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16/05/2022 10:56 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 1/17 GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS AULA 2 16/05/2022 10:56 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 2/17 Prof. Paulo Nascimento Neto CONVERSA INICIAL FORMAÇÃO DA AGENDA PÚBLICA Anteriormente, compreendemos o que é política pública, quais são seus tipos principais e como podemos interpretá-la a partir do modelo heurístico do ciclo da política pública. Ao decompor o agir público em etapas podemos diferenciar essencialmente quatro momentos, quais sejam: (i) formação da agenda, (ii) elaboração da política pública, (iii) implementação e (iv) avaliação. Essa sequência de etapas é representada, de forma gráfica, a partir de um círculo, justamente pela natureza cíclica do modelo (figura 1). Figura 1 – Ciclo da Política Pública 16/05/2022 10:56 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 3/17 Nesta aula aprofundaremos os estudos na primeira etapa, compreendendo as diferenças entre uma condição e um problema público, como estes se estruturam, seus níveis constitutivos e como a atenção pública se comporta em relação a eles. Além disso, veremos como podemos estruturar um modelo racional de decomposição de fatores e consequências para delimitar um escopo de atuação. Ao passar por esses tópicos, você entrará em contato não apenas com conceitos e técnicas ligados à gestão pública, como também com aspectos importantes para uma análise crítica, seja como gestora ou gestor, seja como cidadã ou cidadão. Desejamos a você um excelente estudo! TEMA 1 – DE CONDIÇÃO A PROBLEMA PÚBLICO A primeira etapa do ciclo de uma política pública é a formação da agenda, ou seja, a definição de problemas socialmente relevantes, para os quais se convergem atenções, esforços e recursos para a ação pública. Mas, afinal, ao tratarmos de problemas públicos, sobre o que estamos falando? A resposta a essa pergunta passa inevitavelmente pela compreensão da diferença entre uma condição e um problema público. Você saberia diferenciá-los? 16/05/2022 10:56 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 4/17 Pense por um minuto sobre a situação enfrentada rotineiramente na gestão do município em que você mora. Quais são as demandas que precisam de atenção pelo poder público? Caso você fosse o prefeito, quais os temas principais que elegeria como plano de governo? As respostas podem variar, e a percepção pode ser um pouco diferente caso você trabalhe no poder público ou caso você observe o poder público como um cidadão, mas em ambos os casos é consensual que temos um conjunto quase infinito de possíveis campos de ação que podem se tornar políticas públicas. Ademais, cada indivíduo e grupo social possui sua própria pauta prioritária de temas, para a qual julga ser fundamental uma ação do poder público. A esse grande conjunto efervescente de demandas nós damos o nome de condições. Apenas quando essas condições passam a se constituir em problemas socialmente relevantes, ou seja, passam a coletivamente ser interpretados como tópicos que demandam uma resposta de uma política pública, temos a formação de problemas públicos (Kingdon, 1995). Diante dessa diferença, uma segunda questão se coloca: o que explicaria a promoção de apenas algumas condições ao status de problema público? O que está envolvido nesse processo? Se voltarmos à pergunta anterior e refletirmos sobre o contexto do município onde você mora, como se organizam as políticas públicas locais de incentivo ao desenvolvimento econômico? Veja que estamos falando de um tema amplo, que pode comportar diferentes frentes de atuação, como, por exemplo, a redução de Impostos sobre Serviços (ISS) para determinadas atividades comerciais ou a restrição de instalação de determinadas atividades industriais no território do município. Tanto em um caso como no outro, o que leva o município a selecionar as atividades comerciais que serão isentas de ISS ou quais atividades industriais possuem restrições para operação no município? Apesar de termos aspectos gerais objetivamente delimitados, há o que chamamos de “espaço discricionário”, ou seja, há um espaço para a decisão pelos governos a partir de suas prioridades e seus entendimentos. Conforme vastamente analisado pela literatura, nesse processo não estão em jogo apenas as características do assunto em questão, mas também, e principalmente, as dinâmicas sociopolíticas e os processos de articulação de poder que ocorrem dentro do âmbito do debate público. Nesse contexto, se destaca a capacidade de determinados atores de incluir (ou excluir) temas da discussão social, bem como legitimar suas posições e seus entendimentos frente ao restante da sociedade (Fuks, 2000; Parada, 2006), de tal forma que, na definição da agenda, os problemas públicos se 16/05/2022 10:56 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 5/17 formam e apenas continuam existindo pela ação de determinados indivíduos ou grupos (Subirats, 2006; Jann; Wegrich, 2007). Assim, em nosso exemplo, caso a associação comercial no município XPTO tenha grande representatividade e força política, poderá pressionar o governo local por medidas de estímulo ao comércio local. Mas qual será a melhor medida? A renúncia fiscal é uma estratégia adequada? Como a redução dos recursos arrecadados pelo município impacta também em sua capacidade fiscal, a decisão levará em conta uma série de fatores, entre as quais um conjunto de valores e crenças dos tomadores de decisão. Vemos, assim, que a definição da agenda pública perpasse por questões complexas, que precisam ser discutidas no contexto em que estão inseridas. Inserido nessa mesma discussão, antes mesmo de pensar sobre possíveis caminhos, temos também a complexidade dos próprios problemas públicos. Tomemos como exemplo o problema habitacional brasileiro. Trata-se de uma questão historicamente presente em nosso país e que envolve uma série de variáveis, como os assentamentos urbanos informais, a ausência de infraestruturas básicas, a precariedade das unidades habitacionais e as demandas por novas moradias. Diante desse cenário, seria possível reduzirmos a política pública apenas à construção de novas casas? Será que isso seria suficiente? Certamente não, pois, ao construir novas moradias, aumenta-se o número de moradores em determinado bairro, com consequência direta sobre as infraestruturas do bairro (saneamento, energia elétrica etc.), a demanda dos equipamentos públicos (escolas, postos de saúde etc.) e linhas de ônibus, dentre outros fatores. Destarte, além da moradia em si, são necessárias uma série de políticas públicas correlatas, como, por exemplo, saneamento básico, mobilidade, saúde, educação e desenvolvimento econômico. Na figura a seguir, de forma exemplificativa, apresentamos um diagrama hipotético que ilustra as relações de complexidade e subjetividade relacionadas aos problemas públicos. A partir dela podemos compreender como os temas se inter-relacionam e, por mais abrangente que uma política pública seja, não conseguirá abranger todo o espectro de temas com que se relaciona. [1] 16/05/2022 10:56 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 6/17 Figura 2 – Interdependências de temas (exemplo hipotético) Ora, nesse panorama, como podemos estabelecer um escopo adequado para uma política pública? Essa questão é extremamente complexa, não sendo possível respondê-la em poucas linhas. Trata-se de um tema amplo e que procurou ser trabalhado por uma série de pesquisadores ao longo dos últimos 50 anos. Para podermos respondê-la devemos, inevitavelmente, compreender o processo de estruturação dos problemas públicos e como podemos construir, de forma coletiva, uma leitura articulada de causas e consequências relacionadas a um tema específico. Ainda que esses dois aspectos – que trataremos nos próximos temas da nossa aula – não esgotem a resposta procurada, são centrais para o seu começo. Os tópicosestudados ao longo das demais aulas da disciplina também colaborarão nesse sentido. TEMA 2 – A ESTRUTURAÇÃO DE PROBLEMAS PÚBLICOS Antes de adentrarmos em uma esfera mais prática da gestão pública, se faz fundamental compreendermos como se estruturam os problemas públicos. Para tanto, devemos ficar atentos para não incorrermos no risco de olhar inocentemente para os problemas públicos como se esses fossem 16/05/2022 10:56 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 7/17 “fatos objetivos”, passíveis de serem identificados e delimitados de forma universal (Parada, 2006; Dunn, 2012; Jann; Wegrich, 2007, Subirats, 2006). Na realidade, os mesmos dados podem ser interpretados de diferentes formas por diferentes grupos de interesse, a depender de suas crenças pessoais, concepções sobre o papel do governo e sobre a própria estrutura do conhecimento. Assim, a agenda pública se formará não pela simples identificação técnica de uma questão, mas sobretudo a partir de “um jogo de poder em que legitimidades (e ilegitimidades) são constituídas, bem como a organização de valores específicos, ainda que de maneira implícita” (Parada, 2006, p. 74, tradução nossa). Dentro desse cenário, Dunn (2012) estabelece dois momentos distintos de formação da agenda pública, a saber: a (i) estruturação dos problemas e a (ii) resolução dos problemas. No primeiro momento trata-se de abordagem menos estruturada, na qual a atenção dirigida possui maior subjetividade e abstração, ou seja, concentra-se em grandes reflexões. Nesse momento o que se busca não é uma decomposição em fatores, mas uma compreensão ampla de determinada condição, conformando um problema público. Esse primeiro momento envolve etapas progressivas de desenvolvimento. Começamos pela busca e pela delimitação do problema, pois, de início, para Dunn (2012) temos a nossa disposição, enquanto gestor público, apenas interpretações diversas e dispersas sobre uma condição, que se conformarão após esse processo como um problema público e, após sua clara definição e delimitação, darão origem ao que o autor denomina de problema substantivo. Esse problema substantivo passa por um processo de especificação de variáveis relacionadas, gerando o que se denomina de problema formal. Esse é um momento crucial para Dunn (2012) na formação da agenda pública. Somente após essa definição mais clara do problema – chegando-se ao problema formal – passa-se à segunda etapa – ligada à sua resolução –, no qual o escopo é mais específico e busca-se decompô-lo em um modelo lógico de causas e consequências. Nesse momento, técnicas como a árvore dos problemas, abordada no nosso próximo tema de estudo desta aula, se destacam. A conclusão desses dois momentos resulta na clara delimitação de entendimento, escopo e modelo lógico explicativo de causas e consequências que possibilitam avançar em direção à formulação da política pública, tema abordado nas próximas aulas. 16/05/2022 10:56 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 8/17 TEMA 3 – A TÉCNICA DA ÁRVORE DOS PROBLEMAS Na prática da gestão pública, uma técnica amplamente utilizada para operacionalizar a definição do escopo de uma política pública é a construção de uma árvore dos problemas . A partir de um modelo lógico hierárquico podemos enxergar de forma clara a leitura realizada de um problema público e o modelo racional de articulação entre as suas principais causas e consequências, que podem se desenvolver em múltiplos níveis (Souza, 2010; Cardoso Jr., 2015; Cassiolato; Gueresi, 2010). Na figura 3 temos um exemplo hipotético, no qual foi criada uma árvore a partir de um problema público enfrentado pelo município “XPTO”: a cidade não possui coleta seletiva de resíduos domiciliares. Antes de olhar para o diagrama, você conseguiria pensar quais as possíveis causas e consequências relacionadas? Anote a parte as relações que pensou, antes de passar para as páginas seguintes, a fim de que possamos fazer uma discussão comparativa. Pense em uma articulação dos motivos pelos quais a coleta seletiva ainda não foi implantada no município XPTO e quais as consequências disso para a cidade. Figura 3 – Árvore de problemas – exemplo hipotético de versão preliminar [2] 16/05/2022 10:56 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 9/17 Após a leitura da árvore apresentada, houve semelhança com o esboço que você desenvolveu? Muito provavelmente, podemos identificar algumas semelhanças e algumas diferenças, certo? Isso ocorre porque não se trata de uma leitura única, mas de um processo dialógico de construção coletiva dos limites do problema público. Esse é apenas um exemplo hipotético e, da mesma forma, ao realizar a árvore dos problemas para o mesmo tema em seu município pode-se chegar a articulações diferentes, particulares do seu contexto. Voltando à figura 3, veja que, tanto nos níveis de causas quanto de consequências, o problema público apresenta uma série de derivações, ou seja, o problema de baixo percentual de reciclagem de resíduos sólidos leva a problemas de saúde pública, ambientais e fiscais no município, estando também relacionado, enquanto causa, à ausência de recursos disponíveis, à falta de instrumentos de planejamento e a problemas na contratação de serviço terceirizado. Em um processo de debate sobre um problema público, essa técnica é extremamente útil na pactuação coletiva do tema, facilitando, inclusive, a identificação de relações dessa política pública com as demais implementadas pelo município, bem como pelo governo estadual e federal. 16/05/2022 10:56 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 10/17 Lembre-se: isso não significa que existe uma única leitura correta, ou seja, não estamos falando na “descoberta” da árvore do problema ideal. Os problemas públicos têm como uma de suas características o alto nível de complexidade e subjetividade. Assim, a importância desse método está em garantir que a definição do objeto central de atenção (ponto focal) se dê de forma clara e, mais que isso, que possa ser elaborado de forma transparente e democrática. Ao final, o processo de construção e reconstrução da árvore, realizado por meio de uma pactuação contínua entre os atores envolvidos, permitirá explicitar o escopo (sobre o que vamos atuar nesta política pública) e o recorte factível de ação (onde e até que ponto vamos atuar nesta política pública). TEMA 4 – O CICLO DE ATENÇÃO Conforme tratamos anteriormente, a formação de problemas públicos e a sua inserção na agenda pública não se dá por meio de um fenômeno simples e espontâneo. Como bem colocado por Fuks (2000), não se trata apenas de colocar um problema em destaque, mas de continuamente renovar os recursos simbólicos que o mantém nessa posição. Nesse contexto é de fundamental importância a compreensão do ciclo de atenção e volatilidade da atenção pública. Sobre esse tema, uma das formulações de maior destaque é o Ciclo de Atenção a Questões (Issue-attention cycle), proposto pelo economista americano Anthony Downs (1972). Nesse modelo, a concentração de atenção pública sobre um tema tem um ciclo de operação que pode ser dividido em cinco etapas, quais sejam: (i) pré-problema, (ii) entusiasmo eufórico, (iii) percepção dos custos envolvidos, (iv) declínio gradual do interesse público e (v) pós-problema. Para facilitar a sua compreensão, a figura 4 apresenta um esquema gráfico de organização dessas etapas. Propositadamente, a ilustração conforma um ciclo, tendo em vista que ocorrem seguidos ciclos de atenção, que podem tratar da mesma temática ou se direcionar a temáticas diferentes. Figura 4 – Ciclo da atenção a questões 16/05/2022 10:56 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 11/17 Na primeira fase (pré-problema), temos apenas as condições, que ainda não capturaram atenção pública significativa para serem elevadas à categoria de problema público. Nas palavras do autor, “usualmente, condições objetivas relacionadas ao problema são muito pioresdurante a etapa de pré- problema do que quando estas ocupam espaço no interesse público” (Downs, 1972, p. 89, tradução nossa). Essa atração de interesse público ocorrerá na segunda fase – chamada pelo autor de “entusiasmo eufórico” –, na qual, motivada por eventos de estímulo ou traumáticos de diferentes naturezas, ocorreu uma concentração da atenção pública sobre os problemas envolvidos com determinado tema, levando, por consequência, a um otimismo disseminado a partir do qual se acredita que é possível resolver um problema ou, ao menos, atuar sobre suas causas sem a necessidade de reordenação estrutural da sociedade. Em outras palavras, tem-se um relativo consenso que se trata de um problema relevante e para o qual podemos atuar de forma efetiva. Na sequência, no momento seguinte, passa-se a um melhor entendimento dos reais custos (econômicos e sociais) envolvidos na resolução de um problema (geralmente elevados). Esse processo desvela, via de regra, que determinados problemas também estão relacionados a determinados benefícios usufruídos por uma parcela da população, ou seja, a atuação sobre o 16/05/2022 10:56 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 12/17 problema não implica apenas benefícios, mas também redução ou intervenção sobre os benefícios que determinados grupos sociais usufruem no contexto atual. Como decorrência desse processo, à medida que as pessoas percebem os custos e as dificuldades impostas, vemos um declínio gradual do interesse público sobre o tema, que passa a concorrer com outros temas que estão emergindo na arena pública. Obviamente isso não significa que toda a atenção pública se comportará de forma homogênea, mas que os grandes movimentos de direcionamento de atenção podem se alterar. Nesse aspecto, em uma perspectiva mais recente, vem se destacando o papel das redes sociais na animação ou na retratação da atenção pública sobre determinados temas, seja pelo comportamento individual dos usuários, seja por empresas que operam estratégias de direcionamento de conteúdo. Ao final, na fase do pós-problema, o tema sai do núcleo de atenção social. Ao longo dessas etapas, novas políticas e programas provavelmente surgiram, alterando a relação do tema com a opinião púbica. Com isso, há a tendência de se continuar gerando impactos positivos sobre o problema público em questão, mesmo que este já não atraia tanta atenção pública. Como bem observado por Downs (1972, p. 41, tradução nossa): Qualquer problema de maior monta que, em alguma vez, foi elevado a destaque nacional pode, esporadicamente, recapturar o interesse público; ou importantes aspectos dele podem se conectar a outros problemas que, de forma subsequente, dominam a opinião pública. Dessa forma, problemas que já passaram pelo ciclo de atenção, via de regra, recebem maiores níveis médios de atenção, esforço público e preocupação geral que aqueles que ainda estão em um estágio de pré- problema. A partir desse ciclo analítico podemos, em última análise, identificar as “táticas políticas” (Dye, 2009) utilizadas por diferentes atores e grupos de interesse para captar a atenção para um tema e pressionar o governo para fazer algo sobre ele. Não podemos nos esquecer que não há neutralidade de conhecimentos técnicos e que estes operam em ambientes políticos complexos, conflituosos e, portanto, estão sujeitos a certo grau de discricionariedade. Assim, as articulações e as dinâmicas que aglomeram (ou direcionam conscientemente) a opinião pública têm influência direta na pressão exercida sobre os governos, que então se veem diante de “situações de escolha forçada” (Jann; Wegrich, 2007), nas quais se sentem pressionados a priorizar determinado tema na agenda a fim de manter sua legitimidade ou credibilidade. 16/05/2022 10:56 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 13/17 TEMA 5 – NÍVEIS CONSTITUTIVOS DA AGENDA PÚBLICA Ao longo dos temas anteriores nos concentramos em tópicos de estudo que estão relacionados aos processos de definição da agenda pública que possui uma entrada pública (mesmo que cooptada por grupos de interesse). Contudo, ao final desta aula, também é importante compreendermos um segundo nível, formado por temas muito técnicos (que, portanto, não atraem atenção dos cidadãos) ou que se originam de demandas particulares de grupos de interesse que possuem acesso direto ao governo, com elevada capacidade de pautar temas sem o conhecimento ou apoio do público em geral. Ao se debruçar sobre esse tema, Cobb e Elder (1971; 1972) identificaram dois níveis constitutivos da agenda pública. Para os autores, temos a (i) agenda sistêmica e a (ii) agenda institucional. Na primeira estão englobados todos os problemas públicos em discussão pela comunidade política, que atraem a atenção da opinião pública e podem ser de corte local, estadual ou nacional. Entretanto, a despeito da importância dessa arena, nem todos esses problemas públicos se tornarão políticas públicas. Há, de fato, uma barreira entre essas duas fases, e sua transposição pode- se dar tanto por meio da pressão da opinião pública como por atalhos adotados por determinados grupos, com acesso privilegiado aos tomadores de decisão. Há determinados grupos de atores que possuem a capacidade de exercer lobby com os atores políticos, pressionando para inclusão de temas na agenda institucional apesar de não estarem presentes na agenda sistêmica. Independentemente do fator que leva à transposição, é apenas no segundo nível – relativo à agenda institucional (ou governamental) – que se concentram os temas que efetivamente serão considerados explicitamente pelos decisores e poderão se converter em políticas públicas. Essa divisão, ainda que conceitual, nos auxilia na compreensão de como os governos (e não Estados, lembre-se da diferença entre eles) recebem as demandas, oriundas de problemas públicos ou não, e as processam até que sejam produzidas políticas públicas. NA PRÁTICA Nesta seção trataremos de um caso recente de política pública, analisando-o a partir do ciclo da atenção da opinião pública, nosso quarto tema de estudo. Vamos realizar uma análise específica, mas você, dentro do seu contexto de vivência local, poderá fazer o exercício complementar de pensar em 16/05/2022 10:56 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 14/17 outros casos correlatos, que lhe auxiliarão na compreensão dos conceitos e dos instrumentos abordados na aula. Como veremos, trata-se de um instrumental poderoso para compreender as transformações das políticas ao longo do tempo. Passando ao nosso caso de estudo, caso olhemos para a última década, observaremos um movimento de discussão de problemas de mobilidade urbana na maior parte das metrópoles brasileiras. Em partes motivado pelos impactos dos congestionamentos na vida cotidiana, em partes pela insuficiência dos sistemas de transporte público em operação, esse tema alçou o patamar de problema público, estimulando, inclusive, manifestações em diferentes cidades no ano de 2013 (movimento que ficou conhecido como Jornadas de Junho) . No meio técnico, há décadas vemos um relativo consenso sobre a incapacidade de medidas voltadas ao aumento da infraestrutura (pavimentação, alargamento viário etc.), de forma que elas, por si só, não serão suficientes para atuar frente ao problema posto. Destarte, vemos uma defesa, entre técnicos especializados e alguns grupos sociais, de medidas voltadas ao incentivo ao transporte coletivo, à ciclomobilidade e ao deslocamento a pé, entendidas como fundamentais. Sem dúvidas, da articulação dessas dinâmicas na arena social formou-se aqui uma agenda sistêmica que pressionou os governos locais a agir, incorporando essas pautas na sua agenda governamental . Um exemplo emblemático desse contexto está no município de São Paulo (SP), maior metrópole brasileira e segunda maior da América Latina, na qual, apenas da cidade paulista (sem considerar a região metropolitana), circulam mais de 6 milhões de carrospor dia. Com a tomada de medidas voltadas ao incentivo à mobilidade por modais alternativos e ao desincentivo de mobilidade por veículos automotores individuais, naturalmente houve a redução de parte de vias convencionalmente utilizadas pelos veículos individuais. Ora, se até então havia consenso sobre a importância de melhoria da mobilidade urbana na cidade, tão logo as medidas foram implementadas, houve um reconhecimento mais claro dos “custos” envolvidos . Em outras palavras, em um esforço de sintetização do panorama (que, óbvio, levará a certas generalizações), apesar de todos concordarem sobre a importância de redução do número de carros nas ruas, quantos estão dispostos a deixaram seus próprios carros na garagem? Essa é uma pergunta intrigante. [3] [4] [5] 16/05/2022 10:56 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 15/17 Ao longo dos últimos anos, ao se depararem com os constrangimentos impostos à velocidade e circulação de carros, muitos passaram a rejeitar a proposta em curso (Leite; Cruz; Rosin, 2018). Isso impactou no percentual de aprovação do governo local e levou, inclusive, a propostas diametralmente opostas de seus concorrentes no pleito eleitoral subsequente. Ao longo dos anos em que esse processo se desenvolveu, houve a proposição e implementação de políticas públicas e programas que, em parte, permanecem até hoje , ainda que o entendimento atual de parte significativa da opinião pública divirja. Esse exemplo, como pode ser observado ao longo das notas de rodapé indicadas, revela a grande pertinência do modelo do Ciclo de Atenção na análise de políticas públicas. FINALIZANDO Nesta aula trabalhamos com tópicos de estudo e técnicas relacionadas à formação da agenda pública, o que nos impôs, inevitavelmente, a compreensão do que é um problema público, como ele se estrutura e é estruturado. Não apenas a partir de modelagens lógicas de leitura de questões, como a árvore dos problemas, mas também, e principalmente, a partir da compreensão que a definição da agenda pública é muito mais um processo social e de discussão política do que propriamente uma sequência estanque, ordenada e racional de hierarquização de elementos. Para nós, enquanto gestoras e gestores públicos, é fundamental compreender essa natureza cindida do tema, que nos impõe, ao mesmo tempo, o domínio de técnicas e a observância de procedimentos claros e lógicos para trabalho, bem como habilidade política no reconhecimento da natureza dialógica do processo e capacidade de gerenciá-lo, a fim de poder intervir de forma positiva sobre ele e contribuir com a produção de políticas públicas. REFERÊNCIAS CARDOSO JR., J. C. Monitoramento estratégico de políticas públicas. Texto para Discussão 2040. IPEA: Rio de Janeiro, 2015. CASSIOLATO, M.; GUERESI, S. Como elaborar modelo lógico: roteiro para formular programas e organizar avaliação. Brasília: IPEA, 2010. [6] [7] 16/05/2022 10:56 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 16/17 COBB, R. W.; ELDER, C. D. Participation in American Politics: The Dynamics of Agenda Building. Boston: Allyn and Bancon, 1972. _____. The Politics of Agenda-Building: An Alternative Perspective for Modern Democratic Theory. Journal of Politics, v. 33, n. 4, 1971. DOWNS, A. Up and Down with Ecology: The Issue-Attention cycle. The Public Interest, n. 28, p. 38-50, 1972. DUNN, W. N. Public policy analysis. Boston: Pearson, 2012. DYE, T. R. Understanding Public Policy. Boston: Longman, 2009. FUKS, M. Definição de agenda, debate público e problemas sociais: uma perspectiva argumentativa da dinâmica do conflito social. BIB – Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, n. 49, p. 79-94, 2000. JANN, W.; WEGRICH, K. The theories of the policy cycle. In: FISHER, F.; MILLER, G. J.; SIDNEY, M. S. (Ed.). Handbook of policy analysis: theory, politics and methods. Boca Raton: CRC Press, 2007. KINGDON, J. Agendas, Alternatives, and Public Policies. New York: Harper Collins, 1995. LEITE, C. K. da S.; CRUZ, M. F.; ROSIN, L. B. Difusão da política cicloviária no município de São Paulo: resistências, apoios e o papel da mídia. Revista de Administração Pública, v. 52, n. 2, p. 244- 263, 2018. NASCIMENTO NETO, P. Gestão de políticas públicas: conceitos, aportes teóricos e modelos analíticos. Curitiba: Intersaberes, 2020 (no prelo). PARADA, E. L. Política y políticas públicas. In: SARAIVA, E.; FERRAREZI, E. (Ed.). Políticas públicas. Brasília: ENAP, 2006. v. 2. SOUZA, B. Gestão da mudança e da inovação: árvore de problemas como ferramenta para avaliação do impacto da mudança. Revista de Ciências Gerenciais, v. 14, n. 19, p. 1-18, 2010. SUBIRATS, J. Definición del problema. In: SARAIVA, E.; FERRAREZI, E. (Ed.). Políticas públicas. Brasília: ENAP, 2006. v. 2. 16/05/2022 10:56 UNINTER https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 17/17 Sobre este aspecto, ver também o tema 4 desta aula, que trata do ciclo de atenção e volatilidade da opinião pública. É importante destacarmos que essa técnica é relacionada à prática da gestão pública e, portanto, mais paradigmática. Na literatura do campo de políticas públicas há uma série de debates sobre a real capacidade de se apreender de forma clara todo o problema público. Independentemente dessa questão, devemos ter o domínio de técnicas como essas, que nos permitem operacionalizar atividades essenciais para a construção coletiva de políticas públicas. Etapa 1 do modelo de Ciclo de Atenção: pré-problema. Etapa 2 do Ciclo de Atenção: entusiasmo eufórico. Etapa 3 do Ciclo de Atenção: percepção dos custos envolvidos. Etapa 4 do Ciclo de Atenção: declínio gradual do interesse público. Etapa 5 do Ciclo de Atenção: pós-problema. [1] [2] [3] [4] [5] [6] [7]
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