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TCC - Luiza Veronese(1)

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Prévia do material em texto

FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO 
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO 
 
 
 
LUIZA VERONESE LACAVA 
 
 
 
 
 
 
 
A Segurança Pela Ordem e a Segurança da Garantia da Cidadania: o 
Desafio do Estado de São Paulo 
 
 
Orientador: Eduardo Saad-Diniz 
 
 
 
 
Ribeirão Preto 
2016 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LUIZA VERONESE LACAVA 
N° USP: 7962538 
 
 
 
 
 
 
A Segurança Pela Ordem e a Segurança da Garantia da Cidadania: o 
Desafio do Estado de São Paulo 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso 
apresentado à banca examinadora da 
Faculdade de Direito de Ribeirão Preto 
da Universidade de São Paulo como 
requisito parcial para a obtenção de 
título de Bacharel em Direito, sob a 
orientação do Prof. Dr. Eduardo Saad-
Diniz. 
 
 
 
 
Ribeirão Preto 
2016 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Nome: LACAVA, Luiza Veronese 
Título: A segurança pela ordem e a segurança da garantia da cidadania: o desafio do Estado de 
São Paulo. 
 
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca 
examinadora da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da 
Universidade de São Paulo como requisito parcial para a 
obtenção de título de Bacharel em Direito. 
 
 
Aprovado em: 
 
 
Banca Examinadora 
 
Prof.(a) Dr.(a) ________________________ Instituição: ________________________ 
Julgamento: _________________________ Assinatura: _________________________ 
 
 
Prof.(a) Dr.(a) ________________________ Instituição: ________________________ 
Julgamento: __________________________ Assinatura: ________________________ 
 
 
Prof.(a) Dr.(a) ________________________ Instituição: ________________________ 
Julgamento: __________________________ Assinatura: ________________________ 
 
 
 
 
 
Ribeirão Preto, _____ de _____________________ de 2016. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ao meu pai, Ivan Otavio Lacava, que aceitou o 
desafio de incutir em mim um espírito crítico 
inabalável. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Ao meu orientador, Professor Doutor Eduardo Saad-Diniz, que ao longo dos meus 
cinco anos de graduação não mediu esforços para me apoiar, incentivar e inspirar a me 
enveredar no universo das ciências criminais. 
À Thais Bialecki, Theuan Carvalho Gomes, Jéssica Raquel Sponchiado, Thais 
Guerra Leandro, e aos demais amigos do Laboratório do IBCCrim, por dividirem as aflições 
das ciências criminais e por serem companheiros sempre dispostos durante as maratonas de 
direito penal. 
À Professora Doutora e pesquisadora argentina María Laura Bohm, que me 
introduziu e norteou no estudo da Segurança Pública, e também à Universidad de Buenos 
Aires, minha referência acadêmica e segunda casa durante um cuadrimestre. 
À Natália Góis, Camilla Arioli Gebara, Raquel Altoé, Isadora de Toledo Ramos, 
Juliana Moyses e à todas as mulheres e amigas que me inspiram e que são referências de força 
e resistência nas lutas diárias pela igualdade de gênero. Nem silenciosas, Nem silenciadas. 
À Mariana Scarpari de Araújo, pela amizade que já nem consigo me lembrar 
quando começou. 
À Laura Campos, por ter tornado o meu lar durante a faculdade um lugar tão 
alegre, e especialmente à Laíssa Shimabucoro Furilli, cujo companheirismo me emociona e 
cuja amizade me faz sentir uma pessoa tão sortuda. 
À minha mãe, Silmara Aparecida Veronese, pelo carinho e amor que não 
caberiam em 1000 páginas de uma dissertação. 
Por fim, aos meus tios Suzi Veronese e Laudo Bannwart, que me acolheram 
durante os percalços do vestibular, e à Kazumi Obara e Marta Ovando, que sempre me 
receberam enquanto sua filha postiça. E é claro, às suas filhas Júlia e Aline Veronese 
Bannwart e Mainah e Maíra Ovando Obara, que me abrigaram com muito carinho, dividiram 
seus lares e me fizeram sentir sempre em casa. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
A pesquisa tem por objeto a segurança, tanto amplamente considerada quanto 
aplicada ao contexto da segurança pública. Tem-se por objetivo realizar uma revisão 
bibliográfica acerca do conceito, contrapondo um viés restrito às ciências criminais à 
concepção de segurança integral, tendo por base a teoria do triângulo da violência de Johan 
Galtung. Realizou-se uma revisão teórica das principais táticas de prevenção do delito na 
criminologia, sendo estas a tática situacional-ambiental, a tática social e a tática comunitária, 
juntamente à uma análise crítica de suas respectivas experiências prévias de implementação. 
Ao final, examinou-se as informações fornecidas pelo portal eletrônico da Secretaria de 
Segurança Pública do Estado de São Paulo, assim como da SSP - Transparência, afim de 
definir qual seria o perfil da política de segurança pública adotada pelo estado, assim como se 
esta se enquadra em algum dos modelos previamente estudados. 
Palavras-chave: Segurança pública. Segurança integral. Táticas de prevenção do 
delito. Estado de São Paulo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMEN 
 
El presente trabajo tiene por objetivo realizar una revisión bibliográfica con 
respecto al concepto de seguridad, contraponiendo una idea restricta a las ciencias criminales 
a una concepción de seguridad integral, teniendo como base la teoría del triangulo de la 
violencia de Johan Galtung. Se realizó una revisión teórica de las principales tácticas de 
prevención del delito en la criminología, siendo estas la táctica situacional-ambiental, la 
táctica social y la táctica comunitaria, juntamente con un análisis critico de sus respectivas 
experiencias previas de implementación. Finalmente, se examinó la información 
proporcionada por el portal electrónico de la Secretaria de la Seguridad Pública de la 
provincia de San Pablo, así como de la SSP – Transparencia, con el objetivo de definir el 
perfil de la política de seguridad pública adoptada por la provincia, y de determinar si ésta 
encuadra en alguno de los modelos analizados previamente. 
Palabras clave: Seguridad publica. Seguridad integral. Tácticas de prevención del 
delito. Província de San Pablo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 16 
2. SEGURANÇA PÚBLICA: DE QUE ESTAMOS FALANDO? .................................................. 17 
2.1 Segurança objetiva e subjetiva ................................................................................................ 20 
2.2 O conflituoso matrimônio entre segurança e política criminal ................................................. 23 
2 A SEGURANÇA PELA ORDEM E A SEGURANÇA DA GARANTIA DA CIDADANIA ..... 25 
3.1 O conceito de segurança integral ................................................................................................ 25 
3.2 O fenômeno da multiplicação de atores ..................................................................................... 27 
3.3 Johan Galtung: o triângulo da violência .................................................................................... 28 
4 MODELOS DE SEGURANÇA PÚBLICA ..................................................................................... 33 
4.1 A tática situacional ambiental ................................................................................................... 34 
4.1.1 Fontes teóricas que sustentam o modelo situacional ambiental .........................................35 
4.1.2 Técnicas de intervenção ..................................................................................................... 38 
4.1.3 Críticas ao modelo situacional ambiental ........................................................................... 39 
4.2 A tática social ............................................................................................................................. 43 
4.2.1 Fontes teóricas que sustentam o modelo social .................................................................. 44 
4.2.2 Técnicas de Intervenção ...................................................................................................... 47 
4.2.3 Críticas ao modelo social .................................................................................................... 49 
5 A TÁTICA COMUNITÁRIA E O PAPEL DA INSTITUIÇÃO POLICIAL .................................. 53 
5.1 A tática de prevenção comunitária ............................................................................................. 53 
5.1.1 Fontes teóricas que sustentam o modelo comunitário ........................................................ 54 
5.1.2 Técnicas de intervenção ...................................................................................................... 60 
5.1.3 Críticas ao modelo de prevenção comunitária ................................................................... 63 
5.2 O papel da polícia nos diversos modelos de segurança pública ................................................. 66 
5.2.1 O policiamento comunitário e a experiência do modelo anglo-saxão ................................ 72 
6 UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA NO ESTADO DE SÃO 
PAULO ................................................................................................................................................. 75 
6.1 O Estado de São Paulo ................................................................................................................ 75 
6.2 Quando a escolha é a omissão: como interpretar a ausência de planejamento? ......................... 78 
6.3 – Mapeando possíveis modelos de segurança pública ................................................................ 83 
6.3.1 Análise: os portais da secretaria de segurança pública e da SSP – Transparência .......... 84 
6.4 – O Modelo Do Estado De São Paulo ......................................................................................... 90 
7 CONCLUSÃO .................................................................................................................................. 92 
 
 
8 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 95 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
16 
 
 
1. INTRODUÇÃO 
 
Desde o ponto de vista jurídico, mas também desde o 
ponto de vista psicológico, “seguros” poderiam e deveriam 
ser, sobretudo, os sujeitos portadores de direitos 
fundamentais universais. 
 (BARATTA, 1997) 
 
 A segurança pública ocupa papel de indiscutível destaque na agenda dos 
Estados contemporâneos. Não raramente, discutem-se projetos de lei, reformas de códigos 
jurídicos e direcionamento de políticas públicas tendo por base o discurso da segurança, e 
com frequência adotam-se medidas que se justificam e se legitimam, perante os governantes e 
a opinião pública, por serem “imperativas para a garantia da segurança”. A despeito de 
constar como obrigatória proposta de governo, ser matéria constante nos veículos de 
comunicação e figurar como um direito individual prioritário, pouco se discute acerca do que 
seria, realmente, a segurança, e portanto o que significaria pertencer a um Estado seguro. 
 No vácuo desta discussão, a lacuna da segurança vem sendo preenchida, 
progressivamente, pelo discurso e pelas soluções trazidas pelo universo criminal. A política 
criminal, usualmente vislumbrada enquanto ferramenta de “combate” às inseguridades, vem 
assumindo na prática quase que exclusivamente papel que deveriam desempenhar uma gama 
muito mais abrangente de atores e espécies de políticas públicas. Eleita instrumento 
fundamental de garantia da segurança, a política criminal tem se confundido com as demais 
políticas sociais, tornando tênue muitas vezes a sua diferenciação. 
 Tem-se por objetivo a realização de uma revisão bibliográfica do conceito de 
segurança, afim de propor e investigar a sua concepção em um espectro integral. Para tanto, 
utilizou-se como base os estudos da tríade da violência de Johan Galtung, que leva em 
consideração não apenas a violência direta, mais usualmente percebida e relatada, mas 
também as formas de violência estrutural e cultural. 
 A seguir, realizou-se um estudo bibliográfico das principais teorias 
criminológicas de prevenção do delito, sendo estas a prevenção situacional-ambiental, social e 
17 
 
comunitária, levando em consideração suas críticas relevantes e experiências de 
implementação mais notórias. O intuito desta revisão foi investigar, tendo por base o conceito 
de segurança integral, quais aspectos as referidas táticas de prevenção do delito agregam para 
o debate da segurança pública, e quais os fatores que estas consideram mais importantes para 
a persecução e a garantia da segurança. 
Por fim, objetivou-se analisar o planejamento de segurança pública do Estado de 
São Paulo, por meio de um estudo das informações fornecidas pelo portal eletrônico da 
Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, e pelo portal do SSP – 
Transparência, que opera sob a direção da secretaria. Buscou-se identificar dentre os modelos 
de prevenção analisados as características que estariam presentes nas escolhas de atuação do 
Estado, bem como se há predominância de alguma das táticas de prevenção do delito 
estudadas. 
Realizou-se a escolha metodológica de priorizar, sempre que possível, a análise de 
experiências de implementação de modelos de prevenção do delito e de planejamentos de 
segurança pública brasileiros ou latino-americanos. Esta escolha se deu, principalmente, uma 
vez que considera-se estar o Estado de São Paulo inserido em um contexto que permite 
aproxima-lo dos paradigmas e complexidades sociais latino–americanos, mais que ao 
contexto dos países desenvolvidos. 
 
2. SEGURANÇA PÚBLICA: DE QUE ESTAMOS FALANDO? 
 
Propor-se a buscar uma definição de segurança é tarefa complexa. Em um 
primeiro momento provavelmente se partiria para o seu negativo, ou seja, se tentaria encontrar 
tudo aquilo que gera insegurança: segurança é não ter o seu carro roubado, é não ter a sua casa 
invadida, seus bens violados ou sua integridade física ameaçada. A segurança de um país, por 
outro lado, se verifica pela solidez de suas fronteiras, a habilidade de seu exército e a 
capacidade de resistir a ataques, afim de não ser invadido, de não ser saqueado, de não ter sua 
soberania ameaçada. A segurança pública seria a faculdade de andar pelas ruas da cidade 
livremente, sem ser roubado, furtado, sem o temor de uma possível violação sexual. A 
segurança, portanto, é um conceito que se define pelo seu oposto. 
18 
 
A palavra “segurança” usualmente encontra-se, implícita ou explicitamente, 
atrelada aos termos “nacional”, “pública”, “urbana”. Ao falar-se em “insegurança”, é comum 
o uso das expressões “a luta contra”, a “guerra contra” o “combate” à violência, ao crime, aos 
terroristas etc.
1
 São expressões que denotam conotações majoritariamente coletivas, ou seja, 
não fazem referência a um sujeito ou aos direitos que este possui, mas sim ao conjunto de 
uma nação ou cidade. Quanto às expressões referentes à insegurança, nota-se o seu caráter 
eminentemente bélico, que acaba por verificar-se verdadeiro em alguns contextos sociais (“a 
guerra contra o tráfico”nas favelas do Rio de Janeiro, a “War on Drugs” na América). 
Alessandro Baratta (1997) alerta ainda para as conotações que tiveram as ideologias da 
Segurança Nacional na América Latina e a doutrina da Segurança Pública no direito penal 
Europeu das décadas de 70 e 80, marcadas por forte viés autoritário e que deram suporte 
teórico ao surgimento de muitos dos regimes militares da época. 
Ao se pensar este conceito por um viés negativo surgem imediatamente outras 
questões, igualmente complexas e inquietantes, porém cujas respostas podem dizer muito 
sobre o que entende-se por segurança. Protege-se o que, quais bens, quais valores? Quem ou o 
que ameaça estes valores? Se são bens, quem os possui? Todos os indivíduos e todos os bens 
gozam da mesma proteção? O que significa, para um Estado, a segurança? A segurança muda 
conforme o sistema de governo de cada Estado, conforme sua situação econômica, conforme 
a disposição e posição social ocupada por cada indivíduo? E o mais importante, é possível 
pensar segurança em termos positivos? Como formular políticas públicas de segurança 
integral, enxergando para além da insegurança? 
Um ponto de partida interessante para responder a estas perguntas seria analisar 
que papel desempenhou a emergência do neoliberalismo e dos governos neoliberais na 
concepção de segurança vigente hoje, nos índices de criminalidade dos países 
subdesenvolvidos e na resposta punitiva dada pelo Estado. Segundo Loic Wacquant
2
, a 
doutrina neoliberal, que ganhou espaço a partir da década de 70, possuía como principais as 
características: a) a desregulação econômica; b) a retirada do Estado de Bem-Estar, ou a sua 
retração; c) a utilização de um aparato penal expansivo, intrusivo e proativo; e d) o 
 
1 BARATTA, Alessandro. Política criminal: entre la política de seguridad y la política social. En: Delito y 
Seguridad de los Habitantes. México, DF: Editorial Siglo XXI, 1997. 
 
2
 WACQUANT, Loic. The penalisation of poverty and the rise of Neo-Liberalism. European Journal on 
Criminal Policy and Research, 2001. Em Bohm (2013). 
19 
 
desenvolvimento de uma cultura de responsabilidade individual, que afirma que cabe a cada 
um determinar o que acredita ser melhor para si. 
Pode-se dizer que sua finalidade última seria facilitar, à máxima potência, as 
trocas econômicas, a livre circulação de bens e serviços, a liberdade de ação. Entretanto, é de 
se imaginar que essa liberdade gere riscos, e que possa ver-se constantemente obstaculizada 
seja pelo Estado, seja por aqueles que estão excluídos do sistema econômico e laboral, os 
desempregados, os pobres, aqueles que não geram riqueza. As trocas econômicas, os bens e 
principalmente aqueles indivíduos que estão inseridos no sistema demandam uma proteção 
contra essas ameaças, que vem na forma de uma forte intervenção Estatal punitiva. A 
segurança do sistema econômico transforma-se na própria segurança do Estado, e este chama 
para si a tarefa de manter sob controle aqueles que apresentam risco ao bom funcionamento 
do mercado, usualmente materializados em indivíduos pertencentes a classes marginalizadas, 
imigrantes, jovens, negros etc.
3
 
Ao mesmo tempo, o declínio do Welfare State e a progressiva diminuição do 
papel do Estado como garantidor dos direitos fundamentais e das condições mínimas de vida, 
assim como a acentuada queda dos programas sociais, precarização das condições de trabalho 
etc, acabou por intensificar a desigualdade social e criar um exército de pessoas em condição 
de extrema marginalização, vivendo em níveis acentuados de pobreza. A remoção de todas as 
restrições ao fluxo de capital e as políticas de austeridade nos países em desenvolvimento já 
foram apontadas como grandes fatores de crise econômica, bem como apresentam alto custo 
social
4
. O desemprego e a condição de precarização resultantes da queda na qualidade de vida 
e aumento da desigualdade social auxiliam, por sua vez, a um aumento da criminalidade, 
favorecendo ainda mais o aparecimento de um Estado Policial. 
As consequências são amplas e diversas, e afetam diretamente aquela que é hoje 
percebida como uma “crise de insegurança”. Para limitar-se a uma delas, cita-se o Boom do 
encarceramento (facilmente verificável em países como Brasil, Estados Unidos e China), que 
acompanha uma tendência punitivista e mais recentemente de privatização do sistema 
carcerário: “(...) a imposição do modelo neoliberal, necessariamente, inclui atos legislativos 
que levam ao endurecimento das penas a “delinquentes considerados perigosos” (que podem 
 
3
 BOHM, María Laura. Securitización. Revista Penal, n 32. 2013. 
4
 OSTRY, Jonathan D; LOUNGANI, Prakash; FURCERI, Davide. Neoliberalism: Oversold? Finance & 
Development, Vol 53, 2016. 
20 
 
ser qualquer cidadão comum), o recorte de verba para o sistema penitenciário público e a 
privatização dos estabelecimentos penais”.
5
 
Porém até mesmo este fenômeno cumpriria um papel no funcionamento do 
modelo neoliberal, como atesta Michel Foucault em “Vigiar e Punir” (1975). Os presos, 
segundo ele, aliviariam uma tensão social provocada pelo excedente de população e 
desemprego (alguns autores afirmam que sem o aumento do encarceramento, em 1990 os 
níveis de desemprego nos Estados Unidos teriam sido dois pontos maiores do que foram
6
, 
além se servir como mão de obra barata e disponível para o setor privado e para diversos 
programas governamentais (nos Estados Unidos, o trabalho no cárcere já produz quase 100% 
dos equipamentos militares, 92% da montagem de fogões, 36% dos aparelhos domésticos, 
30% dos fones de ouvido e 21% dos móveis para escritório
7
). Para o autor, a política criminal 
seria na verdade uma “gestão diferencial de ilegalidades”, ou seja, o próprio “fracasso” do 
sistema penal teria a sua função no modelo neoliberal. 
 
2.1 Segurança objetiva e subjetiva 
 
Outra distinção importante a se considerar quando se estuda segurança, e que é 
muito comumente confundida pelo senso comum, é a diferença entre as chamadas segurança 
objetiva e subjetiva. A segurança objetiva, por um lado, seria a probabilidade de ser vítima de 
um delito, com base em diversos fatores tais como idade, gênero, classe social, rotina, 
condições de vida, bairro onde habita etc. Esta categoria é verificável por meio de cifras de 
criminalidade, com dados coletados a partir do número de delitos cometidos em uma 
determinada região. A segurança subjetiva, por outro lado, representa o temor em ser vítima 
de um delito, ou seja, a percepção subjetiva de cada indivíduo sobre a sua segurança. Essa 
percepção está relacionada a diversos fatores, alguns mais tangíveis que outros, tais como a 
construção social da insegurança, o nível de confiança que se tem no governo e na polícia 
 
5
 ALFONSO, Silva Sernaque y Silva. El Neoliberalismo y el Derecho Penal en las sociedades democráticas. 
Barco de Papel, n 2, 1998. Em: Bohm (2013). 
6
 WESTERN, Bruce; BECKETT, Katherine. How Unregulated is the U.S Labor Market? The Penal Sistem as 
a Penal Market Institution. American Journal of Sociology, 1999. Em: Bohm (2013). 
7
 MELO; João Ozorio de. Trabalho de Presos está mais forte e controverso do que nunca. Consultor 
Jurídico, 2014. 
21 
 
local, a influência dos meios de comunicação etc. Apesar de subjetiva, esta insegurança pode 
ser auferida por meio de pesquisas de opinião
8
. 
É importante observar, entretanto, que nem sempre a percepção subjetiva de 
segurança está atrelada à segurança objetiva – cifras de criminalidade. Um primeiro fator que 
gera essa distorção é a existência da chamada cifra oculta, ou seja, a ineficácia do Estado em 
registrar com precisão a ocorrência de delitos, muitas vezes porque eles próprios não são 
reportados e nunca chegarãoao conhecimento da polícia (seja porque existe uma descrença na 
instituição policial, porque são fruto de atividade ilícita, por descrença na justiça etc.), por 
inexistência de um sistema eficiente de registro, ou mesmo por manipulação política dos 
dados coletados. Seja como for, o resultado indica a existência de um porcentual substancial 
de delitos que não são registrados
9
, e logo também não são apenados: “O sistema só pode 
aplicar sanções penais previstas na lei a um percentual dos reais infratores que, numa média 
relativa a todas as figuras delitivas, nas sociedades centrais, não é superior a um por cento”
10
. 
Outro fator que causa distorção entre a sensação de insegurança e os delitos 
realmente cometidos é a ascensão, típica da sociedade contemporânea e do pós modernismo, 
de uma “cultura do medo”. Esta, associada à volatilidade das mudanças sociais, à 
flexibilização do trabalho, à perda de garantias e referenciais concretos de apoio em caso de 
crise (consequências diretas de políticas neoliberais). Troca-se uma aparente liberdade por um 
sentimento de semi-segurança crônico e permanente
11
. 
Débora Regina Pastana, em “Cultura do Medo: Reflexões sobre violência 
criminal, controle social e cidadania no Brasil” (2003) aponta que o início do crescimento 
desta sensação de insegurança no país se deu em fins da década de 70 e início da década de 
80, quando supostamente se teria substituído o medo da violência por parte do Estado 
(autoritário) por um medo difuso, sem um objeto facilmente identificável. Segundo pesquisas 
realizadas em São Paulo
12
, já em 1978, 71% dos entrevistados declararam que tinham medo 
de serem assaltados, proporção que era de 60% em 1975. Esta mesma pesquisa mostra que 
65% dos paulistanos tinham medo de dar carona e 37% de pedi-la. Outros 37% tinham medo 
 
8 TAVOSNANSKA, Norberto. Seguridad y Política Criminal. Buenos Aires: Ed. Cátedra Jurídica, 2010. 
9 CERVINI, Raúl. Os processos de descriminalização. São Paulo: RT, 1995. 
 
10
 BARATTA, Alessandro. Integración-prevención: Una nueva fundamentación de la pena dentro de la teoría 
sistémica. Derecho Penal y Criminología: Revista del Instituto de ciencias penales y criminología de la 
Universidad Externado de Colombia, n 29, 1986. 
11
 BAUMAN, Zygmunt. Medo Líquido. Editora Zahar, 2006. Em: Bohm, 2013. 
12
 Índice Gallup de opinião pública, ano IV, n. 76, 1978. Em: Pastana, 2003. 
22 
 
de falar com estranhos na rua, inclusive com a polícia (12%). O que chama a atenção da 
autora, entretanto, é o caráter multifacetado do temor, que não provinha mais de situações 
conjunturais com causas específicas: “Já não se tratava, portanto, deste ou daquele temor, mas 
de uma sensação fortemente internalizada que passou a ser inerente à vida cotidiana”
13
. 
É importante ressaltar o papel que desempenham os meios de comunicação na 
difusão do medo e no aumento da insegurança subjetiva. Ainda segundo Débora Regina 
Pastana, foi no início da década de 80 que os grandes jornais e veículos de comunicação 
brasileiros passaram a dedicar uma parte relevante de seu conteúdo a notícias criminais, com 
manchetes como “Índices de crimes crescem em São Paulo” (Folha de S. Paulo, 19.03.1978), 
“O tempo da violência” (Folha de S. Paulo, 06.11.1979) e “São Paulo, a capital do medo” (O 
Estado de S. Paulo, 15.07.1980). Ainda que os crimes como pequenos furtos e lesões 
corporais causadas por brigas sejam de longe os mais comumente registrados, são raramente 
notificados devido ao baixo interesse que provocam, enquanto homicídios, estupros, 
sequestros e demais ações violentas, ainda que muito menos frequentes, ganham com 
frequência a primeira página dos jornais, devido a seu caráter sensacionalista. Um homicídio 
isolado, quando noticiado diversas vezes e por diversos veículos de comunicação distintos 
(rádio, televisão, jornal, internet), transforma-se em inúmeros, provocando sensação de grande 
descontrole e criminalidade crescente. 
Por fim, outro ponto importante a destacar é a influência desta “cultura do medo” 
no sistema penal, que acaba por justificar processos de criminalização e validar clamores 
públicos por maior punitivismo. Um exemplo direto desta influência é a recente aprovação no 
Brasil da chamada “Lei Anti-Terrorismo” (Lei n 13.260/2016), que apresenta tipos penais 
bastante amplos e se propõe a combater uma atividade ainda pouco definida, dando margem 
para discricionariedades, uso político do sistema de justiça e contribuindo para a expansão do 
direito penal. 
Tema central do século XXI, o medo se tornou base de aceitação popular de medidas 
repressivas penais inconstitucionais, uma vez que a sensação do medo possibilita a 
justificação de práticas contrárias aos direitos e liberdades individuais, desde que 
mitiguem as causas do próprio medo
14
. 
 
13
 PASTANA, Débora Regina. Cultura do medo: reflexões sobre violência criminal, controle social e cidadania 
no Brasil. Editora IBCCrim, 2003. 
14 BOLDT, Raphael. Criminologia midiática: Do discurso punitivo à corrosão simbólica do Garantismo. 
Curitiba: Juruá, 2013. 
23 
 
 
 2.2 O conflituoso matrimônio entre segurança e política criminal 
 
Na concepção de Eugenio Raul Zaffaroni (2010), política criminal pode ser 
entendida hoje com: a) uma “disciplina de observação”, que determina quais são os objetivos 
dos sistemas penais e em que medida eles estão sendo alcançados e b) arte de legislar e aplicar 
a lei, e a partir disso tentar tirar seus melhores frutos na prevenção do delito. O autor ressalta a 
importância de não se perder de vista o caráter político da norma recém criada, na medida em 
que surge para atender a uma determinada demanda, e principalmente para tutelar um 
determinado bem jurídico. A dogmática penal não seria estanque, não seria totalmente 
separada da política. A decisão política é a carga genética que leva a norma, então a 
dogmática, de certa forma, estará conectada a ela. 
Qual seria, entretanto, a correlação entre política criminal e segurança? Seria a 
segurança o fim a ser atingido pela política criminal? Ou a política criminal o meio a ser 
utilizado para se alcançar a segurança? Em um primeiro momento, é importante considerar 
que a política criminal, enquanto gênero e tomando-a em seus níveis mais altos de elaboração, 
representa um universo muito mais complexo que a espécie “política penal”. Entretanto, 
quando se atinge um largo campo de abrangência, a linha de distinção entre a política criminal 
e suas diversas outras modalidades (política social, política econômica, urbanística etc.) já não 
se apresenta de modo claro, de modo que na prática, em muitas ocasiões, é difícil determinar 
se o que se faz é política social ou política criminal.
15
 
Diversos autores já alertaram para as ameaças da utilização do aparato penal como 
ferramenta única de solução de problemas que tem origens sociais múltiplas. Para Alessandro 
Baratta, uma maneira de desmascarar uma política criminal travestida de política social seria 
observar não a sua finalidade objetiva ou função social, mas a sua finalidade subjetiva, ou 
seja, a intenção dos atores que a colocaram em prática. Embora em um primeiro momento 
esta solução possa parecer pouco prática e pouco auferível objetivamente, é possível observar 
de qual instituição partiu a política (não é irrelevante se ela teve origem no Ministério 
Público, no departamento de polícia ou no Ministério da Saúde ou Educação), qual órgão 
 
 
15 BARATTA, Alessandro. Política criminal: entre la política de seguridad y la política social. En: Delito y 
Seguridad de los Habitantes. México, DF: Editorial Siglo XXI,1997. 
 
24 
 
governamental ou da iniciativa privada forneceu os recursos para que ela fosse aplicada, ou 
quais as ferramentas escolhidas para coloca-la em prática. 
 
A ambiguidade ideológica do conceito de política criminal se destaca todavia mais 
quando a relacionamos com o outro aspecto do aparente dilema: a política social. 
Neste caso se produz uma espécie de compensação para aqueles que tiveram seus 
direitos subtraídos no cálculo da segurança. Depois que foram esquecidos uma série 
de sujeitos vulneráveis provenientes de grupos marginais ou “perigosos” quando se 
estava em jogo a segurança de seus direitos, a política criminal os reencontra como 
objetos de política social. Objetos, porém não sujeitos, porque também desta vez a 
finalidade (subjetiva) dos programas de ação não é a segurança de seus direitos, 
senão a segurança de suas potenciais vítimas. Para proteger essas respeitáveis 
pessoas, e não para proporcionar aos sujeitos que se encontram socialmente em 
desvantagem o usufruto de seus direito civis, econômicos e sociais, a política social 
se transforma (usando um conceito da nova prevenção) em “prevenção social da 
criminalidade”. Sujeitos vulnerados ou vulneráveis que sofrem lesões (reais) de 
direitos por parte do Estado e da sociedade, como são as lesões a direitos 
econômicos, sociais, se transformam em potenciais infratores de direitos fortes de 
sujeitos socialmente mais protegidos
16
. 
 
Estes questionamentos são importantes na medida em que definem e traçam 
estratégias de segurança. A segurança, por si só uma concepção ampla e bastante influenciada 
por fatores subjetivos, precisa ser analisada com especial cautela quando serve de fiança e 
justificativa para ações de cunho penal. Para Alessandro Baratta (1997), a intervenção é 
inócua na medida em que o sistema penal: a) atua sobre os efeitos, e não as causas da 
criminalidade; b) atua sobre as pessoas, e não sobre situações, considerando o conceito de 
culpa, que enxerga os indivíduos enquanto variáveis independentes, e não vinculadas a 
contextos; c) atua sobre as situações depois que já ocorreram; e d) não protege os indivíduos, 
e sim a validade das normas. 
O direito penal, que tem como um de seus pilares o princípio da legalidade, e que 
exige para a configuração de um crime a sua inequívoca tipificação, não pode-se prestar a 
tutelar termos amplos como a “segurança nacional”, a condenar indivíduos que provoquem 
uma “sensação de insegurança”, a promover ações militares em nome da “segurança e da 
ordem”. O perigo desta associação, além de permitir, como já foi salientado, a expansão do 
direito penal
17
, é auxiliar enquanto diretamente responsável a conquista de apoio popular à 
jornadas militares anti-terror, justificar a restrição à políticas de imigração, reforçar 
estereótipos de indivíduos que ameaçam a segurança individual e nacional (os árabes, os 
latinos, afrodescendentes etc.) e demais ações de intolerância e punitivismo. 
 
16
 BARATTA, Alessandro. Política criminal: entre la política de seguridad y la política social. En: Delito y 
Seguridad de los Habitantes. México, DF: Editorial Siglo XXI, 1997. 
17
 Para uma análise mais profunda deste fenômeno recomenda-se Silva Sánchez, A expansão do Direito Penal: 
aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais (2002). 
25 
 
Não é possível negar à política criminal o cumprimento de uma função crítica, tanto 
dos valores jurídicos quanto da realização social desses valores. A política penal não 
pode estar separada das distintas posições políticas gerais que a sinalizam, e, 
portanto, o seu aspecto crítico é inegável 
18
. 
Até o momento foram apresentadas noções amplas de segurança, com conotação 
principalmente vinculada à concepção criminal, e fez-se uma exposição das principais 
questões que se colocam em relação ao tema. Seria possível, entretanto, enxergar a 
problemática da segurança sob outra égide, que foge do foco criminal para concentrar-se na 
garantia de direitos? No capítulo seguinte, será dada sequência à investigação da essência do 
conceito de segurança, e será analisada a possibilidade de concepção de uma segurança 
integral. 
 
2 A SEGURANÇA PELA ORDEM E A SEGURANÇA DA GARANTIA DA 
CIDADANIA 
 
3.1 O conceito de segurança integral 
 
A aliança entre direito penal e segurança, como já vimos, apesar de oferecer uma 
resposta politicamente atraente a curto prazo, se mostra em larga escala uma estratégia 
socialmente nociva e jurídico-penalmente autodestrutiva
19
. Além de ineficiente, a resposta 
penal não está e nem deveria estar preparada para solucionar as causas da insegurança, de 
modo que este discurso via de regra não contempla reais soluções duradouras e a longo prazo. 
Pensar segurança de uma forma integral significa principalmente pensar além do marco da 
política criminal. 
Estar seguro integralmente significaria não apenas estar blindado frente à 
criminalidade e às ameaças externas, mas também ter garantidos os seus direitos 
fundamentais, poder gozar plenamente da cidadania e ter acesso a todos os bens e direitos 
básicos. Apesar de amplo, este conceito quebra o paradigma de que se pode estar seguro com 
mais policiamento na rua, porém enquanto as políticas de saneamento ainda são insuficientes, 
 
18
 RIVERA BEIRAS, Iñaki (Coord). Política Criminal y Sistema Penal: viejas y nuevas racionalidades 
punitivas. Barcelona: Anthropos Editorial, 2005. 
 
19
 BOHM, María Laura. Securitización. Revista Penal, n 32. 2013. 
26 
 
quando não se tem pleno acesso à educação, à saúde básica etc. É a segurança não a serviço 
da ordem, mas da garantia da cidadania. 
Se no lugar de tentar procurar ampla e solidamente a desejada segurança, se combate 
uma ampla e difusa insegurança, aquilo que poderia ter sido uma ação positiva de 
proveito geral se torna uma ação negativa de exclusão e destruição. 
Assim, em lugar de procurar construir em prol da segurança educativa, da segurança 
sanitária, da segurança laboral, da segurança econômica, da segurança ambiental, 
etc, dos cidadãos e habitantes do estado, a atuação parece reduzir-se ao combate de 
inseguranças e/ou aqueles que são vistos como causadores dessa insegurança. Essa é 
precisamente a modalidade discursiva que se deu nas ultimas décadas em numerosos 
âmbitos estatais, e que também na América Latina tem ganhado terreno nos últimos 
anos. As políticas de segurança são, em realidade, políticas de combate a 
insegurança, o que soa parecido, mas no final é muito diferente: se combate a 
insegurança personificando-a em distintos grupos sociais, sem que fique 
previamente definidos os termos da segurança que se pretende atingir 
20
. 
Enxergar a segurança de maneira integralizada modifica substancialmente a 
maneira de pensar políticas públicas preventivas da criminalidade. Trazer segurança para um 
bairro não significaria apenas instalar uma nova unidade policial, adquirir novas viaturas e 
modernizar os aparatos de vigilância e controle, mas sim realizar um mapeamento detalhado 
das deficiências em serviços públicos, dos núcleos familiares desassistidos, das residências 
precarizadas etc. Seguindo este raciocínio, uma política de segurança integral poderia 
contemplar, por exemplo, a abertura de novas vagas em uma creche, o lançamento de um 
programa laboral de aprendizado para jovens, a construção e reforma de habitações, entre 
outras medidas que visem à inclusão do cidadão na comunidade como sujeito de direitos. 
Isso não significa, entretanto, que a segurança integralizada ignore o papel da 
instituição policial e seja indiferente às problemáticas diárias da criminalidade para a 
construção da cidadania. Resta buscar, no marco desta perspectiva, soluções que adaptem um 
planejamento de prevenção do delito a uma noção mais inclusivae abrangente de segurança, 
que deve ocorrer em um primeiro momento com a quebra do monopólio penal da tutela das 
inseguranças. A inclusão de outros atores, metas e objetivos que fujam da resposta 
unilateralmente criminal, assim como a reformulação da relação polícia-cidadão (sendo o 
policial também um membro da comunidade) podem surgir como possibilidades de resposta a 
estas questões. 
 
 
20
 Idem. 
27 
 
 3.2 O fenômeno da multiplicação de atores 
 
Em Em Busca das Penas Perdidas (1991) Eugenio Raul Zaffaroni sustenta a 
impossibilidade da centralização pelo direito penal, como disciplina e ferramenta de 
modificação da realidade, de todos os esforços em direção à garantia dos direitos humanos. 
Segundo o autor, em lugar de atuar como garantidor, o sistema penal converteu-se, graças à 
violência operacional do exercício de seu poder punitivo, em instrumento de perpetuação de 
desigualdades e a uma ameaça às garantias fundamentais. Ele estaria, sob este ponto de vista, 
a serviço da manutenção de um status quo desigual, fenômeno que se faz mais marcante nos 
países periféricos e regiões marginalizadas. “Em resumo, o exercício do poder nos sistemas 
penais é incompatível com a ideologia dos direitos humanos” 
21
. 
A proposta que surge a partir desta constatação, a da emergência de um “direito 
penal mínimo”, não é desconhecida das ciências criminais, sendo o próprio autor citado um 
adepto, que vê na limitação progressiva do direito penal uma via de alcance para a sua 
possível futura abolição. Ainda que a discussão desta corrente criminológica de pensamento 
não seja objeto do presente trabalho, fato é que a política criminal tem se mostrado falha para 
atuar, sozinha, na garantia dos direitos fundamentais, e portanto também na garantia da 
segurança. O direito penal mínimo, de acordo com o autor, seria o direito penal da 
Constituição. Ele seria forte justamente por saber ser mínimo, por reconhecer que não está 
sozinho na proteção dos direitos fundamentais, e dar margem à redução do seu espaço para a 
emergência de outros atores, frente à grave violação de direitos. 
A contração do sistema penal, por meio da recuperação de garantias jurídicas e do 
respeito aos Direitos Humanos, permitiria a emergência de interdisciplinaridade, não como 
um apêndice auxiliar à ciência penal, mas como um ator essencial na construção da cidadania. 
A ciência criminal, em muitos aspectos isolada das demais ciências sociais e alienada 
enquanto ferramenta de manutenção de privilégios, precisa começar a dar espaço a outros 
atores. 
[...] o atraso da ciência jurídica em face da ciência social contemporânea é enorme. 
É recuperável esse atraso? A tese que queremos aqui propor é que não é. Disso 
deriva que não é mais possível reconstruir um modelo integrado de ciência penal 
 
21 ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. 
Editora Revan, 1991. 
 
28 
 
fundado sobre o caráter auxiliar da ciência social em face da ciência jurídica. [...] O 
atraso não é superável porque a ciência jurídica formal não se revela em condições 
de refletir e de superar a própria ideologia negativa. A crítica e superação desta não 
provém do interior, mas do exterior dela, por obra de uma ciência social com a qual 
a ciência jurídica não conseguiu encontrar, ainda, uma nova relação de colaboração. 
Também para a construção de uma nova estratégia político-criminal a ciência 
jurídica está, agora, inteiramente entregue à contribuição da ciência social” 
22
. 
Este fenômeno, conhecido por “multiplicação de atores”, se traduz na segurança 
pela progressiva participação de agentes que não fazem parte do espectro usual do sistema 
penal, porém que atuam junto aos programas institucionais e autônomos de promoção de 
políticas públicas. Se considerada a segurança de maneira integral, tornam-se agentes 
promotores de segurança também os assistentes sociais, os psicólogos, os professores, os 
membros atuantes da comunidade. Assim como eles, tornam-se instituições propagadoras de 
segurança não apenas os postos de polícia, centros de detenção e instituições do judiciário, 
mas também os postos de saúde comunitária, as escolas, os Centros de Referência de 
Assistência Social (CRAS e CREAS), os centros culturais, as organizações não 
governamentais etc. 
Esta percepção é relevante na medida em que busca romper a histórica resistência 
das ciências jurídicas (em especial as ciências criminais) em admitir novas concepções extra-
jurídicas na atuação de problemáticas classicamente criminais (segurança). A interpretação da 
segurança além da política criminal e a sua percepção enquanto fenômeno multifacetado 
exige, necessariamente, a abertura para uma solução também fora dos limites da problemática 
penal. 
 
3.3 Johan Galtung: o triângulo da violência 
 
Johan Galtung (nascido em 24 de outubro de 1930) é um sociólogo e matemático 
Norueguês, e o principal fundador da disciplina de estudos para o conflito e a paz.
23
 Tendo 
 
22 BARATTA, Alessandro. Política criminal: entre la política de seguridad y la política social. En: Delito y 
Seguridad de los Habitantes. México, DF: Editorial Siglo XXI, 1997. 
 
23
 Johan Galtung possui vinculação à universidade de Columbia, Universidade de Oslo e ao Instituto de 
Pesquisas para a Paz de Oslo (PRIO). Deu inúmeras contribuições nos campos da sociologia, ciência política, 
economia e história, e foi o fundador dos conceitos de paz negativa e paz positiva, violência estrutural, e diversas 
29 
 
desenvolvido e aprofundado a relação entre violência cultural, violência estrutural e violência 
direta, assim como seus impactos na busca pela paz e segurança, é hoje uma das grandes 
referências mundiais em resolução de conflitos e segurança integral. A seguir, faz-se um 
breve apanhado de suas ideias principais, em especial no que se refere às diferentes formas de 
violência e sua manifestação. 
Galtung entende violência enquanto manifestação das diversas afrontas às 
necessidades básicas humanas (sendo a ameaça de violência também uma de suas formas). As 
quatro classes de necessidades básicas – fruto, segundo o autor, de exaustivos debates ao 
redor do mundo - seriam: a necessidade de sobrevivência (negação: morte, mortalidade); a 
necessidade de bem-estar (negação: sofrimento, doença); a identidade, ou necessidade de 
representação (negação: alienação); e a necessidade de liberdade (negação: repressão).
24
 
A partir daí, seria possível realizar a distinção entre duas manifestações de 
violência: a violência direta (mais perceptível, caracteriza-se pela afronta inequívoca e 
direcionada às necessidades básicas humanas), e a violência estrutural. Esta última, segundo o 
autor, teria como principais características a exploração e a desigualdade. Uma estrutura 
violenta deixaria marcas não apenas no corpo, mas significaria uma série de afrontas à 
constituição plena e capaz do ser humano, impedindo a formação de mobilizações conscientes 
e das condições necessárias para a luta contra essa exploração. Ele aponta quatro 
características de uma estrutura violenta: a penetração, ou a implantação dos dominantes 
(econômica, social e culturalmente) dentro da estrutura dos dominados; a segmentação, ou a 
baixa percepção dos dominados em relação à situação em que se encontram; a 
marginalização, ou a exclusão dos dominados de acesso a bens e direitos; e a fragmentação, o 
esforço para manter separados os indivíduos das classes inferiores. Todas estas manifestações 
de violência se traduzem na prática por uma estrutura social excludente, na qual a qualidade e 
expectativa de vida não são as mesmas para todos os cidadãos, não existe a igualdade de 
acesso à educação, a saúde, ao trabalhodigno, ao transporte, moradia etc. 
 
teorias no campo da resolução de conflitos. Em 1987 foi premiado com o Right Livelihood Award, além de 
diversas outras premiações. 
24
 GALTUNG, Johan. Violencia Cultural. Bizkaia: Centro de Investigación por la Paz Fundación Gernika 
Gogoratuz, 2003. 
 
30 
 
 
Fonte: GALTUNG, Johan. Violencia Cultural. Bizkaia: Centro de Investigación por la Paz Fundación Gernika 
Gogoratuz, 2003. 
 
A tabela acima representa de maneira esquemática a relação entre as diversas 
manifestações de violência no âmbito direto e estrutural. As formas de violência devem ser 
interpretadas enquanto megaversões de uma série de micro-violências, que englobam diversas 
modalidades de manifestação. Por exemplo, por morte pode-se entender holocausto, 
extermínio, genocídio. Por mutilações pode-se entender as mortes lentas provocadas por 
desnutrição e falta de assistência médica, que atingem primeiro as pessoas mais débeis 
(crianças, idosos, mulheres). Por repressão tem-se um duplo entendimento: por um lado, a 
reclusão (encarceramento, campos de concentração), e por outro, a exclusão (imigração 
compulsória, expatriação). 
Sobre esta classificação, o autor chama também a atenção para a necessidade de 
equilíbrio ecológico, que apesar de não constar da tabela acima figura como uma das 
necessidades básicas humanas, sem as quais não existe vida. O equilíbrio ecológico é aqui 
identificado como manutenção do sistema do meio ambiente, abiótico e biótico. A violência 
contra a natureza se dá manifestamente de forma estrutural, não com a intenção inequívoca de 
destruí-la, mas por meio da contaminação das águas, poluição provocada pelas indústrias, 
desmatamento para comércio de madeira, corrosão da camada de ozônio etc. Se esse 
equilíbrio não é satisfeito, o resultado é a degradação humana. 
A estas duas manifestações de violência (direta e estrutural) se pode acrescentar 
uma terceira, a violência cultural, que daria legitimidade às anteriores e que completaria o 
triângulo de violência. Por violência cultural entende-se todos os aspectos da cultura 
31 
 
(representáveis no campo simbólico, tais como a religião, a ideologia, as artes, a linguagem, a 
matemática) que podem ser utilizados para justificar a violência direta ou estrutural. O autor 
tem a precaução de não afirmar uma cultura enquanto violenta, mas sim algumas 
manifestações desta cultura. Para tanto, é necessária uma profunda investigação e um 
profundo entendimento da cultura que se deseja estudar, assim como as suas influências. Para 
Galtung, assim como existem culturas para a violência, existem também culturas para a paz, e 
aspectos culturais que influenciam a não violência, a solidariedade, a união. 
Como exemplo de violência cultural, o autor cita a ideologia do nacionalismo, que 
é marcada principalmente pela eleição, por grupos sociais com poder de influência, de um 
povo escolhido e superior em relação aos demais, e que portanto estaria legitimado ao uso da 
violência para expandir-se e prosperar. Faz-se uma distinção entre o “Eu” e o “Outro”, sendo 
o “Outro” indesejável e inferior. Logo o “Outro” torna-se um perigo para o desenvolvimento 
dos escolhidos, uma “escória de bactérias” (como Hitler se referia aos judeus), o “inimigo da 
classe” (como dizia Stálin em relação aos kulaks) os maníacos criminosos (como se refere 
Washington aos “terroristas”). A formação destas concepções, aliada à estruturação de um 
Estado-Nação, são os principais componentes ideológicos para a justificação de guerras, 
genocídios, perseguições 
25
. 
Outras manifestações culturais percebidas pelo autor como ensejos de violência 
são, por exemplo, o eurocentrismo, o racismo, o machismo, a homofobia, a xenofobia. Por 
estas concepções, bastante enraizadas na sociedade moderna, formam-se crenças que 
justificam a superioridade dos homens em relação às mulheres, dos brancos em relação aos 
não-brancos, de certas nações em relação a outras. Também auxiliam a solidificação da 
percepção da sociedade moderna enquanto uma civilização com igualdade de oportunidades, 
na qual a ascensão social dependeria apenas do esforço pessoal, e não seria fruto de uma 
estrutura social desigual e injusta. 
Segundo o autor, existiria uma diferenciação temporal básica entre as três 
manifestações de violência: a violência direta é um acontecimento; a violência estrutural, um 
processo, com altos e baixos; enquanto a violência cultural seria uma constante, que se 
manteria igual por largos períodos, dada a lenta transformação da cultura básica (Galtung, 
2003). Este triângulo ajudaria a compreensão da formação de estratos de violência. No fundo, 
 
25
 GALTUNG, Johan. Violencia, guerra y su impacto sobre los efectos visibles e invisibles de la violencia. 
Bizkaia: Centro de Investigación por la Paz Fundación Gernika Gogoratuz, 2003. 
32 
 
a constante da violência cultural, da qual as outras formas de violência retiram sua 
legitimação; em seguida, a violência estrutural, que dá margem à exploração, ajuda a minar os 
focos de revolta e resistência e fragmenta os setores sociais marginalizados; e na parte de 
cima, visível a olho nu, a violência direta, com toda a sua história de crueldade direcionada a 
outros seres humanos e à natureza de forma geral. A violência é a privação de necessidades, e 
esta privação é bastante grave, o que muitas vezes gera outras formas de violência, como a 
violência direta (que pode surgir por exemplo na forma de criminalidade), mas não apenas: 
pode dar origem a um sentimento generalizado de frustração, privação, desesperança e medo. 
Em outras palavras, “a violência gera violência”.
26
 
 
Fonte: GALTUNG, Johan. Violencia, guerra y su impacto sobre los efectos visibles e invisibles de la 
violencia. Bizkaia: Centro de Investigación por la Paz Fundación Gernika Gogoratuz, 2003. 
 
Os fluxos no triângulo, como ressalta Galtung, podem se iniciar de diferentes 
pontos. Um exemplo possível dado pelo autor é a escravidão, que teve início pela vinda 
compulsória massiva de diferentes povos da África (em veemente violência direta) para 
trabalhar forçadamente na América, morrendo milhares neste processo. Ao largo dos séculos, 
esta violência direta se traduz em violência estrutural, com a população branca se afirmando 
enquanto segmento mais favorecido da sociedade, com maior acesso a bens, melhores 
trabalhos, melhor condição de vida etc, e em violência cultural, com o racismo persistente nas 
sociedades modernas. Com o passar dos anos, e “superada” a violência direta, permanecem na 
sociedade as suas consequências, porém moldadas a tornarem-se palatáveis e toleraveis, são 
temas de artigos acadêmicos, e não pautas políticas e sociais urgentes. 
A classificação da violência de Galtung é essencial na medida em que escancara a 
violência como processo múltiplo, complexo e proveniente de diversas fontes. Ao contrário 
 
26
 GALTUNG, Johan. Violencia Cultural. Bizkaia: Centro de Investigación por la Paz Fundación Gernika 
Gogoratuz, 2003. 
33 
 
daquilo que é comumente percebido e taxado (pela percepção social, pelos veículos de 
comunicação, pelas políticas públicas governamentais) como sendo violência, ou seja, a 
violência direta, esta não se legitima sozinha e está involucrada em um ciclo de outras 
violências, comumente ignoradas e raramente percebidas enquanto causadoras de violência. 
Entretanto, o mais importante desta constatação é seu teor positivo, o novo 
entendimento que traz sobre a percepção de violência e seu potencial de formulação de 
estratégias e políticas para a paz. Trazendo para o campo da segurança integral,fica evidente 
a ineficácia em se buscar a segurança apenas por combater as supostas causas da violência 
direta, ou seja, buscar a repressão e prevenção da criminalidade e dos atos criminosos contra a 
vida e o patrimônio, se há uma negligência aos demais fenômenos causadores de insegurança. 
Percebendo-se a violência e a insegurança enquanto fenômenos cíclicos, é possível a criação 
de estratégias preventivas integralizadas, que contem não apenas com o teor repressivo 
(usualmente manifestado por meio do direito penal e pelas instituições repressivas do Estado 
– agentes policias, estabelecimentos prisionais, exército etc), mas com uma agenda positiva de 
reforço à cidadania, às instituições democráticas, ao meio ambiente e ao acesso aos bens e 
direitos básicos de todo cidadão. 
 
4 MODELOS DE SEGURANÇA PÚBLICA 
 
Feitas algumas reflexões acerca do conceito de segurança, dar-se-á 
prosseguimento nos próximos capítulos a uma análise das principais teorias criminológicas de 
prevenção do delito, sendo elas a prevenção situacional ambiental, a prevenção social e a 
prevenção comunitária, assim como suas respectivas estratégias de intervenção. O objetivo 
deste breve apanhado é a discussão, à luz das reflexões a respeito do conceito de segurança 
integral, das principais correntes criminológicas de prevenção do delito, e quais os aspectos 
que estas levam em consideração para a busca da segurança. 
Tendo por base as teorias e suas respectivas experiências de aplicação, se tentará 
realizar uma análise da conjuntura da segurança pública no Estado de São Paulo, e buscar 
soluções que levem em conta aspectos de aplicação mais integrais, e não apenas centralizados 
no modelo de política criminal. Para isso, entretanto, entende-se que é necessária uma revisão 
IMPORTANTE!!!
34 
 
teórica do conceito de segurança, analisando-se aquilo que já foi aplicado em termos de 
política criminal e seus resultados concretos. 
 
4.1 A tática situacional ambiental 
 
A tática situacional ambiental surgiu no princípio dos anos 80, notadamente nos 
países baixos e no mundo Anglo-Saxão, e de maneira simplificada pode ser caracterizada 
como a redução de oportunidades para o cometimento de delitos. A sua emergência coincide 
principalmente com a instalação de governos de caráter neoliberal. 
Máximo Sozzo (2000) define como principais características da prevenção 
situacional ambiental as seguintes: a) medidas dirigidas a formas altamente específicas de 
delito; b) que dizem respeito a mudanças no desenho ou manipulação do ambiente imediato 
no qual esses delitos ocorrem; c) da maneira mais sistemática e permanente possível; d) de 
forma tal a reduzir as oportunidades de cometimento de tais delitos; e e) tal como são 
percebidos por um amplo conjunto de potenciais opressores. Esse conjunto de ações visando 
a reduzir a oportunidade de cometimento de delitos foi sistematizado por Clarke (1992) em 
três direções: aumentar os esforços involucrados no cometimento dos delitos, aumentar os 
riscos (sejam eles reais ou percebidos como tais) de detenção do agente, e reduzir as 
recompensas dos delitos. 
Entretanto, os potenciais delinquentes não são os únicos sujeitos aos quais estão 
dirigidas as táticas mencionadas. Tomando por base um estudo pioneiro realizado na década 
de 70 por Brantingham e Faust em relação à saúde pública, construiu-se nas ciências 
criminais, por analogia, as concepções de prevenção primária, secundária e terciária
27
, as 
quais se dirigem respectivamente a população em geral, à aqueles que estariam em situação de 
risco de cometerem delitos e aos que já realizaram condutas delitivas. Tenta-se, com isso, não 
apenas prevenir a ocorrência de delitos, mas também intervir preventivamente para evitar que 
os indivíduos sejam vítimas de delitos 
28
. 
 
 
27
 ROBERT, Philip. Researchers and Prevention Policy. Report to the International Conferece on Urban 
Safety, Drugs and Crime Prevention. Paris, 1991. 
28
 SOZZO, Máximo. Seguridad urbana y tácticas de prevención del delito. Buenos Aires: Cuadernos de 
Jurisprudencia y Doctrina Penal, Ad-Hoc N. 10, 2000. 
 
Isso para isso:
35 
 
 4.1.1 Fontes teóricas que sustentam o modelo situacional ambiental 
 
O modelo de apresentação das correntes teóricas escolhido (ou seja, a 
apresentação da tática de prevenção seguida por uma breve explanação das teorias que a 
influenciaram) serve apenas a propósitos acadêmicos e visa sistematizar, da melhor forma 
possível, um panorama geral dos conceitos desenvolvidos em matéria de prevenção do delito 
e segurança pública. As diversas técnicas de intervenção, como será depois demonstrado, 
sofrem intercâmbio de diversas correntes, que se influenciam e se modificam mutualmente. 
Como já antes mencionado, o modelo situacional ambiental aparece como 
alternativa a uma “crise de segurança”, fruto do aumento nos índices de criminalidade e na 
sensação de insegurança ocasionados, entre outros fatores, pelas políticas neoliberais que 
tomaram forma na América Latina no início dos anos 70 
29
. Como uma das respostas a esse 
fenômeno, populariza-se no mundo anglo-saxão nas décadas de 70 e 80 o chamado “realismo 
criminológico”, ou “Nothing Works”, que se traduz em expectativas moderadas em relação à 
contenção da criminalidade (a vitória absoluta na luta contra o crime é uma utopia), e em 
táticas de prevenção de delito altamente probabilísticas (a mudança nos fatores ambientais é 
muito mais palpável e manipulável a curto prazo que uma possível transformação social) 
30
. 
A seguir, procura-se apontar em linhas gerais os sustentáculos teóricos que 
baseiam o modelo situacional ambiental, com base nas fontes destacadas por Adam Crawford 
(1998). 
 
4.1.1.1 Teoria da escolha racional 
Trata-se de uma construção teórica que resgata os clássicos pensadores 
criminológicos, e considera o crime como sendo fruto de um processo cognitivo racional e 
voluntário levado a cabo pelo indivíduo. É um modelo de “economia do crime”, ou seja, 
admite que toda a realização de um delito teria envolvido um raciocínio “custo-benefício”, no 
qual seriam pesados os custos e benefícios de cada uma das opções, buscando otimizar os 
resultados com o mínimo de risco. 
 
29
 BÖHM, María Laura. Securitización. Revista Penal, n 32. 2013. 
30
 SOZZO, Máximo. Seguridad urbana y tácticas de prevención del delito. Buenos Aires: Cuadernos de 
Jurisprudencia y Doctrina Penal, Ad-Hoc N. 10, 2000. 
36 
 
É uma corrente teórica bastante influente nos campos da microeconomia e ciência 
política, nos quais admite-se o homem como sendo um ser egoísta, guiado portanto por seu 
interesse pessoal, sujeito a tentar tirar o máximo proveito das situações nas quais se encontra, 
independentemente da complexidade da escolha que necessite fazer. Assim, durante a década 
de 70 resgata-se a concepção de que a inevitabilidade da detenção e da pena seriam os fatores 
mais eficientes em termos de prevenção do delito
31
, uma vez que com isso se elevariam os 
riscos e se diminuiriam as recompensas da atividade criminosa. 
Crawford aponta criticamente em relação a este modelo criminológico a 
desconsideração, para fins de análise das causas do delito, de quaisquer fatores de nível social, 
estrutural (tais como a desigualdade social, marginalização de setores da população etc) e da 
vida pregressa do agente, adotando para tal um conceito de indivíduo “abstrato, universal e 
abiográfico”. Nesse sentido, também aponta O’Malley (1992) para a consequência da total 
responsabilização do indivíduo pelo seu próprio destino, seja no cometimento de crimes, seja 
na sua própria vitimização. 
 
4.1.1.2 Designing out crime 
 
Mais que uma concepção teórica, é um esforço prático para inter-relacionar a 
prevenção da criminalidade com o desenvolvimentoespacial urbano. No início da década de 
70, o arquiteto e urbanista norte-americano Oscar Newman cria a teoria do “defensible 
space”, que se traduz pela idealização de modelos de casas e planejamento de ruas e 
condomínios estruturados a inibir o cometimento de delitos. Para o urbanista, o “defensible 
space” é um fenômeno sócio-físico, ou seja, tanto fatores sociais quanto físicos contribuem 
para um espaço que desfavoreça o crime. 
Nesta teoria as noções de pertencimento e de apropriação do espaço são muito 
importantes, de modo que na concepção do arquiteto as casas térreas e condomínios 
apresentariam menor tendência a criminalidade que grandes edifícios com muitos andares, 
pois estes dificultariam a apropriação do espaço pelos moradores. Alguns dos princípios 
arquitetônicos mais importantes são a construção de casas com janelas voltadas para a parte 
externa, permitindo que os moradores tenham controle de toda a área e vice-versa, e de modo 
 
31
 “A perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável, causará, sempre, impressão mais forte que o vago 
temor de terrível suplício, em torno do qual se oferece a esperança da impunidade”. Cesare Beccaria (1738-
1794) em Dos Delitos e das Penas (1764). 
37 
 
que os habitantes do local possam monitorar o entorno. Ressalta-se a necessidade de 
construção de edifícios e planejamento urbano de modo a não permitir o isolamento de um 
determinado grupo de habitantes ou o aparecimento de áreas escuras ou isoladas. Por fim, 
encoraja-se a construção de habitações que favoreçam a vigilância, a proximidade com postos 
de polícia, condomínios com ruas largas etc.
32
 
Uma das críticas mais contundentes à teoria de Newman é a de que se trata de um 
“determinismo arquitetônico”, que não leva em consideração o impacto social das 
transformações no meio ambiente urbano. As críticas deram origem às suas principais 
reformulações, de modo a abarcar o projeto arquitetônico não como fonte de exclusão, mas 
como fator de integração entre os habitantes de determinado espaço, tangenciando assim a 
tática situacional a tática comunitária, conforme será visto com mais detalhes adiante. 
 
4.1.1.3 Teoria das atividades rotineiras 
 
Desenvolvida em 1979 por Marcus Felson e Lawrence E. Cohen
33
, esta teoria visa 
estabelecer uma relação causal que justifique a ocorrência de delitos enquanto acontecimentos 
envolvendo objetivos e sujeitos localizados em determinado tempo e espaço
34
. Segundo este 
marco teórico, existem três elementos essenciais à ocorrência de um delito: um potencial 
ofensor (não importando a razão pela qual chegue a praticar o ato); um potencial alvo (seja 
um objeto ou uma pessoa); e a ausência de um guardião capaz, que engloba não somente as 
autoridades policiais, mas a sociedade como um todo (pais, vizinhos, amigos etc.) A cidade, 
por sua própria dinâmica, constituição espacial e variabilidade de oportunidades e atores, 
configura-se como um local ideal para a ocorrência de delitos, uma vez que proporciona 
diversas situações nas quais estes três elementos possam estar presentes. Ausente um dos 
elementos, não ocorre o delito. 
Para esta vertente teórica, existiriam diversos níveis de responsabilização pela 
prevenção de um delito, de acordo com o papel ocupado por cada ator na sociedade. A chave 
para diminuir a sua ocorrência seria, então, aumentar o grau de responsabilização de cada 
ator, desde aqueles cuja função está relacionada diretamente a prevenção de delitos (agentes 
 
32
 NEWMAN, Oscar. Defensible space: crime prevention through urban design. Paperback, 1973. 
33
 COHEN, Lawrence E; FELSON, Marcus. Social Change and Crime Rate Trends: A routine Activity 
Approach. American Sociological Review, 1979. 
34
 CRAWFORD, Adam. Crime prevention and community safety: politics, policies and practices. Longman 
Criminology Series, 1998. 
 
38 
 
policiais), até aqueles que ocupam um papel social mais geral, não necessariamente 
vinculados por relações de função ou parentesco com a possível vítima. 
A teoria das atividades rotineiras se relaciona de maneira direta com a teoria da 
escolha racional, agregando a esta o fator oportunidade. Como aponta David Garland (1996), 
fazendo referência à estas teorias: 
 
[O delito é] “um aspecto normal, um lugar comum na vida moderna. É um evento, 
ou melhor dizendo, uma gama de eventos, que não requerem uma motivação ou 
disposição especial, nem uma patologia ou anormalidade e está inscrito nas rotinas 
da vida econômica e social contemporânea.” 
 
 Ambas sedimentam a base da chamada teoria ecológica do crime, que coloca a 
situação e o ambiente como um fator central na ocorrência de delitos. É importante notar, 
neste sentido, que todas as teorias apresentadas refletem um pessimismo em relação à 
possibilidade de se frear a ocorrência de delitos, uma vez que os veem como denominadores 
comuns da vida em sociedade. 
 
4.1.2 Técnicas de intervenção 
 
As estratégias de intervenção em âmbito de prevenção situacional focam-se 
principalmente em mudanças no ambiente, via de regra visando à diminuição de 
oportunidades de cometimento de delitos, elevação do risco de uma possível detenção e 
aumento da dificuldade em praticar o ato delituoso. Para tanto, são comuns os exemplos de 
ampliação da iluminação pública nas ruas, o deslocamento de viaturas de polícia para locais 
onde existe uma maior taxa de cometimento de crimes, a colocação de câmeras de segurança 
e circuitos fechados de televisão cobrindo ambientes públicos ou privados, o corte de árvores 
ou a poda para melhorar a iluminação das ruas durante a noite, a arquitetura de edifícios, 
condomínios ou áreas urbanas visando à diminuição de espaços isolados/mal iluminados, 
becos etc. 
É relevante notar que mais além das medidas visando o ofensor ou a 
comunidade/vizinhança, a prevenção situacional também engloba o esforço quanto a potencial 
vítima, e as medidas direcionadas a diminuir a possibilidade de vitimização. Nesse sentido, 
ganham força os atores e tecnologias da segurança privada, tais como câmeras de segurança, 
redes de alta voltagem, contratação de agentes e empresas de segurança privada, uso de armas 
39 
 
e tecnologias não letais
35
, circuitos de segurança internos para residências etc. No âmbito do 
“Designing out Crime”, é notável o crescimento e frequência nas cidades de condomínios 
privados, assim como conjuntos de edifícios murados e do próprio cercamento de ruas por 
associações de moradores. No mesmo sentido, assiste-se ao surgimento dos cada vez mais 
frequentes patrulhamentos de bairros por agentes da segurança privada, muitas vezes 
contratados por coletivos de moradores da própria vizinhança. 
 
4.1.3 Críticas ao modelo situacional ambiental 
 
A tática situacional ambiental vem sendo apontada como eficiente para coibir 
determinados tipos de delito, praticados por determinados ofensores, em determinados locais 
e em determinadas circunstâncias. Sua eficácia como modelo de segurança pública e seu 
impacto na efetiva redução da prática de delitos é ainda bastante questionável. Como uma das 
principais consequências negativas advindas da sua implementação pode-se citar o fenômeno 
do “deslocamento”, ou seja, a coibição da prática de determinado delito em determinada rua, 
por exemplo, não extinguirá a prática deste delito, apenas o “deslocará” para outro local. Os 
impactos de redução da criminalidade como um fenômeno globalmente considerado, portanto, 
ficam seriamente prejudicados 
36
. 
O fenômeno do deslocamento tem características multifacetadas. Pode significar 
somente um deslocamento espacial (mesmo delito, mesma vítima porém em espaço 
geográfico diverso), um delocamento temporal (mesmo espaço, porém em outro momento), 
um delocamento tático (mesmo delito, mesma vítima,porém com métodos ou estratégias 
diferentes), deslocamento de vítimas (alvos), ou por fim, uma mudança do delito em si a ser 
cometido. 
Uma vez que o objetivo da tática situacional não está relacionado a investigação e 
combate às causas de origem do fenômeno delitivo, mas sim a criação de barreiras e a 
diminuição de oportunidades para que ele ocorra
37
, surgem os debates acerca das 
 
35
 Neste sentido, ver: LACAVA, Luiza; SAAD-DINIZ, Eduardo. “Entre Junhos”: das manifestações aos 
megaeventos, a escalada da repressão policial. Franca: Revista de Estudos Jurídicos UNESP, v. 19, n. 29, 
2015. 
36
 SOZZO, Máximo. Seguridad urbana y tácticas de prevención del delito. Buenos Aires: Cuadernos de 
Jurisprudencia y Doctrina Penal, Ad-Hoc N. 10, 2000. 
37
 O’MALLEY, P; HUTCHINSON, S. Reinventing Prevention: Why did “Crime Prevention” develop so late? 
British Journal of Criminology, Vol.47, 2007. 
 
40 
 
consequências sociais e urbanas desse deslocamento
38
. Ora, se a prevenção gira em torno de 
um determinado tipo de delito executado por um modelo de ofensor, da-se margem a 
estigmatização e posterior exclusão de grupos sociais, taxados socialmente como 
“perigosos”
39
. Essa dinâmica favorece fenômenos de exclusão social, ao gerar “territórios 
sociais protegidos” e “terrirórios sociais desprotegidos”. A estigmatização social, juntamente 
a exclusão e segregação do espaço físico, acabam por “empurrar” o delito para as zonas 
periféricas, atingindo aqueles que estão menos equipados (econômica e socialmente) para 
gerar medidas de segurança e onde os danos acabam sendo maiores 
40
. 
Além disso, nota-se também que este tipo de estratégia prioriza quase que 
exclusivamente os delitos contra a propriedade ocorridos em espaços públicos, em uma clara 
escolha ideológica e política pela proteção de determinados bem jurídicos (e portanto 
inevitavelmente de grupos sociais) em detrimento de outros, silenciando assim a agenda de 
prevenção à criminalidade na esfera privada (notadamente a violência doméstica contra 
mulheres e crianças), a prevenção aos crimes econômicos, aos crimes ambientais, a 
criminalidade organizada e institucional. 
Por fim, sua característica de priorizar os resultados a curto e medio prazo, 
apoiada em uma descrença na efetividade dos programas de identificação e redução das 
causas da criminalidade (realismo criminológico), acaba por estimular o mercado da 
segurança privada, apoiada pela cada mais mais expressiva indústria de equipamentos 
tecnológicos de segurança (alarmes, iluminação, câmeras de vigilância, armamentos não 
letais). Esse papel cada vez maior da tecnologia na prevenção do delito acaba por afastar a 
importância do fator humano nos planejamentos de segurança pública, assim como tem 
efeitos praticamente nulos sobre as causas e motivos estruturais da ocorrência de delitos. 
Além disso, é um fator que atua quase que exclusivamente em favor da redução da 
vitimização daqueles que tem condições e recursos para lançar mão destes aparatos privados, 
deixando exposta grande parte da população. 
 
38
 Nesse sentido ver a distinção elaborada por Barr e Pease (1990) acerca do deslocamento “maligno” (aquele 
que acaba criando condições para a ocorrência de delitos mais graves e com consequências sociais mais donosas) 
e o deslocamento “benigno” (que dá origem a delitos menos graves ou com a mesma gravidade, porém 
direcionados a vítimas cujo dano é menor). 
39
 As ciências criminais tem vasta literatura acerca do fenômeno da estigmatização social e a taxação de 
determinados grupos como “perigosos”, tanto de uma perspectiva social como enquanto política de Estado. 
Reconhecendo-se a impossibilidade de esgotar o tema, cita-se enquanto autores de especial relevância Gunther 
Jakobs, formulador da teoria do “direito penal do inimigo”, e David Garland, autor da teoria da “criminologia do 
outro”. 
40
 CRAWFORD, Adam. Crime prevention and community safety: politics, policies and practices. Longman 
Criminology Series, 1998. 
41 
 
Nas grandes cidades da América Latina, nas quais a concentração de renda, a 
desigualdade social e o segregacionismo urbano são fenômenos bastante acentuados, ficam 
evidentes alguns dos efeitos negativos de políticas de segurança voltadas ao caráter situcional-
ambiental. A título de contraste, é relevante analisar os índices de delitos cometidos na cidade 
de São Paulo tendo por base o fator espacial, ou seja, as taxas de crimes patrimoniais e 
homicídios cometidos em bairros de centro e de periferia. Analisando-se os dados fornecidos 
pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo referentes ao ano 1998 
41
, 
percebe-se que a despeito dos bairros centrais (de classe média e classe média alta) contarem 
via de regra com maior visibilidade da mídia em questões de segurança, terem 
proporcionalmente o maior efetivo policial, unidades e postos de polícia mais equipados e 
terem suas reivindicações atendidas mais prontamente, estão entre os bairros de menor 
incidência de criminalidade na cidade. Enquanto isso, é notável a disparidade de cifras de 
violência nas regiões periféricas. 
De acordo com os dados fornecidos pela secretaria, enquanto na Vila Mariana o 
roubo corresponde a 14% dos registros policiais, no Parque São Lucas (zona leste), os roubos 
representam 50% dos registros. Enquanto na Vila Mariana ocorreu um homicídio a cada 980 
registros, na Cidade Tiradentes (zona leste) e no Capão Redondo (zona sul), um assassinato é 
registrado a cada 21 boletins de ocorrência. Ou seja, considerando-se as cifras oficiais, a 
probabilidade de um morador do Capão Redondo ser vítima de um homicídio é 46 vezes 
maior que a de um morador da Vila Mariana
42
. A constatação desta desigualdade denota o 
quanto a criação de “zonas sociais protegidas” -que contam com maior apoio da força de 
segurança estatal e possuem mais recursos para investir em segurança privada- não interfere 
diretamente na diminuição da criminalidade geral e muito menos atua em suas causas, mas tão 
somente a “desloca” do centro para a periferia, atingindo zonas populacionais mais 
vulneráveis. 
O modelo de segurança ambiental também é sem dúvida elemento que interfere 
diretamente na configuração do espaço urbano, contribuindo junto a outros fatores para a 
criação de zonas de exclusão, o esvaziamento dos locais de convívio público e a proliferação 
dos condomínios privados. A tentativa de criar zonas de proteção as classes média e alta vem 
configurando desde a década de 40 na cidade de São Paulo o padrão de urbanização centro-
periferia, marcado por um distanciamento das classes sociais: os bairros centrais legalizados e 
 
41
 Secretaria da Segurança Pública – Governo do Estado de São Paulo. “Produtividade Policial”. Disponível em: 
<http://www.ssp.sp.gov.br/novaestatistica/Pesquisa.aspx> Acessado em: 14/06/2016. 
42
 SILVA FILHO, José Vicente; PERES NETTO, José. Um novo mapa da criminalidade no Estado de São 
Paulo. Fundação Armando Álvares Penteado, Cadeira pão de açúcar de pesquisa em segurança pública. 
42 
 
bem equipados, e os periféricos precarizados, quase sempre ilegais
43
. Nesta nova 
configuração, fica evidente o papel sempre crescente da segurança privada, privilégio de 
grupos sociais restritos: 
Os condomínios fechados são a versão residencial de uma categoria mais ampla de 
novos empreendimentos urbanos que chamo de enclaves fortificados. Os 
condomínios [...] estão mudando o panorama da cidade, seu padrão de segregação 
espacial e o caráter do espaço público e das interações públicas entre as classes. 
Todos os tipos de enclaves fortificados partilham algumas características básicas. 
São propriedade privada para uso coletivo e enfatizam o valor do que é privado e

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