando a matéria em dois estudos de caso: a exploração dos bolivianos pela indústria têxtil e os refugiados do Haiti. Este artigo também irá estabelecer um paralelo entre o atual Estatuto dos Estrangeiros e os fatos sociais, demonstrando que o Brasil ainda tem muito para evoluir no que diz respeito aos direitos dos imigrantes. Este artigo utilizar-se-á de metodologia legislativa e doutrinária para se chegar a uma conclusão a respeito dos pontos levantados nesta breve introdução. 1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E TEMÁTICA A globalização encurta distâncias, redefine localizações e cria blocos econômicos2. É neste contexto que surge a definição do que seria a migração ilegal na contemporaneidade, extraordinariamente conceituada pelo Conselho 1 Estudante do 2º ano de Direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. 2 BAENINGUER, Rosana. O Brasil na Rota das Migrações Internacionais Recentes. Disponível em: <http:// www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/agosto2003/ju226pg2b.html>. Acesso em 10/06/2013. DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 14 Episcopal Latino-Americano (“CELAM”)3: A globalização faz emergir em nossos povos, novos rostos de excluídos: os migrantes, os deslocados e refugiados, as vítimas do tráfico de pessoas e sequestros, os desaparecidos, os meninos e meninas vítimas da prostituição, do tráfico de órgãos, pornografia, violência ou do trabalho infantil, mulheres maltratadas, vítimas da violência, da exclusão e do tráfico para a exploração sexual e laboral, os excluídos pelo analfabetismo tecnológico, as pessoas que vivem na rua das grandes cidades, e tantos outros. Inserido nesta realidade, o Brasil vivencia todo o tipo de imigração ilegal, desde a entrada de asiáticos até o crescente afluxo de latino-americanos e refugiados do Oriente Médio. Tal entrada se dá de diversas maneiras e por diferentes motivos, mas pode-se ressaltar os crescentes conflitos bélicos, os regimes ditatoriais, as catástrofes naturais e a pobreza extrema nos países de origem como o pano de fundo dos deslocamentos. Apesar de o Brasil ainda estar longe de apresentar índices satisfatórios de qualidade de vida, o país passou a ser referência em democracia e laicidade após a redemocratização de 1988, o que tem sido divulgado internacionalmente. Ainda, embora o Brasil não mais demonstre o mesmo crescimento econômico dos últimos anos, permanece como um país ofertante de inúmeras possibilidades de trabalho, o que o torna a “terra das oportunidades” diante de estrangeiros empobrecidos e refugiados. Estes aspectos, aliados ao fato de o País aparecer no cenário mundial como especialmente condescendente com seus imigrantes, tem atraído um contingente cada vez maior de imigrantes ilegais. A verdade é que o Brasil ainda está longe de se organizar neste sentido e tem demonstrado inexperiência em lidar com a situação. O que precisamos nos perguntar é se temos estrutura para receber adequadamente estes imigrantes, em que condições estão vivendo no país, quais funções desempenham e a sua situação jurídica diante da legislação interna brasileira e da sociedade internacional. No contexto da América Latina, o Brasil figurava até os anos 70 como uma área de evasão populacional para os países vizinhos, em especial para o Paraguai e Argentina4. De forma mais abrangente, até o início dos anos 3 CELAM. Conselho Episcopal Latino-Americano. Documento de Aparecida – Texto Conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino Americano e do Caribe. 5ed. Brasília: CNBB/ Paulinas/Paulus, 2008, n. 402, p. 181. 4 BAENINGUER, Rosana. O Brasil na Rota das Migrações Internacionais Recentes. Jornal da 15 DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 2000, brasileiros de todos os estados ainda buscavam melhores oportunidades na Europa e nos Estados Unidos. Alguns chegaram a fazer pequenas fortunas trabalhando como garçons ou babás, na medida em que a moeda brasileira mostrava-se severamente desvalorizada em relação a estes países. Essa realidade mudou, o Brasil cresceu economicamente, sua moeda se estabilizou, e passou a não ser mais tão vantajoso emigrar do Brasil; pelo contrário, de forma que somos hoje uma das maiores áreas de recepção migratória de latino-americanos, africanos e árabes. Afora os imigrantes da América Central, especialmente do Haiti, quem seguem para o trabalho rural e hortifrutigranjeiro por todo o país, ainda há nas grandes cidades a indústria da confecção que, em São Paulo, vem sendo administrada por coreanos, que, por sua vez, subcontratam latino-americanos (em sua maioria bolivianos, peruanos e colombianos), quase sempre em situação irregular e análoga à escravidão. Segundo dados do Censo 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (“IBGE”), o crescimento de estrangeiros que vivem em terras brasileiras subiu 86,7% em dez anos. Só em 2010, o país abrigava 286.468 imigrantes internacionais — que vieram de outros países e moravam no Brasil há pelo menos cinco anos. Em 2000, esse número era de 143.644 imigrantes. Este mesmo estudo revela que os principais destinos dos estrangeiros foram São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Goiás5. No entanto, sabemos que estes números não revelam a triste realidade brasileira. Informações do Governo Federal e de Organizações Não- Governamentais estimam que haja de 60 mil a 300 mil estrangeiros em situação irregular no Brasil atualmente, sendo a maioria de latino-americanos, chineses e africanos; são os estrangeiros ilegais e refugiados, que não entram nas estatísticas oficiais do IBGE. Homens e mulheres em plena idade laboral, que não tem acesso nem a condições mínimas de sobrevivência, quanto mais aos direitos garantidos pela Lei n. 6.815/1980, que regula a situação dos estrangeiros no Brasil e também comumente conhecida como Estatuto do Estrangeiro. Ainda, observamos que estes imigrantes tem muita dificuldade para se estabelecer, pois além de sofrer as agruras das longas e perigosas viagens, ainda são muitas vezesexplorados por aproveitadores e recebidos no Brasil com preconceito, intolerância, rejeição e xenofobia. Finalmente, este estudo identificou que hoje um dos principais problemas do Brasil com relação à imigração ilegal está na fronteira do Acre, UNICAMP. N. 226, p. 2. 5 BARROSO, Maurício. Brasil: O Destino dos Novos Imigrantes. Disponível em: <http://geografia. uol.com.br/geografia/mapas-demografia/46/artigo273480-2.asp>. Acesso em 10/06/2013. DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 16 com a entrada incontrolável de haitianos, bem como na exploração massiva de bolivianos no Sul/Sudeste. Por isso, este artigo buscará tratar o tema proposto a partir da perspectiva destes dois casos concretos. 2. DA AMÉRICA LATINA PARA O BRASIL É notável que o aumento de imigrantes, pincipalmente ilegais, foi muito superior dentre os trabalhadores de países vizinhos ao Brasil. Desde 2009, triplicou o número de peruanos no Brasil e quase dobrou a quantidade de bolivianos e paraguaios. São, em geral, imigrantes com baixa escolaridade e pouca qualificação, que se submetem a condições desumanas de trabalho em busca de uma condição de vida melhor6. Os bolivianos migram, em sua maioria, para a região sul, normalmente trabalhando em oficinas de costura e como empregados domésticos. Já os peruanos e paraguaios costumam atuar como ambulantes e operários na construção civil. Muitos desses imigrantes de origem latina tinham como destino preferencial a Espanha, mas desde que este país entrou em uma forte crise financeira junto a grande parte da Europa, a Espanha perdeu seus atrativos. Além disso, na atual condição econômica espanhola, nem os próprios espanhóis estão empregados, quanto mais os imigrantes. O principal responsável pela crise de desemprego espanhola foi o setor de construção civil: só de 2008 a 2010 quebraram mais de 200 mil empresas do ramo, que davam trabalho a 70% dos imigrantes sul-americanos, segundo dados oficiais7. Além disso, seus países natais estão constantemente na iminência de crises políticas e econômicas, destacando o Brasil, surpreendemente, como o de situação financeira mais estável da região. Segundo o Ministério da Justiça8, o número de latino-americanos no Brasil aumentou por três principais motivos: (i) o boom econômico brasileiro; (ii) o acordo de residência do Mercado Comum do Sul (“MERCOSUL”); e (iii) a anistia. Afora o primeiro, os outros estão diretamente relacionados à tendência do nosso país de facilitar a entrada de estrangeiros, mesmo que ilegalmente. O acordo do MERCOSUL ora mencionado autoriza cidadãos do MERCOSUL, da Bolívia e do Chile a entrar no Brasil somente com registro 6 MELLO, Patrícia Campos. Brasil Recebe 57% mais Mão de Obra Estrangeira. Folha de São Paulo, de 05/02/2012. 7 INFANTE, Anelise. Crise na Espanha Empurra Imigrantes Latino-Americano para o Brasil. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2011/06/110622_imigracao_espanha_ brasil_anelise_rw.shtml>. Acesso em 10/06/2013. 8 MELLO, Patrícia Campos. Brasil Recebe 57% mais Mão de Obra Estrangeira. Folha de São Paulo, de 05/02/2012. 17 DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 na Polícia Federal e a pedir residência temporária. Já a anistia permite ao estrangeiro em situação de clandestinidade requerer residência provisória com isenção das penalidades decorrentes de sua situação de estadia irregular no país. A própria Lei n.º 6.815/80, já mencionada, prevê a ocorrência de anistia, sendo que ela já foi aplicada em quatro oportunidades: em 1981, em 1988, em 1998 e em 2009. Só a anistia de 2009, deu a 45 mil imigrantes ilegais residência provisória, e 18 mil conseguiram obter residência permanente depois de dois anos. Um fator limitador no que concerne à adesão da anistia é o excesso de burocracia, além da falta de divulgação e esclarecimentos sobre o conteúdo da lei e o custo das taxas9. 2.1 O TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO E OS BOLIVIANOS Atualmente, não se fala mais em trabalho escravo, tendo em vista que ele foi oficialmente abolido com a Lei Áurea. O que consideramos hoje é o trabalho análogo ao escravo. Análogo porque se define pelas condições desumanas do local de trabalho e exploração da mão de obra, tais como alimentação, segurança, jornada excessiva de trabalho, impossibilidade de sair e ausência de descanso. Este tipo de situação nunca deixou de existir, e sempre foi muito difícil de fiscalizar, principalmente no meio rural, devido às proporções continentais do Brasil. Ainda, os principais responsáveis eram, e continuam sendo, os poderosos oligarcas ligados à bancada ruralista do Congresso Nacional, o, que dificulta sua punição. Todavia, com o crescimento vertiginoso dos imigrantes ilegais e, consequentemente, da exploração de seu trabalho, este tema ganhou um novo foco, pois muitos dos estrangeiros, por entrarem no país em situação precária, terminam em condições de trabalho sub-humanas. Para solucionar este problema, estão sendo feitas diferentes tentativas, mas ainda não houve um verdadeiro enfrentamento dessa questão; quando se trata do imigrante, as leis não são claras e explícitas, tornando as ações pontuais e ineficazes. Com certeza hoje é impossível implementar um trabalho efetivo de fiscalização para o trabalho escravo que desconsidere a questão do tráfico de pessoas. Ainda há situações atenuantes, como a exploração de imigrantes ilegais por outros imigrantes ilegais, a exemplo do caso já mencionado entre coreanos e bolivianos. Muitos são “atraídos” a condições análogas e induzidos a migrar para Brasil sob a promessa de oportunidades melhores de trabalho, mas como sabemos, a realidade se mostra muito diferente. 9 MELLO, Patrícia Campos. Brasil Recebe 57% mais Mão de Obra Estrangeira. Folha de São Paulo, de 05/02/2012. DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 18 Segundo levantamento do Centro de Apoio ao Imigrante (“CAMI”)10, pelo menos 300 mil latino-americanos vivem hoje na cidade de São Paulo, e é o centro da capital que dá a dimensão da efervescência do mercado de trabalho para estrangeiros no país. Nesse pedaço da cidade concentram-se os imigrantes de origem latina que buscam emprego. São centenas de imigrantes, sobretudo bolivianos com baixa escolaridade e pouca qualificação, que disputam vagas em oficinas de costura. Eles já entram nas oficinas sabendo que serão explorados e obrigados a cumprir jornadas de trabalho extenuantes; sabem que hoje os brasileiros, sobretudo nas grandes cidades, estão cientes dos seus direitos, e não se submetem mais a determinadas condições de trabalho. Sabem também que dos seus vencimentos, que já são absolutamente incompatíveis com o piso da categoria, serão inconstitucionalmente descontados moradia, alimentação, documentação, e outros descontos que nunca findam. Por isso, se não trabalharem uma quantidade sobre-humana de horas, o que irão receber não será suficiente nem para a sobrevivência. Assim afirma Roque Patússi11, Diretor do CAMI: Para quem migra, quanto mais ele produzir mais ele ganha, pois o salário é por quantidade de peças produzidas. Assim, mesmo que o oficineiro diga para trabalhar menos, seguir tal expediente, o funcionário dirá ‘ainda tenho disposição para produzir mais’ e coisas do gênero. No intuito de produzir o máximo possível e receber maior rendimento salarial, até porque é desta forma que o mercado têxtil funciona na Bolívia e no Brasil, em sua maior parte. Assim, o mais importante a ser feito de pronto é trazer ao trabalhador em condição análoga, o conhecimento de que, por mais que ele aceite com normalidade tais métodos exaustivos de trabalho, eles são desumanos, e infringem as leis trabalhistas brasileiras. Essa fácil aceitação da exploração por parte dos bolivianos ocorre porque boa parte dos que vem trabalhar com a costura no país, trabalha de doze a dezoito horas por dia, e dependendo do desempenho podem receber por mês de R$500,00 a R$1.500,00, o que é absurdamente superior aoque receberiam 10 ROLLI, Cláudia. Brasil Precisa Proteger Imigrantes do Trabalho Escravo, diz Relatora da ONU. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2012/11/1183463-brasil-precisa-proteger- imigrantes-do-trabalho-escravo-diz-relatora-da-onu.shtml>. Acesso em 10/06/2013. 11 TEODORO, Gilmaine; MIRANDA, Angelina. O Trabalho Análogo Atualmente. Disponível em: <http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=631>. Acesso em 09/08/2013. 19 DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 na Bolívia, no mesmo ramo. Até para aquele costureiro imigrante que recebe R$500,00 reais, o lucro já é satisfatório, pois com o real valendo três vezes mais do que o peso boliviano, dependendo do câmbio o valor pode até triplicar. É nesse sentido que afirma a advogada, pesquisadora e voluntária da Pastoral do Imigrante, Ruth Camacho12: “se você chegar para algum boliviano que trabalha na costura e perguntar se ele quer ser regularizado e trabalhar com carteira assinada, boa parte vai responder que não”. Além disso, aparenta muito mais vantajoso para eles permanecer na ilegalidade, pois se forem trabalhar com carteira assinada, fatalmente receberão salário mínimo e sofrerão descontos para fins de aposentadoria e fundo de garantia, por exemplo. A realidade é que, enquanto produzem e trabalham, o Estado vê, finge que não sabe e não toma nenhuma providência. Mas a partir do momento que eles se dão conta de suas condições e começam reivindicar seus direitos, são facilmente deportados ao seu país de origem. Assim, é preciso entender que a situação do trabalho escravo de imigrantes não diz respeito somente ao indivíduo que sai de sua terra para procurar melhores condições de vida, mas deve ser encarada como um problema de toda a sociedade brasileira. A responsabilidade pela degradação e pelo cerceamento da liberdade também é nossa, que admitimos bem diante de nós o desrespeito aos direitos humanos. Apesar de ser mais evidente a exploração dos bolivianos por meio da indústria têxtil, é cada vez maior o número de bolivianas que vem para o Brasil já com a expectativa de trabalhar como empregadas domésticas ou babás, em ambientes residenciais. Isso ocorre porque diversos fatores levaram à falta de mão-de-obra brasileira para os serviços domésticos, principalmente no que concerne à aquisição de direitos por parte da classe. As latinas também buscam vagas de cozinheira ou arrumadeira, e seu principal diferencial é aceitar dormir no trabalho, pois sabem que são poucas as brasileiras que atualmente aceitam passar as noites no trabalho. Elas costumam migrar com toda a família, principalmente porque acreditam que o Brasil hoje é um lugar muito melhor para criarem seus filhos do que seus países de origem. 2.2 A ROTA DO ACRE E A ENTRADA DOS HAITIANOS A rota imigratória de haitianos no Acre começou em 2010, quando um terremoto devastou o Haiti, deixando 200 mil mortos e milhões de desabrigados. Como o Brasil comanda uma Missão de Paz da ONU desde 2004 no Haiti, o Brasil 12 TEODORO, Gilmaine; MIRANDA, Angelina. O Trabalho Análogo Atualmente. Disponível em: <http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=631>. Acesso em 09/08/2013. DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 20 se entende com uma responsabilidade diplomática diante deste povo e muitos haitianos enxergaram na migração para cá uma possibilidade de reconstruir a vida. O problema é que nem o Brasil e muito menos o estado do Acre, estão preparados para este intenso fluxo de imigrantes ilegais, o que tem motivado uma discussão séria sobre a política de imigração brasileira, conhecida pela generosidade e solidariedade no acolhimento de estrangeiros que chegam ao país. A questão é que muitos Estados, principalmente da região Norte, não possuem estrutura de apoio para receber esses imigrantes ilegais, o que tem gerado uma verdadeira crise social. O crescimento da economia e eventos mundiais como as Olimpíadas e a Copa do Mundo vem atraindo imigrantes de outros países pobres da América Latina, em uma tendência reforçada pelos haitianos, e por isso, pela primeira vez no Brasil, iniciou-se uma discussão sobre a restrição da entrada de estrangeiros. A situação mais grave acontece no Acre, na qual uma reportagem de 201313 estima que cerca de 1,3 mil refugiados vivam em condições precárias, em abrigos improvisados, sem assistência médica ou alimentação adequada, aguardando medidas do próprio Estado brasileiro que os encaminhe para empregos e para a situação de legalidade. Aqui, eles recebem um “visto humanitário”, que permite que consigam uma carteira de trabalho especial para serem contratados por empresas de todo o País. O problema é que o governo federal brasileiro não possui celeridade suficiente para atender o enorme contingente de haitianos que tem cruzado a fronteira com o Peru. Assim, eles estão se instalando precariamente em alojamentos improvisados e sobrecarregando todas as estruturas das pequeníssimas cidades acreanas, como rede de saúde e transporte público. Outro problema trazido pela rota haitiana são as redes clandestinas de imigração, nas quais intermediários conhecidos como “coiotes” atuam em países vizinhos, como Equador, Peru e Bolívia, trazendo estrangeiros para o Brasil. Fato é que esta “crise” envolvendo os haitianos no Acre nos mostra apenas que já passou da hora de se discutir efetivamente as políticas de imigração, a fim de impedir que a imigração chegue ao ponto de provocar impactos econômicos negativos sobre toda a sociedade. 3. O ESTATUTO DO ESTRANGEIRO E OS DIREITOS DOS IMIGRANTES Ainda hoje, o principal instrumento jurídico responsável por orientar a presença de imigrantes no país é a Lei n.º 6.815/1980, originária do período 13 SALATIEL, José Renato. Imigração no Brasil: Ilegais provocam crise humanitária no Acre. Disponível em: <http://vestibular.uol.com.br/revisao-de-disciplinas/atualidades/imigracao-no- brasil-ilegais-provocam-crise-humanitaria-no-acre.htm>. Acesso em 10/06/2013. 21 DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 da ditadura militar, também conhecida como “Estatuto do Estrangeiro”. Essa lei é considerada contraditória, e até inconstitucional, em vários de seus princípios, por estar em dissonância com a Constituição Federal de 1988. Apesar do crescente papel do Brasil no cenário internacional e da maior procura do país por estrangeiros, a legislação vigente sobre o tema é bastante defasada. O que está em vigor atualmente é um Estatuto inspirado no paradigma da segurança nacional, que impõe uma série de controles burocráticos e restrições às possibilidades de residência no Brasil. Ao passo que a nossa Constituição Federal, em seu artigo 5º, preconiza expressamente que no Brasil, nacionais e estrangeiros, são titulares dos mesmos direitos, bem como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo XIII, expressa que a todos é garantido o direito de migrar, o Estatuto do Estrangeiro visa, na verdade, repelir aqueles que buscam no Brasil uma vida melhor. Isso porque, por exemplo, o Estatuto afirma que o imigrante pode permanecer temporariamente no Brasil, dentre outras condições, como: estudante, turista, cientista com visto de trabalho formal e se for um investidor de capital no país com um valor acima de U$$ 50.000,00. Para manter-se permanentemente no país, o imigrante pode se casar com um brasileiro, ou ter um filho. As principais críticas à Lei n.º 6.815/80 concentram-se nas restrições infundadas que ela estabelece relativas à: permissão para o trabalho, reconhe- cimento de diplomas estrangeiros, salários e outras condições de emprego, acesso aos serviços de saúde, educação e moradia, traba lhadores e migrantes mais vulneráveis, como mulheres e crianças. Essa discussão remete à outra discussão maior sobre os direitos e garantias fundamentais. A verdade é em um país como o Brasil, a legislação contraditória permite que aos estrangeiros sejam assegurados tais direitos apenas quando e comoconvier. O imigrante ilegal que precisar do Sistema Único de Saúde (“SUS”), por exemplo, estará totalmente acuado, podendo, inclusive, sofrer risco de morte ou deportação. Camila Baraldi14, que estuda as políticas migratórias de países da América do Sul, destaca que o país precisa adotar uma política coerente com o que defende no exterior: Hoje diversos problemas já vêm sendo expostos por organizações que trabalham com os imigrantes e os discursos internacionais do Brasil sobre as políticas de imigração do Norte vêm sendo reivindicados como parâmetros de ação para as suas próprias políticas. 14 DELFIN, Rodrigo Borges. O Retrógrado Estatuto do Estrangeiro. Disponível em: <http:// migramundo.wordpress.com/2012/10/04/>. Acesso em 11/06/2013. DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 22 Elas precisam estar de acordo com as garantias de direitos humanos a que o Brasil está comprometido constitucional e internacionalmente. Outro instrumento normativo que poderia ser usado para a garantia dos direitos dos imigrantes é a Convenção sobre a Proteção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes e Membros de Sua Família, aprovada em 18 de dezembro de 1990. Depois de uma década de debates na Organização das Nações Unidas (“ONU”), a Convenção entrou em vigor em 2003. Esta Convenção estabelece normas de tratamento igualitário entre trabalhadores nacionais e estrangeiros e atribui direitos humanos fundamentais a todos os trabalhadores migrantes, legais ou ilegais15. O único problema é que o Brasil ainda não ratificou, muito embora sofra desde 1996, quando havia incluído em seu Plano Nacional de Direitos Humanos o compromisso com a ratificação, mobilizações para que o tratado internacional fosse ratificado. Além de ser o único país do MERCOSUL a não integrar o instrumento, das grandes convenções das Nações Unidas esta é a única não assinada pelo País. Sobre esta situação, afirma Irmã Rosita16, Presidente do Instituto de Migrações e Direitos Humanos: Os direitos das pessoas não derivam do fato de elas pertenceram a um Estado ou outro, mas de sua dignidade como humanos. Então não podem ser alterados, independentemente de onde estejam. Ou seja, a condição migratória não pode privar as pessoas do gozo de seus direitos fundamentais. Há um conjunto de direitos que não podem ser violados pelos Estados, governos, países ou sociedades. São inerentes às pessoas e não dependem de onde elas estão. A relatora da ONU para Formas de Escravidão Contemporânea, a advogada armênia Gulnara Shahinian17, defendeu em sua passagem pelo País, que o governo 15 BARBOSA, Beatriz. Brasil é único do Mercosul a não assinar convenção da ONU. Disponível em: <http://www.direitos.org.br/>. Acesso em 10/06/2013. 16 BARBOSA, Beatriz. Brasil é único do Mercosul a não assinar convenção da ONU. Disponível em: <http://www.direitos.org.br/>. Acesso em 10/06/2013. 17 ROLLI, Cláudia. Brasil Precisa Proteger Imigrantes do Trabalho Escravo, diz Relatora da ONU. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2012/11/1183463-brasil-precisa-proteger- imigrantes-do-trabalho-escravo-diz-relatora-da-onu.shtml>. Acesso em 10/06/2013. 23 DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 brasileiro ratifique a Convenção sobre a Proteção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes e Membros de Sua Família. De acordo com outros também defensores dos Direitos Humanos18, o que falta no Brasil hoje é uma agência específica para tratar a respeito da imigração, uma agência de imigração que seja desvinculada da Polícia Federal e que não tenda a criminalizar os estrangeiros. Enquanto não assina a Convenção da ONU, é de máxima importância que o Brasil passe a adotar políticas favoráveis a migrantes. Há a proposta de uma nova Lei de Migrações no País, em substituição à Lei n. 6.815/80, que já tramita no Congresso Nacional, mas, de acordo com especialistas19, a proposta consegue ser tão retrógrada quanto à lei vigente, estabelecendo, por exemplo, um conceito de “imigração seletiva”, em que certos direitos só devem ser garantidos a “imigrantes qualificados”. Nesse sentido, Irmã Rosita20 também se manifesta acerca da criação de uma nova legislação de maneira emblemática: Cresce no mundo a multidão dos que são impelidos ou obrigados a deixar sua região de origem para poder sobreviver. No entanto, o imigrante é chamado ou rejeitado em um país segundo as necessidades dos governos. São tratados como mercadoria. Enquanto crescem os tratados de livre comércio, de importação e exportação, é muito rara a discussão de tratados entre países cujo foco central seja a pessoa humana. Por isso o crescimento da liberdade de movimentação dos bens de capitais sem a devida prioridade dos seres humanos é algo que precisa mudar. Há iniciativas em países que tornam a migração um crime. Dão um tratamento policial a um fato social. Temos que afastar essa visão. Depreende-se, portanto, que é preciso pensar em uma legislação que efetivamente favoreça e garanta os direitos do migrante no contexto da integração latino-americana, bem como que coadune com os objetivos intrínsecos da Constituição Federal. 18 ROLLI, Cláudia. Brasil Precisa Proteger Imigrantes do Trabalho Escravo, diz Relatora da ONU. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2012/11/1183463-brasil-precisa-proteger- imigrantes-do-trabalho-escravo-diz-relatora-da-onu.shtml>. Acesso em 10/06/2013. 19 DELFIN, Rodrigo Borges. O Retrógrado Estatuto do Estrangeiro. Disponível em: <http:// migramundo.wordpress.com/2012/10/04/>. Acesso em 11/06/2013. 20 BARBOSA, Beatriz. Brasil é único do Mercosul a não assinar convenção da ONU. Disponível em: <http://www.direitos.org.br/>. Acesso em 10/06/2013. DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 24 CONCLUSÃO A partir de toda a pesquisa científica realizada acerca da temática principal, concluiu-se que a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, sobretudo do estrangeiro ilegal, ainda é incerta e pautada em uma legislação antiga e que não corresponde mais com necessidades de um mundo cada vez mais globalizado. Esta globalização é representada, principalmente, pela conexão em que se encontram os Estados, os diversos acordos e tratados internacionais e a ascensão do comprometimento dos governos para com sociedade mundial como um todo, e não apenas para com seus cidadãos. Os conceitos de soberania e cidadania ora estudados nos primeiros anos do curso de Direito, estão em constante modificação e o Direito Internacional tem se mostrado cada vez mais presente e imprescindível. Ainda, a presente pesquisa manteve o foco em dois casos específicos de imigração ilegal que, atualmente, tomam cada vez mais espaço da mídia e demandam um posicionamento efetivo por parte do governo. Tanto a exploração dos bolivianos, como a rota de entrada dos haitianos tem trazido diferentes preocupações. Embora o primeiro caso esteja atrelado a outros problemas, como o trabalho escravo e o tráfico internacional de pessoas, a questão dos haitianos é tão séria quanto, tendo em vista que o Brasil se vê diante de um dilema diplomático. Além disso, é evidente que o Brasil não está preparado para receber o enorme contingente de imigrantes que vem recebendo na última década, de forma que uma série de crises já foram estabelecidas e ainda estão por se estabelecer. A crise principal, com certeza, está no fato de que o Estado ainda não decidiu que políticas e medidas implementar em relação aos ilegais: deve- se ser condescendente e arriscar as estruturas econômicas e políticas do Estado, ou deve-se seguir a linha dos países ditos de Primeiro Mundo e defender uma “imigração seletiva”, desconsiderando por completo os fundamentos dos Direitos Internacionais? Os legisladores não se manifestaram sobre isso contundentemente. No entanto, é certo que a rota migratória mundial está cada vez mais dirigida para o Brasil, de forma que este não pode continuar recebendo tantos estrangeiros sem o mínimo de organização política.25 DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 REFERÊNCIAS BAENINGUER, Rosana. O Brasil na Rota das Migrações Internacionais Recentes.Disponível em: <http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/ agosto2003/ju226pg2b.html>. Acesso em 10/06/2013. BARBOSA, Beatriz. Brasil é único do Mercosul a não assinar convenção da ONU. Disponível em: <http://www.direitos.org.br/>. Acesso em 10/06/2013. BARBOSA, Ricardo Pimentel. Nigerianos clandestinos presos ao desembarcar. Pedido de refúgio. Habeas corpus. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1321, 12 fev. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/16746>. Acesso em 10/06/2013. BARROSO, Maurício. Brasil: O destino dos novos imigrantes.Disponível em: <http://geografia.uol.com.br/geografia/mapas-demografia/46/artigo273480-2. asp>. Acesso em 10/06/2013. BORGES DELFIN, Rodrigo. O Retrógrado Estatuto do Estrangeiro. Disponível em <http://migramundo.wordpress.com/2012/10/04/>. Acesso em 11/06/2013. Cresce Mão de Obra estrangeira no Brasil. Disponível em: <http://www. vistobrasil.com.br/blog/pt_br/2012/04/>. Acesso em 10/06/2013. DELFIN, Rodrigo Borges. O Retrógrado Estatuto do Estrangeiro. Disponível em: <http://migramundo.wordpress.com/2012/10/04/>. Acesso em 11/06/2013. Estatísticas Migratórias. Disponível em: <http://www.csem.org.br/artigos>. Acesso em 11/06/2013. Fronteiras abertas e Crescimento Econômico atraem milhares de imigrantes ilegais. Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=3D2F0A3Mrmk>. Visto em 10/06/2013. INFANTE, Anelise. Crise na Espanha Empurra Imigrantes Latino-Americano para o Brasil. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2011/06/110622_ imigracao_espanha_brasil_anelise_rw.shtml>. Acesso em 10/06/2013. MACEDO, Danilo. CHAGAS, Marcos. Brasil quer Acordo para Controlar Imigração Ilegal. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/ brasil-quer-acordo-para-controlar-imigracao-ilegal>. Acesso em 10/06/2013. DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 26 MELLO, Patrícia Campos. Brasil Recebe 57% mais Mão de Obra Estrangeira. Folha de São Paulo, de 05/02/2012. MILESI, Rosita; DE ANDRADE, William Cesar. Migrações Internacionais no Brasil: Realidades e Desafios Contemporâneos. Disponível em: <http:// www.gritodelosexcluidos.org/media/uploads/migracionesintbr.pdf>. Acesso em 10/06/2013. ROLLI, Cláudia. Brasil Precisa Proteger Imigrantes do Trabalho Escravo, diz Relatora da ONU. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ mercado/2012/11/1183463-brasil-precisa-proteger-imigrantes-do-trabalho- escravo-diz-relatora-da-onu.shtml>. Acesso em 10/06/2013. SALATIEL, José Renato. Imigração no Brasil: Ilegais provocam crise humanitária no Acre. Disponível em: <http://vestibular.uol.com.br/revisao- de-disciplinas/atualidades/imigracao-no-brasil-ilegais-provocam-crise- humanitaria-no-acre.htm>. Acesso em 10/06/2013. TEODORO, Gilmaine. MIRANDA, Angelina. O Trabalho Análogo Atualmente. Disponível em: <http://www.boliviacultural.com.br/ver_noticias.php?id=631>. Acesso em 10/06/2013. YSHIKIRIYAMA, Anne; TREJO VARGAS, Daniela. A Condição Jurídica do Estrangeiro Residente no Brasil. Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 2005. 27 DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 QUADRO LEGAL PARA PROTEGER A MIGRAÇÃO DO HAITI NO PERU E NO BRASIL: EXPECTATIVAS E DESVIOS DE REALIDADE Josycler Aparecida Arana Santos21 Karem Luisa Cardenas Ynfanzón22 SUMÁRIO: Considerações iniciais. 1. Marcos jurídicos universais. 2. Marco Jurídico Interamericano. 3. Situação peruana. 4. Situação brasileira. Conclusões. Referências. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Após o terremoto ocorrido no Haiti, em 12 de janeiro de 2010, o país foi devastado. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (“ONU”), “em apenas 35 segundos, uma Nação inteira veio abaixo. Mais de 300 mil prédios ruíram, incluíndo quase todas as instituições de governo e a sede das Nações Unidas. O terremoto de magnitude 7,2, que deixou mais de 200 mil mortos, foi o pior já registrado nas Américas”23. Em 2015, segundo revelou a Anistia Internacional, a falta de progresso na reconstrução do país é clara, porque “de acordo com os dados mais recentes (Setembro de 2014), no Haiti permanecem abertas 123 acampamentos para pessoas deslocadas internamente, que abriga 85.432 pessoas”24. Nestes campos, ainda de acordo com a Anistia Internacional, as condições são terríveis e, como prova disso, menciona que “[um] terço das pessoas que vivem neles não têm acesso a uma latrina. Cada banheiro é partilhado por uma média de 82 pessoas”25. Como resultado, e adicionados à situação precária anterior no Haiti de anos anteriores, ocorreu nesse país uma grave crise humanitária, sendo esta entendida como “uma situação em que existe uma ameaça excepcional e generalizada para a vida humana, saúde ou de subsistência”26 Isto levou 21 Advogada. Mestre em Direito pela Universidade Estadual de Londrina. Doutoranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora da Universidade Federal Fluminense. 22 Advogada pela Pontificia Universidade Católica do Peru. Advogada do Ministério das Relações Exteriores do Peru. 23 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/ exclusivo-cinco-anos-depois-do-terremoto-que-destruiu-o-haiti-onu-continua-apoiando- reconstrucao-do-pais/>. Acesso em 07/06/2016. 24 ANISTIA INTERNACIONAL. 15 minutes to leave – Denial of the right to adequate housing in post-quake Haiti”. Amnesty International Publications: London, 2015, p. 14. 25 Id. p. 9. 26 ESCOLA DE CULTURA DE PAU. Alerta 2010! Informe sobre conflictos, derechos humanos y DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 28 a que desde 2010 o número de imigrantes haitianos aumentou exponencialmente, tanto para destinos tradicionais, como os Estados Unidos, Canadá, França e seus territórios do Caribe; como novos destinos localizados na América do Sul, como o Brasil, a Argentina e o Chile, passando em trânsito pelo Equador e Peru (países às vezes convertido nos países de destino)27. Durante esta viagem, infelizmente, imigrantes haitianos estão constantemente expostos a vários riscos. Um deles está entrincheirado em redes de traficantes de seres humanos28 (ou “coiotes”), que procuram lucrar com as necessidades dessas pessoas, exigindo quantias exorbitantes de dinheiro para, em seguida, enganá-los e abandoná-los ou até mesmo substraindo seus documentos, a fim de exigir mais dinheiro além do que foi acordado. Some-se a este fato a questão que, especialmente nos países que exigem visto, eles são vítimas de corrupção por parte de agentes do Estado e grupos que forçam-os a participar de atividades sub-remuneradas devido à sua impossibilidade para trabalhar legalmente29. No caso do Peru (país de trânsito) e Brasil (país de destino), enquanto países limitrofes, ambos têm sido particularmente afectados pela migração haitiana ilegal, ainda que de forma diferente. Assim, a fim de encontrar soluções duradouras para essa situação e com base em suas respectivas particularidades que lhes caracterizam, tanto o Peru como o Brasil têm abordado o problema de diferentes maneiras, sempre tentando alinhar-se com as suas obrigações internacionais na matéria. Uma dessas formas, como veremos, é o uso do instrumento do refúgio para tentar ajudar imigrantes haitianos. Assim, começamos por analisar a aplicabilidade desse mecanismo de direito internacional no caso da migração haitiana. 1. MARCOS JURÍDICOS UNIVERSAIS No campo do direito internacional, o instrumento de referência é a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 (“Convenção de 1951”), que foi adotada em Genebra, Suíça, em 28 de Julho 1951, no âmbito da Organização das Nações Unidas (“ONU”) e que, como o trabalho na Coleção de Tratados das Nações Unidas, entrou em vigor em 22 de abril de 1954. Tanto o Brasil quanto o Peru são atualmente partes integrantes da referida Convenção30. construcción de paz. Barcelona:Icaria, 2010, p. 175. 27 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL PARA AS IMIGRAÇÕES. Migração haitiana para o Brasil: Características, oportunidades e desafios. Cadernos migrantes # 6. Julho de 2014, p. 9. 28 Id. p. 29. 29 Id. pp. 96-100. 30 O Brasil ratificou a Convenção de 1951 em 16 de novembro de 1960, enquanto o Peru aderiu 29 DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 Nos termos do artigo 1° da Convenção de 1951, o termo “refugiado” se aplica a qualquer pessoa que: 1) O que tem sido considerado um refugiado ao abrigo dos tratados de 12 de Maio de 1926 e 30 de junho de 1928 ou nos termos das Convenções de 28 de outubro de 1933 e 10 de Fevereiro de 1938, o Protocolo de 14 de setembro 1939 ou da Constituição da Organização Internacional dos Refugiados. [...] 2) Que, como resultado de acontecimentos ocorridos antes de 01 de janeiro de 1951 e devido ao receio fundado de ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, pertença a um determinado grupo social ou opinião política, está fora do país de sua nacionalidade e não possa ou, em virtude desse temor, não está disposto a buscar a proteção desse país; ou que, se não tiver nacionalidade e sendo, como resultado de tais acontecimentos, fora do país de sua residência habitual, não possa ou, em virtude desse temor, não quer voltar a ele. [...] Do exposto, se evidencia que tal definição de “refugiado” é muito limitada, pois cobrem apenas aqueles com medos fundados de perseguição por “acontecimentos ocorridos antes de 01 de janeiro de 1951”; deixando desprotegido àqueles com os mesmos medos, mas com fatos ocorridos após essa data. Ante esta situação, em 31 de janeiro de 1967, promulgou-se o “Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados” (“Protocolo”), o qual, em conformidade com o trabalho na Coleção de Tratados das Nações Unidas, entrou em vigor 04 de outubro de 1967. Brasil e Peru também são partes integrantes do Protocolo31. Conforme indicado no preâmbulo deste protocolo, buscou-se resolver o problema da temporalidade da Convenção de 1951, dispondo em seu artigo I.1 da obrigação geral dos Estados Partes de aplicar os artigos 2-34 da Convenção 1951, um conceito mais extenso para a utilização do conceito de “refugiado”, o qual é detalhado abaixo: em 21 de dezembro de 1964. 31 Como no caso da Convenção de 1951, tanto o Brasil quanto o Peru são parte integrantes do Protocolo. O Brasil aderiu em 07 de abril de 1972, enquanto o Peru o fez em° 15 de setembro de 1983. DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 30 Artigo I [...] 2. Para efeitos do presente protocolo, excepto no que respeita à aplicação do n.º 3 do presente artigo, o termo “refugiado”, qualquer pessoa dentro da definição do artigo 1º da Convenção, que será dada por omitidas as palavras “como resultado de acontecimentos ocorridos antes de 01 de janeiro de 1951 e ...” e as palavras “... como resultado de tais eventos” contidas no parágrafo 2 da secção a do artigo 1. Com base no exposto, entende-se que, nos termos do artigo I.10, o Protocolo alarga o âmbito dos artigos 2 a 34 da Convenção de 195132. Com isso, a nova definição de “refugiado”, juridicamente vinculativo interenacionalmente para o Brasil e o para Peru, é a seguinte: A. [...] o termo refugiado aplica-se a qualquer pessoa que: [...] 2) que, devido ao receio fundado de ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, pertença a um determinado grupo social ou opinião política, está fora do país de sua nacionalidade e não possa ou, em virtude desse temor, não queira beneficiar-se da proteção desse país; ou que, se não tiver nacionalidade e achado é fora do país de sua residência habitual, não possa ou, em virtude desse temor, não quer voltar a ele. [...] Agora, sob este novo conceito de refugiado, é necessário analisar se o conceito é aplicável ao caso particular da migração haitiana realizada após o terremoto de 2010. Certamente tal situação não é fácil enquadrável na nova definição de “refugiado”. Isto porque, exceto talvez alguns casos, em geral, a 32 Os artigos 2 a 34 da Convenção de 1951, são relativos às obrigações e direitos concedidos aos refugiados. Entre eles estão os seguintes: o dever de aplicar a convenção sem discriminação (artigo 3º), a igualdade de tratamento concedido aos estrangeiros (artigo 7), o livre acesso aos tribunais (artigo 16) e não imposição de sanções penais para a entrada ou presença ilegal (artigo 31), não- expulsão de refugiados legalmente no seu território (artigo 32), não expulsar ou regressar ao território onde a sua vida ou liberdade possam estar ameaçadas. 31 DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 explosão de imigração haitiana não ocorre por receio fundado de ser perseguido por razões estabelecidas na Convenção de 1951 e nem no Protocolo, mas por consequência da grande crise humanitária, econômica e de infraestrutura ocorrida após o terremoto de 2010 no Haiti. A este respeito, sem prejuízo de uma análise caso a caso, a definição internacional de refugiado não se aplicaria ao caso da migração haitiana depois de 2010. No entanto, é interessante notar que, em um nível mais amplo do direito internacional, especialmente no âmbito dos direitos humanos, existem regras legais que o Peru e o Brasil devem ter em conta para abordar a recepção da migração haitiana e os problemas em torno deles. Sem ir mais longe, temos o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (“PIDCP”), que são Estados Partes Brasil e Peru33, e no artigo 2.1, estabelece a obrigação dos Estados Partes: [...] Respeitar e garantir a todos os indivíduos no seu território e sujeitos à sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem distinção de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, nacional ou origem, propriedade, nascimento ou qualquer outra condição social. Segundo esta disposição, qualquer Estado não tem apenas uma obrigação “para não fazer” (por exemplo, não violar os direitos reconhecidos pela PIDCP), mas também a obrigação de “garantir” os direitos das pessoas sujeitas à sua jurisdição, tomando medidas para que eles desfrutar plenamente desses direitos. A este respeito, o artigo 2.2 do PIDCP estabelece a obrigação dos Estados Partes: [...] Adotar, de acordo com suas normas constitucionais e com as disposições do presente Pacto, as medidas adequadas para determinar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para tornar efetivos os direitos reconhecidos no presente Pacto34, e já que não foram garantidos por legislação ou outras medidas. 33 O Brasil aderiu ao PIDCP, em 24 de janeiro de 1992, enquanto o Peru ratificou-o em 28 de abril de 1978. 34 Esses direitos incluem o direito o de não ser submetido a “tratamento cruel, desumano e degradante”, nos termos do artigo 7 do PIDCP. DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 32 Além do PIDCP, também temos o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (“PIDESC”), na qual o Brasil e o Peru são Estados Partes35, que estabelece a obrigação dos Estados Partes: Artigo 2 1. [...] tomar medidas, individualmente e através de assistência e cooperação internacional sobretudo económicas e técnicas, para o máximo de seus recursos disponíveis alcançar progressivamente, por todos os meios adequados, incluindo particularmente a adoção medidas legislativas, a plena realização dos direitos reconhecidos. [...] 3. Os países em desenvolvimento, com o devido respeito aos direitos humanos e sua economia nacional, podem determinar em que medida garantirão os direitos econômicos reconhecidos no presente Pacto a pessoas que não sejam seus nacionais. Entre os principais direitos que o PIDESC reconhece são os seguintes: o direito ao trabalho (artigo 6º), direito a um padrão de vida adequado (artigo 11), que inclui, entre outros, mais especialmente o direito de estar livre da fome; e o direito ao mais alto nível possível de saúde física e mental (artigo 12). Tudo isto paraser efetivado de forma gradual, de acordo com a sua disponibilidade máxima de recursos e na medida do possível em relação aos seus não nacionais. Estes dois instrumentos internacionais (PIDCP e PIDESC) obrigam- nos não só analisar os fundamentos da migração haitiana (por receios fundados em determinados motivos) com a finalidade de buscar a sua protecção efetiva, mas deve aprofundar a própria situação em que estarão durante seu trajeto até o Brasil e também ali, inclusive. Como vimos no início, muitas vezes imigrantes haitianos enfrentam tanto abusos por parte dos chamados “coiotes” quanto por autoridades corruptas, bem como condições desumanas de superlotação em locais onde encontram refúgio, principalmente por causa de sua situação irregular, tanto no país de trânsito e quanto no país de destino. Tal situação certamente gera um dano claro e consistente aos seus direitos no âmbito do PIDCP e no PIDESC. 35 O Brasil aderiu ao PIDESC em 24 de junho de 1992, enquanto o Peru ratificou-o em 28 de abril de 1978. 33 DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 Nesse sentido, mesmo que eles não possam ser classificados como “refugiados” com base na Convenção de 1951 ou no Protocolo, é obrigação dos Estados tomar medidas concretas e progressivas para garantir os direitos reconhecidos pelo PIDCP (tais como aqueles dispostos nos artigos 6° e 7°) e PIDESC (consubstanciados nos artigos 6°, 11 e 12), e, assim, alcançar uma maior protecção dos imigrantes haitianos. 2. MARCO JURÍDICO INTERAMERICANO No âmbito interamericano é interessante analisar alguns instrumentos que serviram para caracterizar particularmente a proteção dos refugiados na região. Então, em primeiro lugar, há a Declaração de Cartagena sobre Refugiados, aprovada em 1984 pelo “Colóquio sobre Proteção Internacional de Refugiados na América Central, México e Panamá: problemas jurídicos e humanitários”. Apesar de ser uma declaração, este instrumento é de natureza não vinculativa (soft law), a sua importância é que, em comparação com as preocupações dos países latino-americanos de proteger pessoas em novas situações de deslocamento forçado, referida Declaração exortou expandir ainda mais definição de refugiado. Além disso, com base na importância da cooperação entre diferentes sistemas jurídicos (universais e interamericanos36 de direitos humanos, o direito humanitário internacional e do direito interno), a Declaração reune uma série de melhores práticas para orientar os Estados na região37. Para os fins deste artigo, vale a pena notar a terceira conclusão da Declaração, em que a necessidade de alargar o conceito de refugiado para uso na região é reconhecido. Este conceito amplo, para além dos casos previstos na Convenção de 1951 e no Protocolo, também considera como refugiados as pessoas que fugiram de seus países porque: [...] A sua vida, segurança ou liberdade foram ameaçadas pela violência generalizada, a agressão estrangeira, conflitos internos, a violação maciça dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública. 36 Na América Latina, teve em conta a tradição de asilo e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (“CADH”). 37 Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Memória do vigésimo aniversário da Declaração de Cartagena sobre Refugiados 1984 - 2004. ACNUR, 1. ed. Editorama: San Jose, Costa Rica, 2005, p. 23. DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 34 Certamente esta definição proposta de “refugiado” acaba por ser mais extensa do que o previsto na Convenção de 1951 e no Protocolo, especialmente considerando como razões para a concessão da vida ou a liberdade dos indivíduos foram ameaçados por cenários de violência generalizada ou grave perturbação da ordem pública, por exemplo. No entanto, esta definição interamericana de refugiados tem sido objeto de interpretação pelos Estados da região na Conferência Internacional sobre os Refugiados da América Central, realizada em 1989, na qual se produziu os “Princípios e Critérios para a emissão do proteção e assistência aos refugiados, repatriados e deslocados na América Latina”. De acordo com este último documento, os fundamentos de “outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública”, deve ser entendida da seguinte forma: [...] Deve ser o resultado de atos do homem e não de desastres naturais. Este conceito inclui distúrbios e tensões internas, tais como motins, e atos isoladas e esporádicos de violência e outros atos de natureza semelhante, desde que perturbem gravemente a ordem pública38. Seguindo esta interpretação no âmbito interamericano poderia mesmo ser difícil para se ajustar à situação dos imigrantes haitianos. Considerando o seguinte: antes do terremoto, o Haiti era o país mais pobre e mais desigual na região, situação crítica que agravou a crise humanitária gerada após o terramoto de 2010 (desastres naturais). Agora, um pouco mais de seis anos após o terremoto, as consequências são que uma parte significativa do povo haitiano migrando em busca de um lugar com melhores condições de vida. Assim, como relata o Human Rights Watch no seu relatório mundial 2015 sobre o Haiti, a falta de recursos financeiros e deficiências institucionais continuam a dificultar os esforços de seu governo para atender as necessidades básicas da sua população; para resolver os problemas de direitos humanos (por exemplo, a violência contra as mulheres e as condições de detenção desumanas), bem como aliviar a epidemia de cólera que já matou mais de 8.500 vidas e infectou mais de 700.000 pessoas nos últimos quatro anos. Ele também menciona que ainda há uma alta proporção de prisões arbitrárias e detenções preventivas prolongadas por policiais, cuja capacidade insuficiente para controlar a situação aumenta a insegurança geral no país39. 38 Conferência Internacional sobre Refugiados da América Central. Princípios e Critérios para a Protecção e Assistência aos Refugiados, Repatriados e Pessoas Deslocadas na América Latina, p. 11. 39 HUMAN RIGHTS WATCH. World Report 2015: Haiti. Disponível em: <https://www.hrw.org/ 35 DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 Mas, tais considerações são suficientes para qualificar o povo haitiano dentro do amplo conceito de refugiado? Certamente não pode haver uma classificação baseada numa situação particular, mas a avaliação irá depender da análise de cada caso, para efeitos de ser capazes de dar a cada requerente o benefício do estatuto de refugiado que esteja em conformidade com os artigos 2 a 34 da Convenção de 1951. No caso em que o Estado determine a não concessão desse estatuto de refugiado, os Estados devem não perder de vista a obrigação erga omnes de proteger direitos humanos. No âmbito interamericano essa obrigação também é refletiva no artigo 1.140 e no artigo 2° da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (“CADH”), em relação aos direitos lá reconhecidos, como, por exemplo, à vida e à integridade. Com base em tal obrigação aplicada a este caso, o Estado (tanto trânsito ou de destino) deve garantir a proteção dos imigrantes haitianos, independentemente de qualquer circunstância ou consideração, inclusive o status migratório de uma pessoa41, especialmente com o último, como indicado pela Corte Interamericana dos Direitos Humanos (“CIDH”): [...] Os imigrantes indocumentados ou irregulares foram identificados como um grupo em situação de vulnerabilidade42, porque eles são os mais expostos a violações potenciais ou reais de seus direitos e sofrem como resultado de sua situação, um alto nível de vulnerabilidade dos seus direitos43. 3. SITUAÇÃO PERUANA O Peru detém a qualidade de Estado de trânsito da migração haitiana para o Brasil44, especificamente por meio das cidades do norte de Tumbes es/world-report/2015/country-chapters/268149>. Acesso em 08/05/2016. 40 Nos termos do artigo 1.1, “os Estados Partes comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades reconhecidosna CADH e assegurar o exercício pleno e livre a todas as pessoas sujeitas à sua jurisdição, sem discriminação em razão de raça, cor, sexo, língua , religião, opinião política ou outra, de origem nacional ou social”. 41 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Condição jurídica e direitos dos migrantes indocumentados. Opinião Consultiva OC-18/03, de 17 de setembro de 2003. Série A No. 18, par. 106. 42 Id. par. 114. 43 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Familia Pacheco Tineo vs. Bolivia. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 25 de noviembre de 2013. Serie C No. 272, par. 128. 44 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL PARA AS IMIGRAÇÕES. Migração haitiana para o DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 36 e Piura, onde eles são apanhados por coiotes45 e depois cruzam por cidades fronteiriças com o Brasil como Madre de Dios e Loreto. Esta situação torna-se visível por meio de registros no aumento de entradas, como foi visto entre 2010 a 2011, período durante o qual passou de 162 para 2.253 registros de entrada, sem levar em conta nesses números possíveis entradas informais46. No entanto, sua passagem pelo Peru não está livre de perigos, porque muitos imigrantes sofrem o roubo de seus pertences e documentos47, bem como a presença dos conhecidos “coiotes”. A isto, acrescente-se a superlotação em que muitas vezes imigrantes haitianos estão em cidades como Iñapari (Mãe de Deus), onde mais de 500 imigrantes haitianos foram impedidos de entrar pelo fechamento das fronteiras do Brasil48, excedendo a capacidade dos locais de refúgio, dando origem a uma grave crise de saúde. Perante esta situação de clara vulnerabilidade de imigrantes haitianos irregulares, o Estado peruano tem enfrentado uma série de dificuldades para proteger tais indivíduos, acoplado ao cumprimento de seu dever de proteger as suas fronteiras ao evitar a entrada irregular ou deportar imigrantes em situação irregular. Com efeito, ambos os deveres jurídicos são válidos no campo do direito internacional público; não obstante, quando aplicada, o Estado peruano tem que levar em consideração a necessidade de agir em conformidade com o princípio pro homine. Assim, deve-se mencionar que, no início, enquanto Estado de trânsito, o Peru não esperava que os imigrantes haitianos permanecessem em seu território. A este respeito, ante a onda de imigrantes e a fim de proteger suas fronteiras, em janeiro de 2012, o Peru tomou a decisão de reintroduzir a obrigação de visto de turista para cidadãos haitianos; para uma estadia máxima de 183 dias49, o que, diga-se de passagem, não lhes permitem atividades remuneradas50. Brasil: Características, oportunidades e desafios. Cadernos migrantes # 6. Julho de 2014, p. 1. 45 JORNAL PERU 21. Tráfico Humano: haitianos ilegais que entram no país por máfias. Disponível em: ˂http://peru21.pe/actualidad/trafico-humano-haitianos-ilegales-entran-al- pais-gracias-mafias-2127892>. Acesso em 08/05/2016. 46 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL PARA AS IMIGRAÇÕES. Migração haitiana para o Brasil: Características, oportunidades e desafios. Cadernos migrantes # 6. Julho de 2014, p. 1. 47 CONECTAS HUMAN RIGHTS. Hearing Casts Light On The Migratory Route From Port- Au-Prince To Brasileia. Disponível em: ˂http://www.conectas.org/en/actions/foreign-policy/ news/5449-conectas-addresses-haitian-immigration-in-oas>. Acesso em 08/05/2016. 48 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL PARA AS IMIGRAÇÕES. Migração haitiana para o Brasil: Características, oportunidades e desafios. Cadernos migrantes # 6. Julho de 2014, p. 1. 49 Decreto Supremo No. 001-2012-RE. O Haiti foi excluído da lista de países para os quais Peru isentar visto de turista temporário, o mesmo é anexado ao Decreto Supremo No. 23-95-RE. 50 Nos termos do artigo 11 da Lei de Estrangeiros do Peru (Decreto Legislativo n. 703), a qualidade de “tourist” se aplica a pessoas que entram no país “sem ânimo deresidência para efeitos de passeios ou atividades recreativas ou semelhantes. Eles não estão autorizados a exercer 37 DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 O verdadeiro problema para o Peru surgiu quando, como veremos mais tarde, o Brasil parou de admitir a entrada de cidadãos haitianos, impedindo a imigração deles para o Brasil, ficando presos nas cidades fronteiriças peruanas. Esta situação, aliada ao fato de que a grande maioria não tinha visto de turismo51, em vez de ajudar a reduzir a migração efetiva dos cidadãos haitianos52, tem contribuído para aumentar o seu nível de vulnerabilidade, posto que ainda que fosse impossível entrar, por meio de controles de fronteira habilitados, os imigrantes haitianos tiveram de recorrer ainda mais aos serviços dos coiotes53. Perante esta situação, um pequeno grupo de indivíduos de imigrantes haitianos decidiu solicitar o status de “refugiado”54, uma figura regida pela Lei dos Refugiados (Lei n. 27.891). Nesta lei, o Peru reconhece os direitos e obrigações do status de refugiado em conformidade com os instrumentos internacionais que ratificou, como, por exemplo, a Convenção de 1951. No entanto, deve notar-se que esta lei não só reflete o conceito universal de refugiado (prevista na Convenção de 1951), mas também o conceito de refugiado da Declaração de Cartagena55. A entidade responsável pela resolução de pedidos de reconhecimento de refúgio é o Ministério dos Negócios Estrangeiros, por meio de seu Comitê Permanente Ad Hoc para os Refugiados. Em particular, é de notar que, atividade remunerada”. 51 A respeito de porque um baixo número de cidadãos haitianos solicite formalmente um visto peruano, a OIM indica que “[...] Aqueles que tinham ouvido falar dele, eles relataram que o processo envolvido cumprir um conjunto de requisitos, em vez caros que não garantia a sua produção, como vai executar trámite a a Secção consular da Embaixada do Peru em Santo Domingo, República Dominicana. [...]”. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL PARA AS IMIGRAÇÕES. Migração haitiana para o Brasil: Características, oportunidades e desafios. Cadernos migrantes # 6. Julho de 2014, p. 32. 52 Em relação à migração de haitianos sem documentação, a OIM disse que, de acordo com a abordagem estimativas, esta alcançaria a cifra de 200 por mês (200 entradas e saídas de / para o território peruano). ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL PARA AS IMIGRAÇÕES. Migração haitiana para o Brasil: Características, oportunidades e desafios. Cadernos migrantes # 6. Julho de 2014, p. 90. 53 Conforme relatos de policiais de fronteira, precisamente desde janeiro 2012 eles capturaram dezenas de “coiotes”. DIÁRIO DEL COMÉRCIO. Casi 600 haitianos ilegales han sido detenidos este año. Disponível em: <http://elcomercio.pe/peru/pais/casi-600-haitianos-ilegales-han-sido- detenidos-este-ano-noticia-1736972>. Acesso em 08/05/2016. 54 De acordo com o artigo 11, alínea h da Lei de Imigração, o status de refugiado é considerado “estatuto de imigração”. No entanto, nos termos do artigo 22 da Lei dos Refugiados, “refugiado” não é uma categoria de imigração, uma vez que, quando reconhecido como tal, possui o status migratório de residente durante um ano. 55 Artigo 3 da Lei Refugiado, conceitua refugiado como: “b) Uma pessoa que foi forçado a fugir do seu país de nacionalidade ou residência habitual por causa da violação maciça dos direitos humanos, a agressão estrangeira, conflitos internos, ocupação ou dominação estrangeira; ou por causa de eventos perturbar gravemente a ordem pública”. DIREITO INTERNACIONAL EM ANÁLISE - Volume 5 38 ao aplicar a definição ampla da Declaração de Cartagena, a Comissão seguiu os parâmetros interpretativos previstos nos “Princípios e Critérios para a Proteção e Assistência aos Refugiados, Repatriados e Pessoas Deslocadas na América Latina” acima mencionada. Neste sentido, isso significa que a hipótese de “eventos que perturbem gravemente a ordem pública” não é aplicável ao caso do Haiti. No entanto, tem sido observado que ao realizar uma avaliação caso a caso, a Comissão
Compartilhar