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Nas últimas páginas do livro, Venturi inicia uma análise do urbanismo norte-americano a partir da Main Street de cidade pequena. A sua atitude com relação ao "corredor" co- mercial das autoestradas, a Strip, e a seu simbolismo seria desenvolvida em Aprendendo com Las Vegas (escrito em coautoria com Denise Scott Brown e Steven Izenour, em 1972), que insiste na aceitação e adaptação às condições dadas (cap. 6). 1. Robert Venturi, Complexity and Contradiction in Architecture. Nova York: Museum of Modem Art, 1966. R O B E R T V E N T U R I Complexidade e contradição em arquitetura T r e c h o s s e l e c i o n a d o s d e u m l iv ro e m p r e p a r a ç ã o A C O M P L E X I D A D E VERSUS 0 P I T O R E S C O A complexidade deve ser uma constante na arquitetura. Ela deve estar tanto na forma como na função. A complexidade que se limita exclusivamente ao programa alimenta um forma- lismo de falsa simplicidade; a complexidade que se refere meramente à expressão tende a um formalismo de multiplicidade - de um lado, supersimplificação em vez de simplicidade, de outro, mero pitoresco em vez de complexidade. Ninguém mais discute se o primado cabe à forma ou à função, mas é impossível ignorar sua interdependência. Os arquitetos modernos ortodoxos reconheceram a complexidade, mas geralmente o fizeram de modo insuficiente ou inconsistente. Na tentativa de romper com a tradição e começar tudo de novo, eles idealizaram o primitivo e elementar à custa da diversidade e da sofisticação. Como participantes de um movimento revolucionário, aplaudiram a novidade da função moderna em detrimento de sua complexidade. Na qualidade de reformadores, trabalharam puritanamente em prol da separação e exclusão de elemen- tos em vez da inclusão de elementos diversos e de suas justaposições. A complexidade do programa muitas vezes coincidiu com uma simplicidade de forma, tal como nas "grandes formas primárias" de Le Corbusier,"que são nítidas [...] e sem ambigüidades". A arquitetura moderna, com raras exceções, evitou a ambigüidade. Mais recentemente, argumentos de racionalidade em favor da simplicidade na arquitetura - mais sutis do que os argumentos iniciais da arquitetura moderna - encontram-se entre as diversas derivações do esplêndido paradoxo de Mies de que "menos é mais". Paul Rudolph falou recentemente sobre as implicações do ponto de vista de Mies: Nunca será possível resolver todos os problemas. Na verdade, uma característica do século xx é o fato de que os arquitetos são altamente seletivos ao elegerem os proble- mas que querem resolver. Mies, por exemplo, faz edifícios maravilhosos simplesmen- te porque ignora muitos aspectos de uma construção. Se ele resolvesse mais proble- mas, seus edifícios seriam muito menos poderosos.1 A doutrina do "menos é mais" deplora a complexidade e justifica a exclusão em nome de finalidades expressivas. Essa doutrina, de fato, permite que o artista seja "altamente seletivo na determinação de quais problemas [ele quer] resolver". Mas, se o arquiteto deve estar "integralmente comprometido com seu modo particular de ver o universo"2 - isto é, se ele deve ser seletivo no modo de tratar os problemas - , não deve selecionar quais problemas vai examinar. Ele pode excluir problemas importantes sob o risco de isolar a arquitetura da experiência de vida e das necessidades da sociedade. E, se alguns de seus problemas se mostrarem insolúveis no quadro de uma arquitetura includente, também isso ele poderá exprimir. Há espaço na arquitetura para o fragmento, a con- tradição, a improvisação e as tensões que os acompanham. Os primorosos pavilhões de Mies tiveram realmente valiosas implicações para a arquitetura, mas não seria a sua seletividade de conteúdo e linguagem uma limitação e uma força ao mesmo tempo? Tenho dúvidas acerca das analogias com os pavilhões, principalmente os japoneses, em nossa arquitetura residencial recente. Essa simplici- dade forçada é supersimplificação. A Wiley House de [Philip] Johnson, por exemplo, separa e articula as "funções íntimas" da casa na parte inferior do prédio e a função social, aberta, na parte superior, mas o edifício resvala para o diagramático. Acaba se transformando em uma dualidade árida - uma teoria abstrata do "ou isso ou aquilo" - antes de ser uma casa. Onde não há lugar para a simplicidade, o resultado é o simplismo. A simplificação espalhafatosa indica uma arquitetura frouxa. Menos é um tédio. O reconhecimento da complexidade e da contradição na arquitetura não nega o que [Louis] Kahn chamou de "desejo de simplicidade". Mas a simplicidade estética, uma sa- tisfação para o espírito quando legítima e profunda, nasce de uma complexidade interior. A simplicidade visual do templo dórico é fruto das suas famosas sutilezas e da precisão de sua geometria distorcida. Robertson chamou a atenção para as contradições e tensões implícitas na posição singular dos tríglifos de canto na ponta da arquitrave e no desvio das colunas em relação ao centro, alargando, em conseqüência, a métopa final.3 A apa- rente simplicidade do templo dórico resultaria de uma complexidade real. Kenneth Burke referiu-se à supersimplificação como um processo válido na análise: "Nós supersimplifkamos um acontecimento quando o caracterizamos do ponto de vista de um determinado interesse".4 Mas a arte não procede desse jeito. Os críticos literários têm destacado a complexidade da linguagem da arte, que, em essência, é tão pouco sim- ples quanto seu conteúdo. Outros caracterizaram a interpretação de uma obra de arte como um jogo consciente entre a percepção do que ela parece ser e do que ela é. O seu sentido preciso está nas discrepâncias e contradições de uma justaposição complexa. Já me referi a algumas justificativas da simplicidade nos primórdios da arquitetura moderna - sua clareza exagerada como uma técnica de propaganda - , sua estreiteza excludente, quase puritana, como um instrumento de reforma. Mas uma outra razão é que as coisas eram mais simples naquela época. As soluções eram mais óbvias, se não mais fáceis de atingir. O obstinado Wright cresceu ouvindo o mote "a verdade contra o mundo". Esse lema não mais nos parece adequado e a atitude que adotamos tem mais a ver com a que August Hecksher assim descreveu: A passagem de uma visão da vida como algo essencialmente simples e disciplinado para a visão de algo complexo e irônico é uma experiência pela qual todos passam num processo de amadurecimento. Mas certas épocas estimulam esse desenvolvimen- to; nelas, a perspectiva paradoxal ou dramática colore todo o panorama intelectual [...]. O racionalismo nasceu em meio à simplicidade e à ordem, mas se mostra inadequado em um período de convulsão. Nesse momento, é preciso criar o equilíbrio a partir das oposições. A paz interior que os homens adquirem deve representar uma tensão entre as contradições e as incertezas. [...] Uma sensibilidade especial para o paradoxo permite que coisas aparentemente dessemelhantes existam lado a lado, a sua própria incongruência sugerindo uma espécie de verdade.5 Edmund W. Sinnot assim referiu-se à complexidade da evolução orgânica: A evolução foi, antes de tudo, um processo de aumento de tamanho e de complexidade. A seleção natural, assim creio, não deu importância especial à forma enquanto tal, mas sim à crescente diferenciação e divisão do trabalho que torna um organismo mais efi- ciente e capaz de sobreviver. Esse processo teve como resultado necessário uma maior elaboração da forma, as leis da matéria e da energia permanecendo o que são.6 Insisto em afirmar que uma arquitetura da complexidade e da contradição não é o mesmo que o pitoresco ou o expressionismo deliberado. Se sou contra a pureza, também sou 94 contra o pitoresco. A falsa complexidade conta hoje com a falsa simplicidade e encontra paralelo em outra arquitetura usual, chamada por um dos seus integrantes de serena. Essa reação é um novo formalismo, muitas vezes tão dissociadoda experiência e do programa quanto o culto à simplicidade. Mesmo no nível do detalhe, não se compara à fluência e exuberância de técnica, como no rendilhado de pedra do gótico tardio ou no entrelaçado maneirista do Norte, legitimamente ostentados em sua arquitetura. Nossa melhor arquitetura muitas vezes rejeitou a simplicidade através da redução de modo a promover a complexidade no todo. As obras de [Alvar] Aalto, Le Corbusier (que, às vezes, menospreza os próprios escritos polêmicos) e às vezes as de [Frank Lloyd] Wright são exemplos disso. Mas as características de complexidade e contradição em seus trabalhos são freqüentemente ignoradas ou mal compreendidas. Críticos de Aalto, por exemplo, nele preferiram outras características, como a sensibilidade para os materiais naturais e o esmerado detalhamento. Eu não acho pitoresca a igreja de Aalto em Vvokenniska, tampouco um exemplo legítimo de quase expressionismo a Igreja da Autostrada, de Giovanni Michellucci. A complexidade de Aalto é parte integrante do programa e da estrutura do todo, e não um artifício expressivo justificado unicamente pelo desejo de expressar alguma coisa. A complexidade deve ser no mínimo o resultado do programa mais do que da vontade do autor. O edifício complexo cria um todo vibrante a despeito de sua variedade. 1. Paul Rudolph, "Rudolph", Perspecta 7,1961, p. 51. 2. Ibid.,p. 51. 3. D.S. Robertson, Greek and Roman Architecture. Cambridge: 1959. 4. Kenneth Burke, Permanence and Change. Los Altos: Hermes Publications, 1954. 5. August Heckscher, The Public Happiness. Nova York: 1962, p. 102. 6. Edmund W. Sinnott, The Problem of Organic Fortn. New Haven: 1963, p. 195. [P E T E R E I S E N M A N • 0 P Ó S - F U N C I O I M A L I S M O Neste editorial para a revista Oppositions, órgão do Institute of Architecture and Urban Studies (IAUS), do qual era diretor na época, Peter Eisenman discorda do termo "pós- modernismo", alegando nunca ter havido uma arquitetura moderna e, portanto, tor- nando a arquitetura pós-moderna uma impossibilidade. Eisenman baseia sua inusitada declaração no argumento de que a relação entre forma e função é uma característica definidora da arquitetura desde o Renascimento. A arquitetura humanista procurou estabelecer um equilíbrio entre a distribuição programática e a "articulação formal de temas ideais", também chamada de tipo (cap. 5). No entanto, a industrialização introduziu fun-ções novas e de tal complexidade que as soluções tipológicas se tornaram inadequadas para p e t e r e i s e n m a n O pós-funcionalismo O establishment crítico no campo da arquitetura nos disse que entramos na era do "pós- modernismo". E o tom pelo qual a notícia nos é fornecida é invariavelmente o de alívio, semelhante ao que acompanha a advertência a um jovem de que ele não é mais um adolescente. Indícios dessa suposta mudança são dois eventos tão diferentes quanto as exposições "Architettura Razionale", na Trienal de Milão de 1973, e "École des Beaux- Arts", no Museu de Arte Moderna de Nova York em 1975. A primeira, que partiu do pressuposto de que o modernismo era um funcionalismo ultrapassado, declarou que a origem de toda arquitetura só poderia ser encontrada dentro de si mesma, se ela fosse encarada em sua condição de disciplina pura ou autônoma. A segunda, que via na arquitetura moderna um formalismo obsessivo, converteu-se na afirmação implícita de que o futuro reside paradoxalmente no passado, isto é, na resposta peculiar à função que caracterizara a manipulação eclética dos estilos históricos no século xix. O curioso não é que esses dois diagnósticos, e as soluções correspondentes, sejam mutuamente excludentes, mas antes o fato de ambos incluírem o próprio projeto da arquitetura na mesma definição: a de que seus termos continuam sendo a função (ou programa) e a forma (ou tipo). Desse modo, a atitude que se mantém com relação à arquitetura não difere significativamente da que vem sendo postulada ao longo dos cinco séculos de tradição humanista. As várias teorias da arquitetura que podem ser propriamente chamadas de "huma- nistas" caracterizam-se por uma oposição dialética: uma oscilação entre a preocupação com a distribuição interna - com o programa e o modo pelo qual ele se concretiza - e a preocupação com a articulação formal de temas ideais - , tal como se manifesta, por exemplo, no significado configuracional do projeto. Essas preocupações foram enten- didas como dois polos de uma só e mesma experiência contínua. No interior da prá- tica humanista pré-industrial conseguiu-se preservar um equilíbrio entre eles porque tanto a função como o tipo foram investidos de uma visão idealista da relação entre o homem e o mundo objetivo. Se compararmos um hôtel parisiense com uma casa de campo inglesa - conforme a sugestão original de Colin Rowe - , ambas constru- ções do início do século xix , veremos que essa oposição está presente na interação entre a preocupação em expressar um tipo ideal e a preocupação com a proposição programática, ainda que nos dois casos o peso das preocupações seja diferente. No hôtel francês, a disposição dos aposentos obedece a uma seqüência elaborada e apre- senta uma variedade espacial proveniente de uma necessidade interna, dissimulada no exterior por uma fachada rigorosa e bem proporcionada. Na casa de campo inglesa há um arranjo interno formal dos cômodos que confere ao exterior uma volumetria pitoresca. O primeiro reverencia o programa no espaço interno e o tipo na fachada externa; a segunda inverte essas orientações. O advento da industrialização parece ter rompido a essência desse equilíbrio. De- vido à necessidade de compatibilizar problemas de natureza funcional mais complexa, principalmente no que diz respeito ao atendimento a uma clientela de massa, a arquite- tura foi se tornando uma arte cada vez mais social ou programática. E, à medida que as funções adquiriam maior complexidade, a capacidade de manifestar a forma-tipo pura foi erodindo. Basta comparar o projeto que William Kent inscreveu no concurso para a construção dos edifícios do Parlamento inglês, no qual a forma de uma villa palladiana não dá conta do programa intricado, como a solução de Charles Barry, em que a forma- tipo se subordina ao programa, e onde se pode ver um primeiro exemplo do que viria a ser conhecido como promenade architecturale. Assim, à medida que, em todo o século xix e boa parte do século xx, o programa adquiria complexidade, a forma-tipo foi per- dendo importância como objetivo realizável e o equilíbrio foi perdendo força enquanto aspecto fundamental de toda teoria. (Le Corbusier talvez seja o único arquiteto na his- tória recente que conseguiu combinar uma malha ideal com a promenade architecturale como materialização da interação original.) Nos últimos cinqüenta anos, essa reviravolta na noção de equilíbrio fez com que os ar- quitetos passassem a entender o projeto como o produto da aplicação de alguma versão ex- cessivamente simplificada do preceito "a forma segue a função". Essa situação persistiu até mesmo nos anos imediatamente posteriores à Segunda Guerra Mundial, quando talvez se esperasse que ela fosse radicalmente alterada. Em fins da década de 1960, ainda se acredita- va que as teorias e as polêmicas iniciais do movimento moderno pudessem manter viva a arquitetura. A tese principal dessa postura foi formulada pelo assim chamado funcionalis- mo revisionista inglês de Reyner Banham, Cedric Price e do grupo Archigram. Essa atitude neofuncionalista, com sua idealização da tecnologia, fundamentou-se no mesmo positivis- mo ético e na mesma neutralidade estética que predominou nas polêmicas do pré-guerra. No entanto, a crescente substituição de critérios morais por fundamentos de natureza mais formal gerou uma situação que hoje podemos considerar como a origem de um impasse funcionalista, uma vez que a principal justificativa teórica para as composições formais era um imperativo moral que setornou inútil na experiência contemporânea. A percepção de um positivismo fora do lugar caracteriza determinadas interpretações atuais sobre o fracasso do humanismo num contexto cultural mais amplo. O impasse inclui outro aspecto mais complexo. Não se trata apenas do fato de po- dermos reconhecer no funcionalismo uma espécie de positivismo; é que, tal como o positivismo, o funcionalismo também pode ser visto como descendente de uma visão idealista da realidade. De fato, o funcionalismo, não importa quais sejam as suas pre- tensões, levou adiante a ambição idealista de produzir arquitetura como um processo eticamente constituído de "doação de forma". Mas, por revestir essa ambição idealista com as formas radicalmente desnudas da produção tecnológica, o funcionalismo deu a impressão de representar uma ruptura com o passado pré-industrial. Na realidade, o funcionalismo nada mais é que uma fase tardia do humanismo, não uma alternativa a ele. E, nesse sentido, não se pode continuar a vê-lo como uma manifestação direta do que se chamou de "sensibilidade modernista". Entretanto, as exposições da Trienal e da Beaux-Arts levam a crer que o problema estaria em outro lugar - não tanto no funcionalismo em si, mas na natureza da assim chamada sensibilidade modernista, donde o ressurgimento do neoclassicismo e do academicismo Beaux-Arts como pretensos substitutos para um modernismo persis- tente, ainda que mal compreendido. É verdade que, em algum momento do século xix, ocorreu uma virada crucial no pensamento ocidental - que podemos definir como a virada do humanismo ao modernismo. Mas, na maior parte das vezes, em sua obstinada adesão aos princípios da função, a arquitetura não participou nem compreendeu os as- pectos fundamentais dessa mudança. Ao que parece, a diferença latente entre a natureza das teorias humanista e modernista passou despercebida para esses que hoje falam em ecletismo, pós-modernismo ou neofuncionalismo. E a diferença não foi notada exata- mente porque essas pessoas veem no modernismo uma mera expressão estilística do funcionalismo e entendem o funcionalismo como uma proposta teórica fundamental na arquitetura. Na verdade, a idéia de modernismo rasgou uma fenda nessas atitudes, ao mostrar que a dialética forma e função tem uma base cultural. Em síntese, a sensibilidade modernista tem a ver com uma nova atitude mental em relação aos artefatos do mundo físico. Essa mudança se manifestou não só na es- tética, mas também se expressou na tecnologia, na filosofia e na sociedade; em suma, exprimiu-se em uma nova atitude cultural. Esse abandono das atitudes humanistas que prevaleceram nas sociedades ocidentais por mais de quatrocentos anos ocorreu em momentos distintos do século xix e em áreas tão diversas quanto a matemática, a música, a pintura, a literatura, o cinema e a fotografia. Revela-se na pintura abstrata, não objetiva de [Casimir] Maliêvitch e de [Piet] Mondrian; na escrita atemporal e não vernacular de [James] Joyce e de [Guillaume] Appolinaire; nas composições ato- nais e politonais de [Arnold] Schõnberg e [Anton] Webern; no cinema não narrativo de [Hans] Richter e de [Viking] Eggeling. Abstração, atonalidade e atemporalidade, no entanto, são apenas manifestações es- tilísticas do modernismo, não a sua natureza essencial. Embora não seja este o lugar para desenvolver uma teoria do modernismo, ou mesmo para expor os aspectos dessa teoria que já se firmaram na bibliografia de outras disciplinas humanísticas, cabe di- zer que os sintomas indicados sugerem um deslocamento do homem do centro de seu mundo. Ele não é mais visto com um agente originante. Os objetos são considerados como idéias independentes do Homem. Nesse sentido, o homem é uma função discur- siva em meio a sistemas de linguagem complexos e preexistentes, que ele testemunha mas não constitui. Como afirmou [Claude] Lévi-Strauss,"a linguagem, uma totalização não reflexiva, é a razão humana que tem a sua própria racionalidade inteiramente des- conhecida pelo Homem". É essa condição de deslocamento que dá origem ao projeto cuja autoria não mais pode responder por um desenvolvimento linear, com um "come- ço" e um "fim" - donde a ascensão do atemporal - , nem pela invenção da forma - donde a abstração como uma mediação entre sistemas de signos preexistentes. O modernismo, como uma sensibilidade baseada no deslocamento fundamental do homem, representa o que Michel Foucault definiu como uma nova épistème. Deri- vado de uma postura não humanista com respeito às relações entre um indivíduo e seu ambiente físico, o modernismo rompe com o passado histórico, quer com as concep- ções do homem como sujeito, quer com o positivismo ético de forma e função. Por isso, não pode ser associado ao funcionalismo. É por esse motivo que o modernismo não foi até o presente elaborado arquitetonicamente. Mas, hoje em dia, há uma evidente necessidade de fazer-se uma investigação teó- rica sobre as implicações básicas do modernismo (em oposição ao estilo moderno) na arquitetura. Em seu editorial para a revista Oppositions 5, intitulado "Neo-Functionalism" [O neofuncionalismo], Mario Gandelsonas reconhece tal necessidade. Mas nesse arti- go ele simplesmente afirma que "as complexas contradições" inerentes ao funcionalis- mo - como o neorrealismo e o neorracionalismo - tornam indispensável para qualquer nova dialética teórica incluir alguma forma de neofuncionalismo. E, com isso, continua recusando-se a admitir que a oposição entre forma e função não é necessariamente ine- rente a toda teoria da arquitetura, o que o leva a desconhecer a diferença crucial entre modernismo e humanismo. Por contraste, o que vem sendo chamado de pós-funciona- lismo começa como uma atitude que reconhece no modernismo uma nova e distinta sensibilidade. Na arquitetura, a melhor forma de entender essa nova atitude é vê-la como uma base teórica que se ocupa do que se poderia chamar de uma dialética modernista, contrária à antiga oposição humanista (isto é, funcionalista) entre forma e função. Essa nova base teórica transforma o equilíbrio humanista entre forma e função numa relação dialética inerente à evolução da própria forma. A melhor maneira de des- crever essa dialética é como a coexistência em potencial, no interior de qualquer forma, de duas tendências não seqüenciais e não corroborantes. A primeira delas supõe que a forma arquitetônica é uma transformação identificável de algum sólido geométrico ou platônico preexistente. Nesse caso, a forma é geralmente entendida por meio de uma série de registros projetados de modo a lembrar uma configuração geométrica mais simples. Essa tendência é, sem dúvida, uma relíquia da teoria humanista. A ela, porém, é acrescentada uma segunda tendência que concebe a forma arquitetônica de manei- ra atemporal, decompositiva, como algo que foi simplificado a partir de um conjunto preexistente de entidades espaciais inespecíficas. Nesse segundo caso, a forma é compreendida como uma série de fragmentos - sinais sem significado dependentes de uma condição mais básica, ou referidos a ela. A primeira tendência, considerada em si mesma, é uma posição reducionista que pressupõe a existência de uma unidade primordial como base a um só tempo ética e estética para toda criação. A última em si mesma pressupõe uma condição básica de fragmentação e multiplicidade, da qual a forma resultante é um estado simplificado. Juntas, no entanto, as duas tendências consti- tuem a essência dessa nova e moderna dialética. Elas começam a definir a natureza intrín- seca do objeto em si e por si, e sua capacidade de ser representado; começam a sugerir que os pressupostos teóricos do funcionalismo são, de fato, culturais e não universais. Portanto, o pós-funcionalismo é um termo de ausência. Ao negar o funcionalismo, sugere determinadas alternativas teóricas concretas - fragmentos do pensamento exis- tente que, uma vez examinados, poderiam servir de arcabouço para o desenvolvimento deuma estrutura teórica maior - , mas não se propõe suprir, em si e por si, um rótulo para essa nova consciência na arquitetura que, a meu ver, está pontencialmente diante de nós. ["Post-funcionalism", extraído de Oppositions 6 (Fali 1976): s. p. Cortesia do autor.] [M I C H A E L G R A V E S • A R G U M E N T O S E M F A V O R DA A R Q U I T E T U R A F I G U R A T I V A A conversão de Michael Graves, um dos famosos "Cinco Arquitetos", ao historicismo pós-moderno foi gradual e teve grande repercussão. Mesmo em seus projetos "bran- cos" (modernos), Graves já demonstrava um interesse especial pelo figurativo, isto é, pelo potencial representativo da arquitetura. Influenciado por Le Corbusier e pelo cubismo analítico (principalmente do pintor Juan Gris), não surpreende o modo suges- tivo como Graves usou a cor em seus trabalhos anteriores a 1976-77, e mais tarde, os carregados fragmentos históricos. Esses interesses transparecem tanto em suas pinturas e cenografias como em sua arquitetura. No ensaio "On Reading Architecture", Mario Gandelsonas sugere que a atração de Graves pela arte e arquitetura clássicas em parte seria devida à maneira como ambas estruturam a relação da humanidade com a natureza: "pela assimilação das leis funda- mentais da natureza".' Os temas duradouros da arquitetura e da paisagem aparecem na forma de jardins clássicos idealizados que ele projetou para as áreas suburbanas de Nova Jersey, nitidamente inspirados por sua estada na Academia Americana em Roma. Para os projetos "pardos" (pós-modernos) de Graves, a hierarquia espacial estabelecida por meio de referências antropomórficas e cosmológicas ao classicismo (especialmente à terra e ao céu) é muito superior ao espaço contínuo e alienante do modernismo. Em uma decla- ração recente a respeito desse ensaio, Graves afirmou que "a arquitetura figurativa [...], lica e tátil das junções. Esses aspectos contr ibuem para realçar a qualidade poética que na opinião de Heidegger é essencial para o habitar. Norberg-Schulz, levado por sua grande admiração por Robert Venturi, identifica-o equivocadamente com a fenomenologia, por causa do interesse recente do arquiteto na "parede entre o interior e o exterior". Depois de Aprendendo com Las Vegas, restam pou- cas dúvidas de que Venturi e seus colaboradores estão mais interessados na superfície (o "galpão decorado") do que em questões espaciais, como lugares delimitados. 1. An thony Flew, A Dictionary of Philosophy, 2.ed. revisada. Nova York: St. Mart in 's Press, 1984, p. 157. CHRISTiAN NORBERG-SCHULZ 0 fenômeno do lugar Nosso mundo-da-vida cotidiana consiste em "fenômenos" concretos. Compõe-se de pessoas, animais, flores, árvores e florestas, pedra, terra, madeira e água, cidades, ruas e casas, portas, janelas e mobílias. E consiste no sol, na lua e nas estrelas, na passagem das nuvens, na noite e no dia, e na mudança das estações. Mas também compreende fenô- menos menos tangíveis, como os sentimentos. Isto é, o que nos é "dado" é o "conteúdo" de nossa existência. Rilke escreveu: "Quem sabe não estamos aqui para dizer: casa, ponte, fonte, portão, jarra, árvore frutífera, janela, - no máximo, pilar, torre".1 Tudo o mais, sejam átomos e moléculas, números e todos os tipos de "dados", são abstrações ou ferramentas construídas para atender a outros propósitos que não a vida cotidiana. Atualmente, é muito comum confundir as ferramentas com a realidade. As coisas concretas que constituem nosso mundo dado se inter-relacionam de modo complexo e talvez contraditório. Alguns fenômenos, por exemplo, podem compreender outros. A floresta compõe-se de árvores e a cidade é feita de casas. A "paisagem" é um fenômeno muito abrangente. De maneira geral, pode-se dizer que alguns fenômenos formam um "ambiente" para outros. Um termo concreto para fa- lar em ambiente é lugar. Na linguagem comum diz-se que atos e acontecimentos têm lugar. Na verdade, não faz o menor sentido imaginar um acontecimento sem referên- cia a uma localização. É evidente que o lugar faz parte da existência. Então, o que se quer dizer com a palavra "lugar"? É claro que nos referimos a algo mais do que uma localização abstrata. Pensamos numa totalidade constituída de coisas concretas que possuem substância material, forma, textura e cor. Juntas, essas coisas determinam uma "qualidade ambiental" que é a essência do lugar. Em geral, um lugar é dado como esse caráter peculiar ou "atmosfera". Portanto, um lugar é um fenômeno qualitativo "total", que não se pode reduzir a nenhuma de suas propriedades, como as relações espaciais, sem que se perca de vista sua natureza concreta. A experiência diária nos diz, ademais, que ações diferentes exigem ambientes dife- rentes para que transcorram de modo satisfatório. Em conseqüência disso, as cidades e as casas consistem em uma multiplicidade de lugares. É claro que as teorias corren- tes da arquitetura e do planejamento levam em consideração esse fato, mas até aqui o problema tem sido tratado de modo excessivamente abstrato. Geralmente se entende o "ter lugar" num sentido quantitativo e "funcional", com implicações que remetem ao dimensionamento e à distribuição espacial. Mas as "funções" não são inter-humanas e similares em toda parte? É evidente que não. Funções "similares", mesmo as mais básicas como dormir e comer, se dão de diferentes maneiras e requerem lugares que possuem propriedades diversas, de acordo com as diferentes tradições culturais e as diferentes condições ambientais. Dessa forma, a abordagem funcional deixou de fora o lugar como um "aqui" concreto com sua identidade particular. Sendo totalidades qualitativas de natureza complexa, os lugares não podem ser definidos por meio de conceitos analíticos, "científicos". Por uma questão de prin- cípio, a ciência "abstrai" o que é dado para chegar a um conhecimento neutro e "ob- jetivo". No entanto, isso perde de vista o mundo-da-vida cotidiana, que deveria ser a verdadeira preocupação do homem em geral e dos planejadores e arquitetos em particular.2 Felizmente, há uma saída para o impasse, o método chamado defenome- nologia. A fenomenologia foi concebida como um "retorno às coisas" em oposição a abstrações e construções mentais. Por enquanto, os fenomenólogos têm se ocupado principalmente da ontologia, psicologia, ética e, em certa medida, da estética, e deram pouca atenção à fenomenologia do ambiente cotidiano. Existem algumas obras pio- neiras que, no entanto, fazem escassas referências diretas à arquitetura.3 Uma fenome- nologia da arquitetura é, portanto, urgentemente necessária. Alguns filósofos que abordaram o problema do mundo-da-vida usaram a lingua- gem e a literatura como fontes de "informações". Na realidade, a poesia é capaz de concretizar as totalidades que escapam à ciência e, por isso, é capaz de sugerir como se deveria proceder para obter a necessária compreensão. Um dos poemas usados por Heidegger para explicar a natureza da linguagem é o magnífico "Uma noite de inverno", de Georg Trakl.4 As palavras de Trakl também servem aos nossos propósitos por apresentarem uma situação de vida total em que o aspecto do lugar é fortemente sentido: 445 Uma noite de inverno Quando a neve cai na janela E os sinos noturnos repicam longamente, A mesa, posta para muitos, E a casa está bem preparada. Há quem, na peregrinação, Chegue ao portal da senda misteriosa, Florescência dourada da árvore da misericórdia, Da força fria que emana da terra. O peregrino entra, silenciosamente, Na soleira, a dor petrifica-se, Então, resplandecem, na luz incondicional, Pão e vinho sobre a mesa.5 Não pretendo reproduzir a penetrante análise de Heidegger sobre o poema, mas apenas chamar a atenção para umas tantas propriedades que iluminam o tema deste ensaio. Em geral, Trakl emprega imagens concretas que todos conhecemos a partir da vida co- tidiana. Ele fala de "neve", "janela", "casa", "mesa", "porta", "árvore", "soleira", "pão evinho", "escuridão" e "luz" e define o homem como um "peregrino". Mas essas ima- gens trazem implícitas estruturas mais gerais. Em primeiro lugar, o poema distingue entre um lado de fora e um lado de dentro. O lado de fora é apresentado nas duas primei- ras linhas da primeira estrofe e compreende tanto elementos naturais como fabricados pelo homem. O lugar natural está presente na neve caindo, que sugere o inverno, e na referência ao anoitecer. O próprio título do poema "situa" tudo nesse contexto natural. Mas um anoitecer de inverno não é apenas um ponto no calendário. Presença concreta, também é vivido como um conjunto de qualidades, ou, em geral, como um Stimmung, um "temperamento ou caráter", que forma o pano de fundo dos atos e acontecimentos. No poema, essa qualidade está presente na neve fria, gelada, macia, silenciosa, que bate na janela e esconde o contorno dos objetos ainda reconhecíveis no lusco-fusco. A pala- vra "cai" induz ainda a uma impressão de espaço, ou melhor, a sugestão da presença da terra e do céu. Com um mínimo de palavras, Trakl dá vida a todo um ambiente natural. Mas o exterior, o lado de fora, também possui propriedades criadas pela mão do ho- mem. Lá está o sino que toca ao anoitecer, ouvido em toda parte, que torna o "lado de dentro", o "privado", parte de uma totalidade "pública" abrangente. O sino vespertino, entretanto, é mais que um artefato prático, é um símbolo, que relembra os valores co- muns nos quais se fundamenta essa totalidade. Como diz Heidegger, "o repicar do sino ao anoitecer chama os homens, como mortais, à presença do divino".6 Os dois versos seguintes apresentam o "lado de dentro", descrito como uma casa que dá abrigo e segurança por ser fechada e "bem-preparada". Mas há uma janela, uma abertura que nos faz sentir o interior como complemento do exterior. Dentro da casa há um último ponto focai, a mesa que está "posta para muitos". Em torno da mesa, as pessoas se reúnem; ela é o centro, e mais que qualquer outra coisa constitui o "de dentro". Não se diz muito sobre o caráter desse interior, mas de todo modo ele está presente. Sabemos que é iluminado e cálido, e contrasta com o frio e o escuro do lado de fora, e seu silêncio é prenhe de sons latentes. De modo geral, o interior é um mundo de coisas compreensíveis, onde a vida de "muitos" tem lugar. As duas estrofes seguintes aprofundam a perspectiva. Aqui sobressai o significado dos lugares e das coisas, e o homem é apresentado como um peregrino que chega pela "senda misteriosa". Em vez de ficar na segurança da casa que fez para si mesmo, ele vem de fora, do "caminho da vida", que também representa a tentativa do homem de "orientar-se" num ambiente desconhecido dado. Mas a natureza tem um outro lado: ela oferece a graça do crescimento e da florescência. Na imagem da árvore "dourada", terra e céu se unem formando um mundo. Pelo labor do homem o mundo é trazido para o interior como pão e vinho, por meio dos quais o interior se "ilumina", isto é, adquire significado. Não fossem os frutos "sagrados" do céu e da terra, o interior estaria "vazio". A casa e a mesa recebem e reúnem, e trazem o mundo para "perto". Habitar uma casa significa habitar o mundo. Mas esse habitar não é fácil, tem de ser al- cançado por caminhos escuros e uma soleira separa o dentro do fora. Representando a "brecha" entre a "alteridade" e o sentido manifesto, a soleira concretiza a dor que "se petrifica". Assim, é na soleira que o problema do habitar se torna presente.7 O poema de Trakl ilumina alguns fenômenos essenciais de nosso mundo-da-vida e, em particular, as propriedades fundamentais do lugar. Primeiramente, ele indica que toda situação é a um só tempo local e geral. O anoitecer de inverno que o poema descreve é obviamente um local, um fenômeno nórdico, mas as sugestões de um "in- terior" e um "exterior" são gerais, assim como os sentidos relativos a essa distinção. Dessa forma, o poema concretiza propriedades básicas da existência. Falo aqui em "concretizar" no sentido de transformar aquilo que é genérico, "visível", isto é, em uma situação local, concreta. Com isso o poema se move numa direção oposta à do pensamento científico, pois, enquanto a ciência parte do "dado", a poesia nos remete às coisas concretas, desvendando os sentidos inerentes ao mundo-da-vida.8 Além disso, o poema de Trakl faz uma distinção entre elementos naturais e elemen- tos fabricados pelo homem, com o que sugere um ponto de partida para uma "feno- menologia do ambiente". Os elementos naturais são, evidentemente, os componentes principais do dado, e os lugares costumam ser definidos em termos geográficos. Cabe insistir, porém, que "lugar" significa mais do que uma localização. A literatura atual so- bre a "paisagem" contém várias tentativas de descrição de lugares naturais, mas essa prática usual nos parece, mais uma vez, excessivamente abstrata, porque se baseia em considerações "funcionais", ou mesmo "visuais".9 Precisamos mais uma vez recorrer à ajuda da filosofia. Heidegger estabelece uma primeira distinção fundamental entre os conceitos de "terra" e céu", quando afirma: "A terra é o que sustenta servindo, flores- cendo e dando frutos, espalhando-se em rochedo e água, abrindo-se em plantas e ani- mais [...] O céu é o caminho arqueado do sol, o curso das várias luas, da cintilação das estrelas, das estações do ano, da luz e do crepúsculo do dia, das sombras e dos clarões da noite, da clemência e da inclemência do tempo, das nuvens errantes e do azul pro- fundo do espaço celeste [...]".10 Como muitos achados fundamentais, a distinção entre terra e céu pode parecer trivial. Mas sua importância se revela quando acrescentamos a definição de Heidegger do "habitar": "O modo como você é, eu sou, o modo como os homens são na terra, é habitar [...]". Mas "na terra" já traz em si o sentido de "sob o céu".11 Heidegger também chama de mundo o que fica entre a terra e o céu, e diz que "o mundo é a casa onde habitam os mortais".12 Em outras palavras, quando o homem é capaz de habitar, o mundo se torna um "interior". Em geral, a natureza forma ampla e extensa totalidade, um "lugar", que, de acordo com as circunstâncias locais, possui uma identidade peculiar. É possível definir essa identidade, ou "espírito", nos termos concretos, "qualitativos", que Heidegger em- prega para caracterizar o céu e a terra, e devemos partir dessa distinção fundamental. Com isso, podemos obter uma compreensão existencialmente relevante do conceito de paisagem, que cabe preservar como principal designação dos lugares naturais. Mas a paisagem comporta lugares subordinados e também "coisas" naturais, como a "ár- vore" de Trakl. O significado do ambiente natural se "condensa" nessas coisas. Os elementos do ambiente criado pelo homem são, em primeiro lugar, todos os "assentamentos" de diferentes escalas, das casas às fazendas, das aldeias às cidades, e, em segundo lugar, os "caminhos" que os conectam, além dos diversos elementos que transformam a natureza em "paisagem cultural". Quando os assentamentos es- tão organicamente integrados ao seu ambiente, supõe-se que são pontos focais onde a qualidade peculiar do ambiente se condensa e "explica". Heidegger afirma: "As casas particulares, as aldeias, as cidades são construções que reúnem dentro delas e em torno delas esse entre multiforme. As construções trazem a terra, como paisagem habitada, para perto do homem e, ao mesmo tempo, situam a intimidade da vizi- nhança sob a vastidão do céu".13 Logo, a propriedade básica dos lugares criados pelo homem é a concentração e o cercamento. Os lugares são literalmente "interiores", o que significa dizer que "reúnem" o que é conhecido. Para cumprir essa função, os lugares contêm aberturas através das quais se ligam com o exterior. (A bem dizer, só um interior pode possuir aberturas.) Além disso, as construções se ligam às suas vizinhanças porque repousam sobre o solo e se elevam para o céu. Finalmente, os ambientescriados pelo homem incluem artefatos ou "coisas" que servem de focos internos e sublinham a função de reunião do assentamento. Nas palavras de Heide- gger: "the thing things world" ["a coisa reúne o mundo"], onde a palavra "thinging" é usada em seu sentido original de "reunir", e, mais adiante, ele acrescenta: "Only what conjoins itselfout ofworld becomes a thing" ["Só o que se reúne fora do mundo chega a ser coisa"].14 Essas observações introdutórias fornecem várias pistas sobre a estrutura dos lu- gares. Algumas já foram estudadas pelos filósofos e oferecem um excelente ponto de partida para uma fenomenologia mais completa. Demos um primeiro passo com a distinção entre fenômenos naturais e fenômenos fabricados pelo homem. Um segundo passo é representado pelas categorias terra-céu (horizontal-vertical) e fora-dentro. Es- tas categorias têm implicações espaciais, mas o conceito de "espaço" reaparece aqui não como uma noção essencialmente matemática, mas como uma dimensão existencial.15 Um último passo especialmente importante é dado pelo conceito de "caráter". O ca- ráter é determinado por como as coisas são, e oferece como base de nossa análise os fenômenos concretos do mundo-da-vida cotidiana. Só assim podemos compreender de modo cabal o genius loci, isto é, o "espírito do lugar" que os antigos reconheciam como aquele "outro" que os homens precisam aceitar para ser capazes de habitar.16 O conceito de genius loci refere-se à essência do lugar. A E S T R U T U R A DO LUGAR A análise até aqui realizada sobre o fenômeno do lugar leva-nos a concluir que a estru- tura do lugar deveria ser classificada como "paisagem" e "assentamento" e analisada por categorias como "espaço" e "caráter". Enquanto "espaço" indica a organização tridimensional dos elementos que formam um lugar, o "caráter" denota a "atmosfera" geral que é a propriedade mais abrangente de um lugar. Em vez da distinção entre espaço e caráter, podemos partir de um conceito amplo, como o de "espaço vivido".17 No nosso caso, entretanto, é mais prático distinguir espaço de caráter. Organizações espaciais similares podem ter cunhos muito diferentes conforme o tratamento con- creto dos elementos que definem o espaço (ou fronteira). A história das formas es- paciais básicas já recebeu novas caracterizações.18 Por outro lado, deve-se assinalar que a organização espacial impõe certos limites a essas interpretações e que os dois conceitos - espaço e caráter - são interdependentes. O conceito de "espaço" certamente não é novo na teoria da arquitetura, mas pode ter muitos significados. A literatura corrente distingue dois usos: o espaço como geo- metria tridimensional, e espaço como campo perceptual.19 Entretanto, nenhum deles é satisfatório, porque são abstrações a partir da totalidade intuitiva tridimensional da experiência cotidiana, que podemos chamar de "espaço concreto". Na realidade, as ações concretas das pessoas não têm lugar num espaço isotrópico homogêneo, mas ocorrem em um espaço que se caracteriza por diferenças qualitativas, como "em cima" e "embaixo". Muitas tentativas já foram feitas na teoria da arquitetura para definir o espaço em termos qualitativos concretos. [Siegfried] Giedion distingue "exterior" de "interior" como fundamento de uma concepção grandiosa da história da arquitetura.20 Kevin Lynch investiga mais a fundo a estrutura do espaço concreto, introduzindo os conceitos de "nodo" ("marco"),"baliza","caminho","borda" e "distrito" para indicar os elementos que embasam a orientação das pessoas no espaço.21 E Paolo Portoghesi de- fine o espaço como um "sistema de lugares", o que dá a entender que o conceito tem raízes em situações concretas, embora possa ser descrito por métodos matemáticos.22 Esta última concepção é compatível com a afirmação de Heidegger de que "os espa- ços recebem sua essência dos lugares e não 'do espaço'".23 A relação interior-exterior, que é um aspecto principal do espaço concreto, sugere que os espaços possuem graus variados de extensão e cercamento. Enquanto as paisagens se diferenciam por terem extensões variáveis, mas basicamente contínuas, os assentamentos são entidades mura- das entre fronteiras. Portanto, assentamento e paisagem mantêm entre si uma relação de figura-fundo. De modo geral, tudo o que fica encerrado se manifesta como "figura" contra o vasto fundo da paisagem. O povoamento perde sua identidade quando tal relação se corrompe, da mesma forma como a paisagem perde sua identidade de am- pla extensão. Em um contexto maior, tudo o que fica encerrado se torna um centro que pode exercer a função de "foco" para seu entorno. O espaço se estende a partir do centro com graus variáveis de continuidade (ritmo) e em diferentes direções. Na- turalmente, as direções principais são a horizontal e a vertical, isto é, as direções da terra e do céu. Portanto, centralização, direção e ritmo são importantes propriedades do espaço concreto. Por último, deve-se mencionar que os elementos naturais (como as montanhas) e os assentamentos podem agrupar-se ou formar feixes, com graus di- versos de proximidade. Todas as propriedades espaciais mencionadas são de natureza "topológica" e cor- respondem aos famosos "princípios de organização" da teoria da Gestalt. As pesquisas de Piaget sobre a concepção de espaço das crianças confirmam a importância existen- cial desses princípios.24 Os modos geométricos de organização somente se desenvol- vem mais tarde na vida para atender a necessidades especiais e geralmente são vistos como uma definição mais "exata" de estruturas topológicas básicas. O cercamento topológico converte-se então em círculo, a curva livre converte-se em linha reta, e o feixe numa grade. A arquitetura usa a geometria para tornar patente um sistema geral de grande abrangência, como uma ilação de "ordem cósmica". Todo espaço cercado é definido por uma fronteira, e Heidegger afirma: "A fronteira não é aquilo em que uma coisa termina, mas, como já sabiam os gregos, a fronteira é aquilo de onde algo começa a se fazer presente".25 As fronteiras de um espaço cons- truído são o chão,aparede e o teto. As fronteiras de uma paisagem são estruturalmente semelhantes e consistem no solo, no horizonte e no céu. Essa similaridade estrutural simples tem importância fundamental para as relações entre os lugares naturais e os 450 lugares feitos pelo homem. As propriedades de confinar um espaço, típicas de uma fronteira, são determinadas por suas aberturas, como Trakl intuiu poeticamente ao usar as imagens da janela, da porta e da soleira. Geralmente a fronteira, especialmente a parede, expõe a estrutura espacial como extensão, direção e ritmo contínuos ou des- contínuos. "Caráter" é um conceito ao mesmo tempo mais geral e mais concreto do que "es- paço". Por um lado, indica uma atmosfera geral e abrangente e, por outro, a forma e a substância concreta dos elementos que definem o espaço. Toda presença real está inti- mamente ligada ao caráter.25 Uma fenomenologia do caráter deve compreender uma pesquisa sobre os caracteres observáveis bem como um exame de seus determinantes concretos. Assinalamos anteriormente que diferentes ações exigem lugares com um cunho diferente. Um habitai tem de ser "protetor"; um escritório tem de ser "prático"; um salão de baile, "festivo"; e uma igreja, "solene". Quando visitamos uma cidade es- trangeira, geralmente o que nos impressiona é seu caráter peculiar, que é parte impor- e da experiência. As paisagens também possuem caráter, algumas das quais são de tipo especialmente "natural". Falamos, por exemplo, de paisagens "áridas" e "férteis", "sorridentes" e "ameaçadoras". É importante assinalar que geralmente todos os lugares possuem um caráter, e que essa qualidade peculiar é a maneira básica em que o mundo nos é "dado". Até certo ponto, o caráter de um lugar é uma função do tempo; ele muda com as estações, com o correr do dia e com as situações meteorológicas, fatores que, acima de tudo, determinamdiferentes condições de luz. O caráter é determinado pela constituição material e formal do lugar. Devemos então perguntar como é o solo em que pisamos, como é o céu sobre nossas cabeças, ou de modo mais geral, como são as fronteiras que definem o lugar. O modo de ser de uma fronteira depende de sua articulação formal, que está novamente relacionada com a maneira pela qual ela foi "construída". Olhando uma construção desse ponto de vista, temos de examinar como ela repousa sobre o solo e como se ergue para o céu. Uma atenção especial deve ser dedicada às fronteiras laterais, ou paredes, que contri- buem decisivamente para determinar o caráter do ambiente urbano. Devemos a Ro- bert Venturi o reconhecimento desse fato, depois de tantos anos em que se considerou "imoral" falar sobre "fachadas".27 O caráter de uma "família" de construções que cons- titui um lugar geralmente está "condensado" em motivos característicos, como certos tipos de janelas, portas e telhados. Esses motivos se tornam às vezes "elementos con- vencionais" que servem para transpor o caráter de um lugar para outro. Desse modo, na fronteira, caráter e espaço se combinam e isso nos leva a concordar com Venturi quando ele define a arquitetura como "a parede entre o interior e o exterior".28 Excetuando as intuições de Venturi, o problema do caráter do lugar quase não foi tratado na teoria corrente da arquitetura. O resultado disso foi que grande parte da teoria perdeu contato com o mundo-da-vida concreta. Isso é especialmente notório 451 no caso da tecnologia, que atualmente é considerada um meio banal de satisfazer de- mandas práticas. Contudo, o caráter do lugar depende de como as coisas são feitas e é, por isso mesmo, determinado pela realização técnica (a "construção"). Heidegger observa que a palavra grega téchne significava uma "re-velação" criativa (Entbergen) da verdade e pertencia à poíésis, isto é, ao "fazer".29 Uma fenomenologia do lugar deve, então, abordar os métodos básicos de construção e suas relações com a articulação formal. Somente dessa maneira a teoria da arquitetura poderá ter uma base verdadei- ramente concreta. A estrutura do lugar se expressa em totalidades ambientais que incluem os as- pectos do espaço e de seu caráter. Esses lugares são chamados de "países", "regiões", "paisagens", "assentamentos" e "construções". E isso nos traz de volta a "coisas" con- cretas do mundo-da-vida cotidiana do qual partimos e nos relembra as palavras de Rilke: "Quem sabe não estamos nós aqui para dizer [...]" Assim, ao classificar lugares, deveríamos usar palavras como "ilha", "promontório", "baía", "floresta", "bosque", ou "praça", "rua", "pátio", "chão", "parede", "teto", "telhado", "janela", "porta". Por isso, lugares são designados por substantivos e isso implica dizer que os con- sideramos "coisas [reais] que existem", que é o sentido original da palavra "substan- tivo". O espaço, como um sistema de relações, é indicado por preposições. No dia a dia, raramente falamos sobre "espaços", mas sobre coisas que estão "acima" ou "abaixo", "antes" ou "atrás" umas das outras, ou usamos preposições como "de", "em", "entre", "sob", "sobre", "para" "desde", "com", durante". Todas essas preposições indi- cam relações topológicas do tipo mencionado acima. Por fim, o caráter é indicado por adjetivos, conforme já dissemos. Um caráter é uma totalidade complexa e um adjetivo sozinho não pode dar conta de mais de um aspecto dessa totalidade. Muitas vezes, porém, o caráter é tão nítido que uma só palavra é suficiente para captar sua essência. Como se vê, a própria estrutura da linguagem cotidiana confirma a análise que fizemos do lugar. Países, regiões, paisagens, assentamentos, construções (e seus lugares secundários) formam uma série dotada de uma escala que diminui gradativamente. Designamos os degraus nessa escala de "níveis ambientais".30 No "topo" da série, encontramos os luga- res naturais mais abrangentes, que "contêm" os lugares criados pelo homem nos níveis "inferiores". Estes possuem a função de "reunir" e "focalizar" a que nos referimos acima. Em outras palavras, o homem "recebe" o ambiente e faz convergir para ele as cons- truções e as coisas. Desse modo, as coisas "explicam" o ambiente e evidenciam o seu caráter. Esta é a função básica do detalhe em nosso ambiente.31 Isso não significa, po- rém, que os diferentes níveis tenham a mesma estrutura. Aliás, a história da arquitetura mostra que isso raramente acontece. Os assentamentos vernaculares geralmente têm uma organização topológica, embora as casas particulares possam ser rigidamente geométricas. Nas grandes cidades, não é difícil encontrar áreas organizadas de forma topológica no interior de uma estrutura geométrica etc. Voltaremos mais adiante a es- ses problemas específicos de correspondência estrutural; por ora, é preciso dizer algu- mas palavras a respeito do principal "degrau" na escala de níveis ambientais: a relação entre lugares naturais e lugares criados pelo homem. Os lugares construídos pelo homem se relacionam com a natureza de três formas básicas. Em primeiro lugar, o homem deseja fazer a estrutura natural mais exata. Isto é, ele quer visualizar seu "modo de entender" a natureza, dando "expressão" à base de apoio existencial que conquistou. Para tanto, ele constrói o que viu: onde a natureza insinua um espaço delimitado, constrói uma área fechada; onde a natureza se mostra "centralizada", ele erige um Mal [marco];32 onde a natureza indica uma direção, ele faz um caminho. Em segundo lugar, o homem tem de simbolizar seu modo de entender a natureza (inclusive ele mesmo). A simbolização implica "traduzir" para outro meio um significado experimentado. Por exemplo, um determinado caráter natural é traduzido em uma construção cujas propriedades de algum modo o exprimem.33 O objetivo da simbolização é libertar o significado da situação imediata, por meio do que se torna um "objeto cultural", que pode fazer parte de uma situação mais complexa ou transfe- rir-se para outro lugar. Finalmente, o homem precisa reunir os significados aprendidos por experiência a fim de criar para si mesmo uma imago mundi ou um microcosmo, que dê concretude a esse mundo. A reunião desses significados depende, é claro, da simbolização e pressupõe uma transposição de sentidos para um lugar, que por isso assume o caráter de um "centro" existencial. Visualização, simbolização e reunião são aspectos do processo geral de fixar-se num determinado lugar; e habitar, no sentido existencial da palavra, depende dessas funções. Heidegger ilustra o problema com a menção à ponte, "construção" que visualiza, sim- boliza e liga, e faz do ambiente um todo unificado. Heidegger escreve o seguinte: A ponte se estende lépida e forte sobre o rio. Ela não junta as margens que já existem, as margens é que surgem como margens somente porque a ponte cruza o rio. É a ponte propriamente dita que faz com que as margens fiquem uma defronte da outra. É pela ponte que um lado se opõe ao outro. Tampouco as margens correm ao longo do rio como faixas de fronteira indiferentes da terra firme. Com as margens, a ponte leva ao rio as duas extensões de paisagem que se encontram atrás delas. Põe o rio, as margens e a terra numa vizinhança recíproca. A ponte junta a terra, como paisagem, em torno do rio.34 Heidegger também descreve o que a ponte junta e assim revela seu valor como sím- bolo. Não podemos nos estender aqui sobre esses detalhes, mas eu gostaria de salien- tar que a paisagem como tal obtém seu valor por intermédio da ponte. Antes dela, o significado da paisagem estava "oculto" e a construção da ponte lhe retira o véu. A ponte liga o Ser a uma certa "localização" que podemos chamar de um "lugar". Só que esse lugar não existia como entidade antes da ponte (embora sempre houvesse muitos "sítios" ao longo da margem do rio em que o lugar poderia surgir), mas se faz presente com e como ponte.35 O propósito existencial do construir(arquitetura) é fazer um sítio tornar-se um lugar, isto é, revelar os significados presentes de modo latente no ambiente dado. A estrutura de um lugar não é fixa e eterna. É normal que os lugares mudem, às vezes muito rapidamente. Isso não significa, porém, que o genius loci necessariamente mude ou se extravie. Mais adiante veremos que ter lugar pressupõe que os lugares con- servem suas identidades durante determinado período de tempo. Stabilitas loci é uma condição necessária para a vida humana. Como então essa estabilidade é compatível com a dinâmica da mudança? Deve-se assinalar, primeiramente, que qualquer lugar deveria ter a "capacidade" de receber diferentes "conteúdos", naturalmente dentro de certos limites.36 Um lugar que só é próprio para certos fins logo se torna inútil. Se- gundo, é óbvio que se pode "interpretar" um lugar de diferentes maneiras. Na verdade, proteger e conservar o genius loci implica concretizar sua essência em contextos histó- ricos sempre novos. Poderíamos dizer também que a história de um lugar deveria ser sua"autorrealização". O que, a princípio, eram simples possibilidades é revelado pela ação humana, iluminado e "conservado" em obras de arquitetura que são ao mesmo tempo "velhas e novas".37 Assim sendo, um lugar comporta propriedades que têm um grau variável de invariância. A conclusão geral é que o lugar é o ponto de partida e o objetivo de nossa investi- gação estrutural; no início, o lugar se apresenta como um dado, espontaneamente vi- vido como uma totalidade e, ao fim e ao cabo, ele surge como um mundo estruturado, iluminado pela análise dos aspectos do espaço e do caráter. 0 E S P Í R I T O DO LUGAR Genius loci é um conceito romano. Na Roma antiga, acreditava-se que todo ser "inde- pendente" possuía um genius, um espírito guardião. Esse espírito dá vida às pessoas e aos lugares, acompanha-os do nascimento à morte, e determina seu caráter ou essên- cia. Até os deuses tinham seus genius, o que bem ilustra a natureza fundamental do conceito.38 O genius denota o que uma coisa é, ou o que "ela quer ser", para usar uma expressão de Louis Kahn. Não precisamos nos estender aqui na história do conceito de genius e sua relação com o daimon dos gregos. Basta assinalar que os antigos viviam seu ambiente como constituído de caracteres definidos. Principalmente, os antigos re- conheciam a suma importância de entrar em acordo com o genius da localidade onde viviam. Em tempos passados, a sobrevivência dependia de uma boa relação com o lugar, tanto num sentido físico como psíquico. No Egito antigo, por exemplo, o campo era não somente cultivado de acordo com os fluxos e refluxos do rio Nilo, mas a estrutura mesma da paisagem servia de modelo para o traçado dos edifícios "públicos" que de- viam dar uma sensação de segurança por simbolizarem uma ordem ambiental eterna.39 No curso da história, o genius loci tem se mantido como uma realidade viva, apesar de nem sempre ser designado por esse nome. Artistas e escritores buscam inspiração no caráter local e tendem a "explicar" fenômenos da vida cotidiana e da arte por refe- rência a paisagens e ao contexto urbano. Goethe, por exemplo, afirmou: "É claro que o olho é educado pelas coisas que vê desde a infância e, por isso, os pintores venezianos enxergam tudo com mais clareza e alegria do que outros povos".40Em 1960, Lawrence Durrell escreveu: "A medida que você vai conhecendo a Europa, saboreando lenta- mente seus vinhos, queijos e as qualidades peculiares dos diferentes países, começa a perceber que o determinante mais importante de qualquer cultura é, no fim de tudo, o espírito do lugar".41 O turismo moderno comprova que as pessoas têm grande inte- resse pela experiência de diferentes lugares, embora, ao que parece, esse também seja um dos valores em declínio nos dias de hoje. O fato é que, durante muito tempo, o ho- mem moderno imaginou que a ciência e a tecnologia o haviam libertado da dependên- cia direta dos lugares.42 Mas essa crença logo se revelou ilusória - de repente, surgiram, como tenebrosa nêmesis, a poluição e o caos ambiental, devolvendo ao problema do espaço sua verdadeira relevância. Usamos a palavra "habitar" para nos referirmos às relações entre o homem e o lugar. Para entender melhor o que esta última palavra significa, vale a pena retomar a distinção entre "espaço" e "caráter". Quando o homem habita, está simultaneamente localizado no espaço e exposto a um determinado caráter ambiental. Denominarei de "orientação" e "identificação" as duas funções psicológicas implicadas nessa con- dição.43 Para conquistar uma base de apoio existencial, o homem deve ser capaz de orientar-se, de saber onde está. Mas ele também tem de identificar-se com o ambiente, isto é, tem de saber como está em determinado lugar. O problema da orientação tem recebido considerável atenção por parte da literatura teórica recente sobre planejamento e arquitetura. Devemos citar novamente a obra de Kevin Lynch, cujos conceitos de "nodo", "caminho" e "distrito" indicam as estruturas espaciais básicas que são objetos da orientação das pessoas. A percepção de uma in- ter-relação entre esses elementos forma uma "imagem ambiental", sobre a qual Lynch afirma: "Ter uma boa imagem ambiental confere ao indivíduo uma importante sensação de segurança emocional".44 Assim, todas as culturas criaram "sistemas de orientação", ou seja, estruturas espaciais que facilitam o desenvolvimento de uma boa imagem am- biental. "O mundo pode organizar-se em torno de um conjunto de pontos focais, ou fragmentar-se em regiões indicadas por nomes próprios, ou articular-se por cami- nhos fixados na lembrança".45 Esses caminhos geralmente se baseiam ou derivam de uma dada estrutura natural. Quando o sistema é frágil, a pessoa tem dificuldade de formar aquela imagem e se sente "perdida". "O medo de se perder decorre da neces- sidade característica do organismo vivo de orientar-se em seu entorno."46 Evidente- mente, estar perdido é justo o oposto do sentimento de segurança que distingue o habitar. A qualidade ambiental que protege o ser humano de perder-se é denominada por Lynch de "imagibilidade", que designa "aquela forma, cor ou organização que facilita a formação de imagens mentais vividamente identificadas, fortemente estru- turadas e de grande utilidade do ambiente".47 O que Lynch pretende acentuar é que os elementos componentes da estrutura espacial são "coisas" concretas, dotadas de "caráter" e de "significado". Mas Lynch se limita a analisar a função espacial desses elementos e, por conseguinte, nos lega um entendimento fragmentário do habitar. Mesmo assim, a análise de Lynch é uma contribuição essencial para a teoria do lugar. A importância de seu livro decorre ainda do fato de seus estudos empíricos sobre a estrutura urbana concreta confirmarem os "princípios gerais de organização" da percepção, definidos pela psicologia da Gestalt e pelas pesquisas sobre psicologia infantil de [Jean] Piaget.48 Não querendo reduzir a importância da orientação, é preciso ressaltar que habi- tar pressupõe, antes de tudo, uma identificação com o ambiente. Embora orientação e identificação sejam aspectos de uma relação total, esses fatores mantêm certa indepen- dência no interior da mesma totalidade. Sem dúvida, uma pessoa é capaz de orientar- se bem sem se sentir profundamente identificada; ela se safa sem sentir-se "em casa". E é possível sentir-se "em casa" sem conhecer a fundo a estrutura espacial do lugar, isto é, o lugar é percebido por ter um caráter genericamente agradável. O sentimento profundo de ser do lugar pressupõe que as duas funções psicológicas estejam plena- mente desenvolvidas. Nas sociedades primitivas, até os menores detalhes do meio são conhecidos e significativos, constituindo estruturas espaciais complexas.49 As socie- dades modernas, porém, concentram toda a atenção quase exclusivamente na função "prática" de orientação, enquanto a identificação é deixada ao acaso. Em conseqüênciadisso, a alienação tomou o lugar do verdadeiro habitar, no sentido psicológico. Existe, portanto, uma urgente necessidade de compreender melhor os conceitos de "identifi- cação" e de "caráter". "Identificação" significa, para os fins desta análise, ter uma relação "amistosa" com determinado ambiente. O homem nórdico tem de se relacionar bem com o nevoeiro, a neve e os ventos gelados; tem de gostar do ruído da neve rangendo sob seus pés quando sai para passear, tem de sentir a poesia de estar envolto pelo nevoeiro, como Herman Hesse, que escreveu: "Estranho, caminhar no nevoeiro! Solitário é cada ar- busto e pedra, uma árvore não enxerga a outra, todas as coisas estão sós [...]".50 O árabe, por sua vez, tem de ser amigo da infinita imensidão do deserto de areia e do sol escaldante. Isso não quer dizer que seus assentamentos não devam protegê-lo contra as "forças" da natureza: um assentamento humano no deserto visa principalmente ex- cluir a areia e o sol. O que queremos dizer é que o ambiente é vivido como portador de um significado. [Otto Friedrich] Bollnow escreveu com bastante propriedade que,"Jede Stimmung ist Übereinstimmung", isto é, todo caráter consiste em uma correspondência entre o mundo externo e o mundo interno, entre corpo e alma.51 No caso do homem urbano moderno, a relação amistosa com um ambiente natural limita-se a relações fragmentárias. Em vez disso, ele tem de identificar-se com coisas fabricadas pelo ho- mem, como ruas e casas. O arquiteto norte-americano de origem alemã Gerhard Kall- man certa vez contou uma história que ilustra bem essa situação. Ao visitar sua cidade natal, Berlim, no final da Segunda Guerra Mundial, depois de muitos anos de ausência, ele quis rever a casa em que crescera. Como era de esperar, tratando-se de Berlim, a casa tinha desaparecido, e Kallman se sentiu um pouco perdido. De repente, ele reco- nheceu o desenho típico das calçadas: o chão em que brincava quando criança! E teve a forte sensação de, enfim, voltar para casa. Essa história nos mostra que os objetos de identificação são propriedades con- cretas do ambiente e que as pessoas geralmente desenvolvem relações com elas du- rante a infância. A criança cresce em espaços verdes, marrons ou brancos; passeia ou brinca na areia, na terra, na pedra ou no musgo, sob um céu nublado ou sereno; agarra e levanta coisas duras e macias; ouve ruídos, como o som do vento balançando as folhas de uma certa espécie de árvore; tem experiências do calor e do frio. É assim que a criança toma conhecimento do ambiente e elabora esquemas perceptuais que determinam todas as suas futuras experiências.52 Os sistemas perceptuais se compõem de estruturas universais, inter-humanas, e também de estruturas condicionadas pela cultura e determinadas pelo lugar. É evidente que todo ser humano precisa possuir tanto sistemas mentais de orientação como de identificação. A identidade de uma pessoa se define em função dos sistemas de pensamento de- senvolvidos, porque são eles que determinam o "mundo" acessível. Esse fato é con- firmado pelo uso corrente da linguagem. Quando uma pessoa quer declarar quem é, geralmente diz: "Sou nova-iorquino" ou "Sou romano". Isso tem um significado bem mais concreto do que dizer: "Sou arquiteto" ou, então, "Sou um otimista". Nós enten- demos que a identidade das pessoas é, em boa medida, uma função dos lugares e das coisas. Heidegger disse:" Wir sind die Be-Dingen".53 Por isso, é importante não só que nossa ambiência possua uma estrutura espacial que facilite a orientação, mas também que esta seja constituída de objetos concretos de identificação. A identidade humana pressupõe a identidade do lugar. Identificação e orientação são aspectos essenciais do estar-no-mundo do homem. Enquanto a identificação é a base do sentimento de pertencer, a orientação é a fun- ção que o torna capaz de ser aquele homo viator [homem peregrino] que faz parte de sua natureza. Caracteristicamente, o homem moderno, por muito tempo, deu ao 457 peregrino um papel de honra. Ele desejou ser "livre" e conquistar o mundo. Hoje começamos a compreender que a verdadeira liberdade pressupõe um sentimento de pertencer e que "habitar" significa pertencer a um lugar concreto. A palavra "habitar" tem muitas conotações que confirmam e iluminam nossa tese. Em inglês, a palavra dwell [habitar] deriva do norueguês antigo dvelja, que significa residir ou permanecer. De modo análogo, Heidegger relacionou o alemão "wohnerí' [morar, residir] a bleiben [permanecer] e sich aufhalten [deter-se, ficar].54 O filósofo assinala que o gótico wunian significava "estar satisfeito", "estar em paz". A palavra em alemão para "paz", Friede, significa ser livre, isto é, protegido do perigo e das amea- ças. Essa proteção é obtida por um Umfriedung, ou confinamento. Friede também se relaciona com zufrieden (conteúdo), Freund (amigo) e o gótico frijõn (amor). Hei- degger usa essas relações lingüísticas para mostrar que habitar significa estar em paz num lugar protegido. Acrescente-se que a palavra em alemão para habitar, Wohnung, vem de das Gewohnte, o que é conhecido ou habitual. As palavras "hábito" e "habitat" revelam uma relação análoga. Isto é, o homem sabe ao que tem acesso por meio da morada. Com isso, voltamos ao Übereinstimmung ou a correspondência entre o ho- mem e seu ambiente, e tocamos então na raiz do problema do ato de "reunir". Reu- nir significa que o mundo-da-vida se tornou gewohnt ou "habitual". Mas reunir é um fenômeno concreto e isso nos conduz à conotação final do "habitar". Mais uma vez é Heidegger quem desvenda a relação fundamental, quando assinala que a palavra "construir" no inglês antigo e no alto alemão equivalente, buan, significava morar e é estreitamente relacionada com o verbo ser. "Então, o que significa ich bin [eu sou]? A antiga palavra bauen, com a qual tem a ver bin, responde: ich bin, du bist, quer di- zer: eu habito, tu habitas. O modo como tu és e eu sou, a maneira pela qual nós, os seres humanos, somos na terra é buan, o habitar."55 Pode-se concluir que habitar sig- nifica reunir, juntar, o mundo como uma construção concreta, ou uma "coisa", e que o ato arquetípico de construir é o Umfriedung ou confinamento. A intuição poética de Trakl sobre a relação fora-dentro confirma isso e nos faz entender que o conceito de concretização denota a essência do habitar.56 O homem habita quando é capaz de concretizar o mundo em construções e coisas. Já dissemos que a "concretização" é a função da obra de arte em oposição à "abstra- ção" da ciência.57 As obras de arte concretizam o que fica "entre" os puros objetos da ciência. Nosso mundo-da-vida cotidiana consiste nesses objetos "intermediários", e compreendemos que a função essencial da arte é reunir as contradições e complexi- dades do mundo-da-vida. Sendo uma imago mundi, a obra de arte ajuda o homem a habitar. [Friedrich] Hõlderlin estava certo quando disse: Cheio de mérito, mas poeticamente, o homem Habita nesta terra.58 Esses versos dizem que os méritos do homem não contam muito se ele é incapaz de habitar poeticamente, isto é, de habitar no verdadeiro sentido da palavra. Heidegger afirma o seguinte: "A poesia não voa acima e sobrepuja a terra a fim de escapar dela e de pairar sobre ela. A poesia é o que primeiro traz o homem para a terra, fazendo-o pertencer a ela, e assim trazendo-o à morada".59 Somente a poesia, em todas as suas formas (e também a "arte de viver") dá sentido à vida humana, e o significado é a ne- cessidade humana fundamental. A arquitetura pertence à poesia, e seu propósito é ajudar o homem a habitar. Mas é uma arte difícil. Fazer construções e cidades concretas não é suficiente. A arquitetura começa a existir quando "faz visível todo um ambiente", para citar uma definição de Su- zanne Langer.60 Isso significa concretizar o genius loci. Vimos que isso acontece por meio de construções que reúnem as propriedades do lugar e as aproximam do homem. Logo, o ato fundamentalda arquitetura é compreender a "vocação" do lugar. Dessa maneira, pro- tegemos a terra e nos tornamos parte de uma totalidade compreensível. O que se defende aqui não é uma espécie de "determinismo ambiental". Apenas reconhecemos o fato de que o homem é parte integral do ambiente e que ele somente contribui para a alienação e ruptura do ambiente quando se esquece disso. Pertencer a um lugar quer dizer ter uma base de apoio existencial em um sentido cotidiano concreto. Quando Deus disse a Adão: "Serás um fugitivo e um peregrino na Terra",61 pôs o homem frente a frente com seu pro- blema fundamental: atravessar a soleira e reconquistar o lugar perdido. ["The Phenomenon of Place" foi extraído de Architectural Association Quarterly 8, n. 4, 1976: pp. 3-10. Cortesia do autor e da editora.] 1. R. M. Rilke, The Duino Elegies, ix Elegy. Nova York: 1972. 2. O conceito de "mundo-da-vida cotidiana" foi criado por Husserl em The Crisis of European Scien- ces and Transcendental Phenomenology, 1936. 3. Martin Heidegger, "Bauen Wohnen Denken"; Bollnow, "Mensch und Raum"; Merleau-Ponty, "Phenomenology of Perception"; Bachelard, "Poetics of Space"; também L. Kruse, Raumliche Um- welt. Berlim: 1974. 4. Heidegger, "Language", in Albert Hofstadter (org.), Poetry, Language, Thought. Nova York: 1971. 5. Tradução de Liliane Stahl. Ein Winterabend Wenn der Schnee ans Fenster fàllt, Lang die Abendglocke láuter, Vielen ist der Tisch bereitet Und das Haus ist wohlbestellt. Mancher auf der Wanderschaft Kommt ans Tor auf dunklen Pfaden. Golden blüht der Baum der Gnaden Aus der Erde kühlem Saft. Wanderer tritt still herein; Schmerz versteinerte die Schwelle. Da erglãnzt in reiner Helle Auf dem Tische Brot und Wein. 6. Heidegger, op. cit., p. 199. 7. Ibid., p. 204. 8. Christian Norberg-Schulz,"Symbolization", em Intentions in Architecture. Oslo e Londres: 1963. 9. Ver, por exemplo, J. Appleton, The Experience ofLandscape. Londres: 1975. 10. Heidegger, op. cit., p. 149. 11. Ibid., pp. 147,149- 12. Heidegger, Hebel der Hausfreund. Pfullingen: 1957, p. 13. 13. Ibid., p. 13. 14. Heidegger, op. cit., pp. 181-82. 15. Norberg-Schulz, Existence, Space and Architecture. Londres e Nova York: 1971, onde adoto o con- ceito de "espaço existencial". 16. Heidegger chama a atenção para a relação entre as palavras gegen (contra, contrário) e Gegend (ambiente, localidade). 17. Foi o que fizeram alguns autores, entre os quais K. Graf von Dürckheim, E. Straus e O. F. Bollnow. 18. Compare-se com a distinção de Alberti entre "beleza" e "ornamento". 19. Norberg-Schulz, op. cit., 1971, p. I2ss. 20. S. Giedion, The Eternal Present: The Beginnings of Architecture. Londres: 1964. 21. K. Lynch, The Image of the City. Cambridge: 1960. 22. P. Portoghesi, Le Inibizioni delVArchitettura Moderna. Bari: 1975, pp. 88ss. 23. Heidegger, op. cit., p. 18. 24. Norberg-Schulz, op. cit., 1971, p. 18. 25. Heidegger, op. cit., p. 154. "Presença é a velha palavra para o ser." 26. O. F. Bollnow, Das Wesen der Stimmungen. Franfurt am Mein: 1956. 27. Robert Venturi, Complexity and Contradiction in Architecture. Nova York: 1967, p. 88. 28. Ibid., p. 89. 29. Heidegger, "Die Frage nach der Technik", in Vortrãge undAufsatze Pfullingen, 1954, p. 12. 30. Norberg-Schulz, op. cit., 1971, p. 27. 31. Ibid., p. 32. 32. D. Frey, Grundlegungzu einer vergleichenden Kunstwissenschaft.Viena e Innsbruck: 1949. 33. Norberg-Schulz, op. cit., 1963. 34. Heidegger, op. cit., p. 152,1971. 35. W. J. Richardson, Heidegger, Through Phenomenology to Thought. The Hague: 1974, p. 585. 36. Para o conceito de "capacidade", ver Norberg-Schulz, op. cit, 1963. 37. Venturi, op. cit. 38. Paulys, Realencyclopedie der Klassischen Alterumwissenschaft vn , I, col., 1155SS. 39. Norberg-Schulz, Meaning in Western Architecture. Londres e Nova York: 1975, pp. 8oss. 40. Goethe, Italienische Reise 8, out. 1786. 41. L. Durrell, Spirit ofPlace (Londres, 1969), p. 156. 42. Ver M. M. Weber, Explorations into Urban Structure (Filadélfia: 1963), que fala de "uma esfera urbana sem lugares". 43. Norberg-Schulz, op. cit., 1963, em que utilizo os conceitos de "orientação cognitiva" e "orienta- ção catéctica". 44. Lynch, op. cit., p. 4. 45. Ibid., p. 7. 46. Ibid.,p 125. 47. Ibid., p. 9. 48. Para uma exposição mais detalhada, ver Norberg-Schulz, op. cit., 1971. 49. A. Rapoport, "Australian Aborigines and the Definition of Place", in P. Oliver (org.), Shelter, Sign, Symbol. Londres: 1975. 50. Seltsam, im Nebel zu wandern! Einsam ist jeder Busch und Seiti, kein Baum sieht den anderen, jeder ist allein. 51. Bollnow, op. cit., p. 39. 52. Norberg-Schulz, op. cit., 1963, pp. 41 ss. 53. Heidegger, op. cit., 1971, p. 181. "Nós somos oscoisificados'", os condicionados. 54. Heidegger, "Building Dwelling Thinking", in op. cit., 1971, pp. 146 ss. 55. Ibid., p. 147. 56. Norberg-Schulz, op. cit., 1963, pp. 61 ss, 68. 57. Ibid.,pp. 168 ss. 58. Full of merits, yet poetically, man Dwells on this earth. 59. Heidegger, op. cit., 1971, p. 218. 60. S. Langer, Feeling and Form. Nova York: 1953. 61. Gênesis, cap. 4, versículo 2. C H R I S T I A N N O R B E R G - S C H U L Z . 0 P E N S A M E N T O DE H E I D E G G E R S O B R E A R Q U I T E T U R A Esta lúcida explicação de "O pensamento de Heidegger sobre arquitetura" contém uma análise lingüística de vários escritos do filósofo, seguindo o interesse do próprio Heidegger pela etimologia das palavras de uso corrente. Em resumo, o ensaio desen- volve a crítica de Norberg-Schulz à arquitetura moderna, que ele considera a origem de uma crise de significado por ter criado um ambiente diagramático e funcionalista que não favorece o habitar. Referindo-se a um "momento de confusão e crise", Nor- berg-Schulz reconhece que o problema do significado na arquitetura foi abordado por outros autores e que alguns partiram da semiologia (estudando a arquitetura como sistema de signos convencionais), método que lhe parece inadequado para explicar a disciplina. Ele propõe como alternativa para compreender a arquitetura a leitura da fenomenologia heideggeriana. Norberg-Schulz afirma que o propósito da arquitetura é fornecer um "ponto de apoio existencial" que propicie uma "orientação" no espaço e uma "identificação" com o caráter 461 TADAO ANDO Por novos horizontes na arquitetura O pensamento arquitetônico apoia-se na lógica abstrata. Por abstrato me refiro a uma exploração meditativa que atinge a cristalização da complexidade e riqueza do mundo, e não a uma redução de sua realidade pela diminuição de sua concretude. Os melhores aspectos do modernismo não terão se originado desse tipo de pensamento arquitetônico? O pós-modernismo surgiu no passado recente para denunciar a pobreza do mo- dernismo em um momento no qual esse movimento estava se deteriorando, tornando- se convencional e abandonando o papel que se arrogara como força de revitalização cultural. A arquitetura moderna havia se tornado mecânica, e os estilos pós-moder- nos se empenharam em recuperar a riqueza formal que o modernismo aparentemente descartara. Esse esforço sem dúvida alguma representou um passo na direção certa, ao voltar-se para a história, o gosto e o ornamento, e devolveu à arquitetura uma certa concretude. No entanto, também este movimento rapidamente se atolou em expres- sões de vulgaridade, produzindo uma enxurrada de brincadeiras formalistas que mais confundiram do que inspiraram. O caminho mais promissor para a arquitetura contemporânea é o de um desen- volvimento que atravesse e supere o modernismo. Isso significa substituir os métodos mecânicos, letárgicos e medíocres, aos quais o modernismo sucumbiu pela vitalidade meditativa e abstrata que caracterizou os seus primórdios, de modo a criar coisas esti- mulantes para o pensamento que sejam capazes de nos levar ao século xxi. A criação de uma arquitetura capaz
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