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Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 8, n. 4, p. 41-47, out/dez 2011 Adolescência & Saúde 41 RESUMO Objetivo: A gravidez na adolescência tem causado sérias implicações por ser um período de transformações que acaba atingindo a adolescente e seus projetos sociais como um todo, e se apresenta como um fenômeno que vem sendo discutido a cada ano no Brasil. Por ser motivo de preocupação, este estudo buscou compreender o signifi cado da gravidez na adolescência e os fatores nela envolvidos, tendo como objetivo analisar as mudanças ocorridas no cotidiano familiar e social de adolescentes grávidas, bem como descrever a reação da família e do parceiro na descoberta da gravidez, investigando os motivos que levaram a adolescente a engravidar precocemente e as principais consequências na sua vida. Métodos: Utilizou-se um estudo descritivo com abordagem qualitativa, realizado em uma maternidade no interior de Goiás; a amostra foi composta por 12 adolescentes grávidas entre 14 e 19 anos. Resultados: Foram identifi cadas três categorias a partir dos dados coletados: a falta de prevenção, o envolvimento familiar e do parceiro e a interrupção escolar. Conclusão: Pode-se concluir que atualmente a gravidez na adolescência tem causado várias mudanças na vida desses adolescentes, levando-nos a reconhecer que este problema necessita de atenção, pois gera sérias intercorrências, biológicas, familiares e sociais que se refl etem na vida do adolescente e da sociedade como um todo. PALAVRAS-CHAVE Gravidez na adolescência, família, contracepção, abandono escolar. ABSTRACT Objective: Pregnancy during adolescence has serious implications, ushering in changes that affect adolescents and their life projects as a whole, with this phenomenon discussed year after year in Brazil. As this is a matter of much concern, this study strives to understand the meaning of teen pregnancy, and the factors involved, analyzing changes in family routines and the social lives of pregnant girls, describing the reactions of their families and partners on discovering the pregnancy, investigating the reasons why these teenagers became pregnant and exploring the main consequences on their lives. Methods: Using a qualitative approach, this descriptive study was conducted at a maternity clinic in upstate Goiás, with a sample of twelve pregnant adolescents between 14 and 19 years old. Results: Three major aspects were identifi ed from the data collected: lack of prevention, family and partner involvement, and dropping out of school. Conclusion: This leads to the conclusion that teenage pregnancy today causes many changes in the lives of these adolescents, prompting us to acknowledge that this problem demands attention, giving rise to serious biological, social and family inter-occurrences that are refl ected in the lives of adolescents and society a whole. KEY WORDS Teen pregnancy, family, contraception, dropping out of school. Adolescentes grávidas: a vivência no âmbito familiar e social Pregnant teens: experiences at the family and social levels Mirlene Garcia Nascimento1 Patricia Ferreira Xavier2 Rafaella Domingos Passos de Sá2 1Mestranda Ciências Ambientais e Saúde – Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO); Especialista em Saúde Pública com ênfase em Saúde da Família – PUC-GO; Professora Assistente do Departamento de Enfermagem do Centro Universitário de Anápolis - UniEvangélica. 2Graduanda do Curso de Enfermagem Centro Universitário UniEvangélica. Mirlene Garcia Nascimento (mirlenegarcia@yahoo.com.br) Av. Senador Ramos Caiado SN q. b Lt 28 Residencial Dominic Apto 103-A, Maracanã, Anápolis-GO, CEP: 75040-320 Recebido em 14/12/2010 - Aprovado em 15/04/2011 > > > > ARTIGO ORIGINAL Adolescência & Saúde 42 Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 8, n. 4, p. 41-47, out/dez 2011 MÉTODOS Para desenvolver esta pesquisa optou-se pelo estudo descritivo com abordagem quali- tativa, realizada em uma cidade no interior de Goiás, em uma maternidade, onde é desenvol- vido o programa de assistência ao pré-natal no qual são atendidas mensalmente cerca de 100 adolescentes grávidas. Após ter aceitado fazer parte do estudo, os acompanhantes responsáveis pelas participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Es- clarecido, autorizando a participação na pesquisa. A amostra foi composta por 12 adolescen- tes grávidas, em qualquer idade gestacional, que tinham idade entre 14 e 19 anos e que foram autorizadas por seus responsáveis a par- ticipar da pesquisa atendendo aos critérios de inclusão do estudo. Os dados foram coletados durante o período de junho a agosto de 2010. Para a coleta de dados utilizou-se a entre- vista semiestruturada, por meio de um roteiro onde as respostas eram gravadas, utilizando a técnica de saturação de dados para encerrar a coleta de dados, que é o critério de fi nalização quando os objetivos são atendidos. Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do Centro Universitário de Anápolis – UniEvangélica – e recebeu o pare- cer favorável conforme o protocolo 0125/2009, atendendo aos princípios éticos da Resolução Nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde. A partir da análise dos dados coletados, que utilizou como ferramenta a análise proposta por Bardin feita através de um quadro a partir da fala das participantes, observando as caracterís- ticas comuns e agrupando o que há de comum nos elementos, foram evidenciadas três catego- rias relacionadas aos objetivos do estudo, sendo abordadas a seguir. FALTA DE PREVENÇÃO A gravidez durante a adolescência e re- conhecida como precoce eleva os riscos de INTRODUÇÃO A adolescência é o período em que ocor- re a transição da passagem da infância para a vida adulta. A Organização Mundial de Saúde (OMS) delimita a adolescência como a segunda década de vida, ou seja, dos 10 aos 19 anos. Neste período ocorrem transformações bio- lógicas, psicológicas e sociais relacionadas ao crescimento físico, maturação sexual, aquisição da capacidade de reprodução que permitem o desenvolvimento de uma identidade adulta inserida no meio social1. Na atualidade vê-se o exercício da sexuali- dade começando cada vez mais cedo, impulsio- nado pela imposição social que leva crianças a adolescerem precocemente. A iniciação da ati- vidade sexual pode gerar grandes consequên- cias, uma delas é a gravidez indesejada que leva adolescentes a ingressarem na vida adulta rapi- damente mesmo não estando preparadas psico- logicamente, levando a jovem a mudar comple- tamente seu modo de vida. A gravidez na adolescência é um fenôme- no que vem sendo discutido a cada ano no Bra- sil, por ser motivo de preocupação devido às consequências. Atualmente é concebida como um problema de saúde pública, que pode ser evidenciado pela falta de educação sexual, pla- nejamento familiar e pelo uso errôneo de mé- todos contraceptivos. Este estudo buscou compreender o signi- fi cado da gravidez na adolescência e os fatores nela envolvidos, por se tratar de um evento no qual, cada vez mais, ações são implementa- das para evitar o aumento e o crescimento de- sordenado na taxa de natalidade. A pesquisa aqui apresentada teve como objetivo principal analisar as mudanças ocorridas no cotidiano familiar e social de adolescentes grávidas, bem como descrever a reação da família e do par- ceiro na descoberta da gravidez, investigando os motivos que levaram a adolescente a en- gravidar precocemente e as principais conse- quências na sua vida. > > ADOLESCENTES GRÁVIDAS: A VIVÊNCIA NO ÂMBITO FAMILIAR E SOCIAL Nascimento et al. Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 8, n. 4, p. 41-47, out/dez 2011 Adolescência & Saúde 43 mortalidade materna, de prematuridade e de baixo peso ao nascer. Além dessas consequên- cias físicas para a adolescente e para o bebê, existem as consequências psicossociais, entre elas evasão escolar e redução das oportuni- dades de inserção no mercado de trabalho, ocasionando, às vezes, insatisfação pessoal e manutençãodo ciclo de pobreza2. Podemos observar nas entrevistas deste estudo que a falta de prevenção, entre adoles- centes, foi o principal motivo relatado, levando à gravidez. Este comportamento pode ter sido causado pela desinformação do risco de expo- sição tão precoce à gravidez e/ou pela falta de planejamento familiar. Podemos observar nas seguintes falas: “[...] na primeira acabei que engravidei neh [...]”(S.8) “Haa foi falta de prevenção mesmo, eu não sabia que ia engravidando assim tão fácil”. (S.11) Após experienciarem o risco de engravidar, estas adolescentes sentem-se mais refl exivas e reconhecem o risco real a partir da gravidez, não mais no imaginário, e, assim, defi nem um limite ao risco no cotidiano3. Na gravidez na adolescência, na maioria das vezes, não ocorre um planejamento ou até mesmo qualquer forma de prevenção4. ”[...] bom foi, foi como se diz, foi sem querer neh, não foi planejado [...]”(S.8) “[...] foi falta de prevenção mesmo, não tomava remédio, despreveni” (S.5) Não planejar a gravidez é algo que está presente na vida da maioria dessas adolescen- tes, e parece que o planejamento familiar é algo que não faz parte da vida e nem das histórias destas jovens mães5. Apesar do aumento de conhecimentos e maior acesso aos métodos anticoncepcionais nas últimas décadas, grande proporção da po- pulação de adolescentes sexualmente ativas ain- da não previne a gravidez. Esse fato não é de fácil compreensão e, das várias possibilidades de justifi cativa desse fenômeno, esse conhecimen- to seria muito útil na tomada de decisões acer- ca da sexualidade e da contracepção. Assim, a maioria dos jovens sabe que é possível evitar a concepção, todavia, não possui conhecimentos sufi cientes para preveni-la. “[...] na hora eu não pensei em prevenir e aconte- ceu [...]”.(S.12) A gravidez é considerada como um proble- ma e reforça a ideia de que a adolescente possa apresentar vários comprometimentos como no crescimento, podendo também ter problemas emocionais, educacionais e outros. É comum considerar a gravidez precoce como indesejada, assim como a união que dela possa vir a surgir6. É importante reiterar que a gravidez na adolescência pode acontecer pela falta de pre- venção, descuido, pode ser indesejada ou até mesmo planejada, mas é necessário considerar as circunstâncias pessoais e sociais dessa ocor- rência, para não correr o risco de reforçar, cada vez mais, comportamentos preconceituosos e discriminatórios, que desconsideram as capaci- dades e os recursos das adolescentes para en- frentar os desafi os da vida cotidiana6. O Ministério da Saúde enfoca que as ado- lescentes engravidam sem planejamento, por falta de informação, difícil acesso a serviços especializados, desconhecimento de métodos anticoncepcionais e, muitas vezes, à procura de uma relação afetiva, de um objeto de amor ou, tão somente, devido à experimentação sexual7. Em 2008, foi realizado um estudo, em São Paulo, com adolescentes grávidas, o qual mos- trou que as adolescentes não estavam preocu- padas com possíveis riscos associados à iniciação da atividade sexual precoce. As adolescentes que engravidaram sem ter planejado avaliaram que esta ocorrência foi fruto de ausência ou in- sufi ciência de conhecimento e da difi culdade de acesso aos recursos anticoncepcionais; elas mes- mas afi rmaram que a falta de controle sobre esta esfera da vida era inerente à condição feminina8. Outras, que tinham o conhecimento neces- sário a respeito dos recursos de anticoncepção, disseram que não tinham destinado atenção Nascimento et al. ADOLESCENTES GRÁVIDAS: A VIVÊNCIA NO ÂMBITO FAMILIAR E SOCIAL Adolescência & Saúde 44 Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 8, n. 4, p. 41-47, out/dez 2011 adequada a esta questão e que, durante as fases iniciais do relacionamento entre adolescentes, a intimidade e a maturidade não são sufi cientes para um processo decisório e adoção de medi- das de anticoncepção, de maneira segura8. Outro estudo realizado no ano 2010, em Porto Alegre, mostrou que o anticoncepcional não é frequentemente usado, demonstrando que 8,8% das adolescentes disseram nunca usar esse método. Isso reforça a necessidade de um sistema ativo, capaz de propor políti- cas públicas preventivas e efi cazes sobre a se- xualidade e a reprodução humana. A falta de recursos fi nanceiros, acrescida da escassez de redes de atendimento, expõe os adolescentes aos comportamentos sexuais de risco e à in- terrupção da gravidez9. Outros estudos mos- tram que a ausência de um comportamento contraceptivo em jovens se encontra associada à ambiguidade de valores sociais em relação ao corpo, à sexualidade e ao gênero transmitido aos adolescentes10. A escola tem um papel fundamental na educação sexual desses jovens, fazendo com que eles aprendam a fi siologia do seu corpo e as formas de prevenção de uma gravidez tão pre- coce e até mesmo indesejada. Há no Brasil, em vigor, a Lei de nº 60 de 06 de agosto de 2009, estabelecendo o regime de aplicação da educa- ção sexual no meio escolar, que visa a impor- tância desta educação em estabelecimentos de ensino básico e do secundário em rede privada e cooperativa em todo território nacional. Não basta promover ações preventivas de caráter prescritivo e baseadas exclusivamente em fatores biológicos da sexualidade. A sexuali- dade caracteriza um tema que exige tratamento interdisciplinar e transversal ao ser abordado nos contextos educativos11. Logo, como observamos neste estudo, a falta de prevenção foi um fator comum na causa da gravidez na adolescência, e esse fator pode estar relacionado ao défi cit de conheci- mento sobre o uso de métodos contraceptivos, evidenciado pela imaturidade por pensar que não se engravida. REAÇÃO DAS PESSOAS NO CONVÍVIO FAMILIAR NA DESCOBERTA DA GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA Impacto familiar A gravidez na adolescência tem causado grande impacto familiar, a partir do momento de sua descoberta, sendo observada cada vez mais como uma questão que afeta, na maioria das vezes, a mãe da adolescente no primeiro momento, por ser um acontecimento inespera- do, mas que, com o passar do tempo, apresenta efeitos progressivamente positivos, fazendo com que passe a ter uma boa repercussão e aceitação por parte de todos os membros da família. Ao analisar as respostas quando se trata da reação dos pais da adolescente grávida no mo- mento da descoberta, pode-se destacar: “Minha mãe fi cou com muita raiva de mim nossa…, ela fi cou um monte de dia sem falar comigo, mas agora ela ta de boa.” (S 11) “Tirano minha mãe, minha mãe foi a que mais sentiu só que depois ela se conformou, aí ela já tá de boa comigo.” (S.10) “Haa no primeiro momento foi um choque, aí de- pois foi normal até apoiaram.” (S.1) Quando citado o processo família na ocor- rência da gravidez na adolescência passa a ser um tema ainda pouco descrito. Conhecer as experiências das famílias quando se deparam com esta situação é fundamental para os pro- fi ssionais da área da saúde, a fi m de possibilitar assistência adequada a estas adolescentes no âmbito familiar12. Em uma pesquisa sobre informações da sexualidade na adolescência no meio familiar, identifi cou-se que a sexualidade é vista pelos pais como sinônimo de ato sexual, tornando essa abordagem com suas fi lhas um entendi- mento de proibição do sexo, levando a uma co- municação e diálogo sobre sexualidade na famí- lia cada vez mais difícil e distante da realidade13. Com o passar do tempo, a notícia da gra- videz no meio familiar passa a ser recebida com sentimentos mais positivos, ocasionando uma ADOLESCENTES GRÁVIDAS: A VIVÊNCIA NO ÂMBITO FAMILIAR E SOCIAL Nascimento et al. Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 8, n. 4, p. 41-47, out/dez 2011 Adolescência & Saúde 45 aceitação mais tranquila, com boas expectativas com relação ao nascimento da criança14. Assim, os acontecimentos identifi cados a partir da descoberta da gravidez na adolescên- cia pelos familiares,sendo ela esperada ou não, devem ser um fato agora enfrentado pela ado- lescente, contando com o apoio familiar, mas assumindo a responsabilidade de ser mãe, consi- derando que essa experiência contribui também para seu desenvolvimento. REAÇÃO DO PARCEIRO FRENTE À GRAVIDEZ Compreende-se que a paternidade é um período de transformações para a vida adulta, passando a assumir um papel signifi cativo ad- vindo de mudanças e readaptações para esta- belecer novos papéis de responsabilidade. Não é apenas uma questão de transformações, mas também um problema social, que deve ser ana- lisado e compreendido, pois implica em novos projetos no cotidiano de vida. Estudos realizados abordam que o papel paterno nem sempre é retratado, pois focaliza- se sempre o papel da mãe, e quando citam o papel do pai referem, na maioria das vezes, os que já moram com seus fi lhos, deixando vago o campo de pesquisas relacionadas a pais jovens e adolescentes15. A paternidade na adolescência tem de- monstrado a responsabilidade de assumir o fato da gravidez nas adolescentes, por se tratar de uma mudança que expressa frequentemente o desejo de se tornar homem e passar da vida jovem para a adulta, na qual, na maioria das vezes, quando frente à notícia, os adolescentes fi cam surpresos e até chocados. Ao questionar sobre a reação no momen- to da descoberta da gravidez, observou-se que a maioria dos parceiros teve uma boa aceitação, mas relatam enfrentar certa difi culdade no come- ço por se tratar de um fator do qual decorreram várias mudanças na sua vida, o que pode ser ob- servado a partir da fala de gestantes adolescentes. “Da primeira vez que falei para ele, ele assustou […] depois fi cou contente reagiu normal, aí logo já con- formou mais, mais assustou a primeira vez.” (S.5) “Uai no começo ele fi cou assustado não queria nem acredita, mas depois ele foi aceitando e agora ele tá gostando.” (S.11) Em estudo realizado na Universidade Esta- dual de Londrina, com abordagem da paterni- dade na adolescência, ao analisar a reação do pai no momento da descoberta da gravidez, ob- servou-se que alguns pais no primeiro momento fi caram confusos e até assustados, porém depois tudo fi cou normalizado e a adolescente recebeu todo o apoio e aceitação de seu parceiro16; essas reações também foram relatadas pelas adoles- centes entrevistadas. Já para outros, a descoberta da gravidez não teve grande impacto; por sinal fi caram feli- zes com a notícia e não apresentaram reação di- ferente da esperada pelas próprias adolescentes grávidas que relatam sobre a reação de seus par- ceiros no momento da descoberta da gravidez. “Foi […] Ele não rejeitou em nenhum momento minha gravidez, aceitou muito bem, me apoiou em todos os sentidos e nenhuma reação ao con- trário que eu esperava.” (S.8) “Ele fi co muito feliz, na verdade foi ele que man- dou eu fazer o exame de gravidez que ele tinha certeza que eu tava […]”(S.4) Fica evidente que o fator da descoberta da gravidez na adolescência no âmbito familiar e pelo parceiro, no começo, é geralmente perturba- dor por se tratar de um fato inesperado, mas que pode ser mais bem compreendido com o passar do tempo. Mas, sobretudo deve ser encarado pe- las famílias como um tema a ser discutido no meio familiar para que se evitem novos confl itos. INTERRUPÇÃO DA VIDA ESCOLAR A gravidez na adolescência tem causado sé- rias implicações por ser um período de transfor- mações que acaba atingindo a adolescente e seus Nascimento et al. ADOLESCENTES GRÁVIDAS: A VIVÊNCIA NO ÂMBITO FAMILIAR E SOCIAL Adolescência & Saúde 46 Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 8, n. 4, p. 41-47, out/dez 2011 projetos sociais como um todo, adiando possibi- lidades de desenvolvimento, exigindo um maior comprometimento de suas ações, colocando fi m à liberdade e ao tempo que deveria ser dedicado a uma melhor preparação para o futuro. Ao serem questionadas sobre as mudanças que ocorrem na sua vida social, após a confi rma- ção da gravidez, foi evidenciado que a interrup- ção dos estudos foi o que mais se repetiu. Logo se percebe que de acordo com as falas das ado- lescentes, voltar à escola tem sido uma realidade cada vez mais distante de seus objetivos. “[…] como eu já disse parei de estudar, parei de trabalhar, não trabalho mais, não estudo mais neh, pretendia fazer cursos, agora não faço mais, não vou fazer mais, e mudo neh, não tenho escola- ridade fi z até o 1º ano não fi z mais, não completei meu curso, não trabalho, não arrumo emprego rsrsrrs só o 1º grau não dá, é isso aí.” (S.8) Esta fala acima demonstra o que provoca o abandono da vida escolar para as adolescentes ao passar do tempo, podendo gerar um arre- pendimento pelo tempo que foi perdido e que devia ser usado para uma qualifi cação da vida profi ssional para obter uma boa vida pessoal. Essas mudanças, na maioria das vezes, se tornam um empecilho considerado como priori- dade de um problema social, pois quase sempre se trata de mudanças com difíceis adaptações que envolvem um comprometimento da vida dessas adolescentes, levando ao abandono es- colar e a não continuidade dos estudos resultan- do em menor qualifi cação que passa a ser um obstáculo nos seus projetos de vida. Um estudo realizado em 2006 mostra que a porcentagem de adolescentes que não fre- quenta mais a escola após ter engravidado é de 68,3%, com um aumento, no terceiro trimestre de gravidez, para 85,7%17. A maternidade faz também com que as ado- lescentes amadureçam mais rapidamente e pre- cocemente e isto provoca refl exos imediatos em seus comportamentos: as adolescentes se tornam mais responsáveis em todos os sentidos13. Podemos observar, nas seguintes falas, o grau de responsabilidade que as adolescentes grávidas adquiriram. “Ah... eu assumi mais responsabilidade, fi quei mais adulta, no pensamento mudo muita coisa” (S.6). “[...] criei mais responsabilidade porque não tinha nenhuma (risos)...”. (S.9) A gravidez na adolescência não é um fenôme- no homogêneo, pois tudo depende do contexto social no qual a adolescente está inserida. Na ca- mada social média e alta, a gravidez tende a não prejudicar tanto o percurso de escolarização e pro- fi ssionalização; já em classe social baixa, a adoles- cente tem maior difi culdade em continuar e fi na- lizar os estudos, encontrando mais obstáculos na sua profi ssionalização, porque, na maioria das ve- zes, não pode contar com o apoio familiar e social. CONSIDERAÇÕES FINAIS A gravidez precoce e indesejada, com o iní- cio precoce da puberdade, muitas vezes se torna um período de grandes transformações, levando a várias implicações na família, favorecendo a possibilidade do desajuste familiar, impulsionan- do, assim, a família e a adolescente a refazerem seus projetos de vida, o que, geralmente, desen- cadeia a interrupção escolar e o abandono do trabalho pelo evento da gravidez agora existente. Com esse estudo, percebemos que as esco- las e os programas de saúde têm um papel fun- damental na transmissão de conhecimentos na vida desses adolescentes, a partir de uma parce- ria entre os Ministérios da Saúde e da Educação na realização de ações de prevenção abordan- do temas como educação sexual e reprodutiva, buscando conscientizar esses estudantes sobre os meios para prevenir DST e evitar gravidez indesejada. São informações sobre esses temas que precisam ser transmitidas de forma correta e uniforme a toda população jovem, buscando maior compreensão dos mesmos para melhor prevenção desses acontecimentos. > ADOLESCENTES GRÁVIDAS: A VIVÊNCIA NO ÂMBITO FAMILIAR E SOCIAL Nascimento et al. Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 8, n. 4, p. 41-47, out/dez 2011 Adolescência & Saúde 47 Logo, a sociedade vem passando por vá- rias mudanças com relação à sexualidade dos adolescentes. A educação sexual tem sido vista como um meio de acesso ao início da atividade sexual e pouco discutida no ambiente familiar. REFERÊNCIAS 1. Gurgel MGI, Alves MDS, Vieira NFC, PinheiroPNC, Barroso GT. Gravidez na adolescência: tendência na produção científi ca de enfermagem. Esc Anna Nery Rev Enferm [on-line] 2008; 12(4): 799- 805. Disponível em: URL: http://www.eean.ufrj.br/revista_enf/ 20084/25-gravidez%20na%20adolescencia.pdf . 2. São Paulo, Secretaria de Saúde. Coordenação de desenvolvimento de programas e políticas. 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