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Brasília-DF. Serviço Social e QueStão Social Elaboração Rogério de Moraes Silva Eglê Santos Fróes Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APrESEntAção .................................................................................................................................. 4 orgAnizAção do CAdErno dE EStudoS E PESquiSA ..................................................................... 5 introdução ..................................................................................................................................... 7 unidAdE i Surgimento de um Problema Público ............................................................................................. 9 CAPÍtuLo 1 naScimento de PolíticaS PúblicaS ..................................................................................... 9 CAPÍtuLo 2 agenda .............................................................................................................................. 15 CAPÍtuLo 3 o PaPel do eStado ............................................................................................................. 30 unidAdE ii Formulação e eScolha de alternativaS de PolíticaS ................................................................. 34 CAPÍtuLo 1 comPreenSão do Problema ............................................................................................ 34 unidAdE iii QueStão Social: eiXo Fundante do Serviço Social .................................................................... 67 CAPÍtuLo 1 a QueStão Social e SuaS concePçõeS ............................................................................ 67 CAPÍtuLo 2 Serviço Social: uma eSPecialização da QueStão Social? ............................................. 69 unidAdE iV QueStão Social: cenário contemPorâneo ................................................................................ 74 CAPÍtuLo 1 novoS SigniFicadoS e eXPreSSõeS da QueStão Social na cena conjuntural ............ 74 unidAdE V QueStão Social e oS deSaFioS colocadoS À ProFiSSão de Serviço Social ............................. 77 CAPÍtuLo 1 oS novoS e conStanteS deSaFioS da QueStão Social .................................................... 77 PArA (não) finALizAr ...................................................................................................................... 83 rEfErênCiAS ................................................................................................................................... 85 4 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 5 organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para refl exão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao fi nal, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fi m de que o aluno faça uma pausa e refl ita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifi que seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As refl exões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, fi lmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Praticando Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer o processo de aprendizagem do aluno. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. 6 Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Exercício de � xação Atividades que buscam reforçar a assimilação e fi xação dos períodos que o autor/ conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não há registro de menção). Avaliação Final Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso, que visam verifi car a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber se pode ou não receber a certifi cação. Para (não) � nalizar Texto integrador, ao fi nal do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 7 introdução O Caderno de Estudo “Serviço Social e Questão Social” apresenta os seguintes temas relevantes: o surgimento de um problema, o nascimento de políticas públicas, a formulação e a escolha de alternativas de políticas públicas, e a questão social como eixo fundante do Serviço Social, o cenário contemporâneo e os desafios colocados à profissão de Serviço Social. Nesse contexto, a exigência dos novos tempos à profissão de Serviço Social é que ela seja de fato pública, ou seja, que esteja a serviço da maioria da população, agindo com transparência, democracia, na perspectiva da cidadania e da justiça de fato e de direito. objetivos » Identificar aspectos do surgimento de um problema. » Formular e escolher alternativas de Políticas. » Entender a questão social como um eixo fundante do Serviço Social. » Entender a questão social no cenário contemporâneo. » Entender a questão social e os aspectos e desafios colocados à profissão de Serviço Social. 8 9 unidAdE i SurgimEnto dE um ProbLEmA PúbLiCo CAPÍtuLo 1 nascimento de políticas públicas O problema é sempre: que batalha queremos ganhar em primeiro lugar... O conflito político não é um debate acadêmico no qual os contendores põem-se de acordo previamente na definição dos problemas a discutir. Na realidade, ao contrário, a definição das alternativas é o instrumento supremo do poder; raramente os antagonistas podem coincidir em relação a quais são as questões em jogo, já que na definição já se coloca a questão do poder. Aquele que determina qual é a principal preocupação da política governa o país, porque a definição das alternativas é a seleção dos conflitos, e a seleção dos conflitos atribui poder. » Que razões e/ou condições levam uma autoridade pública a atuar ou a não atuar? » De onde surgem as Políticas Públicas? » Como se constroem os problemas sociais? O papel dos Analistasde Políticas Públicas é o de tomá-las como objeto de estudo e de questionamento. Assim, a própria necessidade de uma determinada política é um fato histórico: o fato de que em algum momento os agentes envolvidos (entre os quais as autoridades públicas) tenham concluído por adotar determinada medida é um resultado de um processo social concreto, ocorrido em determinada circunstância e num tempo histórico bem definido. Não podemos perder isso de vista ao raciocinar sobre a política que daí resultou.1 Pois bem, como nasce a percepção social de um problema capaz de ensejar a adoção de uma Política Pública? Somente a convicção de que um problema social precisa ser dominado política e administrativamente o transforma em um problema de policy. 1 Já tornou-se um clássico o termo “coronelismo” para descrever as características específicas desse tipo de clientelismo no Brasil rural (a partir da obra clássica de Leal, 1975), desdobrando-se em várias outras formas decorrentes da urbanização e industrialização tardia. As referências ao clientelismo no Brasil nesta seção estão baseadas em Nunes (1999, pp. 26-29). 10 unidAdE i │ SurgimEnto dE um ProbLEmA PúbLiCo A pergunta parece muito simples. A resposta não é bem assim. Ao discutir o assunto, temos alguns “reflexos condicionados” que prejudicam a compreensão integral do tema. O primeiro equívoco é o da simples descrição, a apresentação de uma lista mais ou menos desconexa de informações genéricas: quando e onde ocorrem os acontecimentos, quem realizou tal ou qual ato público etc. Por exemplo, dizer que “o ministro tal desenvolveu e lançou o programa tal para atender aos pequenos agricultores na safra deste ano” significa fazer uma breve apresentação do problema, colocar em grandes linhas o contexto histórico e os principais atores, mas não basta para explicar a origem da ação pública, o porquê dos acontecimentos. A descrição isolada é um trabalho admissível para um jornalista, que apenas relata fatos selecionados, mas não para quem pretenda analisar a Política Pública sob qualquer aspecto. Outra fragilidade é “o fascínio pela decisão”: o nascimento de uma Política Pública é assumido como uma função exclusiva da capacidade de decisão de um determinado governante – dele nasce a identificação de um problema e a definição precisa de suas características e soluções. Assim, a análise da Política Pública passa a assumir a forma de um estudo do processo decisório: qual a psicologia de quem decide, que acontecimentos ocorrem no momento em que se fixam as opções, que raciocínios conduzem às escolhas? Sem dúvida, a decisão é um componente importante de todo o processo de formulação da política. Ao considerá-la, porém, o único fator determinante, o risco de erro (na verdade, a certeza do erro) consiste em ocultar os acontecimentos anteriores à decisão, especialmente as condições em que nasce um problema (até porque a decisão pode ser uma reação aos acontecimentos), e as percepções e opiniões de cada grupo envolvido no problema. Essa superconcentração na decisão é uma tendência notável na descrição de uma política pela autoridade que é responsável por ela – sempre que essa autoridade entenda essa política como bem-sucedida. Caso os resultados dessa política não sejam percebidos como favoráveis à autoridade, essa tende a “descobrir” todos os demais fatores que se somaram ao seu próprio processo decisório e levaram a resultados desfavoráveis. Existe, em cada caso, uma policy network de interessados e intervenientes em uma política: o “fascínio pela decisão” ignora essa rede de agentes e reduz o jogo de poder a uma mera decisão interna do agente público. Por fim, é preciso cuidar do que já se chamou de desvio “macrocontextual mecanicista” ou “sobredeterminismo” – o analista passa a esforçar-se por explicar em que medida uma Política Pública é resultante imediata, efeito automático e dependente de causas que provêm de uma outra ordem de coisas: as exigências do desenvolvimento socioeconômico, ou ideologia dominante, a economia internacional ou qualquer outro fator muito maior e mais amplo que a política em questão. O erro, aí, incide em que uma explicação de envergadura tão ampla perde sua capacidade para demonstrar o porquê de tal aspecto, e não outro, de uma decisão ou de uma política foi escolhido. É claro que não se pode perder de vista que existem fatores ou dinâmicas maiores que condicionam, fortemente, o surgimento e a discussão dos problemas públicos. No entanto essas dinâmicas interagem com todos os demais fatores: interesses do governo, interesses de grupos sociais, recursos materiais disponíveis, regras institucionais, natureza concreta, dos problemas a resolver (por exemplo, o grau de controle possível sobre fenômenos de degradação ambiental; a dinâmica própria da evolução de uma epidemia como a gripe aviária). 11 SurgimEnto dE um ProbLEmA PúbLiCo │ unidAdE i Mény & Thoenig apontam o surgimento das políticas de segurança nas rodovias francesas: pode-se dizer, genericamente, que a adoção sistemática de medidas de prevenção de acidentes resultou do custo crescente, para a coletividade, dos acidentes de trânsito e suas vítimas. Essa explicação, porém, não será capaz de dizer por que essas políticas surgiram na década de 1970 (e não antes), ou por que nelas se privilegiou o controle de velocidade e não a repressão ao alcoolismo no volante (ou seja, essa análise mais fina não prescinde de uma avaliação das circunstâncias concretas da formação da política em questão). Outro interessante exemplo da existência de fatores sociais determinantes de algumas conjunturas setoriais, mas que não podem ser tidos como condicionantes exclusivos das políticas para esses setores, é oferecido pelo contraste de algumas visões sobre a segurança pública no Estado do Rio de Janeiro, problema que suscita ainda enormes polêmicas no âmbito nacional: [...] Em 1982, a vitória de Leonel Brizola significou a suspensão da famigerada política do “pé-na-porta”, que durante a ditadura caracterizava o comportamento policial nos bairros pobres e favelas. O “pé-na-porta” não foi substituído por uma política alternativa, foi simplesmente suspenso. Houve esforços de modernização e moralização das corporações policiais, sobretudo na Polícia Militar, graças à liderança aberta, honesta e inteligente de seu comandante geral, coronel Carlos Magnos Nazareth Cerqueira. No entanto, o governo do PDT acreditava que a criminalidade e a violência eram sintomas dos males sociais e econômicos que afligiam a sociedade brasileira. E o sintoma não merecia atenção. Muito menos o investimento de recursos públicos. Importante era a educação, para reverter as estruturas que provocam, direta ou indiretamente, os crimes. O primeiro governo Brizola foi fiel a suas convicções e se concentrou na execução do projeto de Darcy Ribeiro, os Centros Integrados de Educação Popular (CIEPs). Destaque-se a intervenção pioneira da antropóloga Alba Zaluar, que já criticava, na primeira metade dos anos 1980, esse reducionismo antiquado, que as esquerdas teimavam em repetir, como se fora um atavismo: atribuir o crime à pobreza, de forma mecânica e simplista, sem levar em conta as mediações culturais, entre, outras, ofende os pobres e não explica por que a maioria da população pobre não comete crimes. O que não quer dizer, evidentemente, que não haja relação entre a exclusão da cidadania, a falta de perspectivas de integração social e econômica, por um lado, e o crescimento da criminalidade, sobretudo entre a juventude, por outro. (SOARES, 2000, pp. 110-111) Primeiros passos – visões simplificadas do nascimento de uma política pública Algumas visões ou modelos simplificados já foram tentadas, em geral vinculadas aos paradigmas clássicos da ciência política sobre o funcionamento do Estado moderno. Todas são válidas para a nossa compreensão: iluminam de forma estilizada caminhos possíveis para o surgimento de políticas. São,por assim dizer, “tipos ideais” weberianos, descrições estilizadas (ou seja, selecionando ou enfatizando determinados traços ou aspectos da realidade) de processos históricos que de fato 12 UNIDADE I │ SURGIMENTO DE UM PROBLEMA PÚBLICO ocorrem, porém não se encontram na realidade de forma “pura”. Assim, cada uma dessas visões simplificadas tem o valor de uma útil sugestão, uma possibilidade a ser formulada e testada. A primeira é a “ascensão democrática representativa”: nesse cenário, a fonte das demandas é a base; as necessidades são percebidas e enunciadas diretamente pelo indivíduo (quer como cidadão comum, quer como integrante de organização de interesse privado. Quando essas necessidades enunciadas crescem, são objeto de procedimentos (manifestações, eleições), e da atenção e ação de intermediários políticos qualificados (lideranças partidárias, parlamentares, agentes que contam com algum grau de legitimidade de representação dos interesses parciais), que pressionam sobre a autoridade pública para que essas demandas sejam atendidas. Como o conjunto de demandas é certamente maior que as possibilidades materiais de intervenção, o conjunto de intermediários engaja-se em negociações que permitam um consenso sobre a divisão da ação pública para o atendimento parcial de um subconjunto de todas as demandas formuladas. Numa sofisticação desse modelo, se os intermediários não bastam, a autoridade pública pode recorrer a meios diretos de sondagem das demandas de cidadãos: pesquisas de mercado, estudos qualitativos etc. Em qualquer caso “as necessidades sobem, e a autoridade pública está à sua escuta” (MÉNY; THOENIG, 1992. p. 111 ). Uma apresentação bastante sugestiva desta visão é dada pela Figura 1. Essa primeira visão é, sem dúvida, relevante, e significativamente próxima à ideia de que se faz do funcionamento de uma democracia, conseguindo mostrar a grande massa de interações e pressões entre grupos que movem a política. No entanto, peca por uma ingenuidade fundamental: pressupõe que o sistema político em geral (tanto de intermediários quanto de autoridades públicas) não tem projetos ou interesses próprios, aplica-se tão somente em captar demandas, transmiti-las e respondê-las diretamente. A democracia, assim, seria absolutamente consensual e transparente. Também não leva em conta, mesmo admitindo-se todos os seus pressupostos, a possibilidade de deficiências de transmissão da informação – a população sente uma necessidade A, que a autoridade pública interpreta como um problema de tipo B, ao que dará uma solução que seria conveniente em uma situação C também distinta de cada uma das anteriores. Figura 1 – visão da “ascensão democrática representativa” AUTORIDADES PÚBLICAS HIERARQUIAS POLÍTICAS TEMPO INTERMEDIÁRIOS POPULAÇÃO “AS NECESSIDADES CONDICIONAM A OFERTA.” REPRESENTAÇÃO CONSENSO EXPRESSO 13 Surgimento de um Problema Público │ unidade i Em sentido diametralmente oposto, impulsionada pelos movimentos de “reforma do Estado”, “reinvenção do governo”, “Estado modesto” e modas similares, surge a visão da “tirania da oferta”. Seriam, sob este ponto de vista, as autoridades públicas que modelariam as necessidades: a oferta governamental de bens e serviços públicos estrutura e condiciona as necessidades de ação pública que a população sente. O cidadão, assim, “quer aquilo que lhe é dado”, e “não quer aquilo que lhe é negado”. Isso pode passar porque os administrados podem ser persuadidos, pelos agentes políticos, em sua interpretação do que são aspirações legítimas, confundindo as suas aspirações com os bens e serviços que os dirigentes públicos podem oferecer-lhes. Podem também ser diretamente manipulados ou enganados pelos governantes (em particular mediante o uso intenso e inescrupuloso dos meios de comunicação), passando a acreditar irrestritamente nas informações e juízos de valor que as autoridades transmitam acerca dos problemas públicos (e das questões que não o sejam). Nessa visão, não existem “intermediários”, sendo os agentes distribuídos entre aqueles com poder político em função da inserção como autoridades, e aqueles a quem a ação pública se dirige. Em uma quase inversão, na prática, do diagrama anterior, poderíamos representar graficamente essa perspectiva (Figura 2): Figura 2 – visão da “tirania da oferta” AUTORIDADES PÚBLICAS HIERARQUIAS POLÍTICAS TEMPO POPULAÇÃO “A OFERTA CONDICIONA AS NECESSIDADES.” Ainda que se choque com a visão mais disseminada do sistema democrático, alguns traços dessa visão são bastante claros para nós, brasileiros. A história brasileira registra de forma marcante a formação de uma modalidade de clientelismo, com fortíssimo impacto sobre a estrutura política e presença ainda muito forte nas relações entre o Estado nacional e a socidedade2. As relações políticas do tipo clientelista são um tipo de relação social marcada pela vinculação pessoal de lealdades e troca de favores entre lideranças locais e um conjunto de pessoas subordinadas (“clientes”), em que esses líderes, tendo acesso a recursos externos de poder mediante uso de verbas públicas e influência sobre os poderes governamentais, entabulam com os clientes relações de “troca” de favores concedidos a partir desses recursos de poder (dinheiro, facilidades nos benefícios públicos) por prestações pessoais dos clientes (dentro das instituições de democracia formal, principalmente através do direcionamento do voto). Ora, a característica essencial da relação clientelística é a desigualdade: 2 Naturalmente, o termo “clientes” aqui tem um significado específico, denotando aqueles que se relacionam de forma subordinada a determinada liderança (“patron”) na troca específica do clientelismo. 14 UNIDADE I │ SURGIMENTO DE UM PROBLEMA PÚBLICO os “termos de troca” são fixados essencialmente pelo líder, dos quais dependem os clientes. Sendo os líderes (“coronéis” da política, latifundiários, prefeitos de pequenas cidades pauperizadas, chefes de máquinas sindicais, e toda uma coleção de agentes típicos da sociologia política nacional) os interlocutores em nome do Estado frente aos cidadãos3, a provisão de bens e serviços públicos mediada pelo clientelismo termina por apresentar um forte componente de “tirania da oferta”. Outra percepção bastante sutil é denominada a “ilusão natalista”. Dizer que uma Política Pública “nasce” requer cuidados especiais: uma ação pública não surge necessariamente “do vazio”, por simples efeito de ofertas e demandas do governo e dos cidadãos. São possíveis outros cenários. Uma ação pública pode nascer porque uma Política Pública já existente, durante sua execução ou mesmo já terminada, levanta dificuldades, encontra obstáculos, modifica situações que levam o poder público a intervir sobre outro aspecto, de outra forma, sobre efeitos comuns ou compartilhados. As Políticas Públicas, em grande medida, alimentam-se entre si em grande medida. Uma política de incentivos fiscais ou doação de terrenos para industrialização, por exemplo, tem quase certamente reflexos na política ambiental, devendo gerar a necessidade seja de uma intensificação simultânea nos controles de licenciamento (com efeitos cruzados e à vezes opostos entre elas), seja de posterior intervenção corretiva para recuperação de áreas degradadas. A visão dos efeitos cruzados entre políticas, matizando e qualificando a noção de “nascimento” de uma Política Pública, gera uma representação visual mais simplificada (Figura 3): Figura 3 – visão da “ilusão natalista” POLÍTICA PÚBLICA A POLÍTICA PÚBLICA B POLÍTICA PÚBLICA C TEMPO 3 “O patron é o ator que tem contato com o mundo exterior e tem comando sobre recursos políticos externos. O patron tem recursos – internos e externos à comunidade – dos quais dependem os clientes.” (NUNES, 1999, p. 27) 15 CAPÍtuLo 2 Agenda Conceito Todas as visões apresentadas anteriormente são possíveis, são sugestões válidas. Cabe ao analista de cada política identificar qual ou quais dos processosacima apresentados terá ocorrido na circunstância concreta que está examinando. Para isso, alguns instrumentos conceituais são muito úteis. O primeiro conceito é o de agenda. Pode ser abordada inicialmente como: o conjunto dos problemas que provocam um debate público, incluindo a intervenção ativa das autoridades públicas. Repare, uma agenda não é um programa eleitoral: esse é uma lista de problemas propostos ao debate público, organizados por uma facção ou segmento político como forma de chamar a atenção de um público (eleitoral, parlamentar) para os temas de seu interesse. Nem mesmo é um programa administrativo governamental – esse é um instrumento de ordenação interna de problemas ou questões elaborado por uma autoridade pública para seu próprio uso. Portanto, a agenda não é unilateral – seu conjunto de problemas é aquele que atrai a controvérsia pública, dependendo portanto de múltiplos atores – governo, parlamento, mídia, partidos, organizações privadas. Os assuntos que compõem a agenda, que variam com o tempo, são os que exigem a intervenção da autoridade pública – o que significa também que nem todos os problemas podem estar contidos ao mesmo tempo na agenda da mesma esfera de poder. Ao contrário, colocar na agenda um determinado assunto aparece como um momento-chave na sociedade política. É útil a distinção entre Agenda Institucional e Agenda Conjuntural ou Sistêmica. A primeira reúne os problemas que dependem, fundamentalmente e por consenso, de uma autoridade pública (podemos fazer uma analogia com o conceito jurídico-administrativo de “competência” de uma determinada autoridade). São aqueles problemas ou assuntos que, de modo mais ou menos pacífico, são atribuídos a uma determinada autoridade. A Constituição de um Estado nacional, ou as leis que criam e definem uma entidade administrativa, contém uma enumeração bastante precisa dos problemas que tais entes devem enfrentar, com frequência definindo até a forma em que tais problemas devam ser suscitados, debatidos e enfrentados. O exemplo clássico é o orçamento de um governo: é periódico (na quase totalidade dos casos, anual), automático, em grande medida padronizado ano após ano. Nessa agenda, poucas surpresas ou variações existem na forma com que os problemas são trazidos à controvérsia. Já a Agenda Conjuntural ou Sistêmica recolhe os problemas que não se encontram na competência costumeira ou formalizada da autoridade pública, mas que em uma determinada conjuntura social suscitam um interesse ou uma controvérsia tal que fazem com que a intervenção pública seja demandada. O exemplo mais tradicional desse tipo de agenda são os problemas relativos ao 16 UNIDADE I │ SURGIMENTO DE UM PROBLEMA PÚBLICO direito à vida (controle da natalidade, reprodução assistida, interrupção da gravidez). Em princípio, restritos à vida privada, a evolução social trouxe consigo mudanças tão grandes e tão polêmicas que tais temas foram trazidos ao primeiro plano da discussão, exigindo-se do poder público que se posicione ou intervenha de maneira extensa para abordá-los e regulá-los. O aparecimento dos problemas nesse tipo de agenda, assim, é muito mais imprevisível, dependendo mais da ação de grupos sociais externos ao Estado, e obedecendo a caminhos muito mais variados. Em que pese as diferenças, há uma estrutura comum em todos os tipos mencionados de agenda, que representam (da mesma forma que as visões de surgimento de problemas que vimos acima) “tipos ideais”, frequentemente mesclando-se de forma tão intensa que a fronteira entre ambas perde nitidez. O que definitivamente caracteriza e individualiza a agenda é o grau de consenso ou, ao contrário, de conflito que o problema considerado suscita. Evidentemente, nenhum assunto na agenda consegue reunir consenso total ou unânime, nem gerar conflito total ou irredutível: o grau de consenso/ conflito de um assunto está inserido num continuum que vai de menor a maior conflitividade. Verificado um determinado grau de controvérsia acerca de um assunto, verifica-se a oportunidade para que a autoridade pública intervenha ou não na questão. Quando dizemos conflito, trata-se do clássico confronto de interesses materiais, ou de privilégios sociais, ou de influência política; no entanto, também existe o conflito de natureza normativa ou cognitiva. Esse último representa diferenças entre as representações dos fenômenos, o sentido e o significado que se dá aos dados brutos, aos “fatos”, variando entre grupos e ao longo do tempo. O exemplo clássico de conflito cognitivo na formação de agenda é o do sentido dado às estatísticas sobre desemprego: quando é que o número de desempregados é considerado insustentável e exige uma intervenção pública? A taxa de desocupação estimada pelo IBGE para o Brasil, em janeiro de 2007, era de 9,3%4, o que não pareceu suscitar qualquer grande controvérsia. Por outro lado, uma taxa desta natureza chegaria a provocar escândalo em países como Irlanda (desemprego em 4,4% para o mesmo período), Coreia do Sul (3,2%), Japão (4,0%) ou Holanda (3,6%)5. Os limites da tolerabilidade de uma situação ou o grau de conflito que suscita, são uma construção social cujo sentido varia segundo cada conjuntura histórica de cada país. Personagens da agenda Diante um conflito, como os que compõem a agenda de uma determinada autoridade, ninguém é igual aos demais. Essa afirmação poderia parecer uma banalidade, no entanto, é relevante ao nosso estudo atentar para uma dimensão especial dessa desigualdade: a capacidade de mobilização perante cada um dos problemas6. Nesse sentido, existem dois tipos de personagens na formação das agendas: 4 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – Pesquisa Mensal de Emprego/Quadro sintético – disponível em: <http:// www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/quadro_sintetico012007.pdf>, acesso em 11/03/2007. 5 Para todos os países, dados da OCDE, OECD Statistics, Standardized Unnemployment Rates, disponível em: <http://stats. oecd.org/WBOS/Default.aspx?QueryName=251&QueryType=View>, acesso em 11/03/2007. De fato, a média dos países da OCDE alcança tão somente 5,8 % como taxa de desemprego. 6 Esta diferenciação foi introduzida por Cobb, R.; Elder, C.D. Participation in American politics: the dyamics of agenda-building. Boston, Allymand Bacon, 1972. (apud MÉNY;THOENIG, 1992. p. 126) 17 SurgimEnto dE um ProbLEmA PúbLiCo │ unidAdE i » Os atores, propriamente ditos: são os que se mobilizam, social e politicamente, fazendo uso de todos os recursos políticos – em geral, partidos, associações de interesse em cada tema, movimentos sociais organizados, agem como atores em relação às questões de seu interesse. A fixação do salário-mínimo, no Brasil, por exemplo, mobiliza diretamente como atores o governo, as organizações associativas de nível nacional dos assalariados e dos empresários, e outros com interesse direto, como outros tipos de empregadores, como Estados e Municípios. Dentro desse grupo, é possível ainda fazer uma distinção entre: › atores de identificação, aqueles que são os mais ativos e promovem diretamente a discussão e as reivindicações sobre o tema; › atores de atenção, aqueles que, com menor grau de interesse e atividade, apenas observam atentamente o desenrolar da discussão, para intervir apenas em situações específicas em que um seu interesse pontual possa ser afetado. » Os atores públicos, aqueles que, por diversas razões, não apresentam mobilização capaz de influenciar diretamente o desenvolver da discussão; um determinado público não é um agregado indistinto de pessoas: é formado por aqueles que são afetados pelo assunto em discussão, mas não apresentam capacidade de intervenção imediata, no entanto podem ter reflexos mediatos ou indiretos (por exemplo, a capacidade de mobilização imediata do conjunto de aposentados é pequena, mas uma política previdenciária que não leve em consideração esse público numeroso certamente terá reflexoseleitorais num futuro um pouco mais longo). Esse esforço de diferenciação dos envolvidos, ainda que apresente naturais insuficiências, permite romper com a divisão tradicional entre “políticos” (os que fazem política profissionalmente) e “público” (todos os demais, que apenas emitem opiniões) – havendo muito mais envolvidos em uma Política Pública que apenas os políticos profissionais. Essa multiplicidade de personagens, é mostrada por meio de um estudo mais extenso de um caso que, aparentemente, representaria uma política de alto conteúdo técnico e pequena diversificação de agentes: a política de telecomunicações na década 1990-2000 na Espanha, período em que aquele país saiu de um regime de monopólio estatal para um sistema de concessões privadas completamente alinhado aos padrões liberalizantes – e uniformes – da União Europeia: Em conjunto, durante a primeira metade dos anos 1990 o setor das telecomunicações na Espanha produziu políticas originais de caráter regulatório e, ao mesmo tempo, gerou a incorporação aos cenários do setor de uma multidão de novos atores, interessados em participar de algum modo na discussão sobre as novas opções políticas e empresariais que se abrem. A rapidez da liberalização, assim como a intensidade de um certo protecionismo efetivo, foram os dois eixos que, tentativamente, articularam as posições dos atores no setor, ainda que em um contexto fluido, com contínuos reposicionamentos, dadas as sucessivas mudanças normativas, as novas possibilidades tecnológicas e o próprio aprendizado dos atores que se 18 UNIDADE I │ SURGIMENTO DE UM PROBLEMA PÚBLICO iam introduzindo no setor. Empresas de serviços (transportes, elétricas etc.), bancos, associações de profissionais, grupos de comunicação, multinacionais, associações empresariais, Administrações locais e regionais etc., configuram boa parte desses atores que pugnam por estar presentes no setor, ao mesmo tempo em que desenvolvem rápidos processos de aprendizado e de reformulação de interesses e identidades. Esse processo de entrada constante de novos atores gerou as consequentes tensões de reconhecimento e aceitação por parte dos atores tradicionais, já instalados nos âmbitos-chave do setor. Nesse sentido, a existência do Conselho Assessor das Telecomunicações constituiu um dos canais de reconhecimento – ainda que não o único – dos novos atores que desejavam participar no setor. A função deste órgão consultivo do governo indica uma interessante pista sobre a natureza dominante do Estado no setor, onde os atores comparecem para conseguir informação, contatos e introduzir seus pontos de vista, diante de tomadores de decisão que, com suas próprias tensões internas, têm capacidade suficiente para seguir seu rumo sem realizar negociações reais com essa variedade de novos atores. [...] O papel das associações de usuários também foi bastante destacado. As associações de consumidores tiveram escassa presença, e só intervieram muito pontualmente em temas relacionados com os aumentos de tarifas telefônicas, mas os usuários empresariais constituíram-se em um elemento muito destacado na ativação do setor. Constituída já, desde 1987, por representantes de grandes empresas industriais e de serviços, a Associação de Usuários de Telecomunicações (AUTEL) configurou-se, ao longo desses anos, como uma ativa organização que articulava posições liberalizadoras, em linha com a política comunitária [da Comunidade Europeia], e tinha como objetivo conseguir melhores serviços e custos mais reduzidos nas comunicações de suas empresas. O perfil das políticas industriais relacionadas com as novas tecnologias foi bastante baixo nos últimos anos, apesar de alguma insistência entre os empresários do setor (CASTELLS, 1995). No entanto, no início dos anos 1990 voltaram a crescer as exportações, devido à utilização da Espanha como plataforma de produção para a exportação por parte de várias importantes multinacionais, devido ao efeito que implicavam as atividades da Telefônica7 na América Latina. Conscientes da dureza da competição industrial, e da existência de sofisticados mecanismos de proteção, [dissimulados e] de pouca visibilidade, a indústria produtiva implantada na Espanha tentou evitar o dilema nacional/multinacional. Assinalando precisamente a inexistência de uma política efetiva nos primeiros anos noventa, os empresários de equipamentos de telecomunicações pediram insistentemente nos últimos anos 7 Compañía Telefónica de España, o antigo operador monopolista estatal que, privatizado nos anos 1990, assumiu a dianteira no novo perfil empresarial do setor de telecomunicações, terminando a década como controlador de inúmeras concessionárias privatizadas de telecomunicações na América Latina (inclusive no Brasil). 19 Surgimento de um Problema Público │ unidade i na política industrial articulada em torno da “maximização do valor agregado nacional, entendido em seu sentido mais amplo: contribuição ao emprego, à balança de pagamentos via exportações, à inovação tecnológica por meio de investimentos em P&D...” (CANALEJO, 1994, p. 56), e criticaram as políticas macroeconômicas orientadas a reduzir custos de fatores como os salários, enquanto abandonavam as intervenções de caráter microeconômico que podem influir na demanda industrial e na geração de habilidades tecnológicas. (GOMÀ; SUBIRATS, 1998, pp. 287-289) Naturalmente, cada incorporação de um novo tema à agenda tem uma distribuição específica de atores e públicos, e são numerosos os exemplos que mostram os profissionais da política totalmente ultrapassados, no protagonismo como atores, pelas organizações ou movimentos sociais organizados. O exemplo mais recente (e mais dramático) dessa situação extrema é próximo ao Brasil: a violenta crise social, com raízes na política econômica, que afetou a sociedade argentina nos últimos meses de 2001. Nesse momento histórico, o processo de introdução de temas à atenção institucional e de defesa de posições sobre problemas públicos (tais como o desemprego e o tratamento de poupanças no âmbito do sistema financeiro) desbordaram o procedimento institucional habitual, sendo pressionados diretamente pela ação de grupos organizados de fora do sistema político: A desvalorização [cambial] e a pesificação8 da economia levou a classe média – horrorizada porque perdia suas poupanças em dólares – a reunir-se de forma inédita em assembleias de vizinhança e para mobilizar-se contra os bancos. Destroçaram as fachadas, os caixas automáticos e atacaram as residências de numerosos políticos, a quem culpavam de todos os males do país. Durante os primeiros meses de 2002, milhares de cidadãos em sua maioria de classe média, autoconvocaram-se em praças de bairro e começaram a debater a partir da palavra de ordem “Que se vão todos”. A “assembleia” foi adotada como forma de discussão direta para resolver todos os problemas e como oposição aos partidos políticos tradicionais. (SILLETA, 2005. p. 93) Essa intolerância generalizada da sociedade com seus dirigentes foi a antessala da crise institucional, política e de representatividade que sobreveio depois da queda de De la Rúa, e que esvaziava permanentemente de legitimidade qualquer decisão que se tomasse desde o ponto mais alto do sistema político. Assembleias de vizinhança autoconstituídas e o famoso grito “que se vão todos” faziam titubear por alguns momentos a democracia argentina tal como era conhecida até então, e aumentavam as possibilidades de uma escalada de violência social que pudesse terminar em períodos de anarquia no melhor dos casos, ou de manu militari no pior. (DÍEZ, 2003. p. 65) Qual será, então, o percurso de um problema em mãos dos atores e públicos a ele vinculados, até receber seu lugar na agenda? 8 “Pesificação” foi o nome atribuído ao processo de conversão dos ativos e passivos financeiros denominados em dólares no sistema financeiroargentino para outros ativos e passivos denominados em pesos, inconversíveis, levada a efeito com o colapso da paridade cambial fixa naquele país em dezembro de 2001 e janeiro de 2002. 20 UNIDADE I │ SURGIMENTO DE UM PROBLEMA PÚBLICO nascimento dos problemas As necessidades de ação pública, sejam fáceis ou difíceis de enunciar em cada caso, evidentemente existem, e vêm de várias fontes, tornando extremamente desafiadora a tarefa da autoridade pública a identificá-las. Vejamos, de forma gráfica, algumas das possíveis origens de necessidades de ação pública, que se manifestam desde dentro e desde fora da instituição governamental (em algumas delas, essa localização chega a ser imprecisa): COMPROMISSOS CONTIDOS NOS PROGRAMAS ELEITORAIS PARLAMENTARES E COMISSSÕES DO PODER LEGISLATIVO AVANÇOS TECNOLÓGICOS (EX.: A DISSEMINAÇÃO DA INTERNET E AS OPORTUNIDADES DE OFERECER SERVIÇOS ON-LINE DECISÕES JUDICIAIS (EX.: IMPONDO UMA DETERMINADA PRESTAÇÃO ESTATAL) MANIFESTAÇÕES E LOBBY DE GRUPOS ORGANIZADOS (EX.: ASSOCIAÇÕES DE DEFESA AMBIENTAL; SINDICATOS) MANIFESTAÇÕES INDIVIDUAIS DE CIDADÃOS (DIRETAMENTE AO GOVERNO, AOS PARLAMENTARES OU VEICULADAS PELA MÍDIA) ORGANISMOS INTERNACIONAIS (EX.: AS REGRAS FIXADAS NO ÂMBITO DO MERCOSUL) IDEIAS OU PROJETOS PRÓPRIOS DAS AUTORIDADES TRANSFERÊNCIA SDE COMPETÊNCIAS (EX.: A DESCENTRALIZAÇÃO DE COMPETÊNCIA POR UMA DETERMINADA ÁREA DE POLÍTICA A UM GOVERNO LOCAL) “EFEITOS CRUZADOS” DE OUTRAS POLÍTICAS (EX.: CONSTRUÇÃO DE SANEAMENTO URBANO REDUZ INCIDÊNCIA DE PROBLEMAS DE SAÚDE ANÁLISE DE TENDÊNCIAS DE RECEITAS E DESEPAS (EX.: ELEVAÇÕES CONTÍNUAS DE CUSTOS REVISÃO POR NÃO SEREM SUSTENTÁVEIS) TRATADOS INTERNACIONAIS (EX.: POLÍTICAS AMBIENTAIS EM FUNÇÃO DO PROTOCOLO DE KIOTO) SURGIDAS DE FORA DA INSTITUIÇÃO GOVERNAMENTAL SURGIDAS DE DENTRO DA INSTITUIÇÃO GOVERNAMENTAL POSSÍVEIS ORIGENS DA NECESSIDADE DE UMA POLÍTICA REVISÕES OU AVALIAÇÕES DAS POLÍTICAS PREEXISTENTES EVENTOS EXTERNOS (EX.: UMA CRISE FINANCEIRA MUNDIAL OU UMA EPIDEMIA) Fonte: adaptado de nao, 2001, p. 39. 21 Surgimento de um Problema Público │ unidade i No entanto, venham de onde vierem os fatos objetivos que lhe derem origem, a existência como tal de um problema social (no sentido que vimos utilizando, ou seja, um problema reconhecido como tal dentro da sociedade, que legitime a intervenção pública aos olhos de segmentos relevantes dessa sociedade), procede de duas fontes possíveis: » as carências objetivas dessa sociedade; » sobretudo, a decisão subjetiva daqueles que, em nome da sociedade, classificam um certo fenômeno como problema social. Fica evidente, portanto, que as necessidades nesse âmbito não se definem nem se enunciam com clareza. Para uma empresa privada, uma necessidade social é tudo aquilo que a empresa pode produzir, em bens e serviços, e vender no mercado com lucro. Um serviço público não tem essa facilidade de definição. Muitos “substitutos” podem ser tentados: » a definição expressa ou formal por parte de terceiros (uma lei específica ou padrões técnicos), que substituam o consumidor a partir de um ponto de vista estritamente normativo – o caso mais típico é o dos serviços cuja provisão ou disponibilidade seja expressa e claramente determinada por uma lei; » a necessidade expressa por atos concretos daqueles que seriam os potenciais destinatários dos serviços (em um exemplo tristemente comum, quando a população de um bairro periférico paga os serviços de transporte clandestino ou irregular, expressa, por meio de um ato de consumo, a necessidade de uma prestação regular do serviço público de transporte); » a necessidade como tal enunciada pela população mediante manifestações de toda natureza (abaixo-assinados, manifestações de rua, pedidos individuais às autoridades), situação que, muitas vezes, gera uma enunciação imprecisa e traz a necessidade de que especialistas, intermediários políticos ou as autoridades responsáveis interpretem o desejo latente por detrás da manifestação; quanto a esse tipo de percepção, é preciso extremo cuidado: os consumidores ou o público em geral “falam pouco”; por sua vez, muitos atores sociais, pressurosos, vêm falar em seu nome: intermediários políticos, líderes de grupos organizados, e a própria autoridade pública envolvida. » a “necessidade comparativa”, que emerge do esforço de comparação entre duas ou mais situações sociais ou geográficas, em termos de serviços prestados. Sintetizando esse ponto por meio da definição ilustrativa de Parsons (2001, p. 87), existem “assuntos” (issues), que podem ou não transformar-se em “problemas” (problems): a existência de pessoas dormindo nas ruas é um assunto, um dado social, que, em determinadas circunstâncias, pode ser considerada um problema de desamparo social a clamar pelo acolhimento dessas pessoas. Pode-se inclusive chegar a um alto grau de consenso sobre o assunto (existem pessoas dormindo nas ruas), sem que isso implique concordância sobre qual é exatamente o problema (nesse exemplo, falta de oportunidades econômicas versus falta de responsabilidade dos próprios envolvidos). É bastante 22 UNIDADE I │ SURGIMENTO DE UM PROBLEMA PÚBLICO ingênua, portanto, a hipótese de que “os fatos falam por si mesmos” – ao contrário, são atores e públicos que falam em nome dos fatos. Nesse sentido, a inserção de um problema social na agenda é também uma construção cultural, um fato que obedece a uma estrutura cognitiva e moral, na medida em que representa a consolidação, em segmentos significativos, de crenças sobre as situações e os acontecimentos que serão vistos como problemas. Essa dimensão cognitiva do conflito tem várias faces. Figura 4 – dimensão congitva do conflito A PRÓPRIA EXISTÊNCIA DO PROBLEMA (*ESTE FATO SOCIAL É REALMENTE UM PROBLEMA E REQUER MUDANÇAS?”) AS CAUSAS (“O ACONTECIMENTO A É A CAUSA DO ACONTECIMENTO B?”) AS RESPOSTAS (“QUE FAZER DIANTE DO PROBLEMA?”) AS RESPONSABILIDADES (“QUEM DEVE AGIR EM RESPOSTA AO PROBLEMA?”) Um problema público, assim, é socialmente “assumido”: tal ou qual segmento da sociedade se responsabiliza por ele, à medida que põe recursos para promover a intervenção pública sobre ele, para exigir do poder público que “faça algo a respeito”. A formulação do problema pode afetar tanto os interesses diretos desses segmentos quanto, em alguns casos, mobilizar posições de princípios e valores. Mény; Thoenig (1992, p. 120) mencionam um caso sui generis da realidade americana, mas que deixa a questão bastante clara: Gusfield toma como exemplo a este respeito o problema da homossexualidade nos Estados Unidos. Os psiquiatras foram seus “proprietários”, ou seja, a autoridade a que recorriam os outros grupos para obter uma definição e soluções, com o que 23 Surgimento de um Problema Público │ unidade i a homossexualidade se viu “psiquiatrizada” como problema público. Pode ocorrer, não obstante, que um grupo perca seu estatuto de propriedade a favor de outras instituições ou meios. O problema público tem todas as possibilidades de ver-se redefinido em sua estrutura cognitiva e moral. Dessa maneira, a homossexualidade se converteu em uma iniciativa cívica em mãos de grupos que lutavam pela igualdade de direitos para as “minorias”. Ou seja, um mesmo fato social é entendido, em momentos históricos distintos, ora como um problema de saúde pública, ora como um indicador de outro problema diferente (a necessidade de ampliação do reconhecimento de direitos civis). Dessa forma, o mesmo fato pode constar na agenda sob os mais distintos enfoques. Também, no mesmo tempo histórico o conflito não é estático: os atores iniciais, que suscitam um determinado problema, podem atrair a atenção (deliberadamente ou não) de outros atores e públicos à medida que levam adiante suas estratégias. Isso decorre, por certo, do caráter “aberto” ou insuscetível de definição inequívoca dos problemas dessa natureza (o que fica evidente quando são comparados aproblemas do mundo físico ou natural, que permitem uma enunciação imensamente mais precisa9). Em outros termos, os problemas de Políticas Públicas, por melhor que se lhes consiga formular, são sempre típicos daqueles que Matus (1989, pp. 107-108) denomina de “problemas quase estruturados”: são condicionados por regras, mas as regras não são inequívocas, nem invariáveis, nem iguais para todos, já que os homens criam as regars e às vezes as mudam para solucionar os próprios problemas; são problemas nos quais o homem “está dentro”, e a partir desta posição é que o conhece e explica; o sistema em que está inserido o problema tem continuidade – a solução de um problema gera outros problemas conexos, e a eficácia de uma solução é discutível ou relativa aos novos problemas que emergem10. Como consequência do caráter cognitivo de boa parte dos conflitos em torno da inserção de problemas na agenda, boa parte dele desenrola-se no terreno simbólico, ou seja, no universo dos valores e normas emocionalmente mobilizadoras. Os empresários sabem muito bem apelar para o interesse geral do país, o futuro da economia nacional e a geração de empregos, quando o tema em questão é a concessão de subsídios estatais a determinado segmento empresarial. Inversamente, um governo desinteressado na prestação de um determinado serviço que não interessa aos seus interesses eleitorais pode justificar a sua supressão com base na “eficiência no uso do dinheiro do contribuinte”. Essas estratégias, porém, não devem ser desqualificadas como simples demagogia ou mera racionalização de interesses inconfessáveis. Tratam-se de estratégias de formação de alianças com públicos mais amplos: quanto mais se transforme o tratamento de um problema em uma visão emocional e simplificada, mais amplo tende a ser o interesse que suscita na cidadania – por exemplo, 9 Repare que dizemos “mais precisa”, em termos comparativos. Não se deve afirmar a “objetividade absoluta” dos problemas das ciências naturais (qualquer cientista reagiria vigorosamente a isso), mas simplesmente a diferença significativa do grau de precisão descritiva que podem atingir em comparação com os problemas da vida social. 10 A descrição do conceito de “quase estruturado” aqui é feita de modo apenas ilustrativo, com os traços principais desse conceito, que é abordado em profundidade em MATUS, 1989, pp. 107-108. 24 UNIDADE I │ SURGIMENTO DE UM PROBLEMA PÚBLICO a existência objetivamente documentada de corrupção policial e judicial, por mais graves que sejam suas consequências, mobiliza a oposição de muito menos pessoas que as tragédias individuais ocasionadas pela disseminação da criminalidade violenta, que é uma de suas consequências. Naturalmente, o sucesso desse tipo de estratégia, de natureza retórica, dependerá da habilidade dos atores que a adotem em associar o problema a valores ou emoções que encontrem forte ressonância para os públicos que desejam influenciar. Nesse sentido, os meios de informação e comunicação de massa desempenham um papel absolutamente essencial na associação do problema a uma dimensão emocional relevante, na medida em que são a chave por excelência para o acesso a essa dimensão nos segmentos majoritários da população. O convencimento pelo apelo à retórica, aliás, não é um “desvio” da esfera público/política – nas palavras já clássicas de Arida (2003, p. 34), o próprio debate científico sobre os temas de economia e sociedade é conduzido pelo poder de aliança com os públicos relevantes. Na história do pensamento econômico as controvérsias são resolvidas não porque uma das teses foi falsificada, mas sim porque a outra comandou maior poder de convencimento. Controvérsias se resolvem retoricamente; ganha quem tem maior poder de convencer, quem torna suas ideias mais plausíveis, quem é capaz de formar consenso em torno de si. Acesso à agenda O acesso à agenda não é livre nem neutro. O controle do acesso de um problema à agenda de discussão pública é um recurso político decisivo para quem o detêm: num parlamento, determinadas posições de liderança institucional (presidência ou secretarias) são particularmente disputadas, pois permitem selecionar os projetos e proposições que serão trazidos à consideração do colegiado parlamentar. Nem é preciso lembrar do enorme poder da imprensa de colocar qualquer tema na ordem do dia do interesse popular, ou ao contrário silenciar qualquer tema de suas páginas ou emissões – nesse sentido, a mídia é indiscutivelmente o maior fator de controle de acesso à agenda pública nas sociedades ocidentais modernas. Mas podemos perguntar: » Qualquer assunto pode virar tema da agenda governamental? » Quais os critérios ou condições que permitem que um determinado assunto faça parte da agenda governamental? o problema deve ser responsabilidade de autoridade pública Primeiro, o problema deve ser responsabilidade de alguma autoridade pública. Responsabilidade, aqui, é entendida não no rigoroso sentido jurídico de “Competência”, atribuições privativas do ente estatal e expressas em alguma lei, mas com um maior grau de flexibilidade que permita inclusive a inclusão de temas na responsabilidade da autoridade considerada. Em outras palavras, a formação 25 Surgimento de um Problema Público │ unidade i da agenda é, também, um processo social permanente de atribuição (ou cassação) de tarefas ou responsabilidades às diferentes autoridades públicas – a formalização jurídica das atribuições de entidades não faz mais que traduzir mais ou menos adequadamente as pressões políticas. Tomemos exemplos: a manutenção da ordem mediante a repressão à criminalidade é inegavelmente responsabilidade (e competência jurídica) dos entes estatais – não há dúvida a esse respeito. Outros temas são mais polêmicos, tendo suscitado historicamente muitas controvérsias: legislar em matéria de reprodução humana (reprodução assistida, interrupção da gravidez, células-tronco) gerou – e ainda gera – muita polêmica sobre quais são os limites entre o espaço da autonomia privada e aquele em que deveria o Estado intervir de qualquer forma. Todas as discussões sobre desregulamentação estatal na economia são, de uma forma ou de outra. No outro extremo, dificilmente se conceberia, numa democracia moderna, a intervenção governamental para modificar a forma de jogo da seleção nacional de futebol, por exemplo11. Mas o próprio fato de ocorrer a controvérsia é significativo: a possibilidade de intervenção estatal nesse tema específico desperta uma tal rejeição que é considerada indicador de autoritarismo político. Nesse ponto, é preciso cuidado com o que significa “entrar na agenda”: temos o impulso intuitivo de associar a atenção da autoridade governamental à realização de atividades para solução concreta do problema – nas crônicas políticas e biográficas são muito comuns as afirmações deste tipo: Havíamos praticamente ocupado todo o espaço a que nos habilitara a lei que criara a SUDENE. Surgira uma nova mentalidade na região. [...] Criara-se um clima de confiança no governo. Se um problema era entregue à SUDENE, ninguém duvidava de que alguma solução seria encontrada.12 (FURTADO, 1986, p. 174) Mas isso não é sempre verdade: a atenção e escuta governamental não significa que a autoridade pública vá agir. A atenção pode desembocar em inação, e por distintas razões: o simples fato de prestar atenção e fazer declarações à imprensa para declarar que se ocupará do problema pode ser considerado politicamente significativo. Não faltam exemplos ilustrativos. 11 O exemplo não é casual – as discussões protagonizadas por João Saldanha como técnico da seleção brasileira de futebol em 1969 em torno da escalação do time são recordadas como exemplo quase caricato da ausência de democracia no País: O centroavante era esse, mas o técnico era o João Saldanha. O João Saldanha era o técnico, quando, lá no estádio do Internacional, no intervalo do primeiro para o segundo tempo, a imprensa conseguiuo milagre de chegar perto do Presidente – o que era uma coisa impossível, mas o Médici gostava de futebol – e perguntou: “Presidente, o que o senhor acha do time? “– Está bom.” “- O senhor faria alguma convocação diferente?” O Presidente, com certa elegância, disse: “Eu convocaria o Dadá”. Aí, os repórteres foram ao João Saldanha, o técnico, e disseram: “João Saldanha, o Presidente terminou de dizer que, se o técnico fosse ele, ele convocaria o Dada”. E João Saldanha respondeu: “Fiz um trato com o Presidente: eu não me meto no Ministério dele, e ele não se mete na escalação do Brasil. Mas, logo, logo, demitiram-no.”. (SIMON, 2006, p. 216) Sobre a existência do episódio, há controvérsias históricas: Nela, eu repetia coisas que ouvira e lera desde que me entendia por gente, ou seja, desde a Copa de 70: João Saldanha deixara de ser técnico do escrete por se recusar a convocar o centroavante Dario, xodó do general-presidente Médici; Zagalo (então com apenas um éle ) assumira em seu lugar e convocara Dario; no entanto, não ousara mexer no time de feras do “João Sem Medo”. Lembrava isso para criticar o defensivismo da seleção da qual Zagalo era o coordenador técnico. Evandro apresentava outra história: Saldanha caíra porque a seleção não estava rendendo bem e, ainda por cima, o técnico implicava com Pelé, a quem considerava meio cegueta. Segundo ele, Médici era até favorável à permanência de Saldanha. Contava isso com irrefutáveis veemência e riqueza de detalhes, num retrato que não endossava a imagem do herói solitário. (DAPIEVE, 2001) 12 Perceba-se que Furtado aponta que a situação relatada é específica, resultante do intenso processo histórico de construção de uma política regional que descreve. 26 UNIDADE I │ SURGIMENTO DE UM PROBLEMA PÚBLICO Assim, na campanha eleitoral de 1994, quando disputou a prefeitura do Rio pelo PFL, [César] Maia tratou de se credenciar como o representante da direita, como “o candidato da lei e da ordem”. [...] Apesar de segurança pública ser um tema afeito ao governo do estado, e não à prefeitura, ao longo da campanha Maia fez sucessivas promessas ligadas ao tema, promessas que ele próprio sabia que jamais poderia cumprir, por não serem da alçada de um prefeito. Mas se aproveitava da ignorância de alguns e da preocupação crescente de muitos em relação à questão. Depois, como prefeito, já que não poderia mesmo fazer nada de significativo pela segurança pública, usou a única forma de que dispunha para seguir empunhando a bandeira: abriu polêmica sobre o assunto. (BENJAMIM, 1998, pp. 79-80) Na realidade, as respostas que pode dar a autoridade pública, ainda na etapa de formação de agenda, são muito variadas. Algumas são francamente negativas. Pode tentar rechaçar, recusar a entrada em discussão de algum problema que tenha sido trazido o debate público. Pode escolher, também, atuar “contra” o problema: bloqueá-lo, desativá-lo, transformá-lo em assunto de pilhéria – muitas vezes, a iniciativa da oposição parlamentar de criação de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) recebe tais respostas por parte da maioria legislativa que apóia o Executivo de turno. Mais indiretamente, a ação governamental pode tentar atacar o problema por meio da ação direta sobre os atores envolvidos: desacreditando-os; buscando contornar sua intermediação e dirigir-se diretamente aos públicos relevantes; cultivando rivalidades entre eles; buscando cooptá-los por meio de vantagens diretas ou indiretas de variada natureza (essa cooptação pode ser de natureza ilícita, mas não necessariamente o será em todos os casos13). Todo esse leque de “não respostas”, que tendemos a associar com o subdesenvolvimento, mostra-se de forma exemplar quando do surgimento de escândalos de corrupção no financiamento de partidos políticos. Mostramos, aqui, um exemplo já historicamente depurado, longe das polêmicas recentes – a Espanha nos primeiros anos da década de 1990: As estratégias levadas a efeito pelos partidos políticos ante os escândalos de corrupção geral endossam empiricamente as implicações teóricas do modelo utilizado. Depois da onda de escândalos dos anos 1990 foram os partidos da oposição os primeiros em propor medidas para fazer frente à corrupção no debate [no Parlamento] sobre o Estado da Nação de 1992. Mais que pela convicção de que esses mecanismos eram realmente necessários, tais medidas foram em princípio apresentadas como parte da luta político-partidária. Ainda que, como se expôs, todos os partidos tinham poucos incentivos para amarrar as próprias mãos, os do partido no governo eram ainda menores. Para ele, reconhecer a necessidade de pôr em funcionamento tais medidas pressupunha aceitar sua responsabilidade nos escândalos e dar razão às críticas formuladas 13 Por exemplo, a autoridade governamental pode oferecer ao líder de um movimento contestatário radical um posto no próprio governo, com o fim de mobilizar sua influência nesses meios em favor do governo (caso que se sucedeu recentemente na Argentina, quando o governo Kirchner reduziu a forte pressão de manifestações populares, mediante a nomeação de um dos principais líderes desse movimento para um cargo de primeiro escalão no Ministério do Trabalho (CURIA, 2006, pp. 185 e 219) 27 Surgimento de um Problema Público │ unidade i pela oposição. Quer dizer, seria aceitar ante a cidadania que sua honradez deixava muito a desejar. Para evitar o custo eleitoral que isso lhe poderia ocasionar, o Governo adotou uma série de estratégias voltadas a salvar sua reputação, menos custosas sem dúvida que aquelas outras relacionadas com o estabelecimento de controles externos sobre sua atividade. Assim, a ocultação dos fatos, a negação da existência de corrupção institucionalizada e a judicialização da apuração de responsabilidades serão estratégias seguidas pelo partido no governo, apoiado em sua maioria absoluta [no Parlamento]. A mudança de estratégia só se produziu a partir de 1993, mas, sobretudo a partir de 1994, sua credibilidade estava tão questionada e sua força parlamentar tão enfraquecida que não tinha outra saída que empreender medidas de controle da corrupção. (COUSINOU, 2005, p. 74) Mas a autoridade pode também aceitar, em maior ou menor grau, o problema suscitado. Pode responder apenas simbolicamente, recebendo os interessados e ouvindo-os atentamente. A simples escuta parece (e é, muitas vezes), mera evasiva, mas em determinadas situações dramáticas a simples interlocução respeitosa é parte indispensável da ação política legítima: Uma das depoentes sintetizou a natureza do ritual que, inadvertidamente, realizávamos: Eu acredito nesse governo, acredito no coronel PATRÍCIO, que tem sido muito respeitador e até amigo, nessas semanas em que está comandando o 3º BPM. Eu acho até que podemos acreditar que a polícia vai mudar. Mas para que a gente ouça o coronel Patrício, ouça vocês e confie em vocês, é preciso que antes a gente conte tudo o que aconteceu aqui, tudo o que a gente passou, todo o sofrimento desses anos. Como sugeria Mandela, ‘verdade e reconciliação’. Os gregos, na Antiguidade clássica, consideravam o esquecimento a pior punição, a mais grave das maldições, o pior que se poderia desejar a um ser humano. Aprendi, no Jacarezinho, que a superação da tragédia coletiva depende da celebração pública da memória individual e coletiva dos grupos vitimados pela barbárie do Estado. A reconciliação será possível apenas se aprendermos a suportar a verdade. Eu sabia que havia violência policial. Conhecia detalhes de histórias cruéis. Mas nada se compara ao contato direto com os depoimentos vivos dos que carregam a dor de perdas tão trágicas, revoltantes, injustas, fúteis. Pela força da emoção, compartilham a dor e nos transportam, com realismo, para as cenas dos crimes. (SOARES, 2000, p. 38) Ainda aceitando parcialmente a demanda, a autoridade pode invocar razões de força maior para declarar que aceitaa necessidade de atuar, mas algo imponderável o impede – há o argumento bastante comum baseado na falta de recursos orçamentários, seja essa escassez real ou não. Pode ainda postergar o atendimento real da demanda, fazendo uso dos expedientes já clássicos (e mesmo caricatos) de formar “um grupo de trabalho” ou “uma comissão” para “estudar o assunto”. Outra solução, aparentemente muito sólida, mas em realidade parcial, é a simples definição de um procedimento ou regra para tratar o problema, sem nenhum compromisso com o conteúdo desse 28 UNIDADE I │ SURGIMENTO DE UM PROBLEMA PÚBLICO tratamento – também é clássico e quase caricato o “remédio” de criar um organismo governamental especializado para “resolver” um determinado problema, organismo esse que necessita não só da criação formal, mas também de providências posteriores (legislação específica, recursos orçamentários, formação de pessoal etc.). Também parcial é tratar uma pequena parte do problema que tenha um valor simbólico, mas sem atacar verdadeiramente o fundo do problema – distribuir ajuda ocasional aos desempregados, em momentos de maior agitação social, em lugar de enfrentar as causas do desemprego. Por fim, o agente governamental pode tomar em conta a totalidade da demanda, ou mesmo antecipar-se a ela, sem esperar que se desenvolva a partir de outros agentes externos. o problema deve ser percebido como insatisfatório Aparentemente, trata-se de condição óbvia, mas que nem por isso deixa de ter consequências analíticas. Se um grupo relevante de atores consome recursos para inserir um problema na agenda, é evidente que em sua percepção há uma diferença entre “o que é” e “o que deveria ser” em relação a algum fato social, diferença essa de tal monta que torna a situação inaceitável para esses agentes, fazendo-os mobilizar-se politicamente. É necessário identificar o grau de insatisfação dos atores e públicos em relação à situação considerada, como variável importante da dinâmica da formação da agenda. o problema deve ser “abordável” em termos de atenção pública Para que um problema conste na agenda de forma sustentável, é preciso que esteja “convertido”, de um certo modo “traduzido” em dimensões que coincidam com aquelas “tratáveis” pela autoridade pública. Essa possibilidade de tratamento tem duas faces: uma de natureza, outra instrumental. Primeiro, a própria natureza de um problema pode ser insuscetível de uma intervenção direta do poder público, sendo esse inoperante (seja de imediato, seja em longo prazo). O exemplo mais forte dessa natureza insuscetível está na questão das drogas ilícitas: é perfeitamente coerente com a natureza da atuação estatal a repressão à oferta de entorpecentes, e mesmo a repressão à sua demanda dos mesmos por meio da imposição de restrições à sua aquisição e o seu uso (a mais extrema das quais é a criminalização)14. Por outro lado, um dos fatores mais poderosos e assustadores do fenômeno das drogas é o componente subjetivo da demanda, aqueles impulsos individuais que fazem nascer nos indivíduos o desejo de iniciar ou continuar o seu consumo – e esse componente não é inteiramente passível de intervenção estatal: pode-se até restringir fisicamente as oportunidades do contato de um adolescente com drogas, por exemplo, mas dificilmente se poderá influir diretamente nas inclinações psicológicas ou emocionais que o levam a dar esse passo. Ainda que se deva buscar meios indiretos de influenciá-lo (de acompanhamento médico preventivo, 14 Aqui abordamos o problema do ponto de vista da possibilidade de ação estatal sobre estes aspectos do problema, sem entrar em juízo de valor sobre a eficácia relativa de cada um, uma vez que os objetivos do texto não abrangem a discussão de mérito sobre o tema. 29 Surgimento de um Problema Público │ unidade i de discussão e informação), essa dimensão do problema irá depender profundamente da dinâmica intrafamiliar, dos traços culturais prevalecentes na comunidade em que se insere o jovem, fatores sobre os quais a ação estatal é muito indireta. Então, os atores que sustentam a necessidade de ação pública sobre essa dimensão específica do problema das drogas defrontam-se com um limite bastante fluido sobre a própria possibilidade real daquilo que sustentam15. A dimensão instrumental da possibilidade de tratamento é mais fácil de compreender: a ação governamental tem um código procedimental e simbólico, uma determinada linguagem. É preciso, ao ator interessado, formular o problema que levanta nos termos da ação política e pública: saber a que portas bater, que autoridades têm a possibilidade (legal, material) de intervir no assunto (ou de poder converter-se em intervenientes legítimos em futuro previsível), como formular os pedidos (linguagem, conteúdo técnico) para que seja inteligível, e em que momento. Isso explica em grande medida a força das estruturas clientelistas16 em pequenas cidades do interior, pauperizadas, em que os recursos externos a uma comunidade, dos quais ela depende (toda a estrutura de serviços públicos prestada por entidades externas), são intermediados pelas lideranças locais, que são as que detêm o know-how para formalizar a solicitação, credenciar-se como gestores locais e atuar como interlocutores dos provedores externos. 15 O que não impede, como deixa claro o texto, a proposição de tais ações públicas, mas obriga os seus defensores e formuladores a trabalhar nelas tendo em conta o caráter bastante indireto e as possibilidades limitadas da intervenção governamental. 16 Recorde que já apresentamos neste capítulo os traços essenciais das relações políticas clientelistas. 30 CAPÍtuLo 3 o papel do Estado Você poderá estar-se perguntando: mas se há tanta gente envolvida, a ação pública tradicional não conta para nada? Estudamos durante tanto tempo Gestão Pública, técnicas de análise e formulação de cenários, para virem nos dizer que são os atores políticos que demandam as ações do Estado? Para quê serviriam os dirigentes políticos se apenas se limitassem a atender aleatoriamente às demandas que lhes chegam? E para quê aperfeiçoar a instituição estatal, se não influenciaria o atendimento às necessidades da população? Ponderações interessantes e importantes. De fato, o papel do Estado como instituição e dos seus dirigentes (políticos eleitos e servidores públicos profissionais) é muitíssimo importante: eles têm a possibilidade de tomar em mão grande parte do controle da agenda, pois manejam a informação e a capacidade de mobilizar vastíssimos recursos em favor dos problemas e ações que formulem. A moderna teoria política das democracias desenha um processo político formal-institucional parecido, em suas linhas gerais, ao esquematizado na “ascensão democrática representativa”: os partidos e organizações políticas, como intermediários, captam as manifestações da demanda popular e traduzem-nas nas respectivas ofertas eleitorais, apresentando à deliberação do povo em eleições periódicas o conjunto de problemas que os candidatos propõem à agenda. Vencedor na contenda eleitoral, o partido governante então traz para a prática as medidas submetidas à aprovação popular17. Esse processo, em democracia, de fato ocorre, e não se levanta qualquer dúvida quanto a isso. Toda a discussão deste capítulo não pretende negar essa realidade central: o que é preciso é lembrar que esse não é o único processo nem o governo é o único ator. O governo (assim entendido como aqueles que detém a autoridade formal e o acesso aos meios da instituição estatal) é um ator, importantíssimo ator, mas tem necessariamente de interagir com outros muitos atores (sindicatos, organizações empresariais, imprensa, apenas para nomear alguns de imensa importância) e com outros muitos públicos, tanto para levar adiante a sua agenda quanto para responder às agendas que lhe são trazidas por terceiros. Observe esta pequena história. Há um diálogo entre a prática e a teoria cujo tema é o verbo planejar. A professoraD. Prática pede à Senhorita Teoria Normativa: “Conjugue o verbo planejar”. A Senhorita Normativa responde: “Eu planejo..”. “Muito bem, continue”, diz-lhe D. Prática. “Já terminei, professora”, responde a Senhorita Normativa. (MATUS, 1989, p. 37) Em seu combate às concepções mecanicistas de planejamento e gestão governamental, que pressupõem ser o Estado ator único e onisciente, Carlos Matus desenvolveu um conjunto de trabalhos essencial 17 Uma descrição simplificada e didática desse processo, sob o ângulo dos partidos políticos, pode ser encontrada em NOGUEIRA, 2006, pp. 117-119. 31 Surgimento de um Problema Público │ unidade i para todos os que se interessam pela arte e ciência de governo. Seu enfoque é o de gestão (como resolver os problemas colocados), distinto do nosso foco principal, mas para bem analisar como gerir o Estado, Matus tem de inserir a sua atuação precisamente no ambiente de múltiplos atores. Dessa inserção podemos retirar conceitos extremamente úteis para aprofundar a nossa discussão sobre o papel do Estado na formação da agenda. Em que medida, então, a realidade afasta-se do “modelo ideal” que delineamos acima? Lembra-nos Matus (1987, p. 162) que: Os processos de ganhar eleições, fazer planos de desenvolvimento à maneira tradicional e produzir medidas durante o governo respondem a dinâmicas de distinta natureza, guiadas por distintos critérios de eficácia, em contextos muito diversos, e protagonizadas por agentes diferenciados [...]. Na instância eleitoral, os agentes são distintos dos que atuam no momento do plano econômico de governo e da ação de governo. Os critérios de eficácia, as restrições e as relações de forças que pesam são também distintas. O clima eleitoral e as instituições eleitorais geram motivações e práticas quase opostas às do ambiente de governo a partir do Estado, [ambiente esse] que rodeia o cálculo do plano econômico e a administração burocrática ordinária dos organismos públicos. Com maior precisão, o conceito de “triângulo de governo” evidencia a força e os limites do papel estatal em todas as etapas do ciclo de políticas (MATUS, 1987, p. 17): Figura 5 – o “triângulo de governo” de matus PROJETO DE GOVERNO GOVERNABILIDADE CAPACIDADE DE GOVERNO O dirigente estatal eleito traz consigo as ideias e demandas que ofertou ao eleitorado para compor a agenda, inclusive com propostas concretas de solução: é o seu “projeto de governo”, que será um componente essencial no processo de formação da agenda dos problemas públicos18. Ao agir, porém, esse dirigente defronta-se com os interesses, recursos e estratégias de todos os demais atores em cada um dos itens de sua agenda, e nos problemas que esses próprios atores sustentam independentemente do governo – essa é, em uma formulação simples, a “governabilidade do sistema”19. Além disso, o agente público encontra-se limitado pelas forças e fraquezas de sua própria 18 Por “projeto de governo” não se entenda um único documento ou instrumento institucionalizado: refere-se ao conjunto de decisões, opções e escolhas deliberada e ativamente assumidos pela autoridade pública por iniciativa própria. 19 Mais precisamente, a governabilidade do sistema é uma relação entre as variáveis que um ator controla e não controla no processo de governo, em relação à ação do dito ator. Quanto mais variáveis decisivas controlam maior a sua liberdade de ação e maior, para ele, a governabilidade do sistema. Quanto menos variáveis controla, menor sua liberdade de ação e menor a governabilidade do sistema. (MATUS, 1989, p. 35). 32 unidAdE i │ SurgimEnto dE um ProbLEmA PúbLiCo capacidade gerencial e pela capacidade institucional do aparato público cuja chefia assume – a “capacidade de governo”20. É nesta interação complexa que atua a autoridade pública no processo de formação da agenda. Seu papel como ator na formação de sua própria agenda é veiculado por excelência em seu projeto de governo, porém: [...] a eficácia da ação, em uma situação concreta, depende também, e, às vezes, com força maior, de outras duas variáveis: a envergadura e o conteúdo do projeto de governo, e a governabilidade que o sistema social apresenta e gera ante a tentativa de realizar o projeto de governo. Nessa tentativa de mudar, a equipe de governo está limitada por suas capacidades, que serão desafiadas em medida proporcional à ambição do projeto de governo e à dificuldade para mudar expressa pela governabilidade do sistema, Por sua vez, a governabilidade do sistema não é indiferente a capacidade do governo nem à profundidade das mudanças pretendidas pelo projeto de governo. As relações de força políticas e econômicas, internas e externas, geradas em torno da equipe de governo e de seu projeto, explicam o balanço da governabilidade. É um sistema triangular no qual a capacidade de governo, o projeto de governo e a governabilidade influenciam-se mutuamente. (MATUS, 2000, pp. 16-17) Em síntese, o atendimento das necessidades dos cidadãos depende, e muito, do acerto das ações da autoridade pública, inclusive para que tais necessidades sejam corretamente identificadas e priorizadas na agenda. Essa ação governamental, porém, não se faz no vácuo ou subjugando automaticamente todos os demais agentes sociais. Pelo contrário, faz parte da melhor arte de governar a interlocução lúcida com todos os demais atores e públicos no processo múltiplo de formação da agenda, inclusive para maximizar a influência que sua própria dimensão e importância tem nessa definição dos problemas a enfrentar. olhando para frente e para trás Tratamos, individualmente, dos principais aspectos da etapa de identificação dos problemas, dentro do modelo referencial de ciclo de políticas. Nesse particular, terá ficado claro que, pela sua inafastável dimensão cognitiva, a inserção de um problema na agenda pressupõe uma definição prévia das formas como vai ser enunciado e discutido, definição essa que influencia em grande medida a etapa posterior de formulação de soluções. Nossos instrumentos e conceitos também aqui estão em evidência: a formação da agenda é o momento em que mais caracteristicamente se nota a influência da politics sobre a policy. Da mesma 20 Acervo de técnicas, métodos, destrezas e habilidades de um ator e sua equipe de governo para conduzir o processo social rumo a objetivos declarados, dados a governabilidade do sistema e o conteúdo programático do projeto do governo. [...] A capacidade de governo se expressa em capacidade de direção, de gerência e de administração e controle. (MATUS, 1989, p. 35). 33 Surgimento de um Problema Público │ unidade i forma, a formação de agenda é o momento em que os interesses se vão articulando em torno do assunto, portanto um momento privilegiado para formular hipóteses sobre qual das policys arenas melhor enquadraria a questão envolvida. Também a policy network comparece em sua dimensão analítica: fica claro que atores e públicos são o embrião, já nessa fase tão preliminar, da rede de políticas que se vai formar em torno do problema envolvido. Em contrapartida, não se veem com clareza os inputs, outputs e outcomes. E isso ocorre por uma razão bem clara: a policy que os mobiliza e gera está ainda por se formar (o que reforça o caráter instrumental e aplicado dos referidos conceitos). Mas, e agora? Os atores conseguiram formular seus problemas e colocá-los sob os cuidados e o interesse ativo da autoridade governamental. Encerra-se aí o jogo de influências e interesses? Assumida a demanda a ele colocada, o quê e como atuará o agente público que por ela se responsabilize? 34 unidAdE ii formuLAção E ESCoLhA dE ALtErnAtiVAS dE PoLÍtiCAS CAPÍtuLo 1 Compreensão do problema Antes de começar a leitura do texto, reflita sobre as observações a seguir: » É preciso, contudo, que as sociedades, sejam o que forem, se governem: é forçoso que haja um Estado de qualquer espécie. E esse Estado é chamado a governar uma coisa que não
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