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Gramatização e Escolarização LEM

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE Luiz Eduardo Oliveira
Josué Modesto dos Passos Subrinho
Reitor
Angelo Roberto Antoniolli
Vice-Reitor
CONSELHO EDITORIAL DA EDITORA UFS GRAMATIZAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO:
Luíz Augusto Carvalho Sobral
Coordenador do Programa Editorial contribuições para uma hist6ria do ensino das Ifnguas no Brasil (1757-1827)
Antônio Ponciano Bezerra
Péricles Morais de Andrade Junior
Mário Everaldo de Souza
Ricardo Queiroz Gurgel
Rosemeri Melo e Souza
Terezinha Alves de Oliva
EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
Coordenador do Programa Editorial
Luiz Augusto Carvalho Sobral
Em convênio com a
Fundação Oviêdo Teixeira
Presidente
João de Seíxas Dória
'UNDACAo
OVI~DO
TEIXEIRA
APOIO
Norcon - Sociedade Nordestina de Construções Ltda. UMA INICIATIVA NO"CON
São Cristóvão. 2010
Copyrigth by Editora Universidade Federal de Sergípe
Cidade Universitária "Prof. José Aloísio de Campos"
Av. Mal. Cândido Rondon, s/na - CEP.: 49.100-00
São Cristóvão/SE
Este livro, ou parte dele, não pode ser reproduzido por
qualquer meio sem autortzação escrita da Editora.
Centro de Educação Superior a Distância
Coordenação Gráfica
Glselda Santos Barros
Edítoração eletrônica
AdUma Menezes
Capa
Sandra PInto Frelre
Ilustração da capa: Bodleian Llbrary, Uníversíty of Ox:ford
(disponível em www.unicamp.br/lel/memorla/)
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca
Central da Universidade Federal de Sergípe
Oliveira. Luiz Eduardo
048g Gramatização e escolarização: contribuições
para uma história do ensino das linguas no Bra-
sil (1757-1827)/ Luíz Eduardo Oliveira. São Cris-
tóvão: Editora UFS; Aracaju: Fundação Oviêdo
Teíxeíra, 2010.
170p.
ISBN:978-85-7822-099-0
l.Línguas - Ensino - História. 2. Gramática.
3. História da educação - Brasil. I. Título.
CDU 811:37.016 (81) (091)
ALGUNS AGRADECIMENTOS
A única profissão que exerci na vida foi a de professor de
Inglês. Iniciei minha carreira dando aulas em cursos livres de
línguas e em escolas da rede particular de ensino. mesmo antes
de concluir a graduação em Letras Português-Inglês da Universi-
dade Federal de Sergípe, em 1990. quando passei a compor o qua-
dro de professores da rede estadual de ensino. locado na Escola
de 1.0 Grau Jornalista Paulo Costa. em Aracaju.
Meu interesse pelo estudo do processo de ínstítucíonalíza-
ção do ensino de Inglês no Brasil foi despertado a partir de mi-
nhas atividades como professor de Literatura Inglesa da Univer-
sidade Federal de Sergípe, desde 1994. sistematizando-se em mi-
nha pesquisa de Mestrado, cuja Dissertação foidefendida em 1999.
no Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual
de Campinas. com o titulo A historiografia brasileira da literatura
inglesa; uma história do ensino de inglês no Brasil (1809-1951). A
opção de trabalhar com as "Línguas Vivas". isto é. com as línguas
estrangeiras modernas. em minha Tese de Doutorado - cujo titu-
lo é A instituição do ensino das Linguas Vivas no Brasil: o caso da
Língua Inglesa (1809-1890) -. defendida em 2006 no Programa de
Estudos Pós-Graduados em Educação: História. Política. Socieda-
de. da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. deveu-se ao
fato de que a legislação. os planos e programas de ensino. bem
como as outras fontes utilizadas referentes ao ensino de Inglês.
são os mesmos para as demais linguas estrangeiras. e em alguns
casos para as linguas antigas e a nacional. Dessa forma. sem
acarretar maiores esforços. algo inevitável com a ampliação do
campo de investigação. mantive o objetivo de analisar o caso par-
luiz Eduardo Oliveira
ticular da Língua Inglesa. servindo-me, além das fontes que tra-
tavam genericamente do ensino das línguas. dos compêndios de
Inglês de cada época.
Assim que retomei às atividades docentes na Universidade
Federal de Sergípe, decidi criar o Grupo de Pesquisa História do
Ensino das Línguas no Brasil. com o intuito de congregar pesqui-
sadores e estudantes das áreas de História da Educação e dos
Estudos Linguísticos e Literários interessados no tema. Fundado
em 2006. o grupo atualmente conta com pesquisadores e estu-
dantes de diferentes instituições. departamentos e programas de
pós-graduação. os quais orientam e/ou desenvolvem pesquisas
de Iniciação Científica. Pós-Graduação lato sensu, Mestrado e
Doutorado. e com dois projetos de pesquisa: "AEscola. o Estado e
a Nação: para uma história do ensino das línguas no Brasil" (1757-
1857). financiado pelo CNPq. e "A legislação pombalina sobre o
ensino de línguas: suas implicações na educação brasileira (1757-
1827)". fmanciado pela FAPITEC.
Este livro. que é fruto dos estudos e pesquisas realizados no
decorrer desses anos sobre a história do ensino das línguas e
suas respectivas literaturas no Brasil. é também o resultado de
minha formação de professor e pesquisador. motivo pelo qual agra-
deço aos seus primeiros ínspíradores, mentores e leitores: José
Costa Almeída, por ter me incentivado a prestar o concurso para
a matéria de ensino Literatura de Língua Inglesa da Universida-
de Federal de Sergípe, em 1994; Marta Lúcia Dal Farra. por ter
sido a primeira Ieítora-oríentadora do meu projeto de mestrado;
Carlos Daghlían, presidente de honra da ABRAPUI (Associação
Brasileira dos Professores Universitários de Inglês). por ter me
incentivado a participar do XXVIIISENAPULLI(Seminário Nacio-
nal dos Professores Universitários de Literaturas de Língua Ingle-
sa). realizado em Ouro Preto. em 1996. no início da minha carrei-
ra docente na Universidade Federal de Sergípe: Martsa Lajolo,
por ter se interessado pelo meu projeto de Mestrado e aceitado me
orientar. me emprestando um pouco de sua enorme experiência
como escritora e pesquisadora; Jorge Carvalho do Nascimento.
6
GRAMATIZAÇÃO E ESCOlARIZAÇÃO
por me fazer aprofundar no campo da História da Educação;
Kazumi Munakata. por me apresentar à história das disciplinas
escolares: Mírían Warde, pelas primeiras orientações durante o
outorado; Marta Lúcia S. Hílsdorf, pelas preciosas observações
no Exame de Qualificação de Doutorado; e finalmente Odair Sass,
meu orientador de Doutorado. pela compreensão. paciência. lei-
tura cuidadosa dos meus textos e. sobretudo. amizade.
Devo também um agradecimento aos pesquisadores e estu-
dantes que se engajaram no Grupo de Pesquisa História do Ensi-
no das Línguas no Brasil. desde sua fundação: Antonio Ponciano
Bezerra; Claudete Daflon dos Santos; Jorge Carvalho do Nasci-
mento; Lêda Corrêa; Marta Leõnia Garcia Costa Carvalho; Marta
Roseneide Santana dos Santos; Vanderlei José Zacchi; Vilma Mota
Quintela e Wilton James Bemardo dos Santos. Quanto aos estu-
dantes. destaco as participações de Álvaro César Pereira de Sou-
za. Amanda Carvalho Silva; Cristiane Tavares Fonseca de Moraes
Nunes; Dyego Anderson Silva Pereira; Elaine Maria Santos;
Fabiane Vasconcelos Andrade: Fábio Wesley Santos Paixão;
Femanda Gurgel Raposo; Giselle Macedo Barbosa; Grazielle San-
tos Silva; João Escobar José Cardoso; Jonaza Glória dos Santos;
Juliana Moura Ferreíra: Kartna Andrade Santos; Marcle Vanessa
Menezes Santana: Maríângela Dias Santos; Mirela Magnani
Pacheco; Rogério Tenorío de Azevedo; Sara Rogéría Santos Barbo-
sa; Simone Sílveíra Amorím: Thadeu Vinicius Souza Teles e Wagner
Gonzaga Lemos.
7
SUMÁRIO
ALGUNS AGRADECIMENTOS
APRESENTAÇÃO 11
A história do ensino das línguas no Brasil 14
Organização do livro 24
Referências 25
INTRODUÇÃO .••.•••.••.••.•.•••.•....•••••.••.....•••..•.•.••.•.•..•.••••••.•.••••...•.•.•.•..•.•.•..••.••.•••••••.•.•.•.•........ 13
A GRAMÁTICA LATINA E O ENSINO DAS LíNGUAS ••••••....•.•.............•..•.•..•.....••....... 27
Gramatização e Escolarização 28
A Gramática Latina e as Línguas Nacionais 31
A constituição das línguas como disciplinas escolares 39
Referências 42
OS PROFESSORES R~GIOS DE GRAMÁTICA LATINAE RETÓRICA: NOTAS
PARA O ESTUDO DAS ORIGENS DA PROFISSÃO DOCENTE NO BRASIL 45
A forma escolar e a profissão docente 46
As Reformas Pombalinas e os Professores Régios de Gramática Latina e Retórica 51
O caso brasileiro 63
Algumas considerações 69
Referências 72
DA LíNGUA DO PRíNCIPE À LíNGUA NACIONAL: UMA HISTÓRIA DO
ENSINO DE PORTUGU~S NO BRASIL ......................•.....•..............•.••.....•...•......•........... 75
APRESENTAÇÃO
A lei do Diret6rio 76
A Gramática da Lrngua Nacional e as escolas de Primeiras Letras 85
Algumas considerações 91
Referências 96
Maria Lucia S. Hilsdorf*
AS GRAMÁTICAS INGLESAS E A INSTRUÇÃO PÚBLICA:
UMA HISTÓRIA DO ENSINO DE INGL~S NO BRASIL .........•.••......•.......•..•..•.••...•••... 99
Dentre os campos de conhecimento cultivados pela universi-
dade brasileira, na atualidade, o da História da Educação é, sem
dúvida, um dos mais fecundos. Brasil afora, grupos de pesquisa e
centros de pós-graduação têm vivificado com seiva nova esse ramo
da escrita historiográfica e notabilizado, aqui e no exterior, a quan-
tidade e o valor dos trabalhos que põem em circulação.
O texto que o Professor Luiz Eduardo Oliveira oferece aos
seus leitores, nesta oportunidade, representa uma importante
contribuição da geração mais nova dos pesquisadores em Histó-
ria da Educação aos atuais debates no campo. Em primeiro lugar,
pela originalidade do seu objeto de estudo: o processo de ínstítu-
cionalização do ensino das línguas, em particular o da Língua
Inglesa, e a correlata configuração delas como disciplinas escola-
res, o que o coloca no interior de uma das mais promissoras mo-
dalidades de abordagem hoje desenvolvidas acerca da história da
escola e da educação. Em segundo lugar, pelo ineditismo do perí-
odo em que o situa, obrigando, assim, pela aprofundada pesquisa
A "transmigração" da corte portuguesa 100
O Real Colégio dos Nobres e a Gramática de Teles de Menezes 103
A Academia Real Militar do Rio de Janeiro e o Professor de Inglês Eduardo Thomaz Colville li8
A Cadeira Pública de Língua Inglesa da corte 125
Os Professores Públicos de Língua Inglesa 137
O ensino da Lrngua Inglesa nos colégios e seminários 147
Algumas considerações 159
Referências 163
ILUSTRAÇÕES
Grammatica da lingua portuguesa (1540), de João de Barros 38
Verdadeiro metodo de estudar (1746), de Luiz Antonio Verney 74
Arte da grammatica da lingua portugueza (1770), de Antonio José dos Reis lobato 95
Gramatica ingleza ordenada em portuguez (1762), de Carlos Bernardo da Silva Téles de
Menezes 124
The English spelling-book (1851), de William Mavor 136
Arte ingleza (1827), de Guilherme Tflbury 142
Nova grammatica ingleza e portugueza (1812), de Manoel de Freitas Brazileiro 145
Compendio da grammatica ingleza e portugueza (1820), de Monoel José de Freitas 158
• Maria Lucia S. Hllsdorf é Professora Doutora do Departamento de Filosofia
da Educação e Ciências da Educação da Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo (FEUSP). área de História da Educação; sócía-
fundadora da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE); do
Centro de Memória da Educação da FEUSP e autora de O aparecimento da
escola modema: uma história ilustrada (2006). pela Autêntica. História da
educação brasileira: leituras (2007. 3." edição). pela Píoneíra-Thomson, e
Pensando a educação em tempos modemos (2005. 2.· edição). pela Editora
da Universidade de São Paulo (EDUSP).
de fontes documentais e a erudita arquitetura analítica que o
embasam, à revisão dos nossos conhecimentos sobre a escola, a
cultura e a sociedade dos séculos XVIIIe XIX. Creio que este tra-
balho é especialmente feliz por uma terceira razão, qual seja, a do
seu recorte, por ter o seu autor, ao longo do desenvolVimento des-
sa investigação tão bem fundamentada, encontrado um ãngulo
de Visão seu, dentre as posições de reconhecidos teóricos das dis-
ciplinas escolares como Chervel e Hamilton, dentre outros. Re-
sulta que, ao término desse percurso que enfrenta as questões
concernentes à gênese, finalidades e resultados do ensino das
línguas no Brasil, entre 1757 e 1827, o professor Luíz Eduardo
Oliveira se afirma como autor com voz própria, ao propor uma
periodização dessa história atrelada, não como se diz
costumeiramente, aos diferentes métodos, mas sim, às finalida-
des desse ensino, as quaís, por sua vez, ele reconhece serem tan-
to pedagógicas quanto políticas e culturais. E é aqui que ele nos
reserva mais uma (boa) Surpresa, ao avançar a comprovação de
que o ensino das línguas tem a ver com a formação da escola
brasileira e do estado nacional, mas também com a formação de
algumas profissões imperiais.
Graças à determinação e à paciência desse perquiridor res-
ponsável e rigoroso perante os escolhos teóricos, metodológicos e
sobretudo operacionais que enfrentou para ultimar seu estudo _
reconhecidos por todos nós que lidamos no Brasil com esse dífícíl
e fascinante mundo da História da Educação e da Escola _, temos
agora, à dísposrção, um texto que se faz necessário desde já aos
interessados na compreensão da escola, da cultura e da socieda-
de brasileira de todos os tempos.
INTRODUÇÃO
Luiz Eduardo Oliveira
Este livro vincula-se a dois projetos de pesquisa: "AEscola,
o Estado e a Nação: para uma história do ensino das línguas no
Brasil" (1757-1857). financiado pelo CNPq, e "Alegislação pomba-
lina sobre o ensino de línguas: suas implicações na educação bra-
sileira (1757-1827)", financiado pela FAPITEC, sendo também fruto
de estudos e pesquisas realizadas pelo Grupo de Pesquisa Histó-
ria do Ensino das Línguas no Brasil- GPHELB (http://www.ufs.br /
grupos /gphelb/). criado em 2006, no Departamento de Letras da
Universidade Federal de Sergípe, o qual congrega estudantes e
pesquisadores das áreas de História da Educação e dos Estudos
Línguístícos e Literários.
O GPHELB tem como objetivo geral investigar o processo de
institucionalização do ensino das línguas e de suas respectivas
literaturas no Brasil, bem como de sua configuração como disci-
plina escolar e acadêmica, no intuito de delinear suas represen-
tações e fmalidades pedagógicas, políticas e culturais no sistema
educacional do país. Suas atiVidades de estudo e pesquisa con-
centram-se sobre três fontes fundamentais: 1) legislação brasilei-
ra sobre ensino de línguas; 2) compêndios [Catecísmos, Cartilhas,
Gramáticas, Manuais de Retórica e Poética, Seletas, Livros de
Leitura e Histórias Literárias); 3) narrativas (auto) biográficas,
memorialisticas ou flccíonaís sobre professores de línguas. As li-
nhas de pesquisa do grupo são as seguintes:
1) "Aconstituição das línguas como disciplinas escolares e
acadêmicas", que pretende investigar o processo de con-
figuração das línguas e suas respectivas literaturas como
12
Luiz Eduardo Oliveira
GRAMATIZAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO
disciplina escolar e/ou acadêmica, buscando delinear
suas finalidades pedagógicas, políticas e culturais.
A história do ensino das línguas no Brasil pode ser pensa-
da como uma instância de validação não somente de um conjun-
to de conteúdos e métodos (re)elaborados ou facilitados para sua
aprendizagem escolar no decorrer do tempo, mas também de cons-
tituição dos próprios conceitos de língua e literatura, tal como se
configuram nas políticas linguísticas e educacionais implemen-
tadas em vários períodos históricos. Nessa perspectiva, a sua íns-
titucionalização relaciona-se com o seu processo de configuração
como disciplina escolar no sistema educacional do país, o que
torna possível a investigação do modo como se delineiam suas
finalidades políticas, pedagógicas e culturais.
Contudo, o uso da legislação educacional como fonte de uma
pesquisa histórica sobre o ensino de línguas só deve servir de
objeto para o estudo do que o seu discurso faz propagar, interpre-
tar ou suprimir sobre a matéria, e não como fonte privilegiada de
"práticas escolares", o que seria ingênuo. Mesmo assim, convém
não dicotomizar as práticas escolares e a legislação educacional.
Primeiro, porque uma lei a respeito de qualquer tema, indepen-
dentede sua aplicação, se constitui em virtude de circunstâncias
reais, de práticas cotidianas. Segundo, porque algumas peças
legíslatívas, como os Alvarás, as Provisões e Decisões com força
de lei sobre Instrução Pública, nos séculos XVIIIe XIX, ao indica-
rem algum método ou compêndio de determinada matéria, ou re-
gularem a remuneração de um ou mais professores, não são pre-
visões legais, mas verdadeiras sentenças - no sentido jurídico do
termo - proferidas sobre requerimento das partes interessadas,
constituindo, portanto, representações bastante significativas de
situações concretas, de "práticas" enfim (OLIVEIRA,2006).
No intuito de superar essa dicotomia, Hamilton (1989) propõe
uma solução díalógíca na qual escola e sociedade são examinadas
em suas relações recíprocas, uma vez que professores e alunos são
ao mesmo tempo alvo de objetivos educacionais definidos pelo Esta-
do e meio ativo pelo qual tais objetivos podem ser alcançados, pro-
duzindo um efeito reativo sobre o currículo. A seu ver, apesar de os
teóricos da escolarízação (theorists of schooling) reconhecerem que
a intervenção estatal raramente alcança seus objetivos, seus diag-
nósticos mantêm-se no domínio das políticas educacionais. Assim,
a reforma curricular continua sendo uma solução permanente:
2} "História Literária e Ensino da Literatura: para uma his-
tória dos cânones escolares no Brasil", que intenta veri-
ficar os processos mediante os quaís, em períodos ou
épocas diferentes, algumas obras ou autores se manti-
veram na condição de clássicos e outros não, nos manu-
ais didáticos de leitura ou de história literária.
Para que o leitor tome conhecimento da natureza da pes-
quisa à qual este livro se vincula, bem como de seus objetivos e
fundamentos teÓrico-metodológicos, seguem algumas notas acer-
ca da caracterização do problema e do estado da arte da produção
acadêmica em torno dessa temática.
15
A história do ensino das Ifnguas no Brasill
I Este foi o texto que serviu de Justificativa para o projeto de pesquisa "A
Escola. o Estado e a Nação: para uma história do ensino das lInguas no Brasil
(1757-1827)". aprovado pelo Edita! n. 003/2008/CNPq (Processo n. 400822/
2008-3), tendo sido apresentado na Mesa-Redonda "O Ensino e a Pesquisa
em História da Educação", como parte do Seminário em comemoração aos 15
(quinze) anos do NPGED (Núcleo de Pós-Graduação em Educação) da
Universidade Federal de Serglpe: O Núcleo de Pós-Graduação em
Educação e a Pesquisa Educacional, realizado na cidade de São Cristóvão,
de 27 a 30 de abril de 2009. Encontra-se no prelo um livro reunindo os
textos de todas as mesas-redondas do referido Sernínárto,organizado pelo
Prof. Dr. Míguel André Berg~r, Coordenador Geral do evento.
Este capítulo (intitulado Notes towards a theory oJ schooling)
procura evitar esse dualismo. Ele parte da premissa oposta
14
Luiz Eduardo Oliveira
- de que a escola e a sociedade podem ser examinadas em
termos de relações recíprocas que as mantém unidas atra-
vés do tempo e do espaço. De tal perspectiva, as práticas
cotidianas da escola podem ser vistas como práticas soci-
almente construídas e historicamente localizadas. Suas
formas derivam, por exemplo, tanto das expectativas de
padres e políticos quanto das circunstâncias materiais da
arquitetura escolar e da disponibilidade de compêndios
(HAMILTON,1989, p. 151).2
A htstoríografla educacional brasileira, ainda marcada tanto
pela coletânea de leis organizada por Primitivo Moacyr (1936; 1939;
1942) quanto pela interpretação, ou "matriz" azevedtana", tam-
bém baseada nas leis sobre educação, ainda não fez uma devida
interpretação da legislação educacional do país, restringindo-se
à mera citação do "caput" de decretos e alvarás, sem qualquer
análise do texto da lei, em sua exposição de motivos e seus vários
artigos e parágrafos. A obra de Moacyr, que serviu - e serve ainda
hoje - de base para muitos trabalhos, e que sem dúvída é uma
fonte das mais importantes para a história da educação brasilei-
ra, toma-se problemática quando intercala o discurso do legisla-
dor com o do autor, desmembrando artigos e parágrafos e assim
orientando o leitor para uma determinada interpretação, ou lei-
2 Neste caso específico, traduzi schooling. cujo equivalente mais próximo. em
Português. seria "escolartzação", genericamente por escola. Eis o texto
original: "Thís chapter seeks to avoid such a dualism. It starts from the
opposite prerníse - that schooling and society must be examined in terms of
the reciprocal relationships that hold them together across time and space.
Frorn such a perspective. the day to day practices of schoolíng are deemed
to be both socially-constructed and historically-located. Theír shape derives
as much, for tnstance, from the changing expectatíons of priests and
politicians as it does from the pre-gíven circumstances of school archítecture
and texbook avaílabílíty".
3 Sobre a critica da "matriz azevedíana'' na htstortografta educacional brasileira.
consultar Warde (1984); Carvalho (1998) e Warde e Carvalho (2000).
16
GRAMATIZAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO
tura da lei. Nesse sentido, em uma pesquisa que busca investigar
o processo de institucionalização do ensino das línguas, a legisla-
ção educacional - bem como todas as peças a ela relacionadas,
como os anais parlamentares, os relatórios de ministros, de auto-
ridades, congregações, conselhos, câmaras ou comissões especi-
ais - ainda é uma fonte de suma importância.
Seu estatuto em relação a outros objetos que integram o
ensino de línguas, tais como compêndios - no caso do ensino de
línguas, eles são de vários gêneros: catecismos, cartilhas, gramá-
ticas, manuais de retórica e poética, seletas, livros de leitura e
histórias literárias -, narrativas memorialísticas ou ficcionais de
professores, programas de ensino, periódicos, produção acadêmi-
ca, entre outros, é mais relevante, pois representa a ação do Es-
tado na propagação, representação ou mesmo omissão do ensino
de línguas, bem como no processo de construção de uma identi-
dade e uma cultura nacional:
A formação de uma cultura nacional contribuiu para criar
padrões de alfabetização universais, generalizou uma úni-
ca língua vemacular como o meio dominante de comunica-
ção em toda a nação, criou uma cultura homogênea e man-
teve instituições culturais nacionais, como, por exemplo,
um sistema educacional nacional (HALL,2005, p. 49-50).
Para Chervel, o problema das finalidades da escola é um
dos mais complexos e sutis da história do ensino, uma vez que
seu estudo só depende em parte da história das disciplínas, rela-
cionando-se também com a estrutura familiar, religiosa, cultural
e política de cada época específica. A seu ver, o historiador das
disciplinas precisa distinguir o que chama de "finalidades reais"
das "finalidades de objetivo", mesmo quando os textos oficiais mis-
turam umas e outras:
Deve sobretudo [o historiador) tomar consciência de que
uma estipulação oficial, num decreto ou numa circular,
17
Luiz Eduardo Oliveira
visa mais freqüentemente. mesmo se ela é expressada em
termos positivos. corrigir um estado de coisas. modificar
ou suprimir certas práticas. do que sancionar oficialmente
uma realidade. "Apenas o francês será usado na escola".
estipula o regulamento modelo das escolas de 1851: fínalí-
dade de objetivo. Trinta anos mais tarde ensinava-se ainda
em patois ou na língua regional (CHERVEL. 1990. p. 190).
A definição das "finalidades reais", segundo o autor, deve
ser buscada nos objetivos da escola, e não dos poderes públicos,
pois o estudo das fmalidades não pode abstrair os "ensinos re-
ais", a "realidade pedagógica". Assim, o historiador precisa evitar
a redução das disciplinas escolares às suas respectivas metodo-
logías, ou idéias pedagógicas, procurando investigar seus objeti-
vos, em um primeiro estágio, nos textos oficiais programáticos e
nos planos de estudos, para só então rastrear suas fmalidades
nas salas de aula.
Citando o caso da Lei Guizot de 1833 e do estatuto das esco-
las do ano seguinte, que introduziu no programada Instrução
Primária os "elementos da língua francesa", Chervel reconhece
que a lei desempenhou um papel importante na propagação do
ensino do Francês, mas afirma que até 1850 a maioria das esco-
las francesas da zona rural negligenciou esta parte do programa,
em decorrência do que pergunta: "de que lado colocaremos as
finalidades? Do lado da lei ou do lado das práticas concretas"?
(CHERVEL,1990, p. 189).
Em uma pesquisa histórica como esta, a investigação das
"práticas concretas" do ensino de línguas toma-se extremamente
dífícíl, senão impossível. tanto pela dístâncía temporal quanto pela
carência de fontes não oficiais, sendo muito mais fácil a sua rea-
lização em estudos nos quais o pesquisador possa acompanhar
todas as atividades de um determinado grupo de alunos em um
espaço de tempo previamente estabelecido. Ao historiador, resta
somente a indagação dos documentos de épocas passadas, pois,
como afirma o próprio Chervel (1990, p. 191):
18
GRAMATIZAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO
Cada época produziu sobre sua escola, sobre suas redes
educacionais. sobre os problemas pedagógicos, uma litera-
tura freqüentemente abundante: relatórios de inspeção,
projetos de reforma. artigos ou manuais de didática. prefá-
cio de manuais. polêmicas diversas, relatórios de presiden-
tes de bancas. debates parlamentares. etc. É essa literatu-
ra que. ao menos tanto quanto os programas oficiais, es-
clarecia os mestres sobre sua função e que dá hoje a chave
do problema.
No entanto, se as "finalidades reais" de qualquer disciplina
devem ser buscadas nos objetivos da escola, e não dos poderes
públicos, como afirma o autor acima citado, seus "ensinos reais"
não podem se desvincular das políticas educacionais que lhes
dão suporte, uma vez que suas finalidades pedagógicas são tam-
bém culturais e, sobretudo, políticas. Nesse sentido, a legislação
sobre o ensino das línguas é aqui uma fonte de suma importãncia
não somente pela especificidade pedagógica de seu objeto, mas
também por inscrever-se como um discurso político e cultural que
a toma, muito mais do que um reflexo do contexto de sua época,
parte do seu próprio texto.
Quanto à delimitação do período a ser estudado na pesqui-
sa, de 1757 a 1827, serviram como pilares duas leis importantes
que regulamentaram o ensino das línguas no Brasil: o Díretórío
dos Índios ou Lei do Díretórío, de 3 de maio de 1757, confirmada
pelo Alvará de 27 de agosto de 1758, que instituiu o ensino de
Língua Portuguesa no pais, e a Lei Geral de 15 de outubro de
1827, que mandou criar Escolas de Primeiras Letras em todas as
cidades, vilas e lugares mais populosos do Império. Esta lei, que
foi a única de ãmbito nacional a tratar especialmente das Primei-
ras Letras no Brasil, durante todo o Império e parte da República,
estabeleceu, em seu artigo sexto, a Gramática da Língua Nacio-
nal entre as matérias a serem ensinadas pelos professores e re-
gulamentou as condições necessárias, o modo de admissão, re-
muneração e um plano de carreira da profissão docente, os quais
19
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Luiz Eduardo Oliveira GRAMATIZAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO
20
jeta sua sombra até mesmo no universo disponível de escolha de
períodos, razão por que há tão poucos trabalhos - pelo menos os
produzidos nos Programas de Pós-Graduação entre 1972 e 1988-
relativos às épocas que não são privilegiadas em A cultura brasi-
leira (1942). como a pombalina. Segundo Laerte Ramos de Carva-
lho (1952, p. 106). em sua obra pioneira, no país, sobre As refor-
mas pombalinas da instrução pública, "é muito difícil precisar até
que ponto e em que escala se fez sentir a reforma de 1759 no
Brasil". Banha de Andrade, em A reforma pombalina dos estudos
secundãrios no Brasil (1978). tenta minorar tal dificuldade, fazen-
do um mapeamento das correspondências entre o Diretor Geral
dos Estudos D. Tomás de Almeida e seus comissários distribuídos
pelas várias capitanias da colônia.
De qualquer modo, conforme a interpretação que tem pre-
valecido na historiografia da educação brasileira, as inovaçôes
advindas das Reformas Pombalinas não afetaram a situação da
Instrução Pública no país. Para Azevedo (1971). as reformas de
Pombal só teriam desarranjado a sólida estrutura da educação
jesuítica, baseada que era em um sistema mais ou menos unifi-
cado, com seriação dos estudos, para dar lugar ao ensino disper-
so e fragmentário das Aulas Avulsas ministradas por professores
leigos e mal preparados.
Em sua opinião, a base da pedagogia dos jesuítas, após a
sua expulsão de Portugal e seus domínios, teria permanecido a
mesma, uma vez que os padres missionários, além de terem cui-
dado da manutenção dos colégios destinados à formação de seus
sacerdotes, criaram seminários para um clero secular, constituí-
do por "tios-padres" e "capelães de engenho". Estes, dando conti-
nuidade à ação pedagógica dos inacianos, mantiveram sua
"metodologia" e programa de estudos, que deixavam de fora, se-
gundo o autor, além das ciências naturais, as "línguas e literatu-
ras modernas":
serviriam de modelo para o provimento de outras cadeiras, tais
como as de Latim, cujos estudos foram reformados com o Alvará
Régio de 28 de junho de 1759 - que também tratou do ensíno das
Línguas Grega e Hebraica e de Retórica -, e línguas estrangeiras
modernas, ínstituídas no país pela Decisão n. 29, de 14 de julho
de 1809, que criou uma cadeira pública de Francês e outra de
Inglês na cidade do Rio de Janeiro (OLIVEIRA,2006).
Com tal delimitação períodológtca, que é também uma to-
mada de posição conceitual, a história do ensino das línguas no
Brasil só tem ínteresse quando alcança o estatuto de política
educacional de um Estado-Nação, ou de um Estado que se quer
nação, tendo para tanto que passar não somente por um movi-
mento geral de reformulação jurídica, mas também pelo proces-
so de construção de uma identidade nacional - ou de invenção
de sua tradição -, o que, mais do que uma entidade política,
configura-se como um sistema de representação cultural (HALL,
2005), caso das Reformas Pombalinas em Portugal e no Brasil.
Esta é a razão por que ficou de fora, para seus escopos, o periodo
jesuítico.
Nesse sentido, esta pesquisa contrapõe-se ao discurso hís-
toriográfico produzido pela "matriz azevediana", que, destacando
os aspectos civilizadores do jesuitismo, desqualifica o papel ino-
vador das Reformas Pombalínas, bem como do período joaníno
(CARVALHO,1998). Chagas (1967, p. 104). por exemplo, afirma
que, mesmo depois da expulsão dos jesuítas, em 1759, "o traço
fundamental da ínstrução secundária, [...], manteve as linhas
básicas do século XVI", como se aquele tipo de instrução fosse
possível no Renascimento. Segundo o mesmo autor, a transferên-
cia da corte para o Rio de Janeiro, apesar de importar na institui-
ção do ensíno profissional, militar, superior e artístico, nada fez a
respeito da "escola secundária prôpriamente dita". Somente em
1837, argumenta, o Ensino Secundário, no Brasil, teria alcança-
do a "segunda etapa".
Como notou BontempiJr. (1995), a força da obra de Femando
de Azevedo, no campo do pensamento educacional brasileiro, pro-
No fundo, e através das formas mais variadas da paisa-
gem escolar, recorta-se ainda nitidamente, com seus tra-
21
----....
Luiz Eduardo Oliveira
ços característicos, a tradição pedagógica e cultural dei-
xada pelos jesuítas e continuada pelos padres-mestres,
e resultante de uma educação exclusivamente literária,
baseada nos estudos de gramática, retórica e latim e em
cujos planos não figuravam nem as ciências naturais
nem as línguas e literaturas modernas (AZEVEDO,1971,
p. 556).
Geraldo Bastos Silva, por sua vez, reconhece que, apesar
de ser legítimo falar em fragmentação do ensino, tal fragmenta-
ção, "do ponto de vista do cuniculo", é um progresso, uma vez que
a "paisagem escolar" do país se modifica com a chegada de "novas
matérias";
[... 1, entre as aulas criadas, posteriormente, para suprir a
falta dos colégiosjesuítas, há algumas que exprimema ten-
dência à modificaçãoda tradição pedagógica,pelo apareci-
mento de novas matérias, em resposta anovas exigências
de ordem prática ou de natureza cultural. Assim, desde os
fins do século XVIII,ao lado das matérias do ensino literá-
. rio e religioso- o latim, a retórica, o grego, o hebraico, a
filosofia,a teologia- a paisagem escolar do Brasil inclui as
matemáticas e outras disciplinas, comoo desenho, o fran-
cês, o inglês (SILVA,1969,p. 189).
A afirmação de Silva. embora não apresente ou faça refe-
rência a qualquer documento que possa comprovar ou sugerir
a prática do ensino das Línguas Vivas no Brasil de "fins do
século XVIII". é pertinente quando se leva em conta que. com a
reforma dos Estudos Maiores. em 1772. o Francês e o Inglês
passaram a ser matérias recomendadas pelos Estatutos da Uni-
versidade de Coimbra para o ingresso nos cursos médico e ma-
temático. Isso significa dizer que os filhos de famílias abasta-
das brasileiras ou residentes no Brasil poderiam ter frequen-
tado aulas daquelas línguas dadas por religiosos ou particula-
22
GRAMATIZAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO
res. antes de cruzar o atlãntico para ingressar na academia
coímbrã."
Diante da carência de fontes referentes às iniciativas guia-
das pelas novas orientações vindas de Portugal. principalmente
no que dizem respeito ao ensino de línguas. foiadotado como marco
inicial de seu processo de institucionalização a Lei do Diretório de
1757. que instituiu o ensino de Língua Portuguesa no país. Tal
adoção. como já foi dito. implica uma tomada de posição quanto
ao papel das Reformas Pombalinas. isto é, da transferência do
controle da instrução da Companhia de Jesus para o Estado por-
tuguês, na história da educação brasileira. uma vez que busca
provar que as reformas de Pombal foram capazes de "dar um novo
rumo à educação. tanto na metrópole quanto na colônía, em ter-
mos de renovação metodológíca, de conteúdos e de organização".
como afirma Hilsdorf (2003. p. 15). invertendo assim a leitura de
Fernando de Azevedo. que descreve a época pós-pombalina em
termos de decadência e transição.
Seu marco final. 1827. justifica-se pela hipótese de que a
vinda do Príncipe Regente D. João e sua corte para o Rio de Janei-
ro. em 1808. significou, em matéria de Instrução Pública - e. por-
tanto. de organização e racionalização do próprio Estado brasilei-
ro -. a aplicação e desenvolvimento. na colõnia que se transfor-
mou em sede do governo português. das diretrizes estabelecidas
pelas Reformas Pombalinas. Desse modo. podemos conceber um
período de continuidade. do ponto de vista da história do ensino
das línguas no Brasil. que comporta os governos de D. José I. D.
4 Cardoso (2002, p. 206) também ratifica tal hipótese, embora não apresente
documentos: "além das Aulas de Primeiras Letras. Gramática Latina. Retórica,
Língua Grega e Hebraica. introduzidas em 1759 e que permaneceram até
1834. foram sendo incluídas no currículo escolar das Aulas Régias. que
após 1822. chamaram-se Aulas Públicas. outras cadeiras. a partir da segunda
fase da reforma dos estudos. em 1772. como Filosofia Moral e Racional,
Economia Política. Desenho e Figura. Língua Inglesa. Língua Francesa e
Aulas de Comércio".
23
<,
Luiz Eduardo Oliveira
GRAMATIZAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO
Maria I e D. João VI, bem como do seu filho e sucessor D. Pedro I,
uma vez que a permanência, mesmo depois da Independência, de
uma geração de intelectuais que passaram por todo esse proces-
so, tais como Martim Francisco (1775-1844) e o Visconde de Cairu
(1756-1835), em instãncias decisórias de ãmbito educacional,
dentre outros fatores, contribuiu para a manutenção, propaga-
ção e até mesmo apropriação de valores advindos da universida-
de reformada de Coímbra, talvez a grande obra cultural do Mar-
quês de Pombal (1699-1782).
projeto" Americanismo e Educação: a fabricação do homem novo",
o qual deu sustentação ao convênio estabelecido entre a institui-
ção paulista e o NPGED (Núcleo de Pós-Graduação em Educação),
da Universidade Federal de Sergípe, com financiamento da CA-
PES, através do Programa de Cooperação Acadêmica (PROCADl, e
teve como objetivo investigar e descrever o processo de institucio-
nalização do ensino das Línguas Vivas no Brasil, observando o
caso específico da Língua Inglesa, de 1809 a 1890, no intuito de
estabelecer uma periodização relacionada às principais fmalida-
des assumidas pelo ensino daquelas línguas no sistema de Ins-
trução Pública do país.Organização do livro
Este livro foi organizado em quatro capítulos. No primeiro, A
Gramática Latina e o ensino das línguas, buscou-se verificar o modo
como o processo de gramatização, que tem como base a Gramáti-
ca Latina, articula-se com a escolarização das línguas nacionais
e estrangeiras. No segundo, Os Professores Régios de Gramática
Latina e Retórica: notas para o estudo das origens da profissão do-
cente no Brasil, há uma análise da legislação pombalina, mariana
e joanína referente aos professores de Latim, Grego, Hebraico e
Retórica. No terceiro, Da Língua do Príncipe à Língua Nacional:
uma história do ensino de Português no Brasil., tentou-se um esbo-
ço crítico-descritivo de tal processo, sugerindo algumas hipóteses
de trabalho que poderão ser depois desenvolvidas. No quarto, fí-
nalmente, As Gramáticas Inglesas e a Instrução Pública: uma histó-
ria do ensino de Inglês no Brasil, o leitor terá uma mostra de parte
da pesquisa desenvolvida em minha Dissertação de Mestrado,
defendida no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, em
1999, e intitulada A historiograjia brasileira da literatura inglesa:
uma história do ensino de inglês no Brasil (1809-1951), e em mi-
nha Tese de Doutorado, intitulada A instituição do ensino das Lín-
guas Vivas noBrasil: o caso da Língua Inglesa (1809-1890), defen-
dida em fevereiro de 2006 no Programa de Estudos Pós-Gradua-
dos em Educação: História, Política, Sociedade, da Pontifícia Uni-
versidade Católica de São Paulo. A tese foi um dos resultados do
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1942. A Instrução pública no estado de São Paulo. São Paulo: Companhia
Editora. Nacional, v. I. o objetivo principal do estudo do latim é ojUológico, isto é, o
conhectmento da vida econômica, social e política dos roma-
nos, e, através destes, o conhecimento do mundo antigo. Si-
multaneamente, porém, com a realização de talftnalidade,
desempenha o ensino do latim papel saliente na educação do
pensamento, pois que oferece ensejo a que oestudante adqui-
ra, com os exercícios que terá defazer, os necessários hábitos
de pensar célere, profunda e cuidadosamente. Acresce ainda
que o l.atim serve ao melhor conhecünento das línguas románi-
cas, enriquecendo-lhes o vocabulário e tornando-o mais preci-
soeexato.'
OLIVEIRA,Luíz Eduardo Meneses de. 2006. A instituição do ensino das Línguas
Vivas no BrasU: o caso da Língua Inglesa (1809-1890). Tese de Doutorado,
Programa de Estudos pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade,
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brasileira". Em aberto. Brasília: INEP, n." 23, pp. 1-6.
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produção da história da educação no Brasil". Contemporaneidade e Educação.
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<,
Luiz Eduardo Oliveira
GRAMATIZAÇÁO E ESCOLARIZAÇÁO
A formalização do ensino das línguas no mundo ocidental,
ao relacionar-se com o desenvolvimento dos saberes
metalinguísticos codificados, coincide com o aparecimento das
primeiras gramáticas escritas em Latim e dedicadas, em sua maior
parte, ao ensino da Língua Latina. Tais gramáticas constituem
um elemento de fundamental importãncia no processo de
escolarização daqueles saberes, o qual ocorre no mesmo momen-
to em que os Estados começam a burocratizar-se, seja em suas
relações políticas e comerciais com paises ou povos vizinhos, seja
em suas aventuras expansionistas.
Nessa perspectiva, pode-se inferir que o ensino das línguas
- entenda-se das línguas estrangeiras, mortas ou vivas, para cujo
aprendizado exige-se um saber metalinguístico, ao contrário das
línguas maternas, componentes de um saber elementar
(HÉBRARD, 1990) - familiar ou corporativo formaliza -se por volta
do século XVI, época em que Auroux (1992) localiza o fenõmeno a
que dá o nome de "gramatízaçâo'' 1, possibilitado em grande parte
pela utilização dos caracteres móveis da imprensa. Com efeito, é
naquele século que se verifica o aparecimento de grande número
de gramáticas, e de quase todas as línguas do mundo, cujas des-
crições eram baseadas na gramática da Língua Latina, fato veri-
ficado ínclusive no Brasil, como testemunha a Arte da grammatica
I o conceito de "grarnatização". tal como o define Auroux (1992. p. 65) _ "o
processo que conduz a descrever e a instrumentar uma língua na base de
duas tecnologias. que são ainda hoje os pilares de nosso saber
metalinguístico: a gramática e o dicionário" -. difere-se das primeiras
tentativas fllológícas de tradução e Interpretação de textos. assim como da
grammatücé grega. que nasce na virada dos séculos V e IV antes de nossa
era. Sua formulação tem origem no século II a.C .. com a Escola de Alexandría,
e associa-se ao conhecimento empírico dos poetas e prosadores. mas o
sentido moderno. como corpo de regras que explicam como construir
palavras mediante paradígmas, para aprender a falar - e depois ler e escrever
-. é um advento mais recente e coincide com o Renascimento.
28
GRAMATIZAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO
da lingoa mais usada na costa do Brasa, de 1595, composta pelo
padre jesuíta José de Anchieta (1533-1597).
De modo semelhante, é por volta do século XVIque Vincent,
Lahire e Thin (2001) situam "a invenção da forma escolar", carac-
terizada por uma inédita relação social entre "mestre" e "aluno";
pelo surgímento de um "tempo" e um "espaço" escolar específicos;
pela organização e codificação dos conteúdos ensinados; pelas
gramáticas e manuais de "Civilidades" e pela produção das "dis-
ciplinas escolares". Julia (2001) situa também no século XVI a
emergência de uma das primeiras figuras do processo de profissi-
onalízação dos professores, com o desmembramento da antiga
cristandade em "confissões plurais" nos países protestantes. Nos
católicos, tal processo ocorreria com os desdobramentos do Con-
cilio de Trento (1545-63). Ser cristão, segundo o autor, não se
restringia mais a pertencer a uma comunidade, mas exigia tam-
bém a capacidade de proclamar pessoalmente as verdades da fé e
a instrução sobre os princípios de sua religião.
Assim, pode-se dizer que, a partir do século XVI, o papel
educativo teria passado por um deslocamento das comunidades e
das famílias para as instituições de ensino, as quais serviam tan-
to aos interesses das duas Reformas quanto aos da burguesia em
ascensão. O sistema de autoridade dos mestres sobre os discípu-
los, diferente da "comunidade" entre os mesmos; a organização
das classes conforme as idades dos alunos; os procedimentos de
controle do tempo e de suas atividades; e fmalmente a implanta-
ção dos planos de estudos e do seu sistema de progressão, ou
seriação, com o advento do exame, seriam os dispositivos funda-
mentais para a constituição da "forma escolar", ou da
escolarização.
A gramatização, por sua vez, ao fornecer elementos para a
padronização dos vernáculos europeus, criou uma rede de conhe-
cimentos Iínguístícos que se foi estruturando cada vez mais com
o acréscimo de cada região "descoberta", ou conquistada, repre-
sentada pelos cartógrafos. Auroux (1992, p. 35-36) considera tal
processo a primeira revolução científica do mundo moderno, tão
29
Luiz Eduardo Oliveira -,
importante na história da humanidade quanto a da físíca-mate-
mática galileico-cartesiana. sua contemporânea, uma vez que as
ciências da natureza. apesar de alcançarem primeiro sua grande
síntese teórica. com Isaac Newton (1642-1727). tiveram consequ-
êncías práticas mais tardias. com a industrialização. Assim. mesmo
com um modelo de cíentífícídade dominante. que abarcava inclu-
sive as "ciências humanas". as ciências modernas da natureza
não teriam sido possíveis sem a revolução técnico-linguística da
gramatização.
A aprendizagem de uma língua estrangeira. nesse sentido.
pode ser considerada como a causa inicial do processo de grarnatí-
zação, sendo a Língua Latina. cujo estatuto de "língua franca" no
meio intelectual e político já havia se estabelecido desde a Idade
Média. a língua gramatical por excelência. No ensino. a Gramática
da Língua Latina vai desempenhar um papel preponderante. uma
vez que seu aprendizado representa a via de acesso principal à
educação do homem letrado. seja nas congregações religiosas. an-
tes e depois das duas Reformas. seja nas universidades.
A gramática utilizada pelos jesuítas. que exerceram um
monopólio quase absoluto na instrução dos meninos de Portugal
e seus domíníos-, era a Arte da gramática latina do padre Manoel
Álvares (1526-1583). a qual suscitou uma série de publicações a
ela relacionadas: resumos. comentários e edições reformadas. como
a recomendada pelo Ratio Studiotum (1599). de António Vellez.Papel
semelhante desempenhou na Inglaterra a Short introduction of
qrammar, atribuída a William Lilly (1468-1522) e reformulada por
2 A obra dos jesuítas em Portugal e seus domínios deve ser examinada levando-
se em conta o caráter mísstonárío pelo qual passava a Igreja Católica no
século XVI, que adotou uma postura social e ativa, diferentemente das ordens
monásticas medievais, receptivas, acolhedoras e passivas em relação aos
novos adeptos. Ameaçado pelo avanço do reformísrno, bem como pela revolução
luterana, o Papa Paulo IIJ (1534-63) convocou bispos, teólogos e cardeaís
para o Concílio de Trento (l545-1563), iniciando assim o que se convencionou
chamar de movimento da Contra-Reforma (HILSDORF, 2003, p. 4).
30
GRAMATIZAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO
John Colet (C. 1467-1519) -ambos pertencentes à St. Paul's School
-. que obteve em 1540 a autorização real de Henrique VIII (1509-
1547) para estabelecer um método uniforme do ensino de gramá-
tica nas escolas (HOWATI. 1988. p. 32).
A Gramática latina e as lfnguas Nacionais
Se a Gramática da Língua Latina faz da gramática. com o
passar do tempo. uma técnica de aprendizagem da língua mater-
na e. depois,uma técnica geral para a aprendizagem de todas as
línguas, transmítíndo-lhes a sua "latínídade'", a gramatização dos
vernáculos é acompanhada por um processo de reforma, e até de
recusa da Língua Latina. Na Inglaterra, os primeiros passos nes-
sa direção foram dados ainda na segunda metade do século XVI,
com a publicação póstuma, em 1570, de The Schoolmaster, de Roger
Ascham (1515-1568), obra designada pelo autor para educar os
filhos de famílias nobres inglesas, adaptando-os às exigências da
corte da rainha EUzabeth (1558-1603). Ascham, pela técnica da
traduçào interlinear (double translation). dá igual ímportãncía ao
Latim e ao Inglês, fazendo com que o aluno adquira um conheci-
mento de sua própria língua com seis procedimentos básicos:
"ímítatío", "translatío", "paraphrasís", "epítome", "metaphrasís" e
"declamatío" (HOWATI. 1988, p. 33-34).
Mais radical, no entanto. é a proposta de Joseph Webb (c.
1560-1633). já no século XVII, tanto em An appeal to truth (1622)
quanto em Pueriles confabulatiunculae (1627). obras nas quais
defende a idéia de que, para se adquirir habilidades comunicati-
vas. é necessário apenas o "hábito". ou "costume". alcançado pe-
3 o conceito de latlnidade, aqui, não se confunde com o sentido que lhe dá Vemey
(1949, p. 169-192), na sua Carta Terceira, isto é, como "expressão lIterãria da
cultura latina", mas com a ídéía de "alfabetização" (AVROUX, 1992, p. 65):
um processo segundo o qual um locutor alfabetizado na Língua latina adapta
aos seus caracteres e à sua escrita os sons que percebe de outros Idiomas.
31
Luiz Eduardo Oliveira
los exercícios de leitura, escrita e fala. As regras gramaticais, para
o autor, seriam adquírídas em um estágio secundário, de modo
"natural" e sem muito esforço por parte do mestre, uma vez que
seus pressupostos já estariam apreendidos pelo aluno com o uso
reiterado. Fato curioso na biografia de Webb é a sua Petition to the
high courtofParliament, de 1623, na qual pede ao parlamento in-
glês uma patente para seu método de dispor graficamente, em
seus compêndios, os diálogos latinos com a respectiva tradução
no idioma dos alunos (HOWAIT, 1988, p. 35-37).
No caso português, o movimento é mais tardio, e data do sé-
culo XVIII,coincidindo com as atividades da Academia Portuguesa,
fundada na biblioteca de sua própria casa por Francisco Xavier de
Menezes, 040 Conde de Ericeira e tradutor da Arte Poética,de Boileau,
entre 1717e 1720 (RIBEIRO, 1871,p. 163-164). Apoiado nas ínfor-
mações da Bibliotheca Lusitana (1741-1758), de Barbosa Machado
(1682-1772) e das Prosas Portuguesas (1728), de D. Rafael Bluteau,
António Salgado Júnior (1952, p. XXXi-XXXiii),no prefácio do quarto
volume da edição por ele organizada do Verdadeiro método de estu-
dar (1746), de Luíz Antônio Verney (1713-1792), divide em três os
estudos realizados pela academia lusitana: literários, históricos e
filosóficos e científicos. Independentemente do que possa haver de
história ou de memória em torno dessa academia, o certo é que a
ela estavam relacionadas, direta ou indiretamente, as principais
personagens que iriam liderar o processo de reforma da pedagogia
portuguesa no século XVIII.
A primeira delas é a de um padre teatino francês ligado à vida
cultural lusitana, o já citado Rafael Bluteau (1638-1734), autor do
Vocabulário português e latino, primeira obra importante da lexico-
grafia portuguesa e fonte principal de onde procederam todos os de-
mais dicionários portugueses modernos, publicada em dez volumes
entre 1712 e 1728. A segunda é a de Martinho de Mendonça de Pina
e Proença (1693-1743), em cujo plano de estudos de sua obra mais
conhecida, os Apontamentos para a educação de wn menino nobre, de
1734, não constava a Gramática Latina: "que importantes e
agradaveis noticias de Geografia, Hístoría. Chronologia, Geome-
32
GRAMATIZAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO
ma, e Algebra, se podião adquirir aos muitos alunos, que se Gastão
em aprender Latim!" (apud CARVALHO,1959, p. 79).
Em 1746 apareceu a primeira edição do Verdadeiro método
de estudar para ser útil à República, e a igreja: proporcionado ao
estilo, e necessidade de Portugal, exposto em várias cartas, escritas
pelo R. P. Barbadinho da Congregação de Itália ao R. P. Doutor na
Universidade de Coimbra, a mais arrojada empreitada pedagógica
do período. Escrita em forma epistolar e sob pseudõnimo, à ma-
neira do que fizera Locke em seus Thoughts conceming education,
de 1693, Verney dividiu sua obra em cinco volumes, planejando
uma reforma completa dos estudos portugueses, no que se de-
bruçava sobre todos os ramos do saber de sua época, desde os
estudos fílológícos - ou linguísticos e literários - até os fílosóflcos,
médicos, jurídicos, teológicos e canõnicos.
Nas primeiras três Cartas, dedicadas, respectivamente, à
Língua Portuguesa, à Gramática Latina e à Latinidade -, é elabo-
rada uma reformulação ortográfica do Português, com regras e
resultados muito peculiares, baseados na prosódia, ao mesmo
tempo em que é planejada uma sistematização do ensino da
gramática da Língua Portuguesa, para isso propondo o autor uma
mudança no método de ensino da Gramática Latina, com os pres-
supostos então correntes de uma "gramática geral"."
4 De acordo com Auroux (1992, p. 88), a gramática geral "encontra seu apogeu
no século XVIIIem tomo dos enciclopedistas franceses", propondo-se a "ser a
ciência do que é comum a todas as línguas", ou a "ciência das leis da linguagem
às quais devem se submeter todas as línguas". Para ele, "a maior parte das
gramáticas gerais se apóia principalmente sobre a língua do seu redator e
sobre as línguas clássicas, latim e grego". Francisco J. C. Falcon (1993, p.
118), por seu turno, ao tratar dos "grandes temas" da Ilustração. afirma que o
"universo do discurso" ocupa um primeiro plano, "através de uma nova gramática,
espécie de tradução do modelo newtoníano no nível específico da lingüística",
e apóia-se no Foucault de Le mots et les choses para citar a Gramática geral
(1767) de N. Bauzée como exemplo clássico. Um precursor português teria
sido Amaro de Roboredo, como 'sugere o titulo do seu Methodo grammatical
para tcx1as as línguas, de 1619.
33
Luiz Eduardo Oliveira
Suas observações a respeito da sintaxe, depois expostas na
introdução de sua Grammatica latina, publicada somente em 1790,
podem ser assim resumidas: 1) todas as línguas têm a mesma
ordem natural de sintaxe; 2) a diversidade das línguas na sintaxe
é acidental, e consiste em ocultar algumas palavras por elipse, ou
em transpô-Ias por hipérbato, ou em aumentá-Ias por pleonasmo,
e, algumas vezes, em suprir com uma só voz várias idéias, ou
inventar novas partículas para reger diversos casos; 3) todas as
línguas se podem reduzir ãs mesmas regras gerais e essenciais e,
especialmente, às mesmas da latina (VERNEY, 1949, p. 158-164).5
Outro pedagogísta lusitano do período é Antônio Nunes Ri-
beiro Sanches (1699-1783), que antes de escrever um Método para
aprender a estudar a medicina (1763), havia produzido, há três
anos, suas Cartas sobre a educação da mocidade, nas quais pla-
nejou quatro tipos de escolas para a educação da juventude por-
tuguesa: 1) as escolas reais estabelecidas nas cabeças de comarca,
para meninos que não eram nobres; 2) as escolas reais estabele-
cidas em Lisboa, Coimbra e Évora, preparatôrias para o ensino
universitário dedicado à mesma categoria de rapazes; 3) as esco-
las para os meninos nobres em geral, concebida em termos de um
colégio militar; 4) e uma escola para os meninos nobres intelectu-
almente bem dotados. O Latim, de acordo com Sanches, seria
ensinado nas escolas dos tipos 1, 2 e 4, mas não nas do tipo 3,
pois "pode se duvidar com razão se todos os educandos devem
aprender sem distinção a Língua Latina, e as Sciencias mais ele-
vadas. He certo que devia haver excepção nesta materia; e con-
formar o ensino ao gênio, inclinação e engenho dos educandos"
(apudCARVALHO, 1959, p. 82).
5 As inovações sintáticas propostas por Verney, como observa António Salgado
-Júníor (1949, p. 159). em nota de rodapé, e o próprio Verney(p. 144-151),
ao tratar das "modernas orientações" da Gramática Latina, Já haviam sido
expostas pela maioria dos gramáticos modernos, tais como Escalígero (1484-
1558), Sctoppío (1576-1649) e Vóssío (1577-1649). mas parece ser a Minerva
(1587) de Francisco Sanches (1523-1601) seu modelo principal.
34
GRAMATIZAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO
Ainda em meados do século XVIII, algumas idéias desse
movimento português e "estrangeirado" de reformulação do ensi-
no da Gramática Latina tomaram forma de lei. Com o Alvará Ré-
gio de 28 de junho de 1759, que extinguiu todas as "Classes" e
"Escolas" dos jesuítas em todos os reinos e domínios de Portugal,
proibindo-os definitivamente de exercer qualquer atividade do-
cente", reformou também os estudos de gramática da Língua La-
tina. Grega. Hebraica e Retôrica. O Estado português. a partir de
então, assumiu o controle da instrução.
O texto do Alvará, porém, faz sugerir que os jesuítas foram
os grandes causadores do estado calamitoso em que se encontra-
va o estudo das Letras Humanas, "base de todas as Scíencías".
nos Reinos de Portugal e seus domínios. Inventando uma tradi-
ção de glorioso auge das letras antes de serem elas confiadas aos
discípulos de Inácio de Loyola, o legislador - "EI Rei", sob as vistas
do Conde de Oeiras - ordenava que se restituísse "o methodo an-
tigo. reduzido aos termos simples, claros e de maior facilidade que
se pratica atualmente nas nações mais polidas da Europa" (POR-
1UGAL. 1830).
Tal método dizia respeito à simplificação da Gramática Lati-
na. que deveria ter as regras e exceções reduzidas e ser ensinada
em Português, refletindo uma polêmica que repercutia em Portugal
desde o início da década de cínquenta, principalmente depois da
publicação. em 1752, do Novo método da gramática latina reduzido a
compêndio para uso das escolas da Congregação do Oraiôno. com-
posto pelo Padre Antônio Pereira. A obra foi adotada pelo Alvará
como livro a ser usado em substituição à Arte da gramática latina
de Manoel Alvares. tomada proibida (art. 8.°), do mesmo modo que
as obras de seus comentadores ou reformadores.
A "Instrução para os Professores de Gramática Latina". no
seu parágrafo dezesseis, incentivava o uso da Língua Portugue-
6 o jesuítas foram oficialmente expulsos dos reinos e domínios de Portugal
com o Alvará de 3 de setembro de 1759.
35
Luiz Eduardo Oliveira
sa: o Latim não poderia ser falado nas "Classes", para evitar os
"barbarismos", devendo os professores pratícá-lo depois, quando
os estudantes tivessem um conhecimento suficiente da língua,
fazendo-os preparar em casa algum "Diálogo ou História" para ser
repetido na classe. Os modelos aconselhados para tal exercício
eram Terêncio e Plauto, "como vão" na Coleção dos diálogos de
Luís Vives, na Coleção das palavras familiares portuguesas e lati-
nas feita por António Pereira, da Congregação do Oratório, e nos
Exercícios da língua latina eportuguesa acerca de diversas coisas,
ordenados pela mesma congregação (PORfUGAL, 1830).
Nos meses e anos subsequentes ao Alvará de 1759, foram
expedidas outras medidas regulamentando as Aulas Régias de
Humanidades, o que levou a htstortografía a determinar que, num
primeiro momento, as Reformas Pombalinas da Instrução Pública
não atingiram o ensino elementar, tornando-se este um objeto de
legislação somente com a reforma dos Estudos Menores efetuada
pelo Alvará de 6 de novembro de 1772, que criou as escolas públi-
cas de ler, escrever e contar no Reino e as Aulas de Filosofia.
No entanto, não se pode deixar de ressaltar o papel da Lei
do Díretórío (de 3 de maio de 1757, confmnada pelo Alvará de 27
de agosto de 1758), primeira tentativa do Estado português de
instituir escolas para os índios, em substituição ao controle pe-
dagógico da Companhia de Jesus, no Grão-Pará. O Díretórío esta-
belecia, como "base fundamental da Civilidade", a proibição do
uso do idioma da terra e impunha a Língua Portuguesa como idi-
oma oficial, criando escolas, para meninos e meninas, de Doutri-
na Cristã, Ler e Contar - nas escolas de meninas, o Contar era
substituído pelo "fiar, fazer renda, costura", e mais os "mínísteríos
proprios daquelle sexo" (PORTUGAL,1830).
Com o Alvará de 30 de setembro de 1770, EI-Rei ordenou
que "os Mestres da Língua Latina", quando recebessem em suas
classes os discípulos, os instruíssem "durante seis meses" na
Gramática portugueza composta por António José dos Reis Lobato,
oficializando assim o ensino de Português em seus reinos e domí-
nios. As razões da lei eram alegadas logo no início, "sendo a
36
GRAMATlZAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO
correcção das línguas nacionais um dos objectos mais attendiveis
dos povos civilisados, por dependerem della a clareza, a energia, e
a magestade, com que se devem estabelecer as Leis, persuadir a
verdade da religião, e fazer uteis, e agradaveis os Escritos" (POR-
TUGAL,1858).
Ao referir-se às escolas de ler e escrever, o legislador obser-
vava que, "até agora", se praticava a lição de processos litigiosos,
e sentenças, "que somente servem para consumir o tempo, e de
costumar a mocidade ao orgulho, e enleios do foro", mandando,
em seu lugar, se ensinar por meio de impressos, "ou manuscriptos
de diversa natureza". Indicava para compêndio o "Catecismo pe-
queno do Bispo de Montpellier Carlos Joaquim Colbert, mandado
traduzir pelo Arcebispo de Evora [D.João Cosme da Cunha, futu-
ro Cardeal da Cunha) para instrução dos seus díocesanos" (POR-
TUGAL,1858).7
7 A primeira edição lisbonense da obra acima referida, de acordo com Andrade
(1978, p. 15-16), saiu em 1765, pela Oficina de Míguel Manescal da Costa,
com o título Instru.cçoens Gerais emfonna de catecismo, chegando, com mais
ou menos dezoito edições, até 1884, e persistindo como compêndio principal
de formação religiosa usado nas escolas de ler e escrever, até a introdução
dos conceitos de civilidade, urbanidade e decência. que se deu pela adaptação,
em 1855, do Novo Methodo para apprender a ler, segundo o methodo de
Pestalozzi. Conforme o autor, apoiado na História da Igreja em Portugal, de
Fortunato de Alrneída, o Catecismo foi mandado traduzir peJo próprio Conde
de Oelras, que' o havia difundido no Reino e no Brasil ainda em 1765.
37
\ GRAMATIZAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO
Luiz Eduardo Oliveira
fi ~ ~ •: : Si
A constituição das Ifnguas como disciplinas escolares
Apesar de todo movimento de reforma e recusa do ensino da
Gramática Latina, o Latim se manteve no plano dos estudos se-
cundários, ou preparatórios, no Brasil, até a década de 1950, sendo
sua carga horária maior ou compativel com a das Línguas Vivas,
depois de sua introdução no plano oficial daqueles estudos
(VECCHIA& LORENZ, 1998)8, além de ser uma matéria obrigató-
ria para se ter acesso a qualquer um dos estudos superiores, em
Portugal ou no Brasil. Ajustificativa de sua permanência no cur-
rículo, além de se basear em seu caráter erudito, ou de "cultura
geral", relacionava-se com o seu papel de "ginástica mental", isto
é, como um meio de desenvolver o intelecto dos alunos mediante a
memorização e análise de regras e paradigmas, através de exercí-
cios de versão e tradução. Assim, a aprendizagem da Língua Lati-
na, além de ajudar a pensar melhor, tornava mais preciso o co-
nhecimento da língua materna.
Quando expediu os programas do curso fundamental do
Ensino Secundário, pela Portaria de 30 de junho de 1931, nos
termos do artigo 10 do Decreto n. 19.890, de 18 de abril do mesmo
ano, assim se expressava Francisco Campos, Ministro de Estado
da Educação e Saúde Pública, em nome do Governo Provisório,
quanto às "instruções pedagógicas" do ensino do Latim:
'GRAM:I
M'JTICJ
da lingua 'Por-
tllguefa·
OLYSSJPPONE.
Apuef Lodouicum'Rotori-
gm ,TyJ'OgYal'bum.
.M. D. ,XL.
o objetivo principal do estudo do latim é o fllológíco, isto
é, o conhecimento da vida econômica, social e politica dos
8 O plano oficial desse tipo de ensino. no Brasil. foi instituído em 2 de dezembro
de 1837. quando o regente interino Bemardo Pereira de Vasconcelos decretou
a conversão do Seminário de São Joaquim em Imperial Colégiode Pedro Il,
primeira instituição de estudos secundários. criada na corte e mantida pelo
Estado para servir de modelo às demais. A partir de então. seu programa e
carga horária passaram a ser Instituídos por lei. sendo reestruturados e
redlstribuídos pelos sucessivos decretos que reformaram o estabelecimento
(OLIVEIRA. 1999).
'="'-"'---';""-');.1,~. -~~ ••"'., ..;o. .,...11
Grammatica da língua portuguesa (1540)
38
39
Luiz Eduardo Oliveira
romanos, e, através destes, o conhecimento do mundo an-
tigo. Simultaneamente, porém, com a realização de tal fi-
nalidade, desempenha o ensino do latim papel saliente na
educação do pensamento, pois que oferece ensejo a que o
estudante adquira, com os exercícios que terá de fazer, os
necessários hábitos de pensar célere, profunda e cuidado-
samente. Acresce ainda que o latim serve ao melhor conhe-
cimento das línguas romãnicas, enriquecendo-lhes o voca-
bulário e tornando-o mais preciso e exato (apud BICUDO,
1942, p. 142).
É interessante observar que o ensino das línguas estran-
geiras modernas na Inglaterra sofreu muitos preconceitos por ser
tido como um tipo de instrução mais adequado ao público femini-
no, sendo as meninas bem melhores nesta matéria do que os
meninos, como mostra um relatório de Cambridge de 1868. Mes-
mo tendo as Línguas Vivas entrado nos estabelecimentos de Ins-
trução Secundária a partir da década de cinquenta do século XIX,
com o estabelecimento do sistema de exames públicos controla-
dos pelas Universidades de Oxford e Cambridge, o estatuto aca-
dêmico das línguas mortas, ou clássicas, que tinham como su-
porte as Grammar Schools - as quaís davam acesso privilegiado
aos cursos superiores e não ensinavam as Línguas Vivas -, se
manteve intacto, uma vez que os Locals - como se chamavam os
Exames Públicos - eram desprestígíados por aceitarem candida-
tos de países do "terceiro mundo", como a Jamaica, e do sexo fe-
minino (HOWAIT, 1988, p. 133-134).
Nos Estados Unidos, apesar dos ideais de Benjamin Franklin
(1706-1790), em um panfleto de 1751 intitulado Id.eaof the English
School; no qual havia elaborado um programa de instrução lín-
guístíca e literária vernacular, antecipando assim a idéia da dis-
ciplina, o Inglês sempre se manteve em níveis mais baixos e dota-
do de menos recursos do que o Latim ou o Grego durante todo o
século XIX, mesmo levando-se em conta que uma "cátedra" de
"língua e oratória inglesa" havia sido criada na Universidade da
40
GRAMATIZAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO
Filadélfia em 1755, e outra equivalente tinha se estabelecido em
Harvard em 1806 (GOODSON, 1995, p. 178).
No caso francês, depois do declínio que começou a ter desde
o século XVI, acompanhando a já referida tendência da gramatí-
zação dos vernáculos europeus, o Latim voltou a ter uma forte
ascensão no século XIX, na época de Jules Ferry (1808-1880).
seja como um tipo de formação que conferia um grau de nobreza
ao indivíduo, representando assim um passaporte social relevan-
te (CHERVELe COMPERE, 1999, p. 152). seja como uma espécie
de "ginástica mental" (CHERVEL, 1990, p. 179). tomando-se qua-
se um sínônímo de Ensino Secundário, uma vez que os estabele-
cimentos dedicados a esse tipo de instrução vão se caracterizar
pela inclusão, no seu plano de estudos, da Língua Latina
(CHERVEL, 1992, p. 102-105).
Se, para que possa ser considerada como disciplina esco-
lar, uma matéria de ensino deve conter quatro componentes prin-
cipais - a saber: um conteúdo explícito do conhecimento, exposto
pelos professores e compêndios; uma bateria de exercícios, que
juntamente com os conteúdos explícitos formam o "núcleo" da dis-
ciplina; "métodos pedagógicos" e exames, os quais, com suas res-
trições específicas, introduzem alterações na prática disciplinar
(CHERVEL, 1990) -, a constituição das línguas, estrangeiras ou
nacionais, como disciplinas escolares, no século XIX, obedece a
um processo idêntico ao do Latim, pois o seu núcleo, composto
pelos seus dois primeiros componentes, em sua parte teórica ou
expositiva, encontrava-se já formulado pela Gramática Latina,
cujos termos e classificações são também usados no ensino das
Línguas Vivas. Os exercícios, da mesma forma, centrados inicial-
mente na leitura, pronúncia, tradução, versão e composição, ti-
nhamjá como suporte uma longa tradição, pois a Decisão de 1809,
que criou as primeiras cadeiras de Línguas Vivas da América por-
tuguesa (apud. OLIVEIRA,2006). mandava que os professores se-
guissem, quanto ao "tempo", "horas das lições" e "attestações" do
aproveitamento dos discípulos, o mesmo que se achava estabele-
cido, "e praticado", pelos professores de Gramática Latina.
41
Luiz Eduardo Oliveira
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43
OS PROFESSORES RÉGIOS
DE GRAMÁTICA LATINA E RETÓRICA:
notas para o estudo das origens da proflssãc docente no Brasil'
Todos os homens sábios uniformemente confessam que deve
ser em vulgar o método para aprender os preceitos da Gra-
mática, pois não há maior absurdo que intentar aprender uma
língua no mesmo idioma que se ignora.. Também assentam
que o método deve ser breve, claro efácU, para não atormen-
tar os estudantes com uma multidão de preceitos que, ainda
em idades maiores, causam confusão. Por essa razão, so-
mente devem usar os Professores do método abreviado feito
para uso das Escolas da Conqreqaçõo do Oratória, ou daArte
de Gramática Latina reformada por Antonio Felix Mendes, que
tem as referidas circunstâncias.··
• Versão anterior deste capítulo foi publicada em 2003, com o título de
"Considerações sobre as figuras dos professores régios de línguas clássicas
e modernas: notas para o estudo das origens da profissão docente no Brasil
(1759-1809)", na Revista do Mestrado em Educação da Universidade Federal
de Sergípe, n. 5, pp. 103-124 .
•• "Instruções para os Professores de Gramática Latina. Grega, Hebraica e de
Retórica", publicadas em 7 de julho de 1759.
Luiz Eduardo Oliveira
A forma escolar e a profissão docente
o conceito de forma escolar, segundo seus principais de-
fensores - Guy Víncent, Bernard Lahire e Daníel Thin -, em um
artigo de 1994, foi elaborado no fmal dos anos de 1970, a partir
dos trabalhos realizados pelo "Grupo de Pesquisa sobre a Sociali-
zação", ligado à área de Sociologia da Educação, da Universidade
Lumíêre Lyon 2, na França, que, numa "perspectiva de sociologia
histórica", "írredutível a uma hístortograíía das instituições esco-
lares", desenvolveram o uso que dele fizeram Reger Chartier,
Domíruque Julia e Marie-Madeleine Compére em L'Éducation en
France duXVI auXVIII siêcle, obra de 1976 (VINCENT, LAHlRE e
THIN, 2001, p. 8).
Tal é a versão que também nos conta António Nóvoa, pro-
fessor da Universidade de Lisboa, quanto à origem do conceito,
em sua proposta "Para o estudo sócio-histórico da gênese e de-
senvolvimento da profissão docente", segundo capítulo de Le temps
de professeurs: analyse sócio-historique de Ia profession
enseígnante au Portugal (XVIII-XXsíêcle), de 1987:
Os autores de L'Éducation en France duXVl auXVlIl siêcle,
após haverem constatado que, contrariamente àquílo que
se tomou evidente para as sociedades contemporâneas, a
educação não é necessariamente escolartzação, afirmam que
"os três séculos da época moderna são marcados em todo o
Ocidente pelas conquistas da forma escolar em detrimento
de alguns modos antigos de aprendizagem" (NÓVOA, 1991,
p.242).
Para o autor português, a gênese e o desenvolvimento da for-
ma escolar devem ser relacionados a quatro fatores: a instauração
de uma "ética protestante do trabalho", no sentido weberiano da
expressão; a efetivação de normas regulando o uso do corpo (asseio,
higiene, etc.), processo nomeado por Norbert Elias como "a civiliza-
ção dos costumes"; o surgímento de uma nova concepção de infãn-
46
GRAMATIZAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO
cia, tal como o entende Philipe Artes: e a inauguração da "socieda-
de disciplinar", no conceito foucaultiano do termo. Na consolidação
de tais fatores, muito teriam contribuído os colégios administrados
pelas congregações religiosas, responsáveis pela conformação de
uma nova instituição educacional (NÓVOA, 1991, p. 243-244).
Assim, a partir do século XVI, o papel educativo teria passa-
do por um deslocamento das comunidades e das famílias para a
instituição escolar, que por sua vez servia tanto aos interesses
das duas Reformas quanto aos da burguesia em ascensão'.
Vincent, Lahire e Thin (2001), por sua vez, ao colocarem em pri-
meiro plano o confronto entre "formas escriturais-escolares e for-
mas sociais orais", também situam a "invenção" da forma escolar
nos séculos XVIe XVII, relacionando-a às formas sociais-escriturais
de transmissão do conhecimento e de exercício do poder. Segun-
do os autores, a análise "sócíox-genétíca" do processo de pedago-
gízação das relações sociais de aprendizagem - forma inédita de
relação social entre mestre e aluno -; do surgímento de um tempo
e de um espaço escolar específicos e da organização e codificação
dos conteúdos ensinados, através de gramáticas e manuais de
civilidades e da produção das disciplinas escolares, é condição
necessária para o estabelecimento de relações entre a forma es-
colar e outras formas sociais, assim como para o aprofundamento
da questão das "culturas escritas".
Relacionando a ausência de uma "forma propriamente es-
colar" à inexistência de uma cultura escrita, em um artigo de 1995,
Julia (2001, p. 28) trata do lento processo de profissionalização
das figuras do mestre de escola elementar e do mestre do campo:
I De acordo com Nóvoa (1991, p. 242). "a ação da burguesia. classe
revolucionária por excelência. vai ser orientada por um conceito novo que
será totalmente incompreensível para um homem da Idade Média; o de
plasticidade. Este conceito forma um todo com a idéia de que o mundo é
moldável. de que o homem é trW1Sjormável: portanto. de que se pode fazer
uma sociedade diferente".
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Luiz Eduardo Oliveira
Em países católicos, pelo menos a aprendizagem das verda-
des da salvação pôde ser feita por via puramente oral, atra-
vés de um catecismo aprendido de cor, freqüentemente mes-
mo em dialeto, posto que a Igreja, diferentemente dos Esta-
dos, privilegia a língua vemácula local em detrimento da
língua imposta pelo poder central: que necessidade então de
um professor, se não se faz sentir a necessidade da escrita?
Nóvoa, no referido artigo, afírma que é no século XVIII,quan-
do o Estado toma o lugar da Igreja nas atribuições educativas,
que se inicia o processo de institucionalização da profíssâo do-
cente. Não que se tratasse de uma ruptura com o modelo educa-
cional que vinha se desenvolvendo nos dois séculos anteriores,
através de um novo projeto pedagógico, mas de uma espécie de
renovação dos currículos e programas, e principalmente de um
controle estatal concernente a todo o conjunto do sistema de en-
sino, inclusive à seleção e recrutamento do pessoal docente:
o processo de estatização da escola não começa senão por
volta do fim do século XVIII; ele é indissociável: do movi-
mento secular de emergência do Estado-Nação que se de-
senvolve nos séculos XVIIIe XIX;de uma transformação pro-
funda das concepções relativas à moral, que tendem a se
libertar de uma definição estritamente religiosa; e da arran-
cada da revolução industrial e da emancipação do capital
industrial dos entraves coorporativos (NÓVOA,1991, p. 247).2
2 Não podemos esquecer do papel inovador. na França. das escolas urbanas
desenvolvidas pelos lnnãos das Escolas Cristãs no final do século XVII. ou
das petites écoLes e dos Colégios do Antigo Regime (VINCENT.LAHlRE e
THIN. 2001. p. 12). Para Julia (2001. p. 28), "Jean Baptlste de La Salle
pode bem ser considerado um inovador incômodo. que rompe com a tradição
das congregações religiosas quando decide fundar um instituto de leigos -
os lnnãos das Escolas Cristãs não são padres - que se excluem, por vocação.
da cultura das elites para se consagrarem às escolas de caridade destinadas
aos mais pobres: eles não ensinarão o latim, mas somente os rudimentos
do ler, do escrever e do contar, e eles o farão em francês".
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GRAMATIZAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO
Segundo o autor, é curioso o aparente paradoxo que se dá
com o fím do Antigo Regime, pois à liberação das forças produti-
vas e das relações de produção dos entraves coorporativos
corresponde um controle mais

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