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Infiltração 6-1 Manual de Hidrologia 6 INFILTRAÇÃO 6.1 O PROCESSO FÍSICO DA INFILTRAÇÃO Define-se infiltração como sendo o movimento de água para dentro do solo por efeito da gravidade e da acção capilar. O movimento de água já no interior do solo designa-se por percolação. Quando ocorre uma chuvada, parte ou totalidade da água penetra no solo. A equação do balanço hídrico na superfície do terreno é: P - I - Q = ∆S em que ∆S é a variação do armazenamento à superfície do terreno. A equação pode ser escrita como: Q = P - I - ∆S, o que significa que apenas ocorre escoamento superficial quando P > I + ∆S, ou seja, quando a precipitação excede a infiltração e se encheram as depressões superficiais. Como a capacidade de armazenamento à superfície do terreno é normalmente bastante pequena, pode-se aceitar que ocorre escoamento superficial quando a precipitação excede a infiltração. Define-se capacidade de infiltração como sendo a máxima intensidade de precipitação que o solo pode absorver sem que se inicie o escoamento superficial. Exprime-se em mm/h. A capacidade de infiltração dum solo varia com o tempo, decrescendo durante a chuvada. A água que atinge o solo penetra nele através do poros devido à acção da gravidade. A entrada da água faz-se mais facilmente pelos poros de maiores dimensões onde a resistência ao escoamento é mais pequena. Por outro lado as forças de capilaridade provocam o movimento da água verticalmente, para baixo ou para cima, ou horizontalmente sendo a sua acção tanto mais importante quanto menor for o diâmetro dos poros. Assim, a acção da capilaridade permite retirar água dos poros maiores para os mais pequenos. A infiltração envolve, portanto, três processos interdependentes: entrada da água no solo, armazenamento no solo e percolação. Note-se que, como o movimento da água no interior do solo (percolação) é bastante lento, a capacidade de infiltração fica bastante reduzida quando o solo se aproxima da saturação na camada logo abaixo da superfície. Figura 6.1 – O processo de infiltração Infiltração 6-2 Manual de Hidrologia 6.2 FACTORES QUE INFLUENCIAM A CAPACIDADE DE INFILTRAÇÃO A capacidade de infiltração tem normalmente um valor alto no início da chuvada e decresce substancialmente à medida que a precipitação vai ocorrendo em virtude da progressiva saturação do solo. Se a chuvada for prolongada, a capacidade de infiltração tende para um valor constante que corresponde à velocidade de percolação da água no solo, valor esse bastante baixo. A figura 6.2 representa a evolução da infiltração e do escoamento superficial durante uma chuvada longa de intensidade constante. Figura 6.2 – Evolução da infiltração durante uma chuvada Há uma série de factores que influenciam a capacidade de infiltração dum solo ao longo duma chuvada. Os princípios são os seguintes: a) textura do solo – se um solo tem uma textura grosseira, como os solos arenosos, os poros são grandes pelo que a entrada da água no solo é fácil e a velocidade de percolação é grande, significando uma elevada capacidade de infiltração. Pelo contrário, num solo de textura fina, como uma argila, os poros são muito pequenos e dificultam a entrada da água e o movimento da água no interior do solo. O quadro 6.1 apresenta valores mínimos (constantes) da capacidade de infiltração, f, para vários tipos de solos e após longos períodos de humedecimento (solos cultivados), cf. Ven Te Chow (1964); Infiltração 6-3 Manual de Hidrologia Quadro 6.1 Capacidade de infiltração para vários tipos de solos (cultivados) Grupo de solos Características do solo fmin (mm/h) A B C D Areias profundas, loesses profundos, solos agregados com matéria orgânica Loesses pouco profundos e solos franco-arenosos Solos francos-argilosos, franco-arenosos pouco profundos, solos com baixo teor em matéria orgânica, solos com elevado teor de argila Solos com grande percentagem de matérias expansíveis, argilas plásticas pesadas, alguns solos salinos 8-12 4-8 1-4 0-1 b) duração da chuvada - se uma chuvada durar bastante tempo, a capacidade de infiltração vai- se reduzindo devido à progressiva saturação da camada superficial do solo; c) retenção superficial - a retenção da água em pequenas depressões à superfície do terreno retarda o início do escoamento superficial e, deste forma, aumenta a infiltração (embora não influencie directamente a capacidade de infiltração); d) humidade do solo no início da chuva - quanto mais húmido está o solo no início da chuvada menor é a capacidade de infiltração e a infiltração. Se o solo estiver muito seco, não só o efeito do armazenamento da água na camada superficial do solo é mais importante mas também o humedecimento inicial provoca um forte efeito de capilaridade que reforça a acção da gravidade para facilitar a infiltração; e) compactação devido à chuva - o impacto das gotas de água em solos de textura fina destrói os agregados estruturais de partículas e origina uma crosta superficial em que as partículas finas preenchem os poros maiores, reduzindo substancialmente a capacidade de infiltração; f) compactação devido ao tráfego - o tráfego pode ser de veículos, homens ou animais (como em estradas de terra, campos de jogos, pastos muito utilizados). A consequência é uma grande redução da capacidade de infiltração; g) cobertura vegetal - tem um efeito importante no aumento da infiltração. Primeiro, porque amortece o impacto das gotas de chuva; segundo, porque favorece a actividade de escavação do solo pelos insectos que se movem ao longo das raízes das plantas; terceiro, porque retarda o início do escoamento superficial, funcionando como uma retenção. Nem todos os tipos de cobertura vegetal são igualmente eficientes: a substituição de áreas de floresta por áreas de culturas normalmente reduz bastante a capacidade de infiltração; Infiltração 6-4 Manual de Hidrologia h) urbanização - introduz largas zonas impermeáveis (estradas de asfalto, passeios de cimento, coberturas de edifícios), onde a capacidade de infiltração é nula. A mesma precipitação origina maior volume de escoamento superficial (menor infiltração) e maior caudal de pico (porque o escoamento encontra menor resistência e converge mais depressa na secção de saída) como se ilustra na figura 6.3. Figura 6.3 – Impacto da urbanização na infiltração e no escoamento superficial 6.3 MEDIÇÃO DA CAPACIDADE DE INFILTRAÇÃO A capacidade de infiltração pode ser medida com infiltrómetros que são tubos abertos nas extremidades, com 10 a 30 cm de diâmetro, que se enterram entre 5 e 50 cm no solo. Coloca-se água no tubo com uma altura de 1 a 2 cm que se mantêm a nível constante, através da ligação a um reservatório graduado. A água necessária para manter o nível constante define a capacidade de infiltração. Os valores obtidos são pouco rigoroso sendo 2 a 10 vezes superiores aos que se verificam durante uma precipitação nas mesmas condições do solo. No caso de pequenas bacias hidrográficas, pode-se estimar a capacidade de infiltração durante uma chuvada medindo a precipitação (ponderada) sobre a bacia e medindo o caudal correspondente. O volume de precipitação não escoado corresponde à infiltração. A capacidade de infiltração (média) durante a chuvadaserá o volume de infiltração dividido pela área da bacia e pela duração da chuvada. Infiltração 6-5 Manual de Hidrologia 6.4 CÁLCULO DA INFILTRAÇÃO Diversas fórmulas têm sido propostas para a determinação da infiltração, como as fórmulas de Horton e Philip. 6.4.1 Fórmula de Horton A fórmula de Horton descreve o decréscimo da capacidade de infiltração com o tempo pela expressão: f = fc + (f0-fc)e-kt, em que f0 = valor inicial da capacidade de infiltração, para t=0; fc = valor mínimo da capacidade de infiltração; k = constante característica do solo; t = tempo desde o início da chuvada. Embora simples, a fórmula de Horton não é de fácil aplicação devido à dificuldade de se conhecerem os valores de f0 e k. O quadro 6.2 apresenta alguns valores da capacidade de infiltração ao fim de 1 hora de chuva. Quadro 6.2 Valores da capacidade de infiltração. Características do solo Infiltração f1 (mm/h) Solos arenosos Solos francos e siltosos Solos argilosos e franco-argilosos Elevada Média Baixa 12.5 - 25.0 2.5 - 12.5 0.25 - 2.5 O volume infiltrado desde o início da chuvada obtem-se por integração: 1)-e(k f-f - tf = fdt = F kt-c0c t 0 ∫ 6.4.2 Fórmula de Philip A fórmula de Philip escreve-se como: A + tS2 1 = f 2 1- A fórmula parece ajustar-se melhor às observações do que a fórmula de Horton, sem no entanto resolver a dificuldade principal que é a determinação dos parâmetros que nelas intervêm. Infiltração 6-6 Manual de Hidrologia Quer a fórmula de Horton quer a de Philip são válidas apenas enquanto a intensidade de precipitação excede a capacidade de infiltração. Quando isso não acontece, a capacidade de infiltração deixa de decrescer e aumenta novamente porque a percolação da água no solo faz com que este deixe de estar saturado. 6.5 CÁLCULO DA PRECIPITAÇÃO ÚTIL PELO MÉTODO DO ÍNDICE Φ Designa-se por precipitação útil aquela parcela da precipitação que origina escoamento superficial sendo a parte restante da precipitação aquela que se infiltra. Um método pouco rigoroso mas prático e por isso muitas vezes utilizado é o do índice-φ. Este método assume que a infiltração se processa a uma taxa constante durante toda a chuvada, hipótese que se torna mais válida para chuvadas longas ou chuvadas em que o solo já se encontre muito húmido. Para se determinar o índice-φ para uma dada chuvada, determina-se a altura total de infiltração (por diferença entre a altura total de precipitação e a altura correspondente ao volume total escoado). Em seguido divide-se o diagrama da intensidade da precipitação (hietograma) em duas partes (por uma linha horizontal), de tal maneira que a parte do hietograma acima da linha corresponde à altura do escoamento superficial e a parte abaixo da linha corresponde à altura total da infiltração (ver a figura 6.4). A linha horizontal representa uma intensidade φ, que é, portanto, a intensidade média (constante) de infiltração. Figura 6.4 – Determinação do índ Calculando o índice-φ para várias chuvadas, pode-se obter um valor médio. Esse valor médio pode ser usado para o problema inverso: dada uma precipitação, saber qual a precipitação útil. Para tal, basta subtrair ao hietograma o valor constante do índice-φ. 6.6 PERCOLAÇÃO E DRENAGEM A partir da água infiltrada, a humidade no solo vai aumentando. À medida que o solo se torna mais húmido, aumenta a sua capacidade para propagar a humidade até que consegue propagá-la à mesma velocidade com que ela entra no solo. Quando se atinge esta situação, o teor de humidade da camada superficial mantem-se constante e esse teor vai-se propagando para baixo, pondo sucessivas camadas com um teor de humidade tal que a condutividade hidráulica (será definida mais tarde) iguala a capacidade de infiltração. Podem ser consideradas as seguintes zonas (ver a figura 6.5): Figura 6.4 – Determinação do índice-φ Infiltração 6-7 Manual de Hidrologia - zona de saturação, à superfície, com solo saturado. A espessura desta zona é pequena (≈ 1 cm); - zona de transição, com grande variação do teor de humidade. A espessura desta zona é pequena (≈ 5 cm); - zona de transmissão, não saturada, em crescimento constante. O teor de humidade varia pouco; - zona de humedecimento. O teor da humidade aumenta com o avanço da infiltração. Essa zona é separada do solo seco pela frente de humedecimento. Figura 6.5 – Propagação da humidade no solo Quando a infiltração cessa, o solo começa a drenar e reduz a velocidade de percolação que tende para zero à medida que o teor de humidade se aproxima da capacidade de campo. Nas camadas em que se atingiu a capacidade de campo, cessa o escoamento de água para baixo. A água que entretanto percolou e drenou vai atingir uma zona inferior saturada, que constitui uma reserva de água subterrânea ou aquífero. Esta quantidade de água percolada representa a recarga do aquífero. A figura 6.6, retirada de Dunne e Leopold (1978), mostra a evolução do teor de humidade do solo a partir do momento de cessação da chuva e consequentemente da infiltração. Figura 6.6 Evolução do teor de humidade após a cessação da chuva. Infiltração 6-8 Manual de Hidrologia A medição do teor de humidade dum solo pode fazer-se por diversos processos: por secagem: recolhem-se várias amostras de solo; cada amostra é pesada, secada e novamente pesada; a diferença de pesos corresponde ao volume de água contida no solo; através duma sonda de neutrões: a sonda emite neutrões rápidos; parte deles colide com os átomos de hidrogénio de água e são retardados; um aparelho mede a percentagem de neutrões lentos que será tanto maior quanto maior a humidade do solo; através do tensiómetro: o tensiómetro é um bolbo de porcelana porosa, cheio de água, ligado a um manómetro; colocando o bolbo em contacto com o solo não saturado, a água passa do bolbo para o solo, reduzindo a pressão medida no manómetro. Pode-se estimar a capacidade de absorção do solo para uma dada chuvada. Conhecendo o teor de humidade do solo ou admitindo que este está à capacidade de campo, o volume de poros vazios por unidade de área (expresso em altura) é igual ao produto da profundidade do solo não saturado pela diferença entre a porosidade e a capacidade de campo. Este volume representa a capacidade de absorção do solo. O mesmo princípio pode ser aplicado para o estudo da absorção pelo solo de efluentes de fossas sépticas. Infiltração 6-9 Manual de Hidrologia Exercício Numa área de 250 hectares foram registadas 3 chuvadas (as alturas foram medidas em mm). Hora 1 2 3 4 5 6 7 8 9 Chuvada 1 2 6 7 10 5 4 4 2 0 Chuvada 2 4 9 15 12 5 0 0 0 0 Chuvada 3 3 8 11 4 12 3 0 0 0 O volume total do escoamento superficial resultante destas chuvadas foi respectivamente de 35,000; 57,500; e 46,250 m3. Calcule o valor médio do índice φ.
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