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Festas de orgias para homens: territórios de intensidade e socialidade masculina

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1 
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA 
 
 
 
 
 
VICTOR HUGO DE SOUZA BARRETO 
 
FESTAS DE ORGIA PARA HOMENS: TERRITÓRIOS DE INTENSIDADE E 
SOCIALIDADE MASCULINA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NITERÓI 
2016 
 
2 
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA 
 
 
 
 
 
VICTOR HUGO DE SOUZA BARRETO 
 
FESTAS DE ORGIA PARA HOMENS: TERRITÓRIOS DE INTENSIDADE E 
SOCIALIDADE MASCULINA 
 
 
 
 
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em 
Antropologia da Universidade Federal Fluminense, como 
requisito parcial para obtenção do Grau de Doutor em 
Antropologia. 
 
 
 
NITERÓI 
2016 
 
3 
Banca Examinadora 
__________________________________ 
Prof. Orientador – Dra Ana Claudia Cruz da Silva 
Universidade Federal Fluminense 
__________________________________ 
Prof. Co-Orientador - Dra Maria Elvira Díaz-Benítez 
Universidade Federal do Rio de Janeiro 
__________________________________ 
Prof. Dra. Laura Lowenkron 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro 
__________________________________ 
Prof. Dra. Regina Facchini 
Universidade Estadual de Campinas 
__________________________________ 
Prof. Dr. Antônio Rafael Barbosa 
Universidade Federal Fluminense 
__________________________________ 
Prof. Dr. José Colaço Dias Neto 
Universidade Federal Fluminense de Campos dos 
Goytacazes 
__________________________________ 
Prof. Dra. Fatima Lima (suplente externo) 
Universidade Federal do Rio de Janeiro 
__________________________________ 
Prof. Dr. Frederico Policarpo de Mendonça Filho 
(suplente interno) 
Universidade Federal Fluminense 
 
 
4 
Resumo 
Neste trabalho, tenho a intenção de apresentar uma reflexão sobre determinadas práticas 
sexuais realizadas entre homens na cidade do Rio de Janeiro em reuniões de orgia, a partir 
de uma etnografia realizada em quatro desses eventos comercialmente organizados na 
cidade. O que a experiência da sexualidade nessas festas parece colocar em jogo são outros 
modos de subjetivação e corporalização, modos propriamente intensivos, onde ao mesmo 
tempo em que uma determinada forma de masculinidade é elaborada há também um modo 
singular de engajamento no mundo. Esta tese busca compreender essas interações a partir 
da análise daquilo que estou chamando aqui dos três “princípios” desses eventos: a 
“masculinidade”, a “discrição” e a “putaria". Também me detenho no debate sobre a 
metodologia de pesquisas em contextos de interação sexual. 
 
Abstract 
In this work , I intend to present a reflection on certain sexual practices conducted among 
men in the city of Rio de Janeiro in orgy meetings, from an ethnography in these four 
commercially organized events in the city . What the experience of sexuality these parties 
seem to put into play are other modes of subjectivity and corporalization , properly 
intensive modes , where at the same time that a particular form of masculinity also is 
developed there a singular way of engagement in the world.This thesis seeks to understand 
these interactions by analyzing what I am calling here from the three "principles" of these 
events: "masculinity", "discretion" and "putaria." I also dwell on the debate on methodology 
of research in contexts of sexual interaction. 
 
Palavras-chave: 
Práticas sexuais, Masculinidade, Orgia, Rio de Janeiro 
Keywords: 
Sexual practices, Masculinity, Orgy, Rio de Janeiro 
 
5 
SUMÁRIO 
Agradecimentos....................................................................................................................9 
 
Primeiro mergulho................................................................................................................13 
Introdução............................................................................................................................17 
 Do tema e de como cheguei a ele.............................................................................17 
 De alguns recortes.....................................................................................................26 
 Um(não) quadro teórico............................................................................................26 
 Subjetividade e políticas da singularidade.....................................................26 
 As questões e “os princípios”....................................................................................32 
 Algumas observações sobre o método.....................................................................36 
 Negociações..............................................................................................................40 
 Corpo e afetação.......................................................................................................43 
 Estrutura do texto.....................................................................................................49 
PARTE I – OS PRINCÍPIOS 
Instantâneos de uma “putaria entre machos”.....................................................................52 
Capítulo I – O princípio da masculinidade..........................................................................56 
 Entre iguais, só entre machos...................................................................................57 
 Entre diferentes, uma masculinidade hierarquizada................................................64 
 Caráter espartano X gaysmo......................................................................................71 
 Genealogia de uma masculinidade............................................................................73 
 O desejo pelo macho..................................................................................................81 
 
6 
 Penetrar e ser penetrado..................................................................................86 
 “Habitando a norma”, o exagero que (des)faz gênero......................................93 
 O show: exagero e grotesco..............................................................................96 
 O corpo do homem............................................................................................101 
Fragmentos de interações sigilosas...............................................................................110 
Capítulo II – O princípio da discrição............................................................................114 
 A química da orgia..............................................................................................115 
 Silêncio e escuridão.............................................................................................120 
 Erótica do anonimato..........................................................................................128 
 O devir-multidão da orgia...................................................................................142 
 “Lugares outros”..................................................................................................148 
 As festas...............................................................................................................157 
 Festa do Apê.............................................................................................157 
Festa do Vale Tudo....................................................................................160 
Clube Meetings.........................................................................................163 
Black Hall...................................................................................................166 
Um momento de efervescência.........................................................................................170 
Capítulo III – O princípio da putaria.................................................................................173 
Intensidade e experimentação...............................................................................174O corpo na economia do prazer orgiástico............................................................176 
 A putaria..................................................................................................................179 
 Putaria X romance.......................................................................................183 
 Disposição....................................................................................................185 
 
7 
 A repetição na orgia........................................................................................190 
 Novo mergulho................................................................................................194 
 O que pode o corpo?.......................................................................................196 
 Limites e fissuras.............................................................................................202 
 Prazer e risco...................................................................................................209 
 E não existe desigualdade?..............................................................................218 
 A fim de concluir..............................................................................................224 
PARTE II – OUTRAS DOBRAS 
A orgia e a festa...........................................................................................................230 
 A orgia e a pornografia.....................................................................................230 
 A orgia na Antropologia....................................................................................235 
 A orgia como ritual: entre o sagrado e o profano.............................................243 
 A orgia como prática hedonista.........................................................................248 
 “Libertinos libertários”......................................................................................253 
 Sexo e transgressão...........................................................................................260 
 A festa................................................................................................................263 
EPÍLOGO: Quando a pesquisa é o problema................................................................271 
1. O sexo e a natureza......................................................................................274 
2. O sexo e o bizarro.........................................................................................277 
3. O pesquisador com “segundas intenções”...................................................281 
4. (O riso)..........................................................................................................286 
5. Escrita “erótica-científica” e seus perigos....................................................287 
6. Fechando.......................................................................................................292 
 
8 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................................294 
ANEXOS 
 Anexo I – Cartazes das festas: imagens de uma masculinidade desejada..............319 
 Anexo II – “Manifesto Espartano” por Ricardo Líper..............................................330 
 Anexo III – Imagens do show....................................................................................343 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
9 
Agradecimentos 
 
 Ainda que a responsabilidade das coisas ditas neste trabalho sejam ao final toda 
minha, o percurso de sua construção não se fez sozinho. E esse é o momento onde 
devo/posso agradecer àqueles que, mesmo nos mais rápidos encontros, contribuíram de 
alguma forma para que essa tese fosse feita. 
 Em primeiro lugar, quero agradecer a todos aqueles que durante os quatro anos de 
doutorado ocuparam a posição de meus interlocutores, tanto os que já eram conhecidos ou 
se tornaram mais próximos quanto aos inúmeros que permaneceram anônimos. Todos 
aqueles que seja dentro ou fora dos espaços das festas compartilharam comigo alguma 
informação, experiência, fantasia ou desejo que me ajudou a pensar sobre o tema da tese. 
Que durante o trabalho de campo me deixaram passear, observar e me permitiram 
atravessar seus desejos e corpos nem sempre sabendo que aquilo poderia contribuir para 
uma pesquisa. Obrigado pelos bons e mesmo pelos maus encontros. Agradeço 
especialmente a Chicão, Igor, Renato, Jack e Felipe por permitirem que seus eventos fossem 
espaços possíveis de etnografia, além da paciência e interesse com que receberam as 
minhas constantes perguntas. 
 Três professores foram essenciais para que esse trabalho fosse realizado. Não digo 
que foram figuras inspiradoras, porque nenhum dos três possui vocação para totem, mas 
foram “estimuladores” das ideias que levaram a minha formação e a essa tese. Agradeço à 
Ana Claudia Cruz da Silva, minha orientadora, que mesmo não tendo uma intimidade com 
os debates específicos do tema, aceitou o desafio de me ajudar a pensá-lo e de orientar um 
objeto de pesquisa complexo em vários sentidos (e todas as configurações que a pesquisa 
tinha anteriormente até chegar a esse recorte final). Obrigado pela confiança, pela 
cumplicidade, pela leitura e comentários dedicados, pela disposição nos meandros 
burocráticos, pelas palavras de incentivo e os puxões de orelha necessários. 
 A Maria Elvira Díaz-Benítez, minha co-orientadora, cujo acompanhamento nesse 
percurso foi essencial. Foi a partir de seus cursos, seus trabalhos e suas falas que tive 
contato com uma bibliografia e discussões que, até então, desconhecia. E foi com o convívio 
tanto nas salas de aula quanto nas divertidas saídas e reuniões que muitos dos insights 
 
10 
dessa tese se produziram. Obrigado por ter me recebido, pelos comentários e indicações, 
além das incontáveis chamadas de atenção para coisas que eu teimava em deixar de lado. 
 A Antônio Rafael Barbosa, professor presente na banca, cujo acompanhamento foi 
essencial em minha formação. Foi a partir de seus cursos e do contato com seus trabalhos 
que não só eu, mas toda uma geração de pesquisadores, foi afetada tanto no pensamento 
como na maneira de se fazer Antropologia. Agradeço pela amizade, pelos encontros e trocas 
durante esses anos, tanto pelas orientações anteriores quanto, principalmente, por ter me 
apresentado uma possibilidade de perspectiva e questionamento das coisas muito mais 
interessante e produtiva. 
 Dois outros professores precisam ser mencionados na contribuição desse trabalho. 
Miguel Vale de Almeida, meu co-orientador em Portugal, por ter aceitado me acompanhar 
durante o período de estágio em Lisboa. Agradeço pela tranquila e confortável recepção 
num país estrangeiro, pelos comentários sobre as primeiras versões dos capítulos, pelas 
indicações de leitura e pelas conversas e cafés sempre com observações e trocas de ideia 
interessantes. Agradeço também ao professor Roberto Kant de Lima não só pelo interesse e 
disposição de ajuda durante os anos de doutorado, mas também por ter me proporcionado 
um espaço que foi essencial em minha formação de pesquisador desde a graduação nos 
núcleos os quais coordena. 
 A Laura Lowenkron pelos seus importantes comentários durante a qualificação deste 
trabalho e por ter aceitado fazer parte da banca. Aos outros professores participantes da 
banca: Regina Facchini, Antônio Rafael Barbosa, José Colaço Dias Neto, Fátima Lima e 
Frederico Policarpo Filho já agradeço a disponibilidade e a leitura. 
 Agradeço aos comentários e diálogos realizados com outros professores em eventos 
e congressos onde pude apresentar os desenvolvimentos iniciais dessa pesquisa, 
principalmente a Regina Facchini, Isadora Lins França, Júlio Assis Simões, Sergio Carrara, 
Fátima Lima, Luiz Rojo e José Resende. 
 Do Programa de Pós-Graduação em Antropologiada UFF, queria agradecer aos 
professores Ovídio de Abreu Filho, Simoni Lahud Guedes, Rolf Malungo de Souza, Carolina 
Grillo e José Colaço Neto pelos cursos acompanhados durante o doutorado e que 
contribuíram para as discussões da tese. A equipe administrativa na pessoa de Marcelo de 
Souza por ter me ajudado e aguentado com as questões burocráticas e constantes 
perguntas sobre a possibilidade de bolsas. Ainda aos amigos de vida, carreira e “correria” 
 
11 
Alessandra Freixo, Alex Machado, Eric Macedo, Flavia Medeiros, Rômulo Labronici e Vânia 
Nascimento pelas presenças, bares, almoços, viagens e constantes trocas. 
 Aos colegas pesquisadores e funcionários do NUFEP (Núcleo Flumimense de Estudos 
e Pesquisas) e do INCT-InEAC (Instituto de Estudos Comparados em Administração 
Institucional de Conflitos) coordenados pelo professor Roberto Kant, pelo ambiente de 
socialização e incentivo à pesquisa. 
 Do outro lado da Baía a composição de um novo território no PPGAS do Museu 
Nacional-UFRJ me foi uma das coisas mais ricas tanto pessoalmente quanto no 
agenciamento de diálogos. Agradeço aos cursos e falas de professores como Maria Elvira, 
Adriana Vianna, Laura Lowenkron e Luiz Fernando Dias Duarte. A todos os colegas 
pesquisadores componentes do NuSEX (Núcleo de Estudos em Corpos, Gênero e 
Sexualidade) pelo estimulante debate e troca sem os quais essa pesquisa definitivamente 
não teria sido possível. Agradeço especialmente aos novos e já queridos amigos Lucas 
Freire, Michel Carvalho, Everton Rangel e Barbara Pires. 
 Do outro lado do oceano, um pouco antes do término do doutorado, uma outra 
importante composição territorial me foi possível. Agradeço ao Cnpq pelos recursos 
financeiros durante os nove meses de bolsa de doutorado-sanduíche realizado no ISCTE-IUL 
(Instituto Universitário de Lisboa) sob orientação do professor Miguel. Aos professores José 
Resende e Bruno Dionísio da CESNOVA (Universidade Nova de Lisboa) pela disposição e 
disponibilidade de ajuda com as primeiras tentativas de pedido de bolsa. A Pedro Pinela 
com a ajuda burocrática. Aos colegas pesquisadores e funcionários do CRIA (Centro em 
Rede de Investigação em Antropologia) meu muito obrigado pela calorosa e afetuosa 
recepção e pela troca de ideias, principalmente a Antónia de Lima, Catarina Frois, Cristina 
Santinho, Mafalda Sousa, Fernanda Oliveira e Cecilia Luis. Aos “colegas de sanduíche” Felipe 
Viero, Normando Viana e Edyr Oliveira. A Gloria Martins pela amizade e atenção. E a 
Rodrigo Oliveira, melhor “rommie” que eu podia pedir. 
 Aos colegas de trabalho e alunos do curso de Segurança Pública da UFF (durante os 
períodos de estágio docência), do Colégio e Curso PH e do Colégio Pedro II. Os dois últimos 
foram durante quase todo o doutorado a minha única fonte de recursos para essa pesquisa 
(realizada em sua maioria sem bolsa). Agradeço a meus alunos por terem me ensinado a 
gostar de dar aulas e a me esforçar para tentar ser um bom professor como os que tive e, 
 
12 
principalmente, aos alunos do Ensino Médio pelas insistentes perguntas e curiosidades 
sobre a minha pesquisa depois que procuraram meu nome no Google. 
 As minhas amigas desde o tempo de colégio Ana Pires, Luciana Ramos, Renata 
Raeder e Virginia Bitencourt pelas trajetórias que ainda permanecem unidas. Obrigado 
pelos cafés e o nosso ritual do fondue anual, cada vez mais numeroso com a vinda dos 
sobrinhos. 
 A minha família, principalmente minha mãe e minha avó, eternas incentivadoras de 
minhas escolhas. 
 A Nei Fonseca por ter acompanhado boa parte desse processo, agradeço ao 
incentivo e torcida incondicional e à paciência em incontáveis momentos. 
 A Jôse Sales por ter me ajudado no equilíbrio e a pensar questões que estavam ali, 
mas que não me dava conta. 
 A Erika Fraenkel pela “assessoria energética”. 
 Do campo alguns bons encontros levaram a novas amizades. Obrigado Nelson, 
Ricardo, Diego, João, Everton, Halisson e Marcio. 
 Durante o período do sanduíche em Portugal e das visitas a outras cidades, alguns 
bons encontros também fizeram toda a diferença. De pequenas ajudas, dicas e informações 
compartilhadas, apresentações da cidade, boas companhias, cafés e bebidas, ensinamentos 
e experiências que foram compondo meus trajetos. Em Lisboa, meu obrigado a Filipe, 
Vasco, Rui, Louke, Gonçalo e Nuno. Em Paris, Jean e Gilles. Em Barcelona, Matthew e 
Marko. Em Roma, Michele. Em Praga, Lubôs. Em Amsterdã, Javier. E em Berlim, Jann, Frank 
e Alexander. 
 
 
 
 
 
 
 
 
13 
Primeiro mergulho 
 
 Desembarco das barcas e chego à Praça XV por volta das quinze horas. Nessa tarde 
de domingo o número de pessoas que fazem a travessia entre as cidades de Niterói e Rio de 
Janeiro pela Baía de Guanabara não chega perto do volume dos dias durante a semana. À 
primeira vista, até causa estranheza ver o Centro da cidade tão pouco movimentado como 
de costume. Ali perto do Paço Imperial apenas vendedores ambulantes, moradores de rua e 
jovens praticando acrobacias no skate. 
 Nem cinco minutos de caminhada e numa rua estreita de paralelepípedos chego em 
frente a um dos principais locais onde, desde o início do ano de 2013, faço trabalho de 
campo, desenvolvendo minha pesquisa para a tese de doutorado sobre festas de orgia. Um 
cartaz na porta com a imagem de sombras de corpos masculinos e de espadas se cruzando 
indica: “Festa do Vale Tudo” e embaixo: “Apenas para homens”. Um segurança abre a 
pesada porta para mim e chego à pequena recepção, de onde ouço os sons abafados de 
música alta. Sou atendido pelo recepcionista que me pede um primeiro nome para o registro 
(esse nome não precisa ser conferido por nenhum tipo de documento) e para quem faço o 
pagamento adiantado do ingresso da festa (nesse dia quarenta reais no dinheiro ou 
quarenta e cinco reais no cartão) e também recebo uma chave numerada de um armário 
para guardar meus pertences. Ao mesmo tempo, um rapaz negro musculoso usando apenas 
uma apertada sunga branca coloca no meu pulso uma pulseira colorida numerada (o 
número da pulseira vai indicar no serviço computadorizado o que eu, porventura, consumir 
durante a festa) e entrega em minhas mãos duas camisinhas e um sachê de lubrificante. 
Enquanto abre uma segunda porta para mim, avisa que se eu precisar de mais camisinha 
posso voltar para pegar. 
 O ambiente de entrada da festa é uma boate, o que faz com que já seja recebido por 
uma música eletrônica alta e por uma grande quantidade de luzes se movimentando 
rapidamente. A chave que recebi indica que meu armário fica no quarto andar, por isso 
passo rápido pela boate até alcançar a escada, já um pouco tonto pela mudança de 
ambiente e excesso de estímulos. Enquanto passo e subo as escadas, percebo os olhares de 
avaliação e curiosidade dos homens de sunga ou cueca já presentes no local. É um olhar 
 
14 
característico que começa pelos olhos, desce percorrendo o corpo da pessoa, prestando 
atenção nas formas e nos volumes, e sobe para parar nos olhos novamente. Se houver 
interesse o contato visual permanece e se intensifica, se não, desvia-se em busca de outro. 
 Os lances de escada são separados por longos corredores e por espaços com uma luz 
muito baixa, ou mesmo na penumbra. De início, até que possa acostumar meu olhar com a 
iluminação e o clima do local, faço esse percurso ainda tonto e com cuidado para não 
esbarrar ou tropeçar no caminho ou nas pessoas que estão em permanente movimento pela 
casa. Vejo espaços com luzes vermelhas, outras verdes e também azuis. Os outros sentidos 
começam a se aguçar. Passando pelo segundo andar, ouço gemidos vindos do “dark room" 
(espécie de “quarto escuro”, ambiente de completa penumbra onde ocorrem interações 
sexuais; é muito comum em boates e saunas). Na entrada do dark estão alguns rapazes 
parados encostados na parede. Meu olhar cruza com um deles, que ao repará-lo, abaixa a 
mão e pega no próprio volume dopênis marcado na cueca e fica ali massageando e me 
observando ao mesmo tempo. Quando passo por ele, o rapaz estende a mão e segura meu 
braço carinhosamente, mas com força suficiente para me puxar para perto. Aproxima-se e 
diz no meu ouvido: “Não gosta?” Roça o pênis já ereto na minha perna e me olha para ver 
minha reação: “Só de te ver... Olha como eu fico!” Os outros também observam a cena. 
Sorrio, me afasto devagar e continuo o caminho para o quarto andar. 
 Passo rápido pela outra boate do terceiro andar também com música alta, mas de 
estilo diferente da primeira, pois aqui o repertório é de clássicos da MPB. Cruzo com outras 
pessoas que dão maior ou menor atenção à minha passagem. E finalmente consigo chegar à 
área dos armários do quarto andar. Tiro a camisa e a bermuda que estou vestindo, ficando 
apenas com sunga e tênis. O vestuário obrigatório dessa festa apenas permite sungas, 
cuecas ou nudez completa. 
 No quarto andar é também onde ficam as “suítes”: são três quartos com camas 
coletivas iluminadas por uma luz vermelha baixa ou no escuro. Na primeira entro com certa 
dificuldade pela quantidade de pessoas que já estão ali dentro, chego a contar em torno de 
vinte homens. Demoro a conseguir distinguir alguma coisa na confusão de corpos, no cheiro 
de perfumes misturados, suor e umidade e nos sons de sexo e gemidos do ambiente. Consigo 
perceber uma pessoa deitada na cama, de barriga para cima, sendo chupada por um rapaz 
que está de pé e inclinado, enquanto um terceiro o penetra por trás. O que está sendo 
 
15 
penetrado interrompe às vezes o sexo oral para gemer alto, o que estimula outros a se 
aproximarem dele e também oferecerem o pênis para serem chupados. Outros apenas 
permanecem observando a penetração enquanto se estimulam. Toda a ação é feita no 
silêncio, ou melhor, na ausência de fala, já que os gemidos, suspiros, respirações ofegantes, 
e os barulhos do sexo são os únicos sons do ambiente. A linguagem utilizada aqui é a 
corporal e do desejo desencadeado por ela. Nesse agrupamento, a própria proximidade com 
outros corpos e o “roça-roça” característico é fonte de estímulo. Tentando visualizar melhor 
a interação da cama coletiva, levo um tempo para me dar conta que alguém ao meu lado 
tenta colocar a mão por dentro da minha sunga e alcançar o meu pênis. Retiro a mão da 
pessoa devagar, sem demonstrar “falta de educação” ou de “fairplay” com a interação e 
continuo observando as várias atividades que acontecem ao mesmo tempo ao meu redor. O 
rapaz que está deitado na cama sendo chupado goza, se levanta e sai do quarto. A multidão 
se desfaz por um momento com sua saída e toma uma outra configuração com outras 
pessoas. Saio do quarto também e vou olhar o que está ocorrendo nos outros espaços da 
casa. 
 Sou atraído pelos sons vindos da suíte de luz vermelha baixa. Quando entro vejo 
apenas um casal transando. O que está sendo penetrado está de pé com as pernas 
afastadas e inclinado apoiando as mãos na borda de uma hidromassagem presente no 
quarto. Não consigo ver o seu rosto. O que o está penetrando está de pé, por trás dele e de 
frente para a porta. Assim que entro, ele me olha, mas não para o que está fazendo. É negro 
e carrega no pescoço um terço de cor branca com crucifixo que chama a atenção. Depois, 
conversando com ele, me disse que o uso do crucifixo é mais por motivos estéticos, “porque 
dá um contraste legal com a pele, o preto e o branco”, do que por motivos religiosos. Outros 
começam a se aproximar também e ficam ali vendo a interação. Mesmo assim, o rapaz do 
crucifixo continua olhando fixamente para mim. Fico sem saber o que fazer, se sustento ou 
desvio o olhar, desconfortável e interessado ao mesmo tempo com a situação. Um dos 
expectadores se aproxima de mim e fala no meu ouvido: “ele quer fazer o mesmo com 
você...”. Continuo sem saber se permaneço ou não observando a cena, mas penso que talvez 
manter o olhar e o interesse vai me permitir uma aproximação posterior com o rapaz, por 
isso escolho ficar. 
 
16 
 A observação dessas práticas sexuais ainda ia se estender por toda aquela tarde de 
domingo, pelas sete horas de duração da festa, que culmina, ao final, com a apresentação 
de um show de sexo ao vivo com atores na boate do primeiro andar. Essa festa voltada 
apenas para homens, uma nas quais desenvolvo a pesquisa, ocorre duas vezes ao mês, 
sempre aos domingos, nessa casa de cinco andares que também funciona nos outros dias 
como clube de swing. Soube que teve uma tentativa de uma festa de orgia voltada apenas 
para mulheres, mas que não deu certo por falta de público. Em comparação com os outros 
eventos que acontecem nesse local (o swing, as festas privadas e os eventos trans), a “Festa 
do Vale Tudo” é a que reúne o maior número de pessoas, de cento e cinquenta a duzentas, 
no caso aqui, de apenas homens. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
17 
INTRODUÇÃO 
 
“Enganam-se aqueles que pensam que erótico é o corpo. O corpo só é 
erótico pelos mundos que andam nele. A erótica não caminha segundo as 
direções da carne. Ela vive no interstício das palavras. Não existe amor que 
resista a um corpo vazio de fantasias. Um corpo vazio de fantasias é um 
instrumento mudo, do qual não sai melodia alguma” (Rubem Alves) 
 
Do tema e de como cheguei a ele 
 
 Comecemos pelas apresentações. Esta tese é sobre a prática do sexo grupal/coletivo 
realizada entre homens em reuniões ou eventos de orgia. Mais especificamente uma 
etnografia de festas de orgia entre homens que acontecem na cidade do Rio de Janeiro. 
Note-se que esse primeiro recorte (o fato de ser um evento exclusivo para homens) não foi 
intencional. Foi uma característica dada pelo campo e que vai ser um dos pontos que irei 
explorar nesse trabalho. 
Algo que é importante já apontar é que a etnografia de práticas sexuais efetivas é 
um campo que vem se estabelecendo cada vez mais na antropologia brasileira. Os trabalhos 
com esses cenários etnográficos exploram como é possível produzir conhecimento das 
“práticas sexuais/eróticas que desafiam os efeitos políticos da repugnância e da 
transgressão”. São trabalhos que lidam com os limites daquilo que se naturalizou achar 
aceitável, correto ou normal. “Abordam ainda as maneiras como se constroem 
subjetividades e identidades coletivas a partir de práticas sexuais alternativas, identificando 
suas condições de produção, suas transformações e os discursos que os agentes utilizam 
para legitimá-las” (Fígari e Díaz-Benitez, 2009, 21). Esses estudos acabam por permitir não 
só o entendimento dos limites das práticas em si, mas também das nossas próprias 
ferramentas de análise ao colocarem esses temas em questão. 
Este trabalho pode ser entendido como uma contribuição a essa temática de 
pesquisa. Aqui dedico-me, por um lado, a mapear as orgias entre homens enquanto zona de 
intensidade, propondo-me a investigar antes territorialidades do que identidades, e, por 
outro, a descrever e analisar o funcionamento desses eventos tal como acionado pelos 
 
18 
frequentadores dessas festas. Meu interesse é analisar a multiplicidade em relação aos 
jogos e às práticas sexuais desses eventos buscando entender o que dizem os corpos que 
interagem no sexo coletivo e que utilizam essas festas como territórios existenciais para a 
efetuação de suas práticas e a realização de seus desejos. Considero também, neste 
exercício etnográfico, os processos de construção da subjetividade dos atores e da 
micropolítica dos corpos gestada nesses contextos e cenários, levando em conta a 
molecularidade de seus desejos. 
 Já dizia Deleuze que: 
 
O desejo é o sistema de signos a-significantes com os quais se produz fluxos 
de inconsciente no campo social. Não há eclosão de desejo, seja qual for o 
lugar em que aconteça, pequena família ou escolinha de bairro, que não 
coloque em xeque as estruturas estabelecidas. O desejoé revolucionário, 
porque sempre quer mais conexões, mais agenciamentos (Deleuze e Parnet, 
1998, 53). 
 
Desejo é entendido aqui como vontade, como algo que nos coloca em movimento, o 
que constitui nossos interesses pelas coisas e que encadeia nossos afetos. E é isso o que 
procuro aqui: o desejo como “processo de produção de universos psicossociais. O próprio 
movimento de produção desses universos” (Rolnik, 1989, 25), já que 
 
Não existe sociedade que não seja feita de investimentos de desejo nesta ou 
naquela direção, com esta ou aquela estratégia e, reciprocamente, não 
existem investimentos de desejo que não sejam os próprios movimentos de 
atualização de um certo tipo de prática e discurso, ou seja, atualização de 
um certo tipo de sociedade. (Rolnik, 1989, 58) 
 
O analista social (ou o “cartógrafo”, nos dizeres de Rolnik) precisa estar atento às 
estratégias do desejo em qualquer fenômeno da existência humana que se propõe 
perscrutar: sejam “os movimentos sociais, formalizados ou não, as mutações da 
sensibilidade coletiva, a violência, a delinquência” (idem), ou, como principalmente no caso 
aqui, as práticas sexuais realizadas em festas de orgia. 
 
19 
Não é a primeira vez que adoto como estratégia de análise traçar o percurso dos 
desejos envolvidos em determinado campo. Explico-me: na minha dissertação de mestrado, 
defendida em abril de 2012, no âmbito do PPGA/UFF (e no prelo para publicação pela 
EdUFF), desenvolvi uma etnografia sobre a prostituição masculina junto a alguns garotos de 
programa, chamados de “boys”, a partir do trabalho de campo feito em algumas saunas da 
cidade do Rio de Janeiro (Barreto, 2012). 
 As incursões iniciais e a exposição física nos espaços da sauna me fizeram perceber 
que as aproximações nesses contextos estão permeadas por expectativas que giram em 
torno do desejo. A estratégia adotada foi tentar mapear esse campo através desse 
elemento, tornando-o “objeto” e fio condutor da análise. O que fiz foi me aproximar, 
portanto, de uma “antropologia do desejo” (Perlongher, 1993), procurando compreender 
de que forma são compostos ou acionados os fluxos de afeto por um lado e o fluxo de 
dinheiro por outro, característica principal da prostituição. 
Após o término do mestrado e da aprovação na seleção do doutorado, pensei em 
enveredar pelo tema das novas configurações familiares e afetivas numa comparação entre 
Brasil e Argentina, acompanhando processos judiciais de adoção e casamento 
homoafetivos, um campo que, já que estamos falando disso, não me despertou tanto 
desejo. De saída já me incomodava um fenômeno que Handler (1994) aponta de que 
quanto mais próximo do aparelho de Estado, maior um processo de “endurecimento” das 
identidades, mais “identificações”, maior captura das formas de subjetivação. E o que está 
me interessando no momento é justamente a tensão entre esses “endurecimentos”, de 
como os atores demonstram um certo desejo pela norma e como buscam, ao mesmo 
tempo, uma dissolução dessas identidades, dos significados, da fuga de aparelhos de 
captura, estabelecendo, dessa forma, um campo que se pode chamar de “contra-
representações” ou de uma própria socialidade contra o Estado (Barbosa, 2004)1 ou de 
“puro desejo”. 
 
1 O uso do conceito socialidade aqui, ao invés de sociabilidade, é uma escolha consciente e 
metodológica. Já que, como vem demonstrando Strathern em seu trabalho na Melanésia (2006), 
ambas são formas distintas de se pensar a construção de relações sociais. A proposta que adoto 
nesse trabalho é a de entender as relações que se dão aqui a partir de um esquema de fluxos e de 
forças, nas quais se produzem formas específicas e singulares de se estabelecer vínculos 
interpessoais, suas socialidades. Não há aqui uma determinada moldura pré-existente que se 
referenciaria a um modelo de sociabilidade. Acredito que essa escolha conceitual e seu uso ficarão 
mais claros no segundo capítulo. 
 
20 
 Reconheço a especificidade (e dificuldades) da minha investigação. Entre muitas 
possibilidades de práticas sexuais, certamente estou olhando para uma das que costumam 
ser consideradas “extremas” (principalmente para quem olha de fora), no duplo sentido de 
uso intenso da prática e de um tipo de experiência realizada apenas por uma determinada 
parcela de homens que enveredam nesse universo (ainda que a quantidade de pessoas 
presentes nessas festas seja sempre significativa). O que me impede tanto de generalizar o 
que se passa aí quanto de tomar o tempo dessas festas como algo da totalidade da vida 
dessas pessoas. Não que pensar a “totalidade” seja a minha intenção aqui (ou que a 
Antropologia ainda reivindique para si esse papel). Mas de, justamente, pensar o local 
desses eventos, o desejo pela intensidade dessas festas, aquilo que é produzido nas orgias e 
na prática do sexo coletivo que fazem com que seus participantes a desejem e retornem a 
elas. Com todos os riscos envolvidos nessa opção, acredito que há, ao menos, a vantagem 
de trazer tal temática para o debate antropológico. 
 
De alguns recortes 
 
Antes de partir para as discussões teóricas efetivamente, algumas palavras sobre as 
minhas escolhas. Definido o tema, o primeiro recorte feito foi quanto aos espaços a serem 
pesquisados. A opção foi por centrar minhas observações em lugares comerciais que 
realizassem ou organizassem esses eventos periodicamente. Há todo um mercado voltado 
para a realização dessas festas que envolveria o arranjo de locais, a negociação de datas e 
valores, aluguéis, comidas e bebidas, materiais, formas de divulgação etc. Foi minha opção 
não estender a análise para as festas de orgia privadas, as chamadas “sociais”. Não que eu 
não tenha conseguido acesso a elas (foram constantes os convites) nem porque eu achasse 
que fosse atrapalhar os dados já produzidos (pelo contrário), mas sim pela volatilidade e 
“privacidade” desses eventos. Em sua maioria, essas sociais são combinadas ao acaso, sem 
um calendário fixo, entre pessoas já previamente conhecidas ou mesmo entre grupos de 
amigos fechados. Podem ser marcadas via email, aplicativos de celular, através de listas de 
eventos que circulam pela internet, ou mesmo acontecem espontaneamente numa saída de 
bar ou boate mais empolgada, quando a noite pode terminar numa orgia na casa de um dos 
presentes. Esses eventos trazem, portanto, algumas dificuldades maiores para uma 
 
21 
pesquisa de caráter mais prolongado e assíduo, daí o recorte. As sociais irão aparecer no 
texto mais como comparação na fala dos próprios participantes2. 
Outro recorte que deve ser explicitado diz respeito ao fenômeno investigado. Ao falar 
para outras pessoas, seja ou não em ambiente acadêmico, que o meu tema de pesquisa 
para o doutorado está sendo realizado em festas de orgia, as perguntas das pessoas 
(passado o choque inicial) costumam apresentar a suposição de que estudo festas de swing. 
E mesmo uma busca por palavras-chave em arquivos de bibliotecas sobre “orgia” ou “sexo 
coletivo/grupal” direciona às pesquisas realizadas sobre a prática do swing. 
O swing possui princípios e todo um conjunto de regras bastante diferentes desses 
eventos onde fiz a pesquisa. Também conhecido como troca de casais ou troca de esposas, 
o swing é uma prática que ganhou força nos EUA a partir dos anos 1950 e atualmente pode 
ser encontrada em casas ou clubes espalhados por vários países (Bartell, 1972). É preciso 
dizer que eu nunca tive a oportunidade de fazer uma visita a algum clube de swing, nem 
mesmo durante a presente pesquisa para, quem sabe, poder fazer algumas possíveis 
comparações, afinal seria uma prática de sexo coletivo onde a presença das mulheres é não 
só permitida como necessária (já que parece ser a sua “troca” que baseia a prática). Estou 
me valendo aqui, portanto, da leitura de algumas etnografias e outras pesquisas que 
tiveram oswing como tema (Silvério, 2014; Von der Weid, 2008; Braz e Silveira, 2013; 
 
2 Desde o fim da pesquisa, começou a surgir uma nova “cena” na noite carioca que são algumas 
festas “eróticas” ou “liberais” que não só permitem como incentivam a nudez e a interação sexual 
entre os presentes. Fruto de uma influência da chamada “cultura queer" e de uma política de diluição 
dos gêneros, essas festas promovem um grande encontro (a princípio sem a regra exclusiva de um 
evento masculino) com indistinção de sexo, gênero ou orientação sexual com o intuito de uma 
“despudorização” ao som de música pop ou eletrônica. Uma das pioneiras nesse sentido foi a festa 
“PopPorn” em São Paulo. No Rio, desde o ano de 2015, já começaram a aparecer festas 
semelhantes como a “Flesh Lovers" e a “Hole”. Conferir matéria publicada em 
http://www.musicnonstop.com.br/a-galera-esta-tirando-a-roupa-e-transando-nas-festas-queer-mais-
descoladas-do-brasil/. A descrição de uma dessas festas em sua página no facebook dizia: 
69 FRANGO ASSADO CACHORRINHO PAPAI MAMÃE CAVALGANDO 
BORBOLETA DE LADINHO COURO LÁTEX RENDA PELE PELOS 
CUECA CALCINHA HARNESS JOCK MAIÔ SALTO MEIA CALÇA FIO 
DENTAL ANEL DILDO PLUG CHICOTE ALGEMAS BONDAGE FISTING 
MIJO PORRA BABA SUOR PERFUME PESCOÇO LÍNGUA PÉ BOCA 
OLHOS CU 
Sem frescura, sem censura, sem restrições, sem regras, sem padrões, sem 
caixa, sem normas, sem armário, sem nada, só buraco; 
http://www.musicnonstop.com.br/a-galera-esta-tirando-a-roupa-e-transando-nas-festas-queer-mais-descoladas-do-brasil/
http://www.musicnonstop.com.br/a-galera-esta-tirando-a-roupa-e-transando-nas-festas-queer-mais-descoladas-do-brasil/
 
22 
Blanc, 2013; Nogueira, 2014). E o que esses estudos mostram, porém, é que o que se 
encontra nessas festas é nada mais do que o velho e conhecido comportamento tradicional: 
Pode-se pensar que o swing é uma tentativa para controlar um dos principais 
fantasmas que aparecem nos relacionamentos conjugais: a infidelidade. Praticar o 
“adultério consentido” seria uma maneira de se proteger contra o adultério não-
consentido – “se você pode fazer na minha frente, por que fazer escondido?” (Von 
der Weid, 2008, 123) 
O que esses autores dizem é que a prática do swing acabará por reafirmar os mesmos 
princípios que já regem as relações conjugais heterossexuais, monogâmicas e de 
“dominação masculina”. Em um ambiente de suposta liberdade sexual, onde homens e 
mulheres, casados ou com algum tipo de “compromisso”, relacionam-se sexualmente com 
outros casais, algumas premissas e regras fundamentais buscam estabelecer limites a essa 
liberdade e adequá-la a padrões aceitáveis para os participantes. Talvez o maior exemplo 
dessa estratificação fique com o lugar do homoerotismo no swing: 
Esse “poder tudo” esbarra em uma das principais “proibições” - talvez a única – 
que, explícita ou implicitamente, encontrei no meio swinger: “não tem 
homossexualismo (sic) masculino”. Ao tentar compreendê-la, pude perceber 
como, no Brasil, a construção da masculinidade é fortemente baseada no 
desempenho de determinado comportamento sexual. Provar que é “homem de 
verdade”, defender essa postura ativa, inclui se comportar de determinada 
maneira e não de outra, se vestir de certa forma e não ter sua imagem exposta ou 
exibida em fotografias para não ser acusado ou confundido com um ‘gay’. Já no 
caso feminino, ser mulher não depende de se relacionar sexualmente apenas com 
homens. Entre as praticantes de swing, relacionar-se com mulheres é muito 
comum e ter tido esta experiência não coloca em dúvida sua feminilidade nem 
para elas mesmas, nem para os outros. (op.cit., 123)3 
 
3 Ao longo da pesquisa, em encontros com amigos e outros pesquisadores, quando a conversa 
iniciada pela confusão entre swing e orgia se desdobrava, ouvi relatos de frequentadores desses 
clubes de swing expondo uma visão completamente diferente daquela que é predominante nos 
trabalhos aos quais tive acesso, principalmente no que diz respeito à agência da mulher nesses 
eventos. Ela seria muito maior do que esses trabalhos deixariam ver. Da mesma forma, o 
homoerotismo entre os homens não seria algo tão abominável apesar de, de fato, não ser uma 
prática constante. 
 
23 
 Portanto, ainda que seja comum as pessoas associarem orgia e swing, tratam-se de 
práticas diferentes. Da mesma forma, como disse antes, não foi possível encontrar festas de 
orgia voltadas apenas para mulheres - a única de que tive notícia foi uma ideia que não foi 
adiante por falta de público4. 
 Sobre o fato de ser uma festa exclusiva para homens, é preciso se demorar um 
pouco mais. É possível afirmar que no Brasil as investigações sobre interações de sexo 
ocasional entre homens em lugares públicos e semi-públicos têm uma certa tradição nas 
ciências sociais. Já desde os anos 1980 aparecem pesquisas importantes, como O negócio do 
Michê, de Nestor Perlongher (1989), sobre prostituição masculina em São Paulo, e No 
escurinho do cinema, de Veriano Terto Jr. (1989), sobre a interação sexual entre 
frequentadores, em sua maioria homens, de um cinema de filmes pornográficos no Rio de 
Janeiro, dentre outras que serão citadas aqui. E é cada vez mais visível o crescimento 
desses estudos no Brasil, visto o aparecimento de mesas e grupos de trabalho em nossas 
reuniões e congressos anuais. 
 A maioria desses trabalhos tem em comum o fato de tratarem de uma prática muito 
corriqueira nas grandes cidades que é a “pegação” entre homens. Em seu conceito mais 
usual, “pegação” é um termo empregado para designar a prática sexual anônima, efêmera e 
fugaz entre homens que exercem práticas homoeróticas, realizada em espaços 
simbolicamente demarcados nos grandes centros urbanos, como banheiros de shopping 
centers, parques, praias, saunas, cinemas e clubes de sexo, os quais são conhecidos por 
quem os frequenta como “locais de pegação”, informalmente apropriados para intercursos 
sexuais furtivos e sem prévia vinculação afetiva. São espaços onde se territorializam 
desejos, identidades e toda uma micropolítica dos corpos (sobre a “pegação” cf. pesquisa de 
Neto, 2008). 
 Chama a atenção também o fato dos trabalhos que se dedicam a esses estudos 
encontrarem nas relações homoeróticas masculinas seu objeto privilegiado. Há como que 
um consenso de que em um “universo homossexual”, relações sexuais podem ser 
 
4 Lembremos que estou falando aqui de espaços comerciais que são voltados para determinados 
eventos ou determinados públicos específicos. Minhas observação e análise estão excluindo eventos 
ou orgias que podem acontecer em ambientes domésticos, entre grupos de amigos e que podem ter 
configurações diferentes das que tive contato durante a pesquisa. 
 
24 
estabelecidas sem a necessidade sequer de uma conversa. Embora muitos homens que se 
identificam como homossexuais tenham pouco ou nenhum interesse em sexo fora de um 
relacionamento íntimo ou estável, certamente outros indivíduos engajam-se em uma 
prática que podemos classificar de sexo casual e anônimo. Os trabalhos analisados mostram 
que a razão seria dupla: eles teriam tanto o desejo como a oportunidade para fazer isso. 
 Ter o desejo aqui, creio, é muito mais entendido sobre o fato de estarmos falando 
sobre “homens” do que sobre uma determinada orientação sexual específica, 
“homossexual”. Entende-se que as pessoas variam no grau em que se gosta de sexo, na 
ausência de compromisso ou proximidade emocional. Porém, em nosso imaginário, é 
predominante a ideia de que os homens estão mais interessados do que as mulheres em ter 
sexo com alguém com quem não se sentem comprometidos. Sugerindo também que 
homens heterossexuais e homossexuais não seriam diferentes a este respeito. Estaríamos 
falando aqui de algo que seria da ordem de uma masculinidadecompartilhada, 
ultrapassando as orientações sexuais. A prova disso seria a ausência desses espaços para 
uma “pegação” entre mulheres. Já em minha pesquisa para o mestrado sobre prostituição 
masculina em saunas (Barreto, 2012), sempre me deparava com a pergunta: “mas não 
existem saunas para mulheres?”; e, de fato, foi curioso não ter conseguido encontrá-las (a 
não ser aquelas onde o corpo que se prostituía era o delas). 
 Um dos autores da coletânea Public sex, gay space (Leap, 1999), dá uma explicação 
para isso: diz que as mulheres não migram para locais públicos para ter sexo anônimo pelos 
seguintes fatores: pela dominação masculina nesses assuntos, pelo medo do estupro, e pelo 
fato da "sexualização da aventura” talvez não ser atrativo a elas; explicações que, a meu ver, 
não dão conta de toda a complexidade da questão. 
 O outro motivo dado por esses autores para a “pegação” ser uma prática sexual 
quase exclusiva das relações entre homens seria a oportunidade. Quando o sexo envolve 
apenas os homens, a possibilidade de encontrar um parceiro para encontros casuais ou 
anônimos seria maior. Banheiros públicos, vestiários de academia, saunas, esportes 
coletivos praticados em clubes, quadras públicas, dentre muitos outros espaços: são 
diferenciadas as oportunidades em que os homens poderiam se expor a uma situação que 
possa ou não se tornar homoerótica. As razões disso ainda são um pouco nebulosas e 
normalmente se é usada uma justificativa tradicional: se lembrarmos da interpretação 
 
25 
referente aos domínios do espaço na sociedade brasileira, a casa e a rua, sendo o primeiro 
tradicionalmente relacionado ao feminino e o segundo ao masculino (DaMatta, 1997), ou 
seja, a acessibilidade maior dos homens ao espaço público, a rua, teria facilitado os 
encontros eróticos entre eles. 
O que parece subjazer a essa interpretação é, na verdade, um processo maior. Não 
só de uma invisibilidade do erotismo das mulheres, mas até mesmo um apagamento da 
sexualidade feminina, como seres considerados sem desejo (Trevisan, 2000; Figari, 2007). 
Além disso, os poucos lugares de interação erótica para mulheres que podem ser 
encontrados na cidade pressupõem a heterossexualidade como forma de relação, como as 
saunas de prostituição feminina e as casas de massagem onde as mulheres aparecem no 
mercado da prostituição, como os próprios clubes de swing ou os “clubes das mulheres” 
com apresentações de strippers e gogoboys5. As interações eróticas entre mulheres é algo 
que vem chamando a atenção aos poucos no Brasil em algumas etnografias interessantes 
como sobre a masculinidade lésbica em bares (Lacombe, 2005) e na tese de Facchini em que 
a autora descreve diferentes cenários de lazer (mesmo sexuais) lésbico levando em 
consideração a interseccionalidade como geração, raça, classe, gênero etc. (Facchini, 2008). 
Algumas pesquisas mais recentes vêm chamando a atenção para o surgimento de alguns 
clubes BDSM6, principalmente em São Paulo, onde poderíamos ver toda uma ritualização 
erótica em relações estabelecidas entre elas (Facchini, 2008; Gregori, 2010)7. 
 
 
 
 
5 Agradeço ao colega Lucas Freire por ter me chamado a atenção para este ponto. 
6 BDSM (Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo) é a sigla que agrupa 
um conjunto de práticas eróticas que ritualizam jogos de poder. 
7 Sem querer me estender muito, já que esse tema não é o foco deste trabalho, é interessante 
perceber como a prática do BDSM entre mulheres não é algo novo e já foi o campo de análise 
teórica preferido das chamadas feministas lésbicas radicais ou feministas “pró-sex”. Tratam-se de 
autoras que apareceram nos EUA a partir da década de 1980 dentro de uma disputa com outras 
pensadoras mais conservadoras sobre o papel e a agência feminina nas relações eróticas. Dessa 
época ficaram famosas as críticas à pornografia como forma de objetificação da mulher e como 
essas feministas pró-sex buscaram mostrar a agência feminina em situações que antes eram 
consideradas de opressão e dominação, como no próprio BDSM. Entre elas estão nomes como 
Gayle Rubin, Pat Califia, Monique Wittig e De Lauretis, que muito vão influenciar a teoria queer. 
 
26 
Um (não) quadro teórico 
 É minha intenção agora apresentar, num debate mais denso, algumas questões 
teóricas na relação entre conceitos como subjetividade, sexo e singularidade. O que 
apresento aqui é um conjunto de questões que me interessam particularmente e que 
acredito serem contribuições para o debate teórico. Não é um “marco teórico”, no sentido 
de que não se propõe a ser um enquadramento das reflexões que irão estar presentes no 
restante do trabalho, nem um guia delas. Acredito que o campo das festas de orgia pode 
ajudar a pensar não só nessas problemáticas colocadas pelos autores que exponho a seguir, 
como também me permitiu perceber o que os próprios participantes dessas festas criam ali, 
na efervescência de suas interações. Apresento essa discussão, portanto, não para limitar 
ou recortar um “campo teórico” utilizado, mas sim alimentá-lo, estimulá-lo e mesmo 
desestabilizá-lo com a análise das práticas observadas durante o trabalho de campo. 
Subjetividade e políticas da singularidade 
 
A luta por uma subjetividade moderna passa por uma resistência às duas 
formas atuais de sujeição, uma que consiste em nos individualizar de 
acordo com as exigências do poder, outra que consiste em ligar cada 
indivíduo a uma identidade sabida e conhecida, bem determinada de 
uma vez por todas. A luta pela subjetividade é apresentada então como 
direito à diferença e direito à variação, à metamorfose. (Deleuze, 1991, 
113). 
 
 Essa tese fala de determinados processos de produção de subjetividade. Meu ponto 
inicial começa pela própria dessencialização da ideia de subjetividade. Pois, como afirma 
Paul Veyne sobre o papel da obra de Foucault, quem somos não é uma pergunta que se 
restrinja a um âmbito pessoal ou psicológico, mas a proposta de um deslocamento para a 
questão de como “viemos a ser com relação às práticas que nos constituem/subjetivizam, as 
quais organizam nossa relação conosco e com os outros” (Veyne, 1995, 175). A questão 
“quem somos?”, para Foucault, é ao mesmo tempo a oportunidade de perguntar como 
poderíamos ser de outra forma, como poderíamos estabelecer outra forma de convivência, 
 
27 
como pensar de outro modo: “(...) saber em que medida o trabalho de pensar sua própria 
história pode liberar o pensamento daquilo que ele pensa silenciosamente, e permitir-lhe 
pensar diferentemente” (Foucault, 2009b, 14). A questão da subjetividade no pensamento 
de Foucault se faz “nos termos de sua produção, do governo de si e governo dos outros”, e 
“também da procura de estilos de existência tão diferentes quanto possíveis uns dos 
outros”(Paiva, 2000). Ou seja, “uma pesquisa crítica acerca da compreensão atual de si” 
(Rabinow, 1995, 283). 
 A singularidade aqui é vista como um projeto político de resistência, de ruptura com 
as modelizações da subjetividade capitalística (Guattari e Rolnik, 2005). Guardemos esse 
ponto, porque voltarei a ele adiante. Guattari propõe que as “revoluções moleculares” 
perfaçam um movimento: da alienação e opressão pelos modelos da subjetividade à 
ousadia de inventar “subjetividades delirantes” (op. cit., 45) pelo processo de criação de 
singularidades. E é precisamente por causa desses movimentos de ruptura, de estratégias 
de se lidar com esses modelos, dessas linhas de fuga, que há espaço para o exercício de 
singularização. O pensamento de Deleuze sustenta que as linhas de fuga, no caso 
identificadas como campo produtivo de desejo, são os dados primeiros do campo social: 
(...) uma sociedade, um campo social não se contradiz, mas ele foge, e isto é 
primeiro. Ele foge de antemão por todos os lados; as linhas de fuga é que são 
primeiras (mesmo que “primeiro”não seja cronológico). Longe de estar fora do 
campo social ou dele sair, as linhas de fuga constituem seu rizoma ou cartografia. 
As linhas de fuga são quase a mesma coisa que os movimentos de 
desterritorialização: elas não implicam qualquer retorno à natureza; elas são as 
pontas de desterritorialização nos agenciamentos de desejo. (...) Encontro também 
aí o primado do desejo, pois o desejo está precisamente nas linhas de fuga, na 
conjugação e dissociação de fluxo. O desejo se confunde com elas. (Deleuze, 1996, 
19-20) 
 Também para Rolnik, não há outra alternativa senão abandonar a reivindicação 
identitária em favor dos processos de singularização. Tais processos de singularização 
implicam abrir mão do vício em identidades, dos “kits de subjetividades”, de perfis-padrão 
que estão tão presentes em nosso cotidiano e que apenas se aprimoram com a globalização 
e as novas tecnologias (Rolnik, 1997, 20). Para Rolnik, cabe não tentar domesticar as forças 
 
28 
de instabilização. Ao “biopoder” (poder(es) sobre a vida) responderia uma “biopotência” 
(poder da vida, da vitalidade social), esta última é onde residiria uma “força-invenção” que é 
continuamente vampirizada pelos poderes de controle. Uma primeira questão necessária 
aqui é cartografar essas forças em jogo. 
 Compartilho com Foucault a ideia de que é na sexualidade, nos “usos do prazer”, 
que se encontra um território privilegiado onde poderemos ver esse exercício de uma 
singularização. Que fique claro que venho entendendo “singularidade” aqui não como uma 
singularidade individual, mas singularidade como um modo de ser, de existência e de estilo 
de vida (por isso partilhável na forma de relações sociais, discursivas, físicas etc.). E também, 
não estranhamente, vai ser na relação entre subjetividade, sexo e verdade que Foucault vai 
acabar por centrar a sua atenção. 
 “Precisamos verdadeiramente de um verdadeiro sexo?”, é o que pergunta Foucault 
em um artigo publicado em 1980. Em suas últimas obras, o autor se dedicou a mostrar 
como no Ocidente a “scientia sexualis”, ao contrário de uma “ars erotica” das sociedades 
orientais, prevaleceu enquanto pensamento e discurso (ou dispositivo) predominante. É 
devido a essa maneira, de uma “ciência sexual”, que deu forma a nosso dispositivo da 
sexualidade, que vem sendo feita a relação entre sexo e verdade. Tal dispositivo vem dando 
sentido a uma ideia de que é no sexo que se deveriam procurar as verdades mais secretas e 
profundas do indivíduo, que é nele que se pode melhor descobrir quem ele é, e aquilo que o 
determina, “e se, durante séculos, se acreditou que era preciso esconder as coisas do sexo 
porque eram vergonhosas, sabe-se agora que é o próprio sexo que esconde as partes mais 
secretas do indivíduo: a estrutura de suas fantasias, as raízes do seu eu, as formas de sua 
relação com a realidade. No fundo do sexo, a verdade” (Foucault, 2012, 84). É dessa 
maneira, inclusive, que a psicanálise irá se consolidar como um saber, justamente nessa 
relação entre sexo, verdade e subjetividade. 
 Daí, para Foucault, o interesse nas relações complexas, obscuras e essenciais entre 
sexo e verdade e de como essa relação está longe de ser dissipada. E isso ficaria claro na 
análise das práticas que transgrediriam essas “leis”, e de como continuamos a pensar que 
algumas delas insultam “a verdade” e dá exemplos dessas transgressões como o homem 
“passivo”, a mulher “viril”, pessoas do mesmo sexo que se amam etc. Esses e outros 
exemplos demonstram que estaríamos sempre prontos a acreditar que há nelas algo como 
 
29 
um “erro”. “Um ‘erro’ entendido no sentido mais tradicionalmente filosófico: uma maneira 
de fazer que não é adequada à realidade (...) Despertai, jovens, de vossos gozos ilusórios; 
despojai-vos de vossos disfarces e lembrai-vos de que tendes apenas um verdadeiro sexo!” 
(op. cit, 84). 
 O silêncio ou a “não-enunciação” acaba por ser o elemento integrante essencial a 
respeito dessas práticas “erradas”, “não adequadas”, melhor que se deixe sob o benefício 
da sombra aquilo que se tornaria perigoso à luz do dia, “doces prazeres que a não 
identidade sexual descobre e provoca” (op.cit., 87, grifo meu). Não à toa, por exemplo, a 
maioria das interações nas festas de orgia acompanhadas serem em um ambiente escuro ou 
de penumbra, onde também o silêncio, ou a ausência da fala, predominam. As conversas, os 
discursos sobre a vida cotidiana “lá de fora”, as explicações e interpretações para o 
antropólogo pesquisador são evitadas ali. Nome e sobrenome não interessam nada. Dizer o 
nome estraga o jogo. Falar qualquer coisa fora dos comandos convencionais aniquila o jogo. 
“Erótica do anonimato”. A comunicação ocorre pelos outros sentidos e pelo 
prazer/desprazer que eles causam. 
 A diferenciação apresentada por Foucault entre “scientia sexualis” e “ars erotica” 
explicita isso. O que o autor faz é uma oposição entre as sociedades que tentam sustentar 
um discurso científico sobre a sexualidade, como fazemos na nossa, e sociedades em que o 
discurso sobre a sexualidade, ainda que igualmente abundante, não visa a instituir uma 
ciência. Busca, pelo contrário, definir uma arte, uma arte que visaria produzir, através da 
relação sexual ou com os órgãos sexuais, um tipo de prazer que se procura tornar o mais 
intenso, o mais forte ou o mais duradouro possível. 
No Ocidente não temos a arte erótica. Em outras palavras, não se ensina a fazer 
amor, a obter o prazer, a dar prazer aos outros, a maximizar, a intensificar seu 
próprio prazer pelo prazer dos outros. Nada disso é ensinado no ocidente, e não 
há discurso ou iniciação outra a essa arte erótica senão a clandestina e puramente 
interindividual. Em compensação, temos ou tentamos ter uma ciência sexual – 
scientia sexualis – sobre a sexualidade das pessoas, e não sobre o prazer delas, 
alguma coisa que não seria como fazer para que o prazer seja o mais intenso 
 
30 
possível, mas sim qual é a verdade dessa coisa que, no indivíduo, é seu sexo ou sua 
sexualidade: verdade do sexo, e não intensidade do prazer. (Foucault, 2012, 60)8 
 Caberia a nós, portanto, no que concerne à nossa experiência de sexualidade, 
desprivilegiar a “teoria científica geral do sexo”, pela demonstração de que esta noção do 
sexo é invenção da verdade do poder e que se encontra na dependência histórica da 
sexualidade, maquinaria que constituiu uma própria experiência subjetiva (Paiva, 2000). 
Foucault aponta em sua História da Sexualidade que será preciso inventar uma “outra 
economia dos corpos e dos prazeres” (2009a, 147), promover uma insurreição contra a 
monarquia do sexo: partir dessa experiência majoritária de sexualidade e “atravessá-la para 
ir em direção a outras afirmações” (1990, 234): “(...) trata-se, não digo de ‘redescobrir’, mas 
de fabricar outras formas de prazer, de relações, de coexistência, de laços, de amores, de 
intensidades” (op. cit, 235). Vai ser dessas colocações de Foucault que muito vai se 
alimentar a teoria queer posteriormente. O próprio termo inglês “queer” - que significa algo 
como “estranho”, “esquisito” numa tradução direta - como forma de criar/fazer política. 
Uma política sem sujeito fixo ou definido e contra o Estado. O que esse pensamento põe em 
pauta é compreender as vidas e os modos de existência que elaboramos em nossos 
cotidianos não em termos de identidade, mas de identificações, de pertencimento, ou 
melhor ainda, de estratégias9. 
 Voltemos ao ponto da singularidade como projeto político de resistência. Ou como 
também afirma Deleuze: “Resistir é criar”. Porém, é preciso não colar ou associar a ideia de 
 
8 Ainda que o próprio Foucault tenha, anos depois, relativizado essa divisão justificando que era uma 
generalização necessária para a argumentação que ele propunha (Foucault, 2013), acredito que ela 
ainda possua rendimentos de análise e permanecefazendo sentido no tema que estamos tratando. 
9 Talvez seja melhor “cercar” logo aquilo que estou chamando de teoria queer. Sáez a define como 
um conjunto de trabalhos que começam a aparecer nos anos 1990 influenciados pelas novas 
correntes filosóficas pós-estruturalistas (“que questionam as identidades essencialistas da 
subjetividade e destacam os efeitos produtivos do discurso”) e os desenvolvimentos críticos do 
feminismo sobre as noções de sexo e gênero (2004, 126). Alguns pontos centrais da teoria queer 
são resumidos pelo autor em: “1- Crítica dos dispositivos heterocentrados e do binômio hetero/homo; 
2 - O sexo como produto do dispositivo de gênero; 3 - O gênero como tecnologia. Crítica da 
diferença sexual; 4 - Resistência à normalização. Importância de articular entre si os discursos de 
raça, sexo, cultura, identidade sexual e posição de classe; 5 - Produção contínua de ‘identidades’ 
diferentes. Nomadismo. Anti-assimilacionismo; 6 - Localizar os dispositivos de normalização de sexo 
e gênero que atravessam o tecido social e cultural; 7 - Performatividade de gênero e de sexo. Crítica 
da ideia de “original”. Suplemento e travestismo; 8 - Análise pós-feminista (questionamento da 
identidade da mulher ou da lésbica); 9 - O sexo como prótese. Práticas contrasexuais” (op.cit., 126-
150). Sobre a grande influência do pensamento de Michel Foucault e Judith Butler na teoria queer 
conferir, respectivamente, Spargo (2009) e Salih (2012). Para uma leitura crítica às contribuições 
trazidas pela teoria queer ver Coll-Planas (2012). 
 
31 
resistência aqui com a de liberdade, transgressão ou resistência libertária, já que uma 
resposta ou reação reativa a algo nem sempre necessariamente se está contra e posta 
nesses termos (Lima, 2015, 24). Como as descrições etnográficas dessas festas deixarão 
mais claro, as coisas se dão de forma mais complexa. O movimento de “resistência criativa”, 
como coloca Deleuze, está na própria agência estratégica dos indivíduos em suas 
negociações cotidianas. O que interessa aqui é a produção de um novo jogo, de um novo 
campo de forças (mesmo que ele se restrinja às horas passadas numa festa de orgia); é 
desterritorializar no que se está e criar outro, um outro novo, uma reterritorialização do 
jogo de forças em um novo esquema que é preciso cartografar. “É ingressar em uma 
aventura sem modelo, perigosa, com todos os riscos de desmoronamento possíveis” (idem, 
57). 
 Indo na contra-mão de uma “investigação científica ou administrativa que 
determina quem somos”, a proposta de Foucault é, dessa forma, a de buscar uma ética (ou 
uma micropolítica), “enquanto relação a si, relação à produção de singularidades, muito 
menos afirmadora de princípios, que uma ética do desfazer dos modos estabelecidos de 
nossas subjetividades, uma ética do desprender-se, do despojar-se de si” (Paiva, 2000, 217). 
Uma ética, pois, “sem ideais”: “A ética foucaultiana não vislumbra um ideal, a partir do qual 
se possa pensar um mundo melhor; ele retoma a ideia de uma ética sem ideal, onde as 
pessoas lutam em situações concretas, sem que suas lutas sejam idealistas” (ibidem)10. 
 A ética de que se trata aqui é a de “buscar novas formas de comunidade, 
coexistência e prazer, de reabrir virtualidades afetivas e relacionais”. Ainda que essas 
relações estabeleçam novas configurações de poder. O pensamento de Foucault parece se 
esforçar para esse “direito ao diverso” passando por uma outra política de subjetividade 
orientada pelos riscos da singularização, “por uma vida não-fascista” (op. cit., 217). É 
entender que a sexualidade aqui é vivida e mesmo “teorizada” pelos participantes das 
festas não como uma questão de verdade e identidade, mas sim em outros termos como, 
por exemplo, uma reapropriação da antiga teoria de humores, apetites, pulsões, instinto, 
 
10 Um exemplo sobre a falsa oposição entre luta idealista ou “política” e “festa” é aquela analisada na 
etnografia de França sobre a Parada do Orgulho LGBT (2006). A autora mostra como as críticas de 
que um movimento que se pretendia político se diluiu em um “carnaval” seriam infundadas, já que o 
que se coloca em pauta ali, principalmente, é a visibilização de modos de existência e isso já é uma 
forma estratégica de se fazer política. 
 
32 
química ou apenas a orgia como questão de esporte; entender e deixar passar, afinal, qual é 
a “teoria nativa”. Não é ignorar, por exemplo, numa das falas ouvidas de que “é no sexo que 
se conhece alguém, na intimidade do penetrar e no se deixar penetrar”. Ao invés de tratar 
isso como um senso comum sobre o sexo e como dentro de um paradigma moral onde 
“sexo é verdade” ou ainda como uma ideia de interioridade e intimidade, ver que as 
pessoas estão me chamando a atenção para suas construções próprias de sexualidade, que 
fogem e que reterritorializam os discursos de controle em outros termos. 
 Portanto, as questões que vêm me norteando do que foi apontado até aqui são: 
Quais as indicações para uma “política de singularidade” (no sentido indicado por Deleuze e 
Guattari) que nos permita aquele exercício apontado por Foucault de nos deslocarmos de 
nossas experiências e de nossos vínculos? Como criar espaço, no pensamento e nas 
experiências, para o exercício de singularidades, para a experiência do diverso? Em que 
medida esta produção de subjetividades modelizadas pode ser alterada por processos 
singularizantes? E o que acontece quando nem sempre se deseja essa “revolução do 
singular” enquanto resistência e reação, mas sim a reafirmação da norma, do poder e dos 
modelos de dominação? O que acontece quando é justamente essa subjetividade 
modelizada (ainda que colocada em outros termos) que atrai, que excita, que dá tesão? 
Como se dá a tensão entre esses movimentos? Acredito que as festas de orgia sejam um 
bom campo para pensar essas questões. 
 
As questões e “os princípios” 
 A pergunta “mas qual é a sua questão nas festas de orgia?” foi uma das que me 
perseguiram durante a pesquisa. Era acionada toda vez que apresentava meu local de 
trabalho de campo e era principalmente feita pelos pares acadêmicos. “Ter uma questão” 
para se começar a etnografia ou como guia para se ter durante a pesquisa é sempre 
ensinado como prerrogativa metodológica, como algo necessário em nossos trabalhos. Do 
contrário, corre-se o risco de um trabalho de pesquisa vazio, desacreditado, em que o não 
comprometimento com as regras do método científico questiona a própria integridade não 
só da pesquisa como do pesquisador. Não é necessário dizer que essa “desconfiança” ou 
 
33 
mesmo descrédito alcança níveis maiores quando estamos falando de uma etnografia de 
práticas sexuais. 
 Digo que isso foi um problema para mim, porque durante boa parte do trabalho de 
campo não tinha como dar uma resposta exata a essa questão por não ter previamente 
qualquer projeto de pesquisa em mente e não saber ao certo em que resultaria esta 
experiência. Quando decidi me aprofundar no estudo das práticas sexuais, procurei visitar e 
interagir em vários espaços e eventos onde diversas formas dessas práticas podem ser 
encontradas. Há um “circuito do sexo” que perpassa a cidade, nem sempre estabelecido por 
uma rede de mercado e comercialização, e que se diversifica a depender dos estilos e 
daquilo que se deseja: sexo anônimo em lugares públicos, cinemas pornôs, cabines eróticas, 
saunas (de prostituição ou de pegação), estacionamentos, parques, banheiros, clubes, 
praias, ruas, enfim a lista é grande. Como até então só conhecia os espaços voltados para a 
prostituição masculina, quis dar preferência às práticas sexuais que não se estabelecessem a 
partir de uma troca monetária. 
 No campo anterior (da prostituição) realizado durante o mestrado, percebia-se a 
estrutura de um mercado, de um negócio, que condicionava os encontros e as interações. 
Havia uma série de desejos quecorrespondia a uma série monetária (não necessariamente 
dinheiro). Aqui não há esse elemento “sustentador” estruturante. Por mais que se 
objetifiquem os corpos (ou partes deles), não há necessária correlação com troca 
monetária, nem cabe nesses espaços essa prática. As trocas aqui se dão em outros termos. 
Há o “ter disposição” e o “se jogar” por sua própria vontade. 
As festas de orgia me chamaram a atenção por diversos motivos. Logo de início 
fiquei muito surpreso pela quantidade de homens que se reuniam nesses espaços para se 
engajar em uma forma de sexo totalmente avessa aos modelos tidos como padrões e onde 
o que importava era aquele encontro e a mistura de corpos anônimos e desconhecidos, o 
puro prazer que o corpo do(s) Outro(s) pode proporcionar ou não. Onde a palavra falada 
quase desaparece, a linguagem toma outros meios como os toques e os gestos, onde a visão 
pode ser desprivilegiada pelo tato, e o cheiro e a audição tornam-se mais sensíveis e são 
estimulados pela multidão de corpos misturados no sexo coletivo. Foi grande a surpresa e 
também a sedução (por que não?) da riqueza do material de campo que tinha para explorar. 
Entretanto, comecei a frequentar as festas de orgia sem ainda ter muita clareza sobre como 
 
34 
dali conseguiria “tirar” uma tese antropológica. O que quero dizer é que decidi ir a campo 
sem questões. 
Ir sem questões não quer dizer ir a campo “sem conhecimento” ou não ter uma 
leitura teórica sobre as práticas, mas sim estar aberto ao encontro do pensamento, e nesse 
caso do corpo mesmo do Outro. Este foi o “exercício etnográfico” que me propus aqui. 
Através de um intensivo trabalho de campo entender quais são as questões que importam 
nesse contexto e as que, por consequência, geram mais conflitos. O esforço inicial não era 
em pensar sobre o sexo e as práticas que aconteciam ali imediatamente, mas sim pensar 
através delas (Holbraad, 2007). A questão era então como e o que pensar através do sexo 
orgiástico que acontecia nesses espaços? 
Procurar saber afinal, o que é importante para esses homens que se reúnem nesses 
eventos e como se dão esses encontros e, aí sim, do que deles podemos pensar sobre as 
práticas sexuais e outros elementos. O esforço não é novo, já Evans-Pritchard dizia que ao 
começar seu estudo sobre o povo Zande se deparou com a necessidade de falar sobre coisas 
que não tinha pensado ou escolhido (ou nas quais nem mesmo acreditava), como a 
bruxaria, por exemplo, já que eram essas as questões colocadas como problemas pelos 
Azande (2005). Nem sempre essas recomendações básicas são levadas a sério, em 
preferência por uma abordagem de explicação da sociedade e dos fatos sociais como uma 
forma de engenharia, um domínio particular e primeiro da realidade. 
(...)a ‘sociedade’, longe de ser o contexto ‘no qual’ tudo se enquadra, 
deveria antes ser concebida como um entre muitos conectores que circulam 
pelo interior de estreitas condutas [tiny conduits]. Esta segunda escola de 
pensamento poderia adoptar como slogan, com alguma provocação, a 
famosa exclamação da Senhora Thatcher (mas por razões diferentes!): “A 
sociedade não existe”. (Latour, 2006, 5) 
A proposição central de Latour é o abandono da sociologia como ciência da 
sociedade e a adoção de uma ‘ciência das associações’. Argumenta o autor que a tarefa da 
sociologia é traçar as “associações”, “reassociações” e “reconfigurações’” entre “agentes 
humanos e não humanos” que compõem o mundo. Autores mais contemporâneos vêm 
retomando a importância de pensar o social não como um enquadramento externo, mas 
sim colocando o nosso olhar naquilo que é “de fato” do social, ou seja, no que se passa nas 
 
35 
relações entre os seres (Latour, 2006; Callon e Law, 1997; Strathern et.al, 1996; Ingold, 
2011). A tarefa aí, portanto, é seguir os agentes, mapear as relações, perceber as 
controvérsias e analisar o campo a partir daquilo que de fato importa naquele contexto. 
“Não é metodologia, mas sim guia de viagem”(Latour 2006,16) 
A tarefa já não é a de impor uma ordem, de limitar o leque de entidades 
aceitáveis, de ensinar aos actores o que eles são, ou de acrescentar alguma 
reflexividade à sua prática inconsciente. Para retomar um slogan da Teoria 
do actor-rede, é preciso ‘seguir os próprios actores’, quer dizer, tentar lidar 
com as suas inovações muitas vezes indomáveis, de modo a aprender com 
eles o que a existência colectiva se tornou nas suas mãos, que métodos é 
que elaboraram para a ajustar, e quais são os relatos que melhor definem as 
novas associações que foram obrigados a estabelecer. (Latour 2006, 11) 
Essa foi a maneira que adotei para encontrar as tais “questões”. Desde o início do 
trabalho de campo procurei perceber em torno de quais elementos se centralizava aquilo 
que os participantes da festa tinham como importante para a prática do sexo coletivo 
nesses espaços. Foi assim que cheguei no que estou chamando de “princípios” dessas 
festas. Os princípios funcionam como pontos nodais aqui, eles dão diretrizes não só de 
performance, mas da própria ética local, balizando as relações entre os participantes. São 
eles que potencializam as interações sexuais, que são fontes de conflitos, que dão conteúdo 
e expressão a essas festas e que, ao mesmo tempo, podem se apresentar tanto como 
norma quanto como possibilidade de linhas de fuga a elas. São três: o princípio da 
masculinidade, o da discrição e o da putaria. 
Nesse contexto, portanto, são produzidas algumas formas de subjetividade 
específicas: o macho, o discreto e o puto. Lembrando que elas não são tratadas como algo 
que se encontraria em separado, mas sim são buscadas em conjunto, como fluxos que 
funcionam agenciados para uma mesma figura de indivíduo desejado. Portanto, nas festas 
de orgia, o macho, o discreto e o puto não são só subjetividades, são também dentre outras 
coisas, roteiros de desejo, formas de relação, maneiras de se portar, éticas locais etc. 
Percebi que era dos princípios que a minha descrição tinha que partir para o 
entendimento desses eventos, já que esses eram os conceitos “nativos” elaborados ali. É 
preciso ter em mente o aviso de Viveiros de Castro: 
 
36 
Agora não se trataria mais, ou apenas, da descrição antropológica do kula 
(enquanto forma melanésia de socialidade), mas do kula enquanto 
descrição melanésia (da “socialidade” como forma antropológica), (...) 
constituindo ela própria um dispositivo de compreensão. (...) É preciso 
transformar as concepções em conceitos, extraí-los delas e devolvê-los a 
elas. Os conceitos nativos são os conceitos do antropólogo. (Viveiros de 
Castro, 2015, 225) 
 
Algumas observações sobre o método 
O desenvolvimento desse trabalho deu-se do acompanhamento durante dois anos e 
meio (do início de 2013 à metade de 2015) de quatro dessas festas de orgia que acontecem 
periodicamente no Rio. Elas acontecem em torno de uma ou duas vezes ao mês em 
diferentes locais da cidade: Praça XV, Praça Tiradentes, Lapa, Botafogo, Campo Grande, 
Barra, seja em clubes, saunas, apartamentos comerciais, ou mesmo em um sítio ou em um 
barco (a chamada “Orgia em Alto Mar”). Dessas quatro festas, duas fazem o que eles 
chamam de processo seletivo, isto é, há uma escolha ou avaliação do público que pode 
entrar no evento (a festa “Clube Meetings” e a festa “Black Hall”). E as outras duas são 
abertas a quem quiser ir, desde que corresponda à exigência de ser homem e a um perfil 
que corresponda aos três princípios, é claro (a “Festa do Apê” e a “Festa do Vale Tudo”). O 
número de participantes varia muito, mas fica em torno de 150 a 200 homens naqueles 
eventos que não exigem seleção e no máximo 50 naqueles onde há o processo seletivo. 
A flutuação e o fluxo de pessoas nesses eventos são muito grandes. Isso fez com que 
essa pesquisa não contasse com “interlocutores privilegiados”, muito menos o estudo de 
um grupo fixo de participantes dessas

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