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Bens comuns e particulares e uso do sobrenome após divórcio

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Direito Civil – Regime de bens 
2020 
Universidade São Judas Tadeu 
Náryma Sanchez de Almeida 
 
 
 
Questão: 
 
Ciclene Solange, brasileira de 65 anos, casada com Adalberto 
Fernandes, há dez (10) anos pelo regime da comunhão parcial de 
bens, recebeu a herança de sua mãe, Josefina Cristiane, em 10 de 
novembro de 2005. Entre 
 os bens da herança, ela recebeu joias pessoais e de família no valor 
estimado de R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais), joias valiosas não 
só pelo preço, mas pelo valor sentimental que carregavam, uma vez 
que passavam de geração a geração há 100 anos. Os bens foram 
armazenados em um cofre do Banco Itamambu, que a Sra. Ciclene 
mantinha há 5 anos, demonstrando ser uma cliente fiel. 
Ocorre que na madrugada do dia 28 de dezembro de 2019, doze 
assaltantes armados,passando-se por funcionários da manutenção 
do prédio, invadiram agência bancária localizada na Avenida 
Paulista, em São Paulo e, após renderem um vigilante, arrombaram 
- em ação quedurou aproximadamente 12 (doze) horas - 138 (cento 
e trinta e oito) cofres que eram locados por 120 (cento e vinte) 
clientes do banco réu. Um desses cofres, o de no 45, seria aquele 
locado pela Sra. Ciclene. 
 Quando a Sra. Cliclene soube da notícia, buscou o banco 
imediatamente. Ao ter contato com contrato firmado, percebeu que 
em letras miúdas, continha cláusula limitativa de uso específica, por 
meio da qual ela se comprometia a utilizar o cofre locado apenas para 
a guarda de bens cujo valor total não superasse a soma de R$ 
20.000,00 (vinte mil reais) e que o 
 
 prazo para modificação contratual seria de 6 meses após a 
assinatura do contrato. 
O gerente do Banco entregou à Sra. Ciclene um cheque no valor de 
R$20.000,00, como forma de reparação aos danos materiais 
sofridos. 
Ciclene Solange, após ter recebido o valor mencionado, descobriu 
que Adalberto a traia há três (3) anos com sua melhor amiga. A partir 
daí a vida em comum com seu marido tornou-se insuportável. Ciclene 
Solange 
 procura um advogado, pois quer divorciar-se dele. Saliente-se que o 
casal tem duas filhas, uma de sete (7) outra de cinco (5) anos e, ainda 
durante o casamento foi adquirido um imóvel na rua Áustria, 23, no 
valor de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões) atuais, mas apenas em 
nome de Adalberto. 
O advogado de Ciclene Solange, Dr. Fausto, sugere a ela que 
converse com Adalberto, a fim de tentar um divórcio amigável. 
Adalberto concorda em conversar, no entanto, quer receber a metade 
do que Ciclene Solange recebeu do banco, alegando que teria direito 
a esse montante, por ter sido o único provedor da família durante os 
últimos cinco anos, isto é, desde que a filha menor nasceu. Ademais, 
ele quer a guarda compartilhada das filhas, alegando que, assim, não 
terá de pagar alimentos a elas. 
Diante desse fato, pergunta-se: 
 
1- O imóvel adquirido por Adalberto durante o casamento é b em 
comum ou particular dele? 
2- Ciclene Solange quer manter o nome de casada e Adalberto quer 
que ela volte a utilizar o nome de solteira. Ela tem direito a manter o 
nome de casada ou Adalberto pode exigir a mudança? 
3- Está correto o entendimento de Adalberto quanto a não ter o dever 
de 
 
 
Respostas: 
 
 
Questão 1 
 
 
 Cabe iniciar-se dizendo que o casamento, além de efeitos 
pessoais, traz aos cônjuges, efeitos de caráter patrimonial; ao casar, 
esses escolhem o regime de bens que melhor preferirem (exceto nos 
casos de imposição legal, que o regime tenha de ser o da separação 
obrigatória de bens, hipóteses constantes no artigo 1641, CC.), como 
enfatiza o autor Carlos Roberto Gonçalves, na página 178 de sua 
obra “Direito Civil Brasileiro - Volume 6 - Direito de Família”: 
 “O casamento irradia, os seus múltiplos efeitos e consequências no 
ambiente social e especialmente nas relações pessoais e 
econômicas dos cônjuges, e entre esses e seus filhos, como atos de 
direito de família puros, gerando direitos e deveres que são 
disciplinados por normas jurídicas. Pode-se, em consequência, 
afirmar que as relações que se desenvolvem como corolário de 
constituição da família pertencem a três categorias: as da primeira 
tem cunho social; as da segunda tem caráter puramente pessoal; e 
as da terceira são fundamentalmente patrimoniais, abrangendo, 
principalmente, o regime de bens” 
No presente caso, Adalberto e Ciclene Solange, optaram pelo 
regime de comunhão parcial de bens, previsto no artigo 1.658 do 
Código Civil “No regime de comunhão de bens, comunicam-se os 
bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com 
as exceções dos artigos seguintes”. 
 A Jurisprudência Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO 
ESPECIAL: REsp 1318599 SP 2011/0158378-0 - Inteiro Teor, da 
qual foi Relatora a Min. Nancy Andrighi, traz importante pontuação 
ao tema abordado: “ O estudo das relações patrimoniais decorrentes 
do casamento é calcado, primordialmente, no sistema dos regimes 
matrimonias de bens, que traz, hoje, como forma prevalente, o 
regime da comunhão parcial de bens, sempre imputado à relação 
conjugal na ausência de prévia manifestação expressa pela adoção 
de um dos outros regimes possíveis. 
 Esse regime tem por testa, ou força nuclear, a ideia de que há 
compartilhamento dos esforços do casal, na construção do 
patrimônio comum, mesmo quando a aquisição do patrimônio 
decorra diretamente de labor de apenas um dos consortes, pois se 
presume, que aquele que não contribuiu diretamente, de forma 
consensual, atuou de outras formas em prol do interesse do casal, 
gerando, de forma indireta, rendimentos para a família, como ocorre 
nas atividades domésticas encampadas por um dos cônjuges. 
 Vem daí a premissa de que o fruto amealhado desse trabalho 
deve ser integralmente partilhado, pois, a partir de acordo mútuo, 
focaram o casal esforços conjugados no crescimento patrimonial, até 
mesmo porque, o insucesso liga os consortes ao infortúnio financeiro, 
pois, de regra, são solidariamente responsáveis pelas obrigações 
contraídas por um deles.” 
 Com base no artigo 1.660 do Código Civil, entram na comunhão: 
I- os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, 
ainda que só em nome de um dos cônjuges 
II- os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de 
trabalho ou despesa anterior 
III- os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de 
ambos cônjuges 
IV- as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge 
V- os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, 
percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de 
cessar a comunhão. 
 Dados os fatos e fundamentos, conclui-se que imóvel comprado 
por Adalberto, mesmo tendo sido adquirido apenas no nome dele, é 
considerado bem comum do casal, assegurado pelo artigo 1660, I, 
do Código Civil. 
 
 
 
Questão 2 
 
 
 Ciclene Solange poderá conservar o seu nome de casada, por ser 
um direito incorporado à personalidade dela, como prevê o artigo 16 
do Código Civil “Toda pessoa tem direito ao nome, nele 
compreendido o prenome e o sobrenome”. 
 Além do mais, o divórcio em si, não acarreta a perda do nome de 
casada, com base em previsão legal contida no Código Civil, artigo 
1.571, §2º “Dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por 
conversão, o cônjuge poderá manter o nome de casado, salvo no 
segundo caso, dispondo em contrário a sentença de separação 
judicial”; ressalta Carlos Roberto Gonçalves, em sua obra “Direito 
Civil Brasileiro - Vol.6, Direito de família” (p.263): 
 
 “Na separação consensual, o cônjuge decide livremente a respeito 
do uso do sobrenome do outro. A omissão no acordo sobre essa 
questão, não deve ser interpretada como renúncia, pois tem ele o 
direito de continuar a usar o sobrenome do ex-consorte” 
 
 O divórcio de Ciclene Solange e Adalberto, consiste no 
denominado divórcio direito e acerca do assunto, discorre o já citado 
autor, Carlos Roberto Gonçalves, na mesma obra mencionada 
(p.274): 
 
 “Nessas questões não se discutirá a causaou a culpa pelo fim do 
casamento. Não se poderá decretar a perda do direito do uso do 
sobrenome do outro consorte, com base no reconhecimento de 
culpa” 
 
 Antigamente, para a retirada ou conservação do nome de casado, 
apurava-se a culpa, fazendo utilização do artigo 1.578, CC “O 
cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o 
direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente 
requerido pelo cônjuge inocente”. Em 2010, foi aprovada uma 
Emenda Constitucional que modificou o §6º do art. 226 da 
Constituição Federal, que previa a dissolução do casamento pelo 
divórcio, mas exigia a separação judicial prévia, com a decorrência 
do prazo de um ano, ou uma separação de fato de dois anos, 
deixando isso de ser exigido e portanto, o casamento civil passou a 
ser dissolvido diretamente pelo divórcio (EC 66/2010), como 
salientado na obra “Direito Civil Brasileiro - Vol.6, Direito de família” 
de Carlos Roberto Gonçalves: 
“Com a aprovação da Emenda Constitucional n.66/2010, não poderá 
haver nenhuma repercussão de eventual culpa na manutenção ou 
perda do direito de usar o sobrenome de casado após o divórcio. O 
artigo 1.578 deve ser tido como revogado, por incompatibilidade 
com a nova ordem constitucional estabelecida pela “PEC do 
Divórcio. Desse modo, a utilização do sobrenome de casado, após 
o divórcio, pelo cônjuge, culpado ou não pelo rompimento do 
casamento, constitui uma faculdade deste, pois está incorporado à 
sua personalidade” 
 
 A jurisprudência do Tribunal de Justiça do estado da Bahia TJ-BA 
- Apelação- APL 05288604820148050001 - Inteiro teor traz 
concordância com os fundamentos apresentados, na decisão 
relatada pelo Desembargador José Olegário Monções Caldas: 
 “PLEITO DE EXCLUSÃO DO NOME DE CASADA DA EX-
CÔNJUGE. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO PERSONALÍSSIMO. 
OPÇÃO DO CÔNJUGE QUE ADOTOU O NOME. APLICAÇÃO DO 
PARÁGRAFO 2º DO ART. 1.578 DO CC DE 2002. considerando que 
o nome é direito personalíssimo e fundamental, considerando que, 
após a Emenda 66/2010, deixou de existir separação judicial e 
cônjuge culpado e que o parágrafo 2º do art. 1578 do CC defende 
ser, a manutenção do nome, opção do cônjuge, mantenho a 
sentença, no ponto, determinando a preservação do nome de 
casada, como definido na decisão singular. Sentença mantida, no 
ponto.” 
 
 Dados os fundamentos, conclui-se que Adalberto não pode impor 
que Ciclene Solange retorne ao seu nome de solteira, porque é uma 
faculdade ela tem de conservar ou retirar o sobrenome do ex marido, 
do seu; podendo assim, continuar com o nome de casada. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Bibliografia: 
 
 
Código Civil e seus artigos: 16,1566, I; 1571, 1572, caput; 1573, I; 
1578, §1º e 2º; 1658 e 1660,I. 
Código Civil e seus artigos: 16,1566, I; 1571, § 2º, 1572, caput; 
1573, I; 1578, §1º e 2º; 1658 e 1660,I. 
 
Doutrina “Direito Civil Brasileiro – Direito de Família” volume 6, 
Editora Saraiva Jur. 2019 
 
Emenda Constitucional 66/2010 (CF, art 226, §6º)

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