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Educação na Cidade: Conceitos, Reflexões e Diálogos Organizadores: Dilza Côco Nelson Martinelli Filho Priscila de Souza Chisté Sandra Soares Della Fonte ACADÊMICO Educação na cidade: conceitos, reflexões e diálogos Organizadores: Dilza Côco Nelson Martinelli Filho Priscila de Souza Chisté Sandra Soares Della Fonte Educação na cidade: conceitos, reflexões e diálogos Vitória, 2018 © 2018 Programa de Pós-Graduação em Ensino de Humanidades – PPGEH Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução parcial desta obra, desde que citada a fonte. O conteúdo dos textos é de inteira responsabilidade dos autores Biblioteca Nilo Peçanha do Instituto Federal do Espírito Santo Educação na cidade : conceitos, reflexões e diálogos / organizadores Dilza Côco… [et al.]. - Vitória: Edifes, 2018. 356p. : il. ; 22 cm. ISBN: 978-85-8263-292-5 (Broch.) 978-85-8263-293-2 (E-book) 1. Educação - Filosofia. 2. Educação e Estado. 3. Educação – Vitória (ES). I. Martinelli Filho, Nelson. II. Côco, Dilza . III. Chisté, Priscila. IV. Della Fonte, Sandra Gomes. V. Título. CDD: 370.1 E24 Reitor: Jadir Jose Pela Pró-Reitor de Administração e Orçamento: Lezi José Ferreira Pró-Reitor de Desenvolvimento Institucional: Luciano de Oliveira Toledo Pró-Reitora de Ensino: Adriana Pionttkovsky Barcellos Pró-Reitor de Extensão: Renato Tannure Rotta de Almeida Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: André Romero da Silva Programa de Pós-Graduação em Ensino de Humanidades – PPGEH Av. Vitória, nº 1729 – Jucutuquara, 29040-780 – Vitória – ES (27) 3331-2277 Coordenador: Antônio Donizetti Sgarbi Campus Vitória Diretor Geral: Hudson Luiz Cogo Editora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo R. Barão de Mauá, nº 30 – Jucutuquara 29040-689 – Vitória – ES www.edifes.ifes.edu.br editora@ifes.edu.br Diretor de Ensino: Márcio Almeida Có Diretora de Pesquisa e Pós-graduação: Marcia Regina Pereira Lima Diretor de Extensão: Christian Mariani Lucas dos Santos Diretor de Administração: Roseni da Costa Silva Pratti Comitê Científico Prof. Dr. Antônio Carlos Gomes Prof. Dr. Leonardo Bis dos Santos Profª. Drª. Sandra Aparecida Fraga da Silva Revisão textual: André Luiz Neves Jacintho, Nelson Martinelli Filho Diagramação: Gabriela Maciel de Almeida Imagem da capa: SAMÚ, Raphael. Sem título, 1986. Serigrafia sobre papel. Acervo pessoal do artista. Sumário Prefácio....................................................................................................11 Apresentação...........................................................................................17 Considerações iniciais: proposta de constituição do grupo de estudos e pesquisas sobre a educação na cidade e humanidades (GEPECH)..........25 Dilza Côco Priscila de Souza Chisté Sandra Soares Della Fonte Capítulo I - Educação na cidade: conceitos e reflexões...........................33 Reflexões sobre cidade educativa, cidade educadora, município que educa e educação na cidade................................................35 Simone Oliveira Thompson de Vasconcelos Priscila de Souza Chisté Cidade e educação: breve ensaio sobre a questão polissêmica e conceitual................................................................................61 Swami Cordeiro Bérgamo Sandra Soares Della Fonte A educação na cidade como atividade teleológica: paradigmas científicos de análise e suas intencionalidades....................78 Adriano de Souza Viana Antonio Donizetti Sgarbi Contribuições de Henri Lefebvre para a leitura da cidade.......................92 Priscila de Souza Chisté Capítulo II - Educação na cidade de Vitória - Espírito Santo................123 A modernização da cidade de Vitória: reflexões sobre a história capixaba......................................................................125 Patrícia Guimarães Pinto Priscila de Souza Chisté Vitória (ES) nos cartões-postais: a cidade em exposição e suas potencialidades educativas.....................156 Dilza Côco Priscila de Souza Chisté O Parque Moscoso como espaço educativo da cidade de Vitória - ES..198 Larissa Franco de Mello Aquino Pinheiro Priscila de Souza Chisté O direito à cidade e as questões ecológicas: o problema capixaba do pó preto...............................................................223 Israel David de Oliveira Frois Sandra Soares Della Fonte A criança e a educação na cidade: pensamentos inquietantes na educação infantil de Vitória..................240 Dina Lúcia Fraga Dilza Côco Capítulo III - Educação na cidade e suas interfaces com a literatura...261 O outro e a cidade na literatura brasileira: um diálogo entre Rubem Fonseca e as relações de alteridade no espaço urbano..................................................................263 Letícia Queiroz de Carvalho Lirismo e cidade – uma voz entre muitas vozes.......................................286 André Luiz Neves Jacintho Letícia Queiroz de Carvalho Miradas sobre las ciudades..........................................................................312 Gabino Cárdenas Olivares María Estela Martínez Castro Prefácio O escritor Ítalo Calvino nos ensina que “jamais se deve con- fundir uma cidade com o discurso que a descreve. Contudo, existe uma ligação entre eles” (1999, p. 59). Munidos dessa advertência é que vislumbramos a possibilidade de iniciar a leitura de Educação na cidade: conceitos, reflexões e diálogos. Uma coletânea de escritos que tratam da cidade a partir de um de seus aspectos mais interessantes: a sua relação com a educação. Tentar apreender a cidade por meio de pesquisas diversas asse- melha-se um pouco à conhecida fábula dos cegos e do elefante: cada homem que se aproximava do animal tateava uma de suas partes e imaginava que ali se encontrava o todo de sua forma. Da mesma ma- neira, cada um de nós, pesquisadores que nos aproximamos do ur- bano na tentativa de apreendê-lo, o compreendemos por meio das nossas possibilidades, com nossa percepção filtrada pelos teóricos nos quais nos apoiamos, pela ideia de cidade através da qual nos mo- vemos em nossas investigações, e pela abrangência que permitimos ao nosso olhar. As cidades, dessa maneira, tornam-se, para cada um de nós, um constructo engendrado pelos nossos interesses de pesqui- sa, bem como pelas amplitudes e limitações de nosso conhecimento. 12 Podemos entender a alcunha “cidade” em uma concepção morfológica, um espaço físico composto de prédios e avenidas, pontes e túneis. Nessa perspectiva, vemos muitas vezes a cida- de tomada como um problema espacial, quebra-cabeças ao qual o urbanismo tenta fornecer respostas. Podemos, ainda, ter nos- so interesse voltado para as redes associativas que compõem a vida urbana, as suas dinâmicas e conflitos. Em outras palavras, aquilo que, de forma invisível, molda a configuração que esco- lhemos para viver. A essa compreensão é a sociologia urbana que procura atender e providenciar contorno e abrangência. Temos aqueles que preferem entender a cidade como arena de dispu- tas de poder, locus privilegiado no qual se corporificam os jogos de mercado e capital. O urbano, para estes, se torna sinônimo de negócio e as suas possibilidades são aquelas que podem ser quantificadas, transformando-se em oportunidades de lucro. É admissível, ainda, tentarmos vislumbrar a urbanidade por meio de suas representações, sejam as da literatura, da arte, da publici- dade, do cinema. Para estes, as representações funcionam como uma forma de estender o olhar e a percepção até limites que não seriam atingidos apenas com a observaçãodireta da dinâmica ci- tadina. E há, ainda, os que se alimentam da vida urbana, vendo a cidade como musa, inspiração ou palco para as suas ideias. São os adeptos daquilo que é defendido por Baudelaire quando afir- ma que “jouir de la foule est un art” (“apreciar a multidão é uma arte”). Esses criam. Sua arte, seus discursos ou suas pesquisas são alimentados pela energia proveniente dessa reunião de pessoas diferentes ocupando o mesmo espaço, da tensão que tal convívio produz, dos embates e das interações que brotam do chão das metrópoles. Cidade, nessa concepção, é um poderoso catalisador de forças e energias. Assim, se são múltiplas as formas através das quais pode- mos olhar para qualquer objeto de pesquisa, quando esse objeto Educação na cidade: conceitos, reflexões e diálogos 13 é tão diverso quanto uma cidade, essas possibilidades chegam ao infinito. Talvez seja essa riqueza de pontos de vista que a torne tão interessante como depositária de nossos interesses e esforços. Cidades são ilimitadas, cidades são desafiadoras. Na confluência de algumas perspectivas de olhares para a di- nâmica citadina é que podemos situar os textos que compõem esse livro. Os pesquisadores aqui reunidos olham, cada um a seu modo, para o mesmo objeto e nos mostram o que veem. Tal como Calvino, que faz com que o seu personagem Marco Pólo descreva ao imperador Kublai Kahn múltiplas cidades através daquela que mora em seu coração – e que, ao final de Cidades Invisíveis ficamos sabendo tratar-se de Veneza –, os textos que compõem esta coletânea nos apresentam pontos de vista que se alternam, complementam, contrapõem, para que, ao findar a leitura, possamos nós, leitores, formar o nosso panorama pes- soal sobre o tema. Oriundos das discussões e investigações do Grupo de Es- tudos e Pesquisas sobre Educação na Cidade e Humanidades (GEPECH), ligado ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Humanidades (PPGEH) do Ifes, os textos que aqui se reúnem são divididos em três capítulos: Educação na cidade: conceitos e reflexões; Educação na cidade de Vitória - Espírito Santo e Educação na cidade e suas interfaces com a literatura. Sob esses temas, vários artigos se desenvolvem. Em cada um deles temos a oportunidade de acompanhar um dos fenôme- nos mais interessantes para um pesquisador: o desabrochar do pensamento sobre um tema. Assim, através de Simone Olivei- ra Thompson de Vasconcelos, Priscila de Souza Chisté, Swami Cordeiro Bérgamo, Sandra Soares Della Fonte, Adriano de Souza Viana e Antonio Donizetti Sgarbi temos a chance de seguir as considerações sobre o papel da cidade na educação e os concei- tos que devem ser priorizados nesse percurso. No capítulo se- 14 guinte, Patrícia Guimarães Pinto, Priscila de Souza Chisté, Dilza Côco, Larissa Franco de Mello Aquino Pinheiro, Israel David de Oliveira Frois, Sandra Soares Della Fonte e Dina Lúcia Fraga tra- tam especificamente da cidade de Vitória, abordando diversos aspectos que podem ser considerados na educação citadina na referida cidade. Finalmente, no terceiro capítulo, Letícia Queiroz de Carvalho, André Luiz Neves Jacintho, Gabino Cárdenas Oliva- res e María Estela Martínez Castro nos trazem a literatura como espelho através do qual podemos ver o urbano e suas dinâmicas. Saímos deste livro – como acontece com as melhores leitu- ras – com mais questões do que respostas. As perspectivas apre- sentadas nos instigam, provocam, esclarecem, estimulam. Tal como a cidade que lhes deu origem, são plurais e desafiadoras. Ao findar, junto com as inquietações originárias da leitura, nos vêm também o desejo de que as pesquisas prossigam, que as questões que aqui desfilam deem lugar a outras, que os autores avancem cada vez mais em suas investigações, e que possamos ler outras produções do GEPECH em breve. Eliana Kuster Apresentação Por mais que a cidade preexista ao capitalismo, o processo de industrialização conferiu a ela e à realidade urbana em geral uma nova configuração. Segundo Lefebvre (2011)1, a industria- lização fez um assalto à cidade e a transformou no palco dos principais conflitos sociais. As relações sociais capitalistas ganharam vida na terri- torialidade e no ritmo de vida da cidade. Circuitos de riqueza, com seus sistemas de segurança, convivem com os aglomera- dos de miséria, com seus poderes paralelos ao estatal. A distri- buição e a qualidade de moradias, comércio, instituições de en- sino, transporte coletivo, saneamento básico e infraestrutura, espaços e equipamentos de lazer e estabelecimentos de saúde revelam uma cidade segregada e fraturada. Não por acaso Harvey (2012, 2009a, 2009b)2 evidencia como as formas espaciais e temporais contemporâneas de nossas cidades se transformaram em fragmentos, com comunidades fechadas, privatização de espaços públicos, formação de vários microes- tados. Para esse autor, a “acumulação por despossessão” (HAR- VEY, 2012, p. 83) tem desobstruído bairros pobres, capturado 18 terras para incrementar a atividade imobiliária. Em muitos ca- sos, o mercado imobiliário urbano associado ao capital finan- ceiro e ao apoio do Estado tem desempenhado função relevante na absorção e geração de capitais excedentes em escala cres- cente, “[...] mas ao preço do explosivo processo de destruição criativa que tem desapropriado as massas de qualquer direito à cidade” (HARVEY, 2012, p. 85). Como “lugar de consumo e consumo de lugar” (LEFEBVRE, 2011, p. 20), a cidade não apenas articula a desigualdade social à segregação espaço-social urbana, mas também aloja o confli- to constitutivo de toda mercadoria: “[...] a cidade e a realidade urbana dependem do valor de uso. O valor de troca e a genera- lização da mercadoria pela industrialização tendem a destruir, ao subordiná-las a si [...]” (LEFEBVRE, 2011, p. 14). Para Lefebvre (2011), a complexidade de tal situação coloca desafios para a reflexão teórica, para a ação prática e a ima- ginação. Por isso, filosofia, arte e ciência se veem obrigadas a reconsiderar esse fenômeno. Abraçamos essa tarefa a partir de uma preocupação educa- tiva. Os cidadãos constroem as cidades e, por sua vez, as cidades formam seus cidadãos. Nesse sentido, a configuração da cidade nos seus espaços e tempos carreiam uma orientação pedagógi- ca. Em outros termos, a cidade condensa a história dos grupos e dos conflitos que, sob certas condições históricas, a realizaram. Entrar em contato com essa história faz da experiência urbana uma relação entre gerações de transmissão e incorporação in- tencional de modos de vida próprios, valores, ritmos e rotinas, maneiras de agir, práticas imaginativas e artísticas, formas de 1LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 5. ed. São Paulo: Centauro, 2011. 2HARVEY, David. Alternativas ao neoliberalismo e o direito à cidade. Novos Cadernos NAEA, Belém, v. 12, n. 2, p. 269-274, dez. 2009a. HARVEY, David. A liberdade da cidade. Espaço e Tempo, São Paulo, n. 26, p. 9-17, 2009b. HARVEY, David. O direito à cidade. Lutas Sociais, São Paulo, n. 229, p. 73-89, jul./dez.2012. Educação na cidade: conceitos, reflexões e diálogos 19 sociabilidade e de mobilidade, confrontos e contradições. Como atesta Arroyo (1997, p. 25)3, “A dinâmica urbana como um todo é educativa [...]”. Se o arranjo da cidade e da urbanidade como um todo é, por si, um agente educativo e investe na formação subjetiva de seus habitantes, torna-se premente aprender a ler a grafia social ins- crita nessa ordenação citadina. Em outras palavras, desvendar suas ruas e seus nomes, suas sedes administrativas, os recortes de seus bairros, a concentração de sua população, suas praças e parques, os monumentos públicos, suas formas arquitetônicas, a localização de suas indústriase fábricas, o seu ritmo do tra- balho, a sua condição ambiental-ecológica, seus lugares de en- contros, suas rotas de mobilidade, a sua distribuição da riqueza material e simbólica e seus confrontos de classe. Para exercitar essa tarefa, não se pode abrir mão de um vagueio errático pela cidade. Por certo, não se trata do vagar da multidão, empurrada pelos semáforos prestes a fechar, pelo tempo acelerado da atividade produtiva, pelo olhar negligen- te e epidérmico que satisfaz às demandas emergenciais de se chegar ao trabalho ou em casa. A experiência que se conclama é errante e desacelerada; paciente, ela experimenta e conhe- ce; inquieta, vê, cheira, toca, ouve o que a cidade nos diz. Está longe de ser passiva: retruca seus dizeres, regozija-se com seus acertos, dialoga com a cidade, a indaga em seu existir. No fundo, o diálogo com a cidade é um auto diálogo, um colóquio com a cidade que construímos e que nos construiu, portanto, com a cidade que existe também em nós. Segundo Lefebvre (2011), o direito à cidade é um apelo e uma exigência. Por mais que reformas sejam relevantes, só um processo revolucionário pode nos assegurá-lo. Por isso, reco- 3ARROYO, Miguel G. O aprendizado do direito à cidade. Educação em Revista, Belo Hori- zonte, n. 26, p. 23-38, dez. 1997. 20 nhecemos que evidenciar os projetos educativos que na cidade se materializam e se chocam pode ser uma ação insuficiente para a conquista e o exercício efetivo desse direito, mas, nem por isso, menos importante. Bem cumprida, essa ação pode ins- pirar a projeção de formas rebeldes de intervenção. De alguma maneira, os capítulos deste livro se alimentam desse horizon- te e pretendem, a partir de preocupações variadas, reeducar o nosso olhar a cidade, de vivê-la e construí-la. Para tanto, insistimos, com Lefebvre (2011), que os pro- dutores da cidade têm direito de dela se apropriar. Afinal, “O direito à cidade, como ele está constituído agora, está extre- mamente confinado, restrito na maioria dos casos à pequena elite política e econômica, que está em posição de moldar as cidades cada vez mais ao seu gosto” (HARVEY, 2012, p. 87). As- sim, contra a cidade mercadoria, coloca-se a necessidade de uma construção coletiva do direito à cidade, como caracteri- zado por Lefebvre (2011): um direito humano de natureza so- cial vinculado à liberdade, à individualização na socialização, ao habitat e ao habitar. Trata-se, segundo ele, de um direito à vida urbana, movida não pela industrialização, mas por neces- sidades sociais com fundamentos antropológicos, rumo a uma nova práxis e a um novo ser humano, “o homem da sociedade urbana” (LEFEBVRE, 2011, p. 108). Se o humano é o sentido primeiro e último da sociedade urbana, [...] então a questão sobre qual tipo de cidade queremos não pode estar divorciada da questão sobre qual tipo de pessoas desejamos ser, quais tipos de relações sociais buscamos, qual relação nutrimos com a natureza, qual modo de vida deseja- mos. [...] O direito à cidade está, por isso, além de um direito ao acesso àquilo que já existe: é um direito de mudar a cidade mais de acordo com o nosso desejo íntimo. A liberdade para nos fazermos e nos refazermos, assim como nossas cidades, Educação na cidade: conceitos, reflexões e diálogos 21 é um dos mais preciosos, ainda que dos mais negligenciados, dos nossos direitos humanos (HARVEY, 2009a, p. 09). Por isso, o direito à cidade se situa no confronto geral con- tra o capital. Lefebvre caracteriza que o fundamento antropo- lógico que advém do processo revolucionário de superação do capital clama por um ser humano rico. Contudo, nesse contex- to, a riqueza não diz respeito à propriedade privada: “O homem da sociedade urbana já é um homem rico em necessidades: o homem de necessidades ricas que aguardam a objetivação, a realização” (LEFEBVRE, 2011, p. 124-125). A base marxiana é claramente perceptível. O ser huma- no rico é criado pela e criador da ruptura da sociabilidade burguesa. Em contraposição à unilateralidade restrita do de- senvolvimento sob o capitalismo, ele experimenta a eman- cipação completa das qualidades e dos sentidos humanos; emancipação de todos os seres humanos, emancipação do ser humano por inteiro. Nos Manuscritos econômico-filosóficos, Marx (2004)4 contrasta o ser humano fraturado pela divisão social do trabalho com o ser humano total. Sob o pressuposto do socialismo, Marx (2004, p. 139) fala da “riqueza (Reichheit) das carências humanas” e, portanto, de um novo modo de produção e de um novo objeto da produção. Assim, ele entrevê o enriquecimento da essência hu- mana sob outra lógica que não o acumular, o ter. Nesse con- texto, riqueza e pobreza alcançam uma significação que tem o ser humano como seu fim. Por isso, Marx afirma: “O homem rico é simultaneamente o homem carente de uma totalidade da manifestação humana da vida. [...] que deixa sentir ao homem a maior riqueza, o outro homem como necessidade (Bedürfnis)” (MARX, 2004, p. 112-113). Ainda de acordo com Marx (2004, p. 4MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004. 22 161), o ser humano rico é educado para usufruir a arte, apreciar a beleza, agir de modo estimulante e encorajador sobre os ou- tros, trocar amor por amor. Criada e criadora desse novo ser humano, a sociedade ur- bana em um horizonte socialista também assume uma dimen- são omnilateral. A citação é longa, mas vale a pena acompanhar a descrição de Lefebvre ao se referir às necessidades sociais que servirão de motor para as transformações urbanas: [...] opostas e complementares, compreendem a necessidade de segurança e a de abertura, a necessidade de certeza e a ne- cessidade de aventura, a da organização do trabalho e a do jogo, as necessidades de previsibilidade e a do imprevisto, de unidade e de diferença, de isolamento e de encontro, de trocas e de investimentos, de independência (e mesmo de solidão) e de comunicação, de imediaticidade e de perspectiva a longo prazo. O ser humano tem também a necessidade de acumu- lar energias e a necessidade de gastá-las, e mesmo de desper- diça-las no jogo. Tem necessidade de ver, de ouvir, de tocar, de degustar, e a necessidade de reunir essas percepções num “mundo”. A essas necessidades antropológicas socialmente elaboradas (isto é, ora separadas, ora reunidas, aqui comprimi- das e ali hipertrofiadas) acrescentam-se necessidades especí- ficas [...]. Trata-se da necessidade de uma atividade criadora (e não apenas de produtos e bens materiais consumíveis), neces- sidades de informação, de simbolismo, de imaginário, de ativi- dades lúdicas. [...] que superam mais ou menos a divisão par- celar dos trabalhos. Enfim, a necessidade da cidade e da vida urbana só se exprime livremente nas perspectivas que tentam aqui se isolar e abrir horizontes (LEFEBVRE, 2011, p. 105). Deixemo-nos contagiar por esse horizonte político e teórico! Sandra Soares Della Fonte Educação na cidade: conceitos, reflexões e diálogos 23 24 Considerações iniciais: proposta de constituição do grupo de estudos e pesqui- sas sobre educação na cidade e humanida- des (Gepech) Os estudos sobre a cidade apresentam-se como temáti- ca importante no campo da educação, pois contribuem para a compreensão dos aspectos históricos, políticos, sociais, cultu- rais, filosóficos e econômicos referentes ao desenvolvimento urbano. A partir de consulta realizada em janeiro de 2016 ao Diretório de Grupos de Pesquisas cadastrados e certificados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec- nológico (CNPq), constatamos que poucos são os grupos que abarcam discussões sobre Cidade e Educação. Dos 312 registros encontrados a partir do descritor “cidade”, apenas seis grupos de pesquisaestão concentrados na área da Educação. A possibilidade de contribuir com esse nicho de pesquisa favoreceu a constituição de um grupo de estudos que integrasse alunos e professores do Programa de Pós-Graduação em Ensi- no de Humanidades do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) para a discussão da cidade como espaço potencial para ações 26 educativas. Desse modo, o Grupo de Estudos sobre Educação na Cidade e Humanidades (Gepech) iniciou suas atividades em março de 2016, compondo uma das linhas do Grupo de Pesquisa “Artes Visuais, Literatura, Ciências e Matemática: diálogos pos- síveis” cadastrado no CNPq. Ao idealizarmos o Gepech, elencamos como os seus obje- tivos: 1) discutir relações entre a cidade e a educação a partir de áreas do conhecimento ligadas às humanidades; 2) planejar, executar e avaliar formações de professores da educação básica que contribuam com reflexões sobre os espaços da cidade; bem como 3) sistematizar materiais educativos que discutam e apre- sentem propostas relacionadas com a cidade. As reuniões do grupo iniciaram juntamente com o recém implementado Mestrado Profissional em Ensino de Humanida- des e ocorreram semanalmente com duas horas de duração cada encontro. Para a organização das atividades do Gepech, optamos por um referencial de abordagem crítica e dialógica, conforme proposições de Bakhtin (2003)5. Essa perspectiva valoriza a in- teração discursiva, em suas diferentes formas e manifestações, na promoção do conhecimento e na constituição dos sujeitos. A partir desse alinhamento teórico, as reuniões semanais do grupo se configuraram como eventos que promoveram en- contros repletos de enunciados sobre/com a cidade. Encontros eEsses que encontros potencializaram diálogos entre os par- ticipantes e desstes com textos de referência sobre a cidade, com outros pesquisadores que elegem o tema cidade como foco principal de estudos, assim como com exposições culturais que apresentam a cidade por meio de roteiros discursivos diversos. Nessa dinâmica, várias vozes foram contempladas na configu- ração de novos textos e, por consequência, promoveram a ela- 5BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Educação na cidade: conceitos, reflexões e diálogos 27 boração de outras compreensões pelos participantes, a respeito do conceito cidade e, mais especificamente, sobre a cidade de Vitória, no Espírito Santo. O grupo estabeleceu diálogo com textos teóricos de autores como Lefebvre (1991, 1999)6; Canevacci (2004)7; Harvey (2014)8; Silva (1979)9, Klug (2009)10 e outros. Essa sequência de autores não foi definida a priori, mas sintetiza uma construção coletiva, pois foi acessada e integrada ao cronograma de estudos a partir de diálogos entre os participantes e com as primeiras referên- cias que abordavam a noção de educação e cidade. Assim, na medida em que desenvolviam os primeiros estudos, professores e alunos tomavam ciência de outras fontes consideradas rele- vantes para a exploração da temática privilegiada pelo grupo. Tal dinâmica de interação com os textos e a consequen- te produção e reelaboração do cronograma indicam relações com a noção de inacabamento da palavra, pois, conforme Bakhtin (2005, p. 195)11, as palavras do outro comportam um limiar e, ao serem “[...] introduzidas em nossa fala, são reves- tidas inevitavelmente de algo novo, da nossa compreensão e da nossa avaliação”. Desse modo, a leitura dos textos numa perspectiva dialógica pressupõe que um texto abre possibili- dades para outros textos, alimentando o fluxo da comunica- ção verbal (BAKHTIN, 2004)12 sobre a cidade. Assim, as leituras das obras iniciais apontavam para novas fontes e, por meio de atitudes ativas e responsivas (BAKHTIN, 2004), os partici- pantes contribuíram com a construção do roteiro de estudos e exploração do conteúdo. Essa dinâmica participativa e colaborativa presente na construção do cronograma das ações do Gepech foi ampliada nos momentos de estudos e discussões coletivas. Ampliadas porque os integrantes do grupo assumiam atitudes de prota- gonismo quando realizavam as leituras das obras e sistema- 28 tizavam roteiros de discussões para exploração de conceitos considerados importantes para a produção das propostas de pesquisas e elaboração de materiais educativos, desenvolvidos pelo Gepech, numa perspectiva crítica. Assim, esses encontros favoreceram a compreensão de conceitos-chave, como o de ci- dade educativa, amplamente divulgado pelos documentos for- mulados pela Unesco, porém com muitas questões que guar- dam potencial de problematizações, conforme discutido por Silva (1979) e Chisté e Sgarbi (2015)13. Essas problematizações puderam ser pensadas de modo mais aprofundado com estudos de outros autores como Lefebvre (1991, 1999), de base marxia- na, que apresenta fundamentos importantes para compreender os problemas da cidade e seu processo de urbanização. Nessa linha de proposições e também a partir do materialismo his- tórico-dialético, Harvey (2014) foi outro autor que contribuiu para que os participantes do Gepech entendessem questões so- bre o direito à cidade como direito humano. A partir de estu- dos oriundos da geografia urbana e de cunho marxiano, Harvey (2014) evidencia que esse direito é prejudicado devido a rela- ções capitalistas orientarem a vida na cidade em uma perspec- 6LEFEBVRE, Henri. A Revolução Urbana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999. LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Moraes, 1991. 7CANEVACCI, Massimo. A cidade polifônica: ensaio sobre a antropologia da comunicação urbana. São Paulo: Studio Nobel, 2004. 8HARVEY, David. Cidades Rebeldes. São Paulo: Martins Fontes, 2014. 9SILVA, Jefferson Idelfonso da. Cidade Educativa: um modelo de renovação da educação. São Paulo: Cortêz & Moraes, 1979. 10KLUG, Letícia Beccalli. Vitória: sítio físico e paisagem. Vitória: Edufes, 2009. 11BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. 12BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Editora Hucitec, 2004. 13CHISTÉ, Priscila de Souza; SGARBI, Antonio Donizetti. Cidade educativa: re- flexões sobre educação, cidadania, escola e formação humana. Revista Deba- tes em Educação Científica e Tecnológica, Vitória, v. 6, n. 1, out. 2015. Educação na cidade: conceitos, reflexões e diálogos 29 tiva de predomínio do direito individual à propriedade em de- trimento ao direito coletivo. Essa noção de direito à cidade pode ser pensada a partir de uma chave de leitura apresentada na obra Cidade polifônica, de Canevacci (2004). Este autor indica que fazer a leitura da cidade implica atentar para aspectos de natu- reza polifônica, ler os diferentes elementos que a integram, es- tabelecendo interconexões. Mostra, a partir de pressupostos de Bakhtin, que é importante conhecer as formas arquitetônicas da cidade, suas relações com a organização de poder, bem como a comunicação com os demais elementos do entorno. As proposições conceituais desenvolvidas por esses auto- res nos levaram a refinar nosso olhar sobre a cidade de Vitória, capital do Espírito Santo, foco de nossas pesquisas. Nessa dire- ção, Klug (2009) nos apresenta análises do processo de desen- volvimento e ocupação da cidade de Vitória, fato que estimu- lou nos participantes do Gepech um novo olhar sobre o espaço urbano, com atenção aos patrimônios naturais e históricos que ainda resistem ao processo de especulação imobiliária ocorrido no centro histórico da capital. Além da dinâmica de estudos sobre a cidade a partir de fontes bibliográficas, o Gepech também promoveu interlocu- ção com pesquisadores por meio de palestras e entrevistas. Em relação àspalestras, tivemos oportunidade de contar com as presenças dos doutores Érika Sabino de Macêdo, Eliana Kuster e Gilton Luis Ferreira. Com a professora Macêdo, notamos a im- portância de ler a cidade e suas problematizações a partir do grafitti. Para a pesquisadora, trata-se de manifestação artísti- ca e crítica que apresenta reflexões e problematizações sobre temas diversos presentes na vida urbana, dentre eles a polui- ção do ar da cidade de Vitória/ES. As considerações de Macê- do contribuem para construir outras formas de ver, interagir e compreender marcas e discursos inscritos na cidade que podem 30 evidenciar conflitos e contradições. Seguindo essa tendência, a professora Kuster apresenta o potencial de leitura da cidade a partir de elementos da arquite- tura. Explora conhecimentos da arquitetura da cidade, em suas formas antigas e modernas, estabelecendo diálogos diversos com obras de arte, com fatos da história, com a literatura e com estra- tégias de ocupação dos espaços físicos dentre outros elementos. Com o terceiro palestrante, professor Ferreira, tivemos a oportunidade de conhecer maiores detalhes do processo de modernização do estado do Espírito Santo a partir de aspec- tos históricos, políticos, econômicos e sociais. Nessa direção, Ferreira explica que as ações inerentes à modernização do Es- pírito Santo se revestiu de um processo de atualização, trans- formando o que era velho, ou simplesmente descartando-o. As ponderações dos palestrantes mostraram conexões com questões comentadas por pesquisadoras da Universidade de São Paulo (USP) e pelo coordenador do Instituto Paulo Freire, entrevistados pelas coordenadoras do Gepech. Essas entrevistas foram realizadas em 2016, registradas por meio de videograva- ção e exibidas durante os encontros de estudos com o objetivo de adensar compreensões sobre aspectos inerentes aos estudos da cidade. As conversas com as professoras Fraya Frehse, da Fa- culdade de Sociologia (USP), e Joana Mello e Ana Castro, da Fa- culdade de Arquitetura e Urbanismo (USP), ressaltaram o valor de aspectos históricos e sociais para entender as mudanças que ocorreram na cidade de São Paulo e suas implicações para a vida coletiva. Articulado a esse investimento de estudos e pesquisas, as professoras apostam na formação de professores numa abor- dagem de interação com a cidade por meio de roteiros espe- cíficos. Essas entrevistas ofereceram contribuições ao Gepech especialmente por indicar a potência de processos formativos de docentes para contemplar a educação na cidade como estra- Educação na cidade: conceitos, reflexões e diálogos 31 tégia de acesso aos conhecimentos elaborados. A entrevista com Paulo Roberto Padilha (Instituto Paulo Freire) foi fundamental para compreender a inserção de Paulo Freire nas discussões relacionadas com a educação na cidade. O pesquisador nos apresenta na ocasião a proposta da Rede Muni- cípio que Educa como modo de renovar proposições implemen- tadas pela Unesco conhecidas como Cidade Educativa. Além das entrevistas, o Gepech ainda realizou visitas a exposições que exploravam temas com e sobre a cidade. Com a cidade porque as exposições foram organizadas em espaços históricos, como o Espaço Cultural Palácio Anchieta e o Museu Vale. Adentrar nesses espaços possibilitou experiências dos membros do Gepech aproximando-os de conhecimentos histó- ricos, políticos, econômicos, sociais, materializados na estrutu- ra física das construções visitadas. A sistematização e as repercussões das várias ações (estudos bibliográficos, palestras, entrevistas e visitas a expo- sições) que integraram a metodologia de estudos do Gepech, nos permitem visualizar um caminho percorrido que contri- buiu para aprendizagens e para reelaborações de conceitos. En- tendemos esse percurso como primeiras ações de estudos que precisam ser intensificadas e aprofundadas, especialmente com atividades de pesquisas. Como modo de contribuir e compar- tilhar os conhecimentos sistematizados por esse processo de estudos, o grupo ofertou em maio de 2017 curso de formação de professores para a divulgação de materiais educativos que contemplam vários aspectos da cidade de Vitória em meio aos acontecimentos econômicos, políticos, ecológicos e sociais que colaboraram com a sua transformação. Finalizamos este texto ressaltando a importância das ações realizadas como direcionadoras de novos estudos coletivos, bem como a produção de pesquisas a partir dos temas de inves- 32 tigação desenvolvidos pelos participantes do grupo em diálogo com o campo educacional. Deixamos nosso agradecimento a to- dos que colaboram com os estudos empreendidos e esperamos que este livro, fruto do primeiro ano de estudos, possa contri- buir para o debate sobre a educação na cidade, ampliando con- ceitos, reflexões e diálogos. Dilza Côco Nelson Martinelli Filho Priscila de Souza Chisté Sandra Soares Della Fonte Educação na cidade: conceitos, refl exões e diálogos 33 Capítulo I Educação na cidade: conceitos e refl exões 34 Reflexões sobre cidade educativa, cidade educadora, município que educa e educação na cidade Simone Oliveira Thompson de Vasconcelos Priscila de Souza Chisté A aldeia de Hollywood foi planejada de acordo com a noção Que as pessoas desse lugar fazem do Paraíso. Nesse lugar Elas chegaram à conclusão de que Deus, Necessitando de um Paraíso e de um Inferno, não precisou Planejar dois estabelecimentos, mas Apenas um: o Paraíso. Que esse, Para os pobres e infortunados, funciona Como inferno. (Bertold Brecht, 1942) A cidade14 é objeto de várias abordagens de estudo. Segun- do Maricato (2015), ela pode ser lida de modos especiais: como um discurso, pelo viés da estética, como manifestação de prá- ticas culturais e artísticas, como legado histórico, como palco 14O dicionário de filosofia de Japiassú e Marcondes (2008) apresenta o verbete “cidade”, oriundo do latim civitas e do grego polis, como coletividade políti- ca organizada, possuindo um mínimo de autonomia e mantida por leis. 36 para conflitos sociais, como espaço de reprodução do capital, entre outros possíveis focos interpretativos. Diante desses vá- rios campos de pesquisa, neste capítulo buscaremos apresentar discussão que relaciona a cidade ao campo da educação15, em especial por discutirmos termos e conceitos que se referem à “cidade educativa”, “cidade educadora”, “município que edu- ca” e “educação na cidade” a fim de compor debate que visa desvelar os motivos que movimentaram a criação de tais ter- mos e vislumbrar possíveis alternativas conceituais que am- pliem as discussões sobre cidade e potencializem suas relações com a educação. Como modo de alcançar o objetivo traçado, analisaremos o termo “cidade educativa” proposto pelo relatório Aprender a Ser, elaborado por uma Comissão da Unesco/ONU, liderada por Edgar Faure em 1972 e publicado em 1973, com o objeti- vo de estudar o caminho de soluções globais para as grandes questões colocadas pelo desenvolvimento da educação em um mundo de transformações. Em contraponto a esse documento apresentaremos reflexões de Jefferson Ildefonso Silva, no livro Cidade educativa: um modelo de renovação da educação. A seguir, examinaremos o termo “cidade educadora” pro- posto pela Associação Internacional de Cidades Educadoras (AICE). Discorreremos sobre algumas publicações da Associa- ção Internacional de Cidades Educadoras (AICE), dentre elas, a Carta das Cidades Educadoras, o livro Cidade Educadora: prin- cípios e experiências, organizado por Moacir Gadotti e outros autores, bem como a pesquisa Cidade educadora e juventudes: as políticas públicas e a participação dos jovens de Gravataí – RS, de Ingrid Wink.15Entendemos “educação”, de modo amplo, como mediação capaz de contri- buir com a formação integral dos seres humanos por meio da apropriação dos conhecimentos sistematizados pela humanidade. Educação na cidade: conceitos, reflexões e diálogos 37 Investigamos a expressão “município que educa” proposta em 2009, no Fórum Mundial de Educação (FME), pela Rede Mu- nicípio que Educa, lançada na ocasião do evento e, finalizamos o capítulo elucidando o que compreendemos como “educação na cidade”. Diante do exposto buscaremos, nas próximas seções, apre- sentar tais termos com vistas a elencar suas origens e contra- dições. Cidade Educativa e as implicações do Relatório “Aprender a Ser” Como visto anteriormente, o termo “cidade educativa” surgiu no Brasil após ser apresentado pelo relatório Aprender a Ser, publicado em 1973. Esse relatório foi elaborado por uma Co- missão Internacional da Unesco/ONU liderada por Edgar Faure, ex-ministro da Educação da França, com representantes dos Es- tados Unidos da América - EUA, União Soviética - URSS, Chile, Síria e Congo. Para Faure et al. (1973), o relatório surge como modelo para “ajudar” os países pobres a enfrentarem o proble- ma educacional a partir de um intercâmbio livre e sistemático. Reforçando a condição inferior de alguns países, justifica a ne- cessidade dessa cooperação internacional para a implantação da “cidade educativa”. O relatório é dividido em três partes: Resultados, Futuro e Havia uma Cidade Educativa. Na primeira parte, o relatório faz uma retrospectiva histórica, reforçando a condição dos países “menos desenvolvidos” de copiar as inicia- tivas educacionais de outros países. Essa primeira parte aponta as heranças do passado, alguns pontos de progressos e fracassos alcançados ao longo da história e a educação como produto e fator da sociedade (solução de todos os problemas). Na segunda 38 parte, reforça o tempo de questionamentos (1972), os eixos do futuro e as transcendências, dentre elas o humanismo cientí- fico, conceito difundido que retrata a importância do conhe- cimento científico para o homem moderno, agora centro das ações. A terceira parte apresenta a cidade educativa como lugar e função das estratégias educativas, pois a ideia apresentada no relatório é a de superação de uma concepção escolar sistemáti- ca. Essa parte retrata ainda a cidade como caminho para a so- lidariedade na medida em que ela reforce as relações humanas existentes, por meio de uma compenetração íntima da educa- ção nas concepções sociais, políticas e econômicas, bem como nas redes culturais. Para Faure et al. (1973), quando a economia cresce, o nível educacional das pessoas tende a melhorar impulsionado pela qualificação solicitada pelo mercado. Os autores consideram im- portante uma abordagem educacional humanística e científica e apontam que, com a era científica-tecnológica, a mobilidade dos conhecimentos e a renovação das inovações devem consa- grar um menor esforço ao conhecimento adquirido e reforçar a aprendizagem pelo método de aquisição do conhecimento cha- mado de “aprender a aprender”16. Ao explicarem o termo “ci- dade educativa” informam que a estrutura educacional está em colapso e consideram que outras instituições educacionais para além da escola também podem contribuir com a superação da crise instaurada. Elencam o indivíduo como sujeito da sua edu- cação e colocam fé utópica na sociedade, propondo uma relação íntima entre educação e o tecido social, político e econômico. Diante dessas informações, precisamos realizar uma breve retrospectiva histórica para compreender o momento de escri- 16Nos afastamos dessa ideia pois consideramos que as pedagogias do apren- der a aprender negam a importância da transmissão do conhecimento e despotencializam o papel do professor enquanto mediador (DUARTE, 2001). Educação na cidade: conceitos, reflexões e diálogos 39 ta deste relatório. Após a segunda guerra mundial os países eu- ropeus entraram em recessão e algumas alianças foram forma- das polarizando a Europa em capitalista e socialista. Houve uma ascensão da economia dos Estados Unidos da América (EUA) e a consagração de duas potências mundiais, os EUA e a União So- viética, dando início à Guerra Fria. O investimento na indústria armamentista fez surgir uma era científica e tecnológica. O mo- mento de consolidação da hegemonia capitalista acontece no período anterior à publicação do relatório, mesmo com a crise econômica dos EUA provocada pela Guerra do Vietnã. Os EUA precisavam se reerguer e para isso apropriaram-se do discur- so do desenvolvimento científico e tecnológico para “vender” seus conhecimentos, tecnologias e ideologias. Dessa forma, o discurso passa a ser voltado para atender ao capital. Segundo Lefebvre (1999), o modo de produção influencia o tipo de cidade e de relações sociais que surgem. Para ele existe um eixo espaço-tempo em que a cidade se transforma ao longo do tempo até chegar numa zona crítica, na qual todas as ques- tões relacionadas à natureza que foram deixadas de lado em prol do progresso e da urbanização serão cobradas. Assim, todo cuidado passa a ser pouco quando a educação é pensada para atender determinado tipo de sociedade. A economia hegemôni- ca do mercado atual educa quem, como, para quem e para quê? Silva (1979) contrapõe-se às ideias apresentadas no rela- tório Aprender a Ser, proposto pela Unesco/ONU, debatendo sobre educação e sobre as concepções de homem no mundo. O livro está dividido em três capítulos: o primeiro, O Relatório Apprendre à être; o segundo, A Cidade Educativa; e, o terceiro, O Humanismo Científico. No primeiro capítulo Silva (1979) refor- ça o caráter ideológico do relatório e fala dos principais temas abordados, problematizando-os. No segundo capítulo, explica a concepção da cidade educativa como um sistema educacional 40 com uma estruturação tecnoburocrata e inspirada na educação permanente, aquela que considera a educação como um pro- cesso contínuo que se estende por toda a vida do indivíduo. No terceiro capítulo aponta que o humanismo científico descrito no relatório serviu para sintetizar os aspectos antropológicos orientadores da proposta de “cidade educativa”. No entanto, alerta para as posições antagônicas existentes entre o huma- nismo e a necessidade do progresso científico e tecnológico descrito. Segundo Silva (1979), o relatório evidencia que na atualidade aparecem novos sintomas de uma outra revolução para além da industrial. É a revolução científica e técnica que, ao contrário da revolução industrial, não se baseia na máquina como multiplicadora ou substituta da força humana física, e nem no homem visto como mão-de-obra produtora. A nova máquina interfere no campo de força humana mental podendo multiplicá-la e até mesmo substituí-la. O trabalho humano é atingido em seu significado: o homem é envolvido no processo de produção, não mais como mão-de-obra, mas como portador da ciência e do conhecimen- to social acumulado; é impelido para a margem da produção imediata; sua presença é muito mais de criador, de cientista, que de operário no sentido industrial (SILVA, 1979, p. 92). Para Silva (1979), no relatório, o projeto referencial do mundo e do homem é o modelo tecnocrático, mesmo que “disfarçado”. O au- tor ainda considera que falta a esse documento apresentar um cami- nho com alternativas fora do mito tecnocrático. Em sua crítica, Silva (1979) relaciona o conceito de cidade educativa ao humanismo, des- construindo a proposição científica e tecnológica que é reforçada no próprio relatório e que impregna o mundo de hoje. Essa ambiguida- de humanismo versus progresso científico e tecnológico demonstra a inconsistência do relatório, que tenta agradarao positivismo com o reforço científico tecnológico e ao mesmo tempo ao humanismo, que prega o oposto do positivismo. Segundo Silva (1979, p. 117): Educação na cidade: conceitos, reflexões e diálogos 41 Com relação à proposta concreta da Cidade educativa, continua o mesmo panorama de ambiguidade. Vê a ne- cessidade de ultrapassar a dimensão sistêmica da socie- dade, mas não consegue libertar-se de suas estruturas e instituições. [...] Não fica claro também como a Cidade edu- cativa, ao valorizar as instituições sociais como agentes educativos e ao promover os meios tecnológicos de comu- nicação, poderá evitar o perigo de se transformar simples- mente no instrumento universal da “cultura de massa”. Com isso, Silva (1979) nos faz refletir sobre a seguinte ques- tão: ou o relatório está simplificando o humanismo, ou acredi- ta que a desconstrução da mentalidade industrial dará espaço a uma educação científica e tecnológica utópica. A ênfase na importância do desenvolvimento das capacidades do homem com viés utilitário e tecnológico enfatiza o espírito que orienta o relatório: o capitalismo liberal necessita de forças produti- vas adaptadas às novas exigências da sociedade e, consequen- temente, efetivar-se como único sistema econômico possível. De modo contrário a essas posições, Silva (1979) orienta que a “cidade educativa” deve ser a busca universal de um humanis- mo novo, que abra caminhos para o homem, com sua vocação his- tórica cheia de percalços, sempre ameaçada, mas não destruída. Silva conclui suas análises sobre o relatório argumentando que, longe dos pressupostos apresentados pela proposta de Faure e seus colaboradores, a cidade educativa deveria ser fundamen- talmente a comunidade humana que se educa, que vai marcan- do seus caminhos entre perigos, “[...] lutando para se aproxi- mar da ‘utopia’ de um homem sujeito e criador no centro de seu mundo feito hoje de ciência e técnica” (SILVA, 1979, p. 119). Em acordo com as críticas de Silva ao relatório Aprender a ser, Gadotti (1992) assevera: A ideia de uma Cidade Educativa, defendida pela Comissão In- ternacional para o Desenvolvimento da Educação da UNESCO, é esta miragem da Educação Permanente que, atualmente, 42 alimenta os sonhos dos países em via de desenvolvimento. No Brasil, por exemplo, a ideia de uma comunidade na qual a educação estaria “ao alcance de todos”, “durante a vida in- teira”, “ministrada sob todas as formas possíveis” foi acolhi- da imediatamente pelos responsáveis pela educação. Assim, um país como o Brasil, que está longe de haver atendido o mínimo necessário para a educação fundamental, longe de haver esgotado seus recursos educativos, tenta “implantar” um modelo de educação cujos resultados devem ser postos em dúvida, dado que foram elaborados para as necessidades dos países altamente desenvolvidos (GADOTTI, 1992, p. 62). A partir dos excertos de Silva (1979) e Gadotti (1992) pode- mos inferir que o relatório é ambíguo e contraditório porque não vai à origem do problema da sociedade hodierna: a sociedade ca- pitalista precisa ser transformada em uma sociedade justa, sem desigualdade social e sem exploração do homem pelo homem. Um dos modos de se preparar a travessia para efetivação dessa utopia seria, como apontam estes autores, por meio da educa- ção cidadã na cidade educativa. Concordamos com Freire (2007, p. 24) quando aponta que “[...] o ser humano jamais para de edu- car-se”. Contudo, cabe reforçar o alerta desse autor quando diz que a política da cidade, assim como o Estado, são violentos. Eles [...] interdita[m] ou limita[m] ou minimiza[m] o direito das gentes, restringindo-lhes a cidadania ao negar educação para todos. Daí também, o equívoco em que tombam grupos popula- res, sobretudo no Terceiro Mundo quando, no uso de seu direito mas, indo além dele, criando suas escolas, possibilitam às vezes que o Estado deixe de cumprir seu dever de oferecer educação de qualidade e em quantidade ao povo (FREIRE, 2007, p. 24). Na concepção de Freire (2007) a escola é uma institui- ção fundamental e junto com a cidade deve suprir a ne- cessidade humana de se poder educar permanentemente. A Cidade se faz educativa pela necessidade de educar, de Educação na cidade: conceitos, reflexões e diálogos 43 aprender, de ensinar, de conhecer, de criar, de sonhar, de imaginar de que todos nós, mulheres e homens, impreg- namos seus campos, suas montanhas, seus vales, seus rios, impregnamos suas ruas, suas praças, suas fontes, suas ca- sas, seus edifícios, deixando em tudo o selo de certo tem- po, o estilo, o gosto de certa época (FREIRE, 2007, p. 25). Longe dos preceitos do relatório Aprender a ser e a partir de ideais contra-hegemônicos assumimos que toda escola deve ser pública, democrática, transformadora, promover a humani- zação e estar sempre em busca da transformação social. Cremos em uma formação integral e emancipatória, na qual os indiví- duos politizados tomem as cidades nas mãos e instruam-se uns aos outros, tanto na escola como nos espaços citadinos. Cidade Educadora e suas relações com os preceitos da AICE O conceito de “cidade educadora” efetivou-se depois da realização do I Congresso Internacional de Cidades Educadoras (1990). Congresso, eEste Congresso, incentivado pela Unesco na Convenção das Nações Unidas de 1989, que reuniu em uma carta de intenções princípios essenciais ao desenvolvimento educa- cional das cidades. A Carta das Cidades Educadoras baseia-se em documentos internacionais como a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), a Declaração Mundial da Educação para Todos (1990), a Convenção nascida do Congresso Mundial para a Infância (1990) e a Declaração Universal sobre Diversidade Cultural (2001). A carta informa que a cidade possui elementos para formação integral e, ao mesmo tempo, funcio- na como um agente de educação permanente. Preconiza, ainda, a colaboração entre a educação formal, informal e não-formal 44 para uma efetiva troca de experiências. Este documento define vinte princípios a serem seguidos pelas cidades-membro, divi- didos em três partes, a saber: o direito a uma cidade educadora, o compromisso da cidade e serviço integral das pessoas. Tais princípios propõem direito à igualdade; políticas pú- blicas baseadas na justiça social, qualidade de vida e civismo democrático; políticas educativas amplas, compreendendo as diferentes modalidades de educação; canais abertos e perma- nentes de comunicação com os cidadãos; ordenamento do es- paço físico urbano com acessibilidade, promovendo encontro, cultura, esportes, lazer; definição de estratégias de formação, de modo que todos ajam com respeito mútuo; resolver desigual- dades; apoiar associações; dentre outros. A Carta das Cidades Educadoras define “cidade educadora” como: [...] cidade que se relaciona com o seu meio envolvente, outros centros urbanos do seu território e cidades de outros países. O seu objectivo permanente será o de aprender, trocar, parti- lhar e, por consequência, enriquecer a vida dos seus habitantes (AICE, 1990, p. 04). Pensando na concepção de sua criação concluímos que da mesma forma como são debatidas as medidas econômicas mun- diais por meio de cartas de recomendações/intenções, que mui- tas vezes não retratam a realidade, nem a história, nem a cultura de seus países membros, beneficiando apenas uma minoria que detém o poder econômico nas mãos, assim enxergamos o que se quer fazer acreditar com essa carta de intenções. , A a concluir pelos encontros anuais de troca de experiências, que fatalmente são discussões puramente políticas, que dificilmente aproximam as discussões da maioria dos habitantesdas cidades e que não dis- cutem a verdadeira causa da desigualdade e da pobreza mundial. Ficam somente presos a paliativos que não irão, em momento Educação na cidade: conceitos, reflexões e diálogos 45 algum, contribuir com a transformação da sociedade capitalista. Tal conceito – cidade educadora, embora considerado novo, reúne um conjunto de propostas contraditórias apresentadas anteriormente pela Unesco (no relatório Aprender a Ser – 1972), principalmente quando fala de formação integral, educação per- manente, diferentes modalidades de educação (informal, formal e não-formal), com o agravante de que vivemos numa “pseudo” urbanização generalizada, que hoje se reflete na busca de uma educação científico-tecnológica de qualidade. Dentro do modelo capitalista instalado, com a globalização em foco, maiores são as contradições, diferenças e dificuldades observadas nas cida- des, fato que gera uma tentativa de cooperação internacional para trocas de experiências, sem que se perca o foco no modelo econômico que impera. Tanto no caso anterior do conceito de “cidade educativa” proposto pela Unesco, quanto na Carta das Cidades Educadoras, de 1990, algumas ideias propostas seduzem. No entanto, observamos que os discursos para a democra- cia e para o desenvolvimento integral do indivíduo ficam apenas no plano político, longe dos cidadãos e dos diálogos essenciais. A exemplo disso, temos a cidade de Vitória, no estado do Espí- rito Santo, que integra a Associação Internacional de Cidades Educadoras (AICE), criada em 1994, constituída de uma estru- tura de permanente colaboração entre os governos compro- metidos com a Carta das Cidades Educadoras. Hoje a AICE conta com 478 cidades membros de 36 países de todos os continentes. A Prefeitura Municipal de Vitória ao integrar-se a esta asso- ciação deve promover ações que visam cumprir os vinte prin- cípios propostos pela Carta das Cidades Educadoras, dentre eles a igualdade, o direito à cidade, a integração social, entre outros. De acordo com Lefebvre (2001), os seres humanos possuem ne- cessidades sociais de origem antropológica, dentre elas a segu- rança e outras carências específicas que não foram e nem são 46 levadas em conta na urbanização ou na construção das cidades. Além disso, nos diz que é preciso superar ideologias para alcan- çarmos um humanismo novo, que aproxime o povo de sua histó- ria a fim de refazer e reconstruir as cidades a partir de projetos urbanísticos bem desenvolvidos e de programas políticos con- tra-hegemônicos. Para isso, se faz necessária a transformação intelectual, que pense na filosofia e na ciência (ou ciências) da cidade. É preciso o envolvimento do povo e da força que ema- na dele, demanda conhecimento da cidade, e também do meio rural, para que se possam criar parâmetros comparativos e de valores a serem implementados e alcançados coletivamente. Diante de tal atitude, quantas pessoas que vivem na cidade de Vitória conhecem ou exercem seus direitos, conhecem es- ses compromissos assumidos, conhecem e utilizam os espaços da cidade? Quantos cidadãos da cidade possuem conhecimento para cobrar metas ou cumprimento de princípios e objetivos? Ainda debatendo o termo “cidade educadora”, cabe apre- sentar uma experiência de aproximação realizada pelo Instituto Paulo Freire17 em parceria com a Associação Internacional das Cidades Educadoras (AICE), no ano de 2004. Oriunda dessa rela- ção foi sistematizada uma publicação, em português, intitulada Cidade Educadora: princípios e experiências, que compila traba- lhos extraídos dos Cuadernos Ciudades Educadoras América Latina com a finalidade, também, de apresentar o projeto Escola Cida- dã, proposto pela cidade de Porto Alegre – RS. Tal projeto estabelece uma utopia pedagógica em que a es- cola é dever do Estado, sob controle social, constituída por todos, com um currículo intermulticultural, que contemple os movi- mentos de educação popular, sendo este propulsor do processo de transformação política, econômica e cultural da sociedade. O projeto Escola Cidadã, surgiu no Brasil no início dos anos de 1990 e, de acordo com Gadotti et al. (2004): Educação na cidade: conceitos, reflexões e diálogos 47 Designa-se comumente por “Escola Cidadã” uma certa con- cepção e uma certa prática da educação “para e pela cida- dania”, que, sob diferentes denominações, são realizadas, em diversas regiões do país, principalmente em municípios onde o poder local foi assumido por partidos do chamado campo democrático-popular (GADOTTI et al., 2004, p. 122). Nesse livro, Gadotti e seus colaboradores aproximam-se de algumas experiências ocorridas na América Latina a fim de estimular o projeto “Escola Cidadã”. Relatam no último capí- tulo diversas experiências observadas em alguns municípios brasileiros com viés sócio-democrático. Não se deixam, entre- tanto, alheios às críticas, esclarecendo na apresentação deste desse capítulo a fonte dos textos que têm o intuito de fundar uma rede de solidariedade, aceitando, inclusive, contribuições. Analisando a aproximação entre grupos de ideias tão diferentes nos surpreendemos. De um lado um novo nome dado, Cidade Educadora, a uma antiga ideologia da Unesco, e, de outro, o que sempre pregou Paulo Freire: a autonomia, o diálogo, a cidada- nia, a dignidade, o envolvimento político. Entendemos tal apro- ximação como uma tentativa de Gadotti e seus colaboradores de extrair o melhor de cada ideologia a fim de atender um objetivo comum, a emancipação crítica do citadino. E, mesmo sobre essa égide libertária, é exatamente o oposto o que vemos no nosso dia a dia consumido pela economia hegemônica capitalista. No entanto, cabe salientar, como dito anteriormente, que as ideias propostas pela Carta das Cidades Educadoras seduzem e, até, en- contram pessoas capazes de criar um movimento novo com o cumprimento de seus princípios, mas ele é contraditório porque não supõe a transformação social, apresenta apenas paliativos. Outro estudo que realizamos acerca do conceito de cidade educadora deu-se a partir de Wink (2011). Para essa autora, tal 48 conceito está em constante transformação, pois algumas biblio- grafias tendem a relacionar o conceito de cidades educadoras a um modelo de bem bem-estar europeu (este oferecendo o mí- nimo, como uma proposta liberal clássica) com a o qual ela não concorda. Segundo a pesquisadora, é preciso pensar as cidades educadoras como aquelas que fortalecem as diversas identida- des. Explica o ingresso de uma cidade à Associação Internacional das Cidades Educadoras (AICE), bem como a necessidade de com- prometimento à Carta das Cidades Educadoras e sua relação com a Unesco. De acordo com Wink (2011, p. 72): A Cidade Educadora vê na educação a principal forma de transformação da sociedade, sendo referência a educação que vai além dos muros da escola. Trata-se da educação que não se finda, que não tem idade, não tem necessaria- mente espaço afixado e trabalha com o viés de que a troca e a aprendizagem é processo contínuo na construção políti- ca da autonomia do sujeito. Além disso, a pesquisadora reforça o conceito de perten- cimento e informa que a cidade educadora propõe repensar- mos as relações sociais, ambientais e os planejamentos urbanos diversos, informando que esta pode contribuir para minimizar os efeitos avassaladores do capitalismo. A pesquisadora reali- za algumas críticas ao projeto de cidades educadoras, pois ar- gumenta que a AICE sugere uma interação educativa entre os diferentes setores econômicos e sociais, mas isso raramente acontece, pois os setores propõem ações isoladas, visando seu bem -estar. Wink (2011), após suas análises, realiza crítica à ló- gica capitalista por trás das intenções demodelos europeus de cidade, propostos pela AICE. Freire (1995, p. 16) ressalta que a escola não é o único es- paço de veiculação do conhecimento, outros espaços podem propiciar práticas pedagógicas que possibilitam interação de Educação na cidade: conceitos, reflexões e diálogos 49 experiências. Para o autor a associação entre diferentes espa- ços educativos imprime o conceito de coletividade, que enten- demos ser premissa para a construção de uma visão crítica de mundo. Essa visão ou leitura de mundo que todo o ser humano necessita cultivar pode ser ampliada nas cidades por meio do diálogo, do respeito, da igualdade. Nos diz Freire (1995, p. 63): A palavra, a frase, o discurso articulado não se dão no ar. São históricos e sociais. É possível, em culturas de memória pre- ponderante ou exclusivamente oral, discutir, em projetos de educação popular, a criticidade maior ou menor contida na leitura do mundo que o grupo popular esteja fazendo num dado momento, sem a leitura da palavra. Ora, se as relações sociais e históricas nos imprimem uma visão e leitura de mundo que nos tornam capazes de discutir e propor ações, não é difícil conceber a ideia de que a cidade edu- ca. Mas, nesse contexto, é preciso saber como e para que a ci- dade educa. Quando pensamos na sociedade capitalista em que vivemos, pensamos também na educação mercantilista, bancá- ria, excludente que vemos, logo, também, na cidade que afasta, desprotege, deseduca. De acordo com Harvey (2014): A cidade tradicional foi morta pelo desenvolvimento capi- talista descontrolado, vitimada pela sua interminável ne- cessidade de dispor da acumulação desenfreada de capital capaz de financiar a expansão interminável e desordenada do crescimento urbano, sejam quais forem suas consequên- cias sociais, ambientais ou políticas (HARVEY, 2014, p. 20). Seguindo a lógica de Harvey (2014), nossas cidades cederam ao capital e somente um movimento revolucionário consciente e de interesse coletivo poderá transformar a sociedade e, con- 50 sequentemente, a cidade e seus processos de urbanização. Hoje vivemos numa cidade hostil onde a própria disposição dos es- paços privilegia o isolamento. Refletindo sobre a cidade, Lefeb- vre (2001, p. 73) diz que: “A vida urbana compreende mediações originais entre a cidade, o campo, a natureza”. Estas mediações somente podem ser compreendidas por meio de “simbolismos e representações (ideológicas e imaginárias)” que, hoje, são des- contruídos pelo movimento complexo de urbanização. No sentido de clarificar as diferenças entre a cidade edu- cativa, na perspectiva de Freire, e a cidade educadora, Chisté e Sgarbi (2015, p. 13) dizem: Já que consideramos todo ato educacional como um ato polí- tico, e que pontuamos que ele não é neutro, já que tomamos uma posição nesta nossa reflexão sobre cidade, educação e escola, faz-se necessário voltar a uma questão levantada na introdução deste texto. Ou seja, a de que os esforços por “cida- de educadora” visavam a ampliação e o reforço da sociedade capitalista pela via de se delegar a sociedade civil a responsa- bilidade de implementar e executar políticas sociais. Corroborando suas ideias às nossas, ao assumirmos o con- ceito de “cidade educadora” como correto, estamos nos ade- quando à globalização do mercado e atribuindo nossa incapaci- dade política, social, cultural e econômica diante daqueles que impõem a economia de mercado, vendendo uma cultura e um modelo de sociedade como se fossem únicos e os melhores do planeta. Longe dessas discussões, precisamos reforçar o que foi apontado para argumentar que a tarefa educativa da cidade im- plica posição política: devemos compreender a fundo a política dos gastos públicos, a política cultural e educacional, a política de saúde, a dos transportes, a do lazer (FREIRE, 1995). Nas pala- vras do pensador brasileiro: Educação na cidade: conceitos, reflexões e diálogos 51 No fundo, a tarefa educativa das Cidades se realiza tam- bém através do tratamento de sua memória e sua memória não apenas guarda, mas reproduz, estende, comunica- -se às gerações que chegam. Seus museus, seus centros de cultura, de arte são a alma viva do ímpeto criador, dos sinais de aventura do espirito. Falam de épocas diferen- tes, de apogeu, de decadência, de crises, da força condi- cionante das condições materiais (FREIRE, 1995, p. 26). Nesse sentido, compreendemos que educar na cidade pres- supõe o desvelamento de seus espaços, muitas vezes configura- dos para reproduzir a sociedade desigual em que vivemos. Essas contradições precisam ser reveladas por meio de uma educação que empodere os sujeitos e os impulsionem a coletivamente criar meios de transformar as condições de exploração em que estão hodiernamente submetidos. Município que Educa: contribuições do setor privado para o campo da educação pública O conceito “município que educa” surgiu com o Programa Município que Educa, lançado em 30 de janeiro de 2009 e coor- denado por Paulo Roberto Padilha, no contexto do Fórum Mun- dial da Educação e do Fórum Social Mundial, em uma iniciativa do Instituto Paulo Freire de lançar uma reflexão sobre a cidade com abordagem democrática e participativa. Segundo Padilha (2010, p. 12), tal programa possui como objetivo geral: [...] contribuir para o desenvolvimento das municipalida- des, com base na identificação, fortalecimento e mobilização do potencial educativo dos seus espaços e tempos, das ações dos sujeitos que ali vivem ou atuam e das iniciativas articuladas en- tre Estado e sociedade civil. 52 Padilha (2010) afirma que o conceito “município que educa” surgiu da experiência de anos, desde os primeiros de- bates sobre educação popular em meados dos anos de 1960, de iniciativas nacionais e internacionais, visando potencializar as intencionalidades educativas e fortalecer processos de gestão municipal participativa. Para isso utiliza o planejamento dialó- gico com vários segmentos sociais, iniciado com a base da so- ciedade. Além disso, prevê cinco estratégias básicas, sendo elas: potencializar as relações humanas e sociais; influenciar ações locais com projetos educativos; potencializar espaços educati- vos e criativos; realizar cadastros e agendamentos para encon- tros entre os representantes do município e o Instituto Paulo Freire. Sobre essas estratégias Gadotti (2010) pontua: Qualquer programa que tenta interconectar os espaços e equi- pamentos do município é fundamental, pois desconhecemos a nossa própria municipalidade e subestimamos as suas poten- cialidades. Precisamos empoderar educacionalmente todos os seus equipamentos culturais. A educação é cultura. O municí- pio é o espaço da cultura e da educação. Existem muitas ener- gias sociais transformadoras que ainda estão adormecidas por falta de um olhar educativo sobre eles (GADOTTI, 2010, p. 21). Podemos compreender que o programa Município que Edu- ca propõe, a partir de atos educativos nos espaços-tempos da ci- dade, uma educação integral e cidadã. No entanto, o que vemos ao longo dos anos são muitas propostas com diferentes nomes e, às vezes, mesmos ideais, que não são colocados em prática porque, infelizmente, povo crítico e inteligente incomoda. Se o Estado quisesse poderia empreender esforços para resolver o proble- ma educacional do país, mas a educação não é a sua prioridade. O programa Município que Educa instaurou parcerias. O primeiro parceiro potencial da rede município que educa foi Educação na cidade: conceitos, reflexões e diálogos 53 a União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (Undi- me), instituição criada em agosto de 1985, quando um grupo de dirigentes se reuniram em prol da educação municipal. Em 1986 o movimento já estava amadurecido e contava com cercade mil dirigentes municipais de educação. A associação com Instituto Paulo Freire aconteceu em 2009. A partir das parcerias, inclu- sive com diversas empresas privadas, a rede “município que educa” alavancou, realizou palestras, formações de professores, iniciativas individuais e coletivas, estudos e publicações. A rede Município que Educa esteve em ascensão até meados de 2013, quando aconteceu uma mudança na presidência da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e as pa- lestras com o objetivo de multiplicar a rede foram interrompidas. Cabe salientar que o Programa Município que Educa espera e propõe parcerias com os diversos segmentos da sociedade, le- vando-nos a inferir que, especificamente, por isso se afasta dos preceitos preconizados por Paulo Freire para uma cidade edu- cativa, pois, quando reflete sobre a escola esse pensador refor- ça a importância do Estado em cumprir seu dever de oferecer educação de qualidade e em quantidade para o povo. Quando Freire fala da cidade educativa e de sua necessidade de educar, aprender, conhecer, sonhar, criar, imaginar e ensinar, reforça em seu discurso a importância de educar politicamente a fim de quebrarmos as amarras colocadas pela classe dominante e pela economia hegemônica capitalista. Definitivamente, parcerias privadas na educação não traduzem seus ideais. Transpor para a iniciativa privada, em especial organizações não governamentais (ONGs) e instituições ligadas a bancos, as obrigações do Estado é inconcebível para Freire e para outros teóricos progressistas. Apesar de visualizarmos aspectos hegemônicos na propos- ta da rede Município que educa, vislumbramos pontos positivos que ainda se referem ao legado freiriano, como o trabalho com 54 temas geradores, o foco nos sujeitos como atores do processo de apropriação do conhecimento e a inserção dos educandos no contexto da cidade, estimulando a atuação crítica e cidadã. No en- tanto, consideramos que a proposta desta rede se aproxima, em muitos aspectos, das ideias debatidas quando tratamos o concei- to “cidade educadora”, pois visa o estabelecimento de parcerias com empresas privadas e, talvez, de modo não intencional, con- tribuem ao fim e ao cabo com a reprodução do sistema capitalista. Educação na Cidade como proposta contra-hegemônica de diálogo entre a cidade e a escola Para finalizar este texto, gostaríamos de retomar algumas questões que se direcionam a elencar pressupostos acerca da discussão empreendida. Diante da polissemia dos termos apre- sentados, cidade educativa, cidade educadora e município que educa, optamos pela utilização do termo “Educação na Cidade”, pressupondo que Educação em seu sentido amplo depreende processos de apropriação de conhecimentos diversos e pode ser efetivada em variados locais. Assim, consideramos que é possí- vel educar em diferentes espaços, sejam eles a escola, a rua, o museu, os monumentos históricos, os prédios, as pinturas dos muros, os parques ecológicos, as praças, as instituições bancá- rias, os postos de saúde, os hospitais, os centros comunitários, o comércio em geral, a igreja, etc. Basta para isso termos a inten- ção e condições objetivas para fazê-lo. A expressão Educação na Cidade é aquela que se aproxima mais efetivamente da propos- ta do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação na Cidade (Gepech); afinal, diante de uma cidade que educa, na maioria das vezes, para a adaptação à lógica do mercado, precisamos Educação na cidade: conceitos, reflexões e diálogos 55 construir uma intervenção pedagógica que nos ajude a ler essa cidade e apontar caminhos de sua transformação. Entendemos que o que torna, em tese, os espaços efetivamente educativos é o olhar que se tem sobre eles. Não existe olhar neutro do mun- do que nos cerca. Todo processo pedagógico está repleto de as- pectos ideológicos, políticos e culturais que se fazem presentes no ato educativo e marcam a forma de agir e compreender o mundo, ou seja, a tarefa educativa que pode ser implementada na cidade é atravessada pelos posicionamentos políticos, pela maneira que é exercido o poder na cidade, ou seja, a serviço de quem e de que estamos agindo. Cabe ficar atento às seguintes questões acerca da Educação na cidade: • Qual potencial transformador tem a cidade? • Que locais podem problematizar o que está posto? • Que estratégias podem ser pensadas nesses espaços que contribuam com a problematização da realidade? • Como pode a cidade contribuir com o processo de huma- nização dos sujeitos? • Que lugares da cidade podem contribuir com o processo de humanização? • Como planejar a visita a esses espaços? • O que fazer antes da visita? • O que fazer durante a visita? • Como dar continuidade às reflexões iniciadas na visita no espaço escolar? Sabemos da necessidade de assegurar que nossas ações pos- sam contribuir com a emancipação e com a humanização dos educandos, na perspectiva de construir uma sociedade menos desigual. Portanto, cabe pensar em uma nova organização dos espaços e dos tempos da escola e da cidade, na perspectiva da 56 instauração de práticas educadoras orientadas para o processo de humanização que se distancie dos preceitos capitalistas de mercantilização dos espaço citadinos. Consideramos necessário sistematizar propostas contra-hegemônicas que visem revelar as contradições presentes na cidade, para que os educandos am- pliem suas consciências críticas e seus conhecimentos de mundo. Desse modo, compreendemos que educar na cidade pres- supõe o desvelamento de seus espaços, muitas vezes configu- rados para reproduzir a sociedade desigual, marca registrada da sociedade capitalista. Essas ambiguidades precisam ser re- veladas por meio de uma educação que empodere os sujeitos e os estimulem a, coletivamente, criar meios de transformar as condições de exploração em que estão submetidos. Assumimos que toda a escola deve ser pública, democrá- tica, capaz de promover a humanização e a transformação so- cial e de mediar conhecimentos integrais e emancipatórios, tanto em seu espaço institucional quanto nos demais espaços da cidade. Insistimos que a escola é um espaço privilegiado de transmissão do conhecimento sistematizado, por isso é tão des- potencializada pela elite dirigente que busca de modo inces- sante enfraquecê-la tendo em vista o seu potencial coletivo de conscientização. É o local que, sob um viés contra-hegemônico, pode estimular a politização dos indivíduos impelindo-os à crí- tica e à tomada do poder. Ensejamos que, a partir de propos- tas oriundas e em consonância com a escola, todos os espaços da cidade colaborem com o desmantelamento das estratégias que enfraquecem o coletivo e reforçam a ideologia dominante. Vigotski (2010), no último capítulo do livro Psicologia Peda- gógica, publicado na Rússia em 1926, diz que o maior erro da es- cola foi ter se fechado e se isolado da vida. Nas palavras do autor: A educação é tão inadmissível fora da vida quanto a combus- Educação na cidade: conceitos, reflexões e diálogos 57 tão sem oxigênio, ou a respiração no vácuo. […] Na cidade do futuro provavelmente não haverá um único prédio em que apareça o letreiro “Escola”, porque escola, que no pleno senti- do da palavra significa “lazer”, e destinou pessoas especiais e um edifício especial para ocupações com “lazer”, estará toda incorporada ao trabalho e à vida e se encontrará na fábrica, na praça pública, no museu, no hospital e no cemitério. Em cada sala de aula haverá janelas. Um professor de verdade irá olhar de sua escrivaninha para o vasto mundo, para as inquietações humanas, as alegrias e obrigações da vida, […] e na escola do fu- turo essas janelas estarão abertas da forma mais escancarada,
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