Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Shirley Moreira Alves EDUCAÇÃO E MOVIMENTO CORPORAL 1ª Edição Sobral/2017 Sumário Palavra da Professora autora Sobre a autora Ambientação à disciplina Trocando ideias com os autores Problematizando UNIDADE I: O CORPO: RELAÇÕES E SIGNIFICADOS HISTÓRICOS O corpo: relações e interações na contemporaneidade Práticas corporais ao longo da história Métodos ginásticos europeus UNIDADE II: CULTURA CORPORAL DO MOVIMENTO E CORPOREIDADE Cultura e contexto histórico do movimento e corporeidade Corporeidade infantil: brincando com o movimento O Jogo no desenvolvimento infantil UNIDADE III: MOVIMENTO E APRENDIZAGEM NA INFÂNCIA O processo de aprendizagem motora durante a infância Padrões motores fundamentais na infância Desenvolvimento cognitivo Explicando melhor com a pesquisa Leitura obrigatória Pesquisando na internet Saiba mais Vendo com os olhos de ver Revisando Autoavaliação Bibliografia Bibliografia da Web Vídeo Palavra da professora autora Caro estudante, seja bem-vindo! A temática que envolve o estudo do movimento corporal como ferramenta pedagógica de desenvolvimento humano cognitivo e motor sempre ocupou lugar de destaque entre os estudiosos e profissionais que estão direta ou indiretamente ligados com a educação infantil. Atualmente, o tema tem sido revisitado no intuito de subsidiar cientificamente e, sobretudo para dá norte e suporte aos professores no decorrer de sua atuação profissional, haja vista que o cenário prático de desenvolvimento da criança é cheio de situações muitas vezes imprevisíveis, o que requer muito conhecimento e estudo por parte desses profissionais. Além disso, conhecer e se apropriar do assunto abre caminhos para que um novo olhar seja lançado sobre as necessidades surgidas em sala de aula ou durante as atividades propostas, fazendo com que os professores busquem compartilhar com outros profissionais suas experiências e inquietações, pode encurtar o caminho para soluções rápidas, mais inteligentes e eficazes para cada demanda surgida. Desejamos que ao dedicar-se sobre o tema em evidência você estudante possa se identificar e motivar-se a estudar mais aprofundadamente, uma vez que o estudo em questão poderá ser utilizado como ferramenta primordial em suas atividades profissionais, tornando o ambiente de trabalho mais interativo e a relação com os demais profissionais mais estreita, no intuito de diminuir os problemas e aumentar as chances de solução. A autora! Sobre a autora Shirley Moreira Alves é mestre em Ciências da Saúde, pela Universidade Federal do Ceará-UFC (2016). Especialista em Fisiologia do Exercício e Biomecânica do Movimento, pela Faculdade Integrada do Ceará – FIC Estácio de Sá – FIC (2006). Graduada em Educação Física (licenciatura plena) pela Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA/ Sobral - (2003). Atuou como professora Coordenadora de Núcleo no Projeto Segundo Tempo no SESC Sobral e Prefeitura Municipal de Sobral. Coordenadora de projetos Esportivos Educacionais na Prefeitura Municipal de Meruoca - Sobral -CE. Ambientação à disciplina Caro estudante seja bem-vindo à disciplina de Educação e Movimento Corporal. O estudo trata-se de uma disciplina que traz um rol de conhecimentos básicos pertinentes à proposta central da temática (movimento como ferramenta pedagógica), que os profissionais de diversas áreas (Educação Física, Pedagogia, Psicomotricidade, dentre outras) necessitam para uma formação mais integral. Nesta disciplina, você irá compreender de que forma o corpo foi tratado durante o percurso histórico da humanidade, suas atribuições e limites impostos pelas sociedades sob o enfoque cultural, político e religioso. Também será possível conhecer as práticas corporais que deram origem à Educação Física nos moldes atuais enquanto disciplina do currículo pedagógico trabalhado nas escolas brasileiras, passando pela Cultura Corporal do Movimento e Corporeidade Infantil. Além disso, esse construto traz informações importantes acerca do desenvolvimento motor da criança à luz de teóricos como Jean Piaget, e Gallahue e Ozmun, sem deixar de contemplar a aprendizagem e os aspectos cognitivos. Excelentes estudos! Trocando ideia com os autores Sugere-se a leitura da obra: Desenvolvimento Humano. 12ª Edição. Esse livro aborda as diferentes fases do desenvolvimento, da formação de uma nova vida ao inevitável momento da morte. Seguindo uma abordagem cronológica, as autoras apresentam os aspectos do desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial de forma didática e ilustrada. PAPALIA, Daine E.; FELDMAN, Huth Duskin. Desenvolvimento Humano. 12ª Edição. São Paulo: AMGH, 2013. Recomenda-se também a leitura da obra: Sentir, Pensar e Agir: Corporeidade e Educação. Este livro é Dividido em quatro capítulos, a autora estruturou sua exposição com base nos tópicos: o corpo na vida cotidiana, a problemática do homem e sua corporeidade no pensamento filosófico, reflexões sobre o homem e a Educação e a Educação Física. GONÇALVES, Maria Augusta S. Sentir, Pensar e Agir: Corporeidade e Educação. 11ª Edição. São Paulo: Papirus, 2013. GUIA DE ESTUDO: Após a leitura das obras, escolha uma e produza um texto abordando os pontos principais, destaque os pontos que venham contribuir para a disciplina de Educação Física, em seguida compartilhe sua reflexão, postando no ambiente virtual. Problematizando Durante sua vida profissional, você compreenderá por meio de diversas situações que a Pedagogia e a Educação Física se apresentam como duas áreas do conhecimento com grande interface. Um bom exemplo, diz respeito ao desenvolvimento motor e cognitivo da criança, bem como a Cultura Corporal do Movimento, que se constitui numa importante ferramenta educacional. Bem, agora imagine que durante uma aula de atividade física no Ensino Infantil, você perceba que dentre as crianças, existe uma que está sempre isolada e dificilmente executa as atividades propostas por se sentir incapaz de realizar algum tipo de movimento, e durante algumas observações, você professor detectou um possível atraso no desenvolvimento motor ou cognitivo dessa criança. O que você faria neste caso? Caro estudante, lembre-se que cada criança possui características psicomotoras peculiares, porém, em sua grande maioria se enquadram em algum padrão de desenvolvimento motor. Segundo Piaget (1976) a criança não pode antecipar estágios, ou seja, se ela está no estágio sensório-motor evidentemente não pode adiantar o estágio operatório-formal, logo deveria passar para o pré-operatório. GUIA DE ESTUDO: Diante dessa teoria, produza um texto argumentativo abordando o seguinte questionamento: Essa criança teria o seu processo de aprendizagem afetado, se esse procedimento de antecipação de estágios acontecesse? Compartilhe suas reflexões postando no ambiente virtual. O CORPO: RELAÇÕES E SIGNIFICADOS HISTÓRICOS 1 CONHECIMENTOS Compreender a importância do corpo como instrumento social, político e religioso, os significados atribuídos ao corpo durante a história da humanidade, as formas de controle sobre o corpo, e as práticas corporais que serviram de base para a Educação Física enquanto proposta curricular. HABILIDADES Reconhecer as fases históricas e as diferentes atribuições dadas ao corpo. ATITUDES Domínio do conteúdo, postura ética, espírito de equipe, investigação da temática em outras fontes de pesquisa demonstrando empenho, dedicação e comportamento condizente com a sua prática profissional. O corpo: relações e interações na contemporaneidade Por ser o corpo uma instância polissêmica, ou seja, demúltiplas faces e significados, formular um conceito que o defina pode ser tarefa demasiadamente difícil, porém, também pode representar uma viagem infinda acerca de inúmeras questões que permeiam a elaboração de seu conhecimento, bem como as atribuições destinadas a ele ao longo do tempo. A história do corpo se confunde com a história dos povos espalhados pelo mundo, e cada civilização o constrói a partir de suas concepções e vivências, criando, assim, padrões diversos que vão desde a beleza, passando pela saúde até a sexualidade, e tais concepções se alojam em torno das teorias que o explicam. O corpo e suas possibilidades de ação possuem importante ligação com o ser humano, dado que este só existe por ser animado. A ele são destinados diferentes valores que se opõem entre si, e com outras questões sociais e individuais. É importante destacar que o conhecer do próprio corpo não deve estar limitado às partes anatômicas ou funcionamento biológico, está muito mais envolvido com o que essas partes podem realizar do que com o que realmente são, afastando qualquer tentativa de fragmentação do corpo. Para tanto, é necessário compreender as características, mudanças e desenvolvimento que ocorrem no corpo na ótica do movimento, conjuntamente com as questões que rodeiam o intelecto, num cruzamento de informações que proporcione a compreensão de sua multiplicidade. Ao visitar o contexto histórico que envolve questões sobre corpo e suas relações é possível encontrar um conjunto de significados que foram atribuídos a ele e conforme cada época atendia aos pensamentos e necessidades das civilizações. Na Grécia Antiga o corpo era referência de estética, era amplamente trabalhado para seu aprimoramento e visto como instrumento de glorificação. O corpo estava no centro dos interesses do Estado, sendo valorizado por sua saúde, condição, capacidade atlética e fertilidade. Contemplar o corpo nu era motivo de prazer, pois representava a saúde e harmonia física que eram priorizados pelos gregos. Nessa época o corpo agregava valor por sua capacidade performática, saúde e estética, num conjunto dual entre corpo e mente rumo à perfeição. O corpo atlético (Figura 1) era almejado por todos, e a disseminação por Hipócrates (pai da medicina) dá ideia de que os exercícios físicos eram benéficos não só para os músculos e sim para a saúde mental, motivando a existência da dualidade entre corpo e mente. A figura a seguir relata o corpo atlético de um desportista (lançador de disco) da Grécia antiga feita pelo escultor Míron. Figura 1 Fonte: www.google.com.br Nesse contexto, as questões acerca da sexualidade eram direcionadas no sentido de que o indivíduo deveria ter controle sobre si, fazendo bom uso de seu corpo. Porém, esta regra só se aplicava aos homens livres, excluindo-se os escravos e as mulheres. Estas estavam restritas aos domínios de seus pais e maridos, aos quais deviam obediência e fidelidade; e ambos (escravos e mulheres) não podiam usufruir de permissões como a bigamia, homossexualidade e andar com o corpo desnudo pelas ruas e ginásios, o que na época era considerado privilégio. Nesse tempo não havia entendimento do corpo sob a ótica do pudor, o corpo era objeto de admiração e combate criado pelos deuses gregos, e por tudo que representava estava exposto para ser admirado. Em contraste ao cenário grego, os romanos não colocavam seus corpos à mostra, apesar de ter incorporado as formas de arte gregas. Tendo como ponto de partida o quadro que remonta a ideia renascentista de que o homem constrói a si próprio, é possível enxergá-lo como foco do pensamento humano medieval, onde o humanismo, ou seja, a valorização do homem e da natureza é fortemente retratada nas manifestações culturais, na literatura e ciências como um todo, colocando o corpo da Idade Média e o corpo do Renascentismo como processo contínuo não divergente, e sim contínuo e cheio de diversidade. Porém, é preciso examinar cada período e suas características particulares. No desenrolar histórico o corpo ganha novas conotações. Na Idade Média as concepções religiosas o colocam em trânsito entre a beleza estética e o que é proibido, pecado, impuro. Essa configuração cristã expõe o corpo a uma situação de repressão, mas também o coloca em estado de glorificação, uma vez que o corpo de Cristo exprime todo o sofrimento demonstrado através da dor física, que naquela época era extremamente valorizada. Nesse contexto, fica evidente a importância do corpo e da alma como pilares da humanidade, porém, separados entre si, com uma predominância da alma em relação ao corpo, pois os prazeres não deveriam ser exaltados em detrimento do bem estar da alma. E assim se configurava o Cristianismo: o corpo não deveria ser confundido com a mente, pois o corpo possuía íntima relação com a fé, evidenciando uma clara separação entre corpo e alma. Os prazeres da carne eram considerados secundários, sendo sobrepostos pelo bem da alma. O sentimento de culpa ganha espaço no domínio corpo/mente e atitudes extremas como: o autoflagelo, apedrejamentos, enforcamentos e execuções em praça pública eram altamente incentivados sob o olhar da Igreja Católica. Nesse período, fica evidente o controle do indivíduo social através de seu corpo, pois as práticas religiosas eram um reforço da garantia de salvação, vida eterna e amplamente difundidas pelas igrejas. Dando continuidade a viagem histórica que dá conta do infinito mundo, a partir das relações construídas com base no corpo, os registros mostram que a Era Moderna foi marcada pelas descobertas biológicas em relação ao corpo, revelando sua constituição anatômica e fisiológica numa perspectiva que valorizava a saúde, já que nesse período algumas patologias como a lepra, supostamente causada por exercícios excessivos, dietas inadequadas ou ainda pelos ares fétidos de matérias em decomposição, e a peste negra figuravam como determinantes dos altos índices de mortalidade na comunidade europeia. Esse cenário colocava o corpo em segregação social incentivada pela igreja, que pregava que a lepra se contraía através de atos sexuais impuros, a figura (2) mostra um leproso tendo sua entrada na cidade barrada por um burguês que está no portão principal. Figura 2. Fonte: http://www.ricardocosta.com No Renascentismo o corpo desnudo ganha destaque nas expressões artístico culturais como a pintura, por exemplo. Nesse momento histórico, as atividades comerciais burguesas são difundidas e ganham espaço, contrastando com a era medieval na qual eram extremamente limitadas, originando, dessa forma, o Capitalismo. Na contemporaneidade, numa tentativa de reunir as mais diversas concepções sobre o corpo, o estudioso Michel Foucault traçou uma linha entre o passado, que se ocupava da preocupação com o corpo bem alimentado, e o século XII, onde o foco era a sexualidade e as práticas sexuais em torno do corpo. Isto gerou uma necessidade de controle desse corpo diante do contexto social, o que ocorreu a partir de regras e códigos muito bem representados pelos dogmas religiosos. Portanto, o corpo era visto por Foucault como um http://www.ricardocosta.com/ objeto social controlado sob normas e códigos, porém, com a incrível capacidade de se opor ao controle social. O corpo moderno passa a ser motivo de preocupação no panorama controlado pelo processo de industrialização, nas necessidades higienistas de uma sociedade sã moral e fisicamente. O corpo ganha liberdade em relação aos dogmas da igreja e surgem novas teorias a sua volta, levando a crer na capacidade de transformação desse corpo enquanto matéria. É na era moderna que o individualismo e competitividade ganhamespaço e o mundo passa a ser explicado sob a ótica do fazer científico, colocando o corpo como objeto de lucro. A partir do século XX, com advento de novas tecnologias, o corpo passa a ser vislumbrado como produto e comercializado para atender as demandas sociais de consumo. Daí surge à valorização extrema da aparência e os padrões de beleza ditados pela sociedade e impostos pela mídia, além de ser (o consumo) característica marcante do capitalismo. Outro ponto a ser destacado é a relação narcisista na busca incessante pela satisfação como o próprio corpo, uma vez que existem padrões pré- determinados para o alcance de tal satisfação. Essa relação do corpo em contato direto com o capitalismo, alimenta a comercialização da beleza física colocando em questão as concepções individuais acerca do corpo belo, o que leva o indivíduo a entrar em crise, uma vez que a grande maioria procura por tratamentos de beleza, o uso de próteses, intervenções na área da biologia molecular e engenharia genética, assim como as novas técnicas de cirurgias e o uso de recursos químicos que têm feito do corpo objeto de experimentação e melhoramento, alimentando a indústria da beleza e performance de forma grandiosa. O corpo pós-moderno é o retrato fiel da decomposição, divisão em partes altamente definidas e especializadas contrastando com a visão medieval de que o corpo era parte de uma composição dual entre o abstrato representado pela alma, e o concreto definido pela matéria. Nos tempos vigentes o corpo sofre essa múltipla divisão que o fraciona em partes anatômicas consideradas potenciais para a comercialização. Atualmente, o corpo é alvo de inúmeros estímulos que vão desde o cuidado com a saúde, higiene, práticas de lazer, alimentação saudável, exercícios físicos, até cuidados e cirurgias estéticas, dentre outros, colocando em questão as atitudes individuais e o comportamento em sociedade. Apesar de esses estímulos gerarem um estilo de vida saudável, em alguns casos também coloca em evidência o uso do corpo como produto, o narcisismo, as contradições das escolhas, a busca pelo poder e afirmação social, uma vez que o corpo está para além das relações do indivíduo consigo mesmo. Nesse momento, deixa-se de lado a visão do corpo máquina (de Foucault) para se enaltecer o corpo como mercadoria, uma vez que um grande volume de símbolos e significados foram construídos em torno das concepções do que é o corpo e suas relações. Assim, a sociedade atual é imposta um grande volume de restrições com relação ao corpo, que camuflado pelo apelo da saúde é bombardeado pelas regras de beleza e estética, fortalecendo produtos como métodos de treinamento físico, cosméticos, intervenções cirúrgicas, dentre outros. Esse quadro afirma a constante preocupação com o corpo na perspectiva do cuidado narcisista. Contudo, há que se atentar para a subjetividade que rodeia o corpo, pois nele se encontram os desejos, fantasias, os sentidos, a imaginação, a realidade etc. Esse entrelace de sensações é composição de um grande enovelamento real e irreal da humanidade ao longo da sua construção histórica, que não pode ser preterida e nem tampouco negada. O corpo é morada das necessidades vigentes das sociedades a partir de construções temporais rebuscadas em épocas diferentes. Portanto, não é passivo de conceito findo ou infundado, está em constante movimento e construção. O corpo é espaço de ideias fluentes, experiências, linguagens e significados formulados ao longo dos tempos e fortalecidos pelas relações sociais no decorrer da história. Não obstante, o corpo é alvo prioritário das questões que permeiam a educação em todo o mundo, e mais uma vez passivo de controle, ainda que velado. Nesse sentido, pode-se afirmar que a modernidade trouxe consigo um discurso baseado na ciência, na civilização, no progresso e racionalidade no intuito de promover uma nova instituição, capaz de carregar a responsabilidade de instaurar uma nova ordem com base no reconhecimento do Estado, através da industrialização, da competição, do fortalecimento e disputa das classes sociais etc. Era o início da escolarização de grandes massas, pois nesse momento ocorria a substituição da educação doméstica pela educação seriada, graduada. Nesse lento processo de escolarização, pelo qual passavam todas as civilizações no mundo, era possível identificar dois pilares primordiais na tentativa de redimensionar o papel do corpo na escola: um através do surgimento das ginásticas, dos trabalhos manuais, da higiene, dos exercícios militares etc, e outro ancorado na eugenia com base no fortalecimento da raça através de novos hábitos e valores afirmando a escola como uma instituição aprimorada da família. É fato que, no percurso histórico aqui apresentado, áreas do conhecimento que tinham como foco primordial o corpo, como a Ginástica, por exemplo, eram apresentadas como produto científico acabado, findo, se opondo ao uso do corpo para fins que não fossem de interesse capitalista como o lazer, expressões que retratassem a relação do homem com a natureza e até mesmo as expressões de ócio. Nesse contexto, a escola se configura como ponto de referência na tentativa de transpor novos desafios trazidos pelas necessidades e valores dos tempos modernos, porém, sob a ótica do poder e dominação política. Assim surgiu a Educação Física, na perspectiva de responder às questões que geravam preocupações como as práticas higienistas, a eugenia da raça, os exercícios militares, a escola como extensão dos ensinamentos familiares etc. É nesse processo educacional de ressignificação da educação e da escola que se constrói novos olhares acerca do conhecimento e práticas corporais. Contudo, a escola é guardiã de uma série de instrumentos voltados para o controle desse corpo, dando-o significado ideológico sob a perspectiva da economia, poder, utilidade, moral e higiene. É na escola que o corpo é disciplinado, ainda que de forma velada, para atender as demandas dos grupos sociais dominantes, portanto, é possível dizer que o corpo é educado, disciplinado, docilizado de forma especialmente sutil. Há relatos na literatura de que nas escolas do século XVIII e XIX o corpo era trabalhado de forma rigorosa através de regulamentos que controlavam de forma mecânica o movimento, o comportamento corporal dos estudantes, a forma como se colocavam no espaço e no tempo, deixando aprisionada a espontaneidade nos gestos e atitudes. É Indiscutível a tentativa constante de dominação do corpo por vias que proporcionem sua domesticação, controle e contenção dentro do âmbito escolar ao longo da história. Porém, não se pode negar que a escola possui formas singulares de tratar, entender e reconhecer o corpo que perpassam gerações e estão focadas nos interesses das civilizações espalhadas pelo mundo. As relações geradas no espaço escolar são clarificadas nas mais variadas formas de preparar as gerações e, por isso, o processo educacional segue o ritmo ditado por cada época, onde os atores sociais determinam as marcas de seu tempo. Diante do exposto, é possível afirmar que a educação em si é uma forma de incutir no indivíduo saberes, conhecimentos, valores e um conjunto de regras que regem a coletividade e dão subsídio individual para as relações estabelecidas entre o indivíduo e a sociedade, consigo próprio e com o mundo que o cerca ao passo que a escola se afirma como instituição de estímulo da práxis pedagógica para a sociedade na qual está imersa, e o corpo, por sua vez, é a inter-relação de todos esses parâmetros. É válido ressaltar que as ações educacionais procuram, continuamente, dominar o corpo em prol de sua adequação aos costumes, regras e relações sociais de domínio político vigente. Para tanto, no meio escolar, os instrumentos de controle sociais devem atender ao domínio e regulaçãode certas atitudes corporais por meio de tecnologias e políticas de ajuste social, colocando o corpo sob obrigações e limitações. É um esforço que alimenta a negação do corpo partindo do meio escolar para as relações em sociedade, através de um conjunto de punições ensinado aos estudantes logo no início de sua vida escolar. Esses traços de dominação podem ser identificados no excesso da mente em relação ao corpo, como estudado anteriormente. Diante desses aspectos, outro ponto a ser refletido é a relação corpo, violência e escolarização, entendendo violência não somente a agressão física, mas principalmente a intelectual. Como exemplo, podemos apontar o compartilhar ou não de espaços dentro da escola por estudantes, professores e demais profissionais atuantes no âmbito escolar. Se observarmos há uma predominância dos estudantes mais fortes e mais velhos em espaços ditos privilegiados dentro da escola, restando aos demais, estudantes considerados menos populares ou “fracos”, apenas espaços que não ocupam o interesse dos primeiros. Além do exposto, momento como intervalos entre aulas passa a ser cenário de dominação explícita na relação entre gêneros no que diz respeito aos espaços de manifestação corporal como quadras, pátios, anfiteatros e outros, configurando uma dominação dos meninos em detrimento das meninas, além de se configurar a clássica separação: meninos de um lado e meninas de outro. Esse cenário reflete sobre inúmeras questões como: a provocação dos questionamentos, o papel da escola, dos professores e até mesmo os próprios estudantes diante de práticas corporais. Não poderíamos deixar de citar os castigos físicos, como ficar em pé e de costas ou sentar-se isolado e de costas para a sala de aula, o uso de palmatórias e outros, no hall da violência contra o corpo dentro da escola. No Brasil, no século XIX, a intenção do alcance de corpos civilizados e de bons costumes provocou consideráveis investimentos nesse processo. Os castigos provocavam nos estudantes sentimento de culpa e humilhação e sustentavam a disciplina e autoridade do professor sobre o estudante, assim como fortaleciam a coerção, controle, domínio e disciplina dos corpos no meio escolar. Outro ponto importante a ser destacado são os castigos morais que andavam lado a lado com os castigos físicos, limitando ainda mais os estudantes no espaço escolar. Fica claro que houve um prejuízo, talvez irreparável, na aplicação dos castigos, pois eram empregados em prol do desenvolvimento da instrução, porém, geravam grande dificuldade de aprendizado nos estudantes por se sentirem intelectualmente e moralmente atingidos. A modernização da escola trouxe consigo o fim dos castigos como ferramenta de formação do indivíduo dentro da escola. Pesquisas realizadas por estudiosos apontaram que tal prática era desnecessária e até mesmo prejudicial ao estudante. Em meados do século XIX (1926-1935), a construção de modelos pedagógicos como Escola Nova e Escola Ativa traziam uma nova visão e perspectiva acerca do corpo dentro da escola, apontando o esporte como conteúdo escolar e ferramenta cultural de formação. Esse processo colocou a escola em transformação, onde a cultura moderna e efetiva deveria ser o foco, por meio de comportamentos e condutas que fossem moralmente seguidos pela sociedade como exemplo. A intenção era o incentivo de hábitos saudáveis através da simbologia trazida pelo esporte ancorada na força, energia e vigor, compilando uma série de movimentos que alinhavam o corpo ao progresso. Dessa forma, por volta do final do século XIX, se estreitavam as relações do esporte, conteúdo da Educação Física, na perspectiva lúdica com a escola, disseminando, desse modo, cada vez mais a prática esportiva como conteúdo educativo. Nesse ritmo, o esporte ganhou rapidamente espaço nas escolas, e no início do século XX era considerado uma “febre”, por ser demasiadamente praticado nos grandes centros do país. Ao colocar-se no universo escolar como dispositivo de formação cultural, o esporte passa a ser ferramenta disciplinar para transmitir conhecimento, não só científico como também de senso comum; e formular e cativar condutas de convivência em sociedade, apresentando-se como uma forma mais branda de domínio sobre o corpo, porém não menos eficaz sob o ponto de vista da supremacia política e econômica. Ao pensarmos em corpo sob o enfoque da educação, é preciso levar em consideração todo o gestual e cuidados dedicados a ele nas mais variadas práticas educativas. Não obstante, o corpo permite que o indivíduo seja visto, já que seus sentimentos, atitudes e pensamentos estão ligados através de uma teia complexa que dá a dimensão da percepção corporal do homem. Através do corpo é possível interagir e perceber o que se passa em seu entorno, enveredando na multiplicidade do que é possível e impossível no campo real e imaginário. Todas as influências sejam elas sociais, culturais, biológicas, religiosas ou de poder, são forças que atuam diretamente sobre a estruturação e construção cultural do corpo, perpassando gerações. Práticas corporais ao longo da história Diante do estudo realizado até o momento acerca dos diversos momentos históricos de construção e ressignificação do corpo, é igualmente importante compreender de que forma as práticas corporais sofreram influência ou o influenciaram. Práticas Corporais: são manifestações da cultura corporal de determinado grupo que carregam significados atribuídos pelas pessoas, e que devem contemplar as vivências lúdicas e de organização cultural. Os conceitos que circundam o corpo ao longo da história, tais como de higiene, beleza, força, ordem etc., possuem grande reflexo sobre as práticas corporais, contribuindo para o seu surgimento ou desaparecimento. É bem verdade que as formas de cuidado e educação do corpo refletem diretamente na maneira pela qual é tratado e ocupa lugar na sociedade. Igualmente e importantes são as práticas corporais, que por si só configuram-se como forma de mediação entre o corpo e as representações simbólicas sociais vigentes. O início do século XIX trouxe consigo modificações nas formas de execução dos movimentos que compunham as práticas corporais, influenciando assim no objetivo destas e na forma como a educação enxerga o corpo, com intuito de criar parâmetros passíveis de medição e comparação. Em outras palavras, a intenção da educação era sistematizar os movimentos, os exercícios possíveis de serem realizados pelo corpo, sem perder o controle sobre este, à luz da ciência. Nesse sentido configuram-se novas formas de controle desse corpo, através de regras, códigos e práticas reunidos em torno da busca pelo movimento performático, ou seja, o que mais contava era a plasticidade do movimento, sua amplitude, a perfeição do gesto. Isso levou a uma sistematização dos movimentos e exercícios, aumentando a necessidade de compreensão dos efeitos dos mesmos sobre o corpo, dando origem às ciências que estudavam o corpo sob o ponto de vista da performance, do rendimento, comparando, medindo e criando protocolos possíveis de reprodução em todo o mundo. Portanto, a nova visão de corpo se consolidava na necessidade de mensurar sua força, velocidade, técnica, capacidades múltiplas e de que forma poderia manter regularidade constante. Contudo, Sant’anna (2000) afirma que nem sempre as relações estabelecidas entre o corpo e a técnica são harmoniosas e funcionais, gerando em alguns momentos conflitos, tensões, disputas e diferenças que podem passar despercebidas. Nesse sentido, esclarecer e elucidar as contradições e diferenças em prol da relação corporal coletiva tolerante e inclusiva é descontruir a ideia de domínio do corpo e suas relações dentro da escola, uma vez que se deve enaltecer os processos formativos que busquem a completudedo indivíduo nas suas relações sociais e individuais, rompendo com esse cenário de domínio do corpo. Métodos ginásticos europeus Na Antiguidade, as formas de exercitação possuíam diferentes características e ganharam diversas finalidades como a educação corporal, eficiência fisiológica, terapêutica, estética, moral e militar (DARIDO e RANGEL, 2005). Nesse contexto, podemos apontar que a Ginástica é considerada uma ferramenta importante da Cultura Corporal do Movimento que se construiu ao longo dos tempos. A propositura da Ginástica como prática corporal nos remete ao século XIX, recorte do tempo no qual foi sistematizada e fomentada em toda a Europa e posteriormente em todo o mundo. Esse momento histórico ficou conhecido como Movimento Ginástico Europeu que, por conseguinte, originou os Métodos Ginásticos, que surgem com intuito de sistematizar as diferentes formas de se exercitar, dividindo-se em quatro escolas: Alemã, Sueca, Francesa e Inglesa. Esse movimento influenciou a prática de exercícios sob o enfoque educativo. Escola Alemã Nessa época (século XIX) a Alemanha estava sob constante ameaça de guerra e a ginástica surge como uma alternativa de preparação para defender a pátria. Havia um forte apelo ao espírito nacionalista em que homens e mulheres deveriam ser fortes e saudáveis. Voltada para fins pedagógicos, ou seja, responsável pela educação do povo, a Escola de Ginástica Alemã possuía duas vertentes: a Ginástica Pedagógica Moderna, também conhecida como a ginástica para jovens, disseminada por Johann Christoph Friedrich Guts Muths, e a Ginástica Prática Social que estava voltada para o sentimento nacionalista popular, e tinha como principal líder, Friedrich Luwig Jahn, que aplicava os exercícios em prol da unificação da pátria. Foi ele quem criou as barras paralelas e o cavalo, aparelhos inspirados nas guerras da época, utilizados na Ginástica Artística. É a partir desse método ginástico que nasce a Ginástica Olímpica que se conhece nos dias atuais. Jahn, considerado o “Pai da Ginástica”, se destacou por disseminar o método entre a população dando um enfoque patriótico ao caráter militarista marcante, cuja preocupação era a purificação da raça para o trabalho e desenvolvimento da nação, a defesa da pátria nas guerras e a preservação da raça através de uma maior preocupação com o corpo feminino, além de defender que a ginástica deveria ser para todos. Ele defendia a premissa de que o homem deveria ser forte, ou seja, “vive quem pode viver”. A Escola de Ginástica Alemã chegou ao Brasil por volta da segunda metade do século XIX através de imigrantes alemães que difundiram o hábito de cultivar diferentes práticas corporais no território brasileiro a partir do Estado do Rio Grande do Sul. Também era amplamente praticada por soldados da Guarda Imperial, em sua maioria alemães que abandonaram o serviço militar em seu país e ficaram no Brasil. O método alemão, criticado por Rui Barbosa por não ser adequado para fins pedagógico e sim apenas militar, foi consagrado como método oficial do exército brasileiro a partir de 1860, até 1912, data em que o método francês assume o seu lugar. Sobre este método francês, a discussão será mais adiante. Escola Sueca Voltando a atenção agora para o Método de Ginástica Sueco (início do sec. XIX) podemos observar que sua finalidade difere do método anteriormente estudado, pois seu caráter militar era frágil, porém deveria gerar indivíduos capazes de defender a pátria, dando enfoque principal à missão de regeneração da raça através da extirpação dos vícios cultivados pela sociedade (alcoolismo). Esse método é caracterizado pela valorização da Ginástica no âmbito escolar como relevante para a formação cidadã, ideia fomentada por Pehr Henrick Ling. A Ginástica era apontada ainda como ferramenta que deveria ser utilizada para fins médicos, militares, estéticos e ortopédicos, e era dividida em quatro partes: Ginástica Pedagógica ou Educativa, voltada para a saúde e desenvolvimento do indivíduo; Ginástica Militar, que mantinha as características da ginástica pedagógica, porém com exercícios voltados para preparar os indivíduos para as guerras; Ginástica Médica ou Ortopédica, que objetivava eliminar os vícios posturais, e a Ginástica Estética, baseada na pedagógica voltada para o cultivo do corpo belo e harmonioso. Dentre as práticas corporais estavam exercícios livres (sem aparelhos), saltos no cavalo, jogos ginásticos, patinação e esgrima. Esses exercícios eram associados aos cantos entoados pelos homens que faziam parte do exército. Outra prática corporal que surgiu nessa época inspirada na Ginástica Sueca foram os exercícios calistênicos ou Calistenia, que corresponde a um conjunto de exercícios ginásticos localizados voltados para fins pedagógicos, médicos e corretivos, ou seja, tinha preocupação com a saúde física e mental da população. Escola Francesa Esse método é o que você deve dispensar maior atenção, pois foi o de maior importância e influência para a Educação Física no Brasil. Baseada nas ideias de Friedrich Luwig Jahn e Johann Christoph Friedrich Guts Muths estava muito além das metas militares e do caráter moral, tinha preocupação direta com o desenvolvimento social e formação do homem de maneira completa. Dentre os seus principais estudiosos estava Francisco de Amóros, que inspirado pelas ideias de Pestalozzi rejeitava o empirismo e exaltava a ciência para comprovar a importância dos exercícios para a saúde da população. O Método Francês, criado por Amóros, constituía-se por exercícios educativos, jogos, flexionamentos, exercícios mímicos, saltos, lutas, remos, ciclismo, desportos individuais e coletivos, dentre outros. Esse método foi introduzido nas escolas brasileiras (1929), servindo de base para a Educação Física Brasileira. Contudo, foi duramente criticado pela Associação Brasileira de Educação (ABE) que entendia a implantação e obrigatoriedade de um sistema estrangeiro de ginástica. Todavia, por ser um método estrangeiro, não se enxergava o atendimento das necessidades perante a solução dos problemas educacionais existentes, haja vista ter características específicas de outra nação. Outro método que figurou a Escola Francesa foi o Método Natural de Georges Hébert, que era contra as formas de exercícios analíticos, denominados ginásticos. A Ginástica Natural defendia o uso dos movimentos da espécie humana para o completo desenvolvimento corporal, além de ser útil para as atribuições da vida moderna como a falta de tempo e espaço adequados para a prática de exercícios. Os exercícios deveriam ser executados ao ar livre para promover maior adaptação corporal às temperaturas, dentre os indicados estavam à marcha, a corrida, o salto, andar em quatro apoios, levantar, escalar, arremessar e outros. Escola Inglesa A Escola Inglesa era voltada para os jogos e esportes guardando estreita relação com as transformações socioeconômicas produzidas pela Revolução Industrial na Inglaterra, indo na contramão das demais escolas que estavam voltadas para o fortalecimento da pátria através da filosofia nacionalista e se utilizavam de exercícios calistênicos, sem relação nenhuma com o lúdico, voltados apenas para o caráter performático do esporte. Um dos principais atores dessa época foi Thomas Arnold que fazia alusão ao esporte como ferramenta educacional, valorizando o jogo limpo (“fair play”). A Inglaterra foi pioneira ao difundir o esporte para a população industrial e urbana do país, e ao difundir o esporte como ferramenta educacional, educação através das regras, organização, técnicas, e condutas dos jogos e esportes. Os exercícios eram generalizados e dividiam-se em: Exercícios naturais e os Jogos, caracterizados pela execução de movimentos simples e naturais, e posteriormente pela a execuçãodos jogos; Exercícios Formativos, que visavam à formação e desenvolvimento harmonioso do indivíduo; e Desportos Coletivos, que era uma espécie de complemento dos jogos vivenciados anteriormente. No Brasil o Método Ginástico Inglês passou a ser adotado nas escolas a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) em 1961. Na ocasião houve um extenso debate acerca da educação brasileira e ficou determinada a obrigatoriedade do ensino da Educação Física para o então ensino primário e médio, fortalecendo dessa forma a prática esportiva nas escolas do país. Calistenia Apontada como precursora de inúmeros estilos de ginástica, a Calistenia que significa beleza e força foi inspirada no Método Ginástico Sueco, e corresponde a um conjunto de exercícios localizados com fins pedagógicos, fisiológicos e corretivos. Apesar de ter sido influenciada pela Escola Sueca de Ginástica, traz em seu formato um instrumento inovador: a música. Durante a prática dos exercícios ginásticos a música ou a marcação feita por tambores deveriam estar presentes, no intuito de facilitar a socialização, evitar a monotonia durante os treinos, bem como aumentar o entusiasmo na execução dos exercícios. Dessa forma, os exercícios assumem uma característica mais lúdica e facilitam a implementação de passos de dança e a utilização de implementos como a bola, bastão e arco. A Calistenia foi se firmando ao longo da história como um tipo de atividade corporal voltada para fins estéticos e posturais através de exercícios de aprimoramento da força e flexibilidade, aliando o ritmo marcado por palmas, contagem, utilização de instrumentos percussivos ou ainda músicas aos exercícios. Diante do exposto fica clara a grande contribuição dessa prática corporal para a estruturação da Ginástica. CULTURA CORPORAL DO MOVIMENTO E CORPOREIDADE 2 CONHECIMENTO Compreender a importância da Cultura Corporal do Movimento e para a construção da Corporeidade Infantil. HABILIDADES Reconhecer as práticas corporais que compõem a Cultura Corporal do Movimento, e de que forma a ludicidade pode influenciar na construção da Corporeidade infantil. ATITUDES Posicionar-se criticamente sobre a Cultura Corporal do Movimento e a construção da Corporeidade infantil. Cultura e contexto histórico do movimento e corporeidade A partir dos conceitos trabalhados no primeiro capítulo acerca do corpo e das práticas corporais vivenciadas pelo homem durante a história das civilizações espalhadas pelo mundo, você agora deve compreender como o movimento e as diversas formas de culturas influenciaram e influenciam até hoje na Corporeidade infantil e na Cultura Corporal do Movimento. As primeiras civilizações compõem um marco histórico que vem dando conta que o movimento humano teve início há pelo menos três ou quatro bilhões de anos, quando ainda não havia linguagem falada, o homem ainda era bípede e contava com a comunicação não verbal, que engloba todas as manifestações comportamentais que não se traduzem em palavras e sim através de gestos e expressões faciais, posturas, orientação do corpo na relação espaço tempo, dentre outras, no intuito de expressar suas necessidades. Ademais, o homem utilizava a capacidade de movimentar-se para além da comunicação, pois andar, correr, saltar, lançar, nadar, defender- se e atacar fazia parte das atividades que lhe conferiam sobrevivência. O homem primitivo era nômade, porém, as primeiras civilizações deixaram de lado essas características agrupando-se e fixando morada em locais determinados. Para afastar os homens que ainda eram nômades esses grupos utilizavam um conjunto de gestos, movimentos que traduziam seus sentimentos e davam significado aos anseios coletivos. Tais ações podem ser vislumbradas em atividades como o jogo de combate e a dança que traduzia os acontecimentos marcantes como casamentos, funerais, colheitas, reverência aos deuses etc. Esse cenário revela a intensa utilização do corpo para retratar as expectativas e sentimentos de cada povo, podendo ainda ser observado através da pintura corporal para as guerrilhas, da caça, comemorações, e da expressão corporal coletiva dos sentimentos. O contato direto com a natureza permitia ao homem uma experimentação dinâmica de múltiplas atividades como subir em árvores, andar sobre terrenos variados, transpor rios e obstáculos naturais, dentre outros. Essa relação com o meio ambiente proporcionou uma troca harmônica e ritmada de movimentos corporais. Contudo, a evolução racional do homem gerou um campo de empatia de seu corpo e suas possíveis ações com o mundo que o rodeava, dando maior significado às expressões corporais que representavam sentimentos, ou seja, o movimento começa a tornar-se importante para dar o tom das relações interpessoais, num processo de formalização de gestos. É preciso atentar para o fato de que apesar do progresso da comunicação, a evolução do homem e das civilizações espalhadas pelo mundo o colocou em posição de distância com a natureza, pois o processo de industrialização, o advento das máquinas e tecnologias era, sem dúvida, massificador. Esse cenário revela que o homem deixa de realizar inúmeras atividades antes imprescindíveis e passa a ser menos sensível à utilização do movimento como ferramenta inerente à vida. Portanto, a cultura corporal foi se modificando ao longo da história do homem, conforme os movimentos das civilizações espalhadas pelo mundo. Antes de enveredarmos pelo tema Cultura Corporal do Movimento e Corporeidade se faz necessário conceituar, na intenção de compreender e analisar criticamente alguns termos que servirão de subsídio na sustentação da importância do assunto abordado. Assim, podemos indagar inicialmente: o que é cultura? Sob o aspecto antropológico, cultura é a reunião de padrões comportamentais, conhecimentos, crenças e hábitos (individuais, sociais e religiosos) que permitem a identificação de um grupo social. É notório que a conceituação do termo cultura expõe sua característica polissêmica, ou seja, possui diferentes significados que juntos a constroem. A cultura está intimamente ligada ao desenrolar histórico das sociedades, correlacionando o fazer do homem com a comunidade a qual está inserido. Em outras palavras, implica na transformação do contexto natural a partir das formas de existência pelas quais os homens se relacionam com outros povos e com a natureza. A cultura não pode ser apresentada como um conceito restrito em si, pois apresenta a multiplicidade do mundo ao seu redor, colocando-se como fenômeno que possui influência da educação, dos movimentos sociais, da filosofia, literatura, da ciência, arte, etc. Nesse sentido, os Parâmetros Curriculares Nacionais apontam a cultura e a educação do físico como dois pilares importantes para a construção do conhecimento, sendo a segunda responsável pela compreensão do ser humano na perspectiva da produção cultural (BRASIL, 1999). Na visão de Daólio (2007) o termo cultura é imprescindível às ciências que estudam a educação do físico, uma vez que as manifestações corporais humanas nascem na construção cultural diversificada, onde os símbolos e significados possuem grupos culturais determinados. É válido pontuar que a conectividade entre cultura, corpo e movimento confere ao profissional responsável à missão de ressignificação do movimento humano, uma vez que é área do conhecimento voltada para a formação integral do indivíduo, destinada não só a exploração científica do corpo como também ao estudo do movimento sob diversos aspectos: histórico, educacional, fisiológico, político, religioso, etc. Dessa forma, partindo do pressuposto de que as manifestações culturais emanam das relações entre povos em uma dinâmica do fazer cultural com a natureza que o cerca, é possívelafirmar que a cultura corporal só há por existir o movimento, e vice versa. Na tentativa de expor o conceito de cultura, pode-se afirmar que esta é composta por tudo aquilo que é produzido pela ação humana, portanto, é possível concluir que as práticas relacionadas ao movimento, seus símbolos e significados, estão além dos aspectos biológicos ou físicos e possuem conexão direta com a cultura. Nesse contexto, a compreensão das práticas corporais como resultados de diversas práticas coletivas a partir de potencialidades de cada indivíduo, permite visualizar seus limites e possibilidades nos tempos atuais numa perspectiva de superação da relação puramente funcional com o corpo. Nessa direção, apresenta-se o processo de construção e ressignificação pedagógica do movimento que se opõe à lógica funcional, entregando às ciências afins o desafio de organizar, balizar, discutir e adequar os conteúdos que compõem a Cultura Corporal do Movimento. Cultura Corporal do Movimento é compreendida como o conjunto de fenômenos ou manifestações corporais expressivas traduzidas pela habilidade humana em produzir, reconstruir e ressignificar o conhecimento. A ampla capacidade de movimento confere ao homem, em primeiro plano, sua sobrevivência. Em adição, o movimento possui posição de destaque no que concerne à aprendizagem, permitindo o domínio de si e do mundo através do conhecimento e de processos cognitivos superiores, abstratos e reflexivos, sem desconectar-se das percepções e ações motoras. Isso é corporeidade. Sendo assim, a corporeidade não é um ponto finito, acabado, concluído nas situações existenciais, mas sim um retrato das mais variadas experiências vividas de forma continuada, numa troca que estabelece doação do ser para o mundo e deste para o ser. As possibilidades gestuais de sobrevivência construídas ao longo da história da humanidade passaram por inúmeras transformações e influências que, juntas, deram origem à Cultura Corporal do Movimento (jogos, esportes, lutas, dança, ginásticas e outros), que, por sua vez, possui características que traduzem a representação corporal lúdica de diversos povos. Essas atividades corporais expressam e comunicam com influência da ludicidade, da estética, do misticismo e conotação artística, revestidos de subjetividade e objetividade que se findam em si próprios ou podem ser consumidos. Essa linguagem, conhecida como cinética, representa as mensagens recebidas durante as interações humanas, e se traduz através de movimentos considerados universais dentro da cultura corporal, como por exemplo, as representações faciais de dor, raiva, medo, fome, alegria, etc. Contudo, esse arcabouço gestual é compreendido por seus receptores conforme suas experiências sociais construídas e transformadas através dos tempos. Foi à experimentação e interação com a natureza que permitiu ao homem transformar diretamente a sua forma de existência natural, o que resultou na construção da corporeidade ao longo dos tempos, tornando o movimento corporal um universo de possibilidades para além das ações mecânicas. Cabe destacar aqui o termo corporeidade que possui um caráter dual, uma dimensão física e outra imaterial, diz respeito à qualidade corpórea, encarnação ou corpo perceptivo em profunda relação com a subjetividade arquitetada pela mente. As inúmeras possibilidades de movimento humano sejam elas pragmáticas (voltadas para o trabalho), religiosas (práticas mediativas), lúdicas (esportivas ou populares) ou estéticas (artes cênicas e circenses), permitem a compreensão do mundo ao redor sob a ótica do movimento. Assim, a corporeidade, entendida como unidade tensional da relação corpo-mente, traz auxílio na compreensão do movimento na perspectiva do pensar e agir educacional. Na visão de Santin (1987) a corporeidade é campo onde o homem se faz presente e se distancia dos demais animais, uma vez que todas as suas ações, funções e vivências são perceptíveis na corporeidade, ensinada e vivenciada na Educação Física. Corporeidade se refere à inserção do corpo humano em um mundo significativo, implica a relação dialética do corpo consigo mesmo, com outros corpos e com objetos do seu mundo. Esse conceito de corporeidade nos remete a ideia de que a compreensão da linguagem corporal (movimento) deve ser primordialmente objeto de estudo das ciências humanas, das relações sociais, das artes, da filosofia, dos saberes e fazeres populares aliados à vertente biológica, uma vez que o corpo humano é múltiplo. Portanto, todas as formas de vivências corporais no âmbito da Educação Física, que vão desde o brincar funcional dos bebês, passando pela exploração de movimentos primordiais como andar, saltar, correr, dentre outros, até a sistematização de gestos esportivos, atividades lúdicas, vivências terapêuticas, etc, seja em sociedade ou individualmente, convergem para um entendimento da Cultura Corporal do Movimento como um conjunto de atividades que englobam o fazer artístico, cultural, intelectual e filosófico, que compõem a linguagem corporal. De forma conotativa, é possível comparar o movimento (linguagem corporal) com a fala (linguagem verbal), onde os movimentos isolados representam as letras ou palavras soltas sem sentido algum e fora de contexto, e os movimentos sequenciados que são como frases completas que expressam informações elaboradas do mundo em que se concretizam as atitudes. Contudo, na contemporaneidade, a tentativa de ampliar o reconhecimento do corpo como ferramenta puramente mecânica do movimento para instrumento dotado de corporeidade, expõe também os limites impostos a ele através de procedimentos e resultados generalizados que obrigam o corpo a seguir um molde pré-determinado, como estudado anteriormente. Mesmo diante dessas limitações, regras e formas diversas de controle impostos ao corpo na tentativa de conduzir, prever e restringir o movimento, o fato é que a Cultura Corporal do Movimento reúne a construção de gestos motores que foram transformados conforme cada época e não se finda no hoje, pois é processo contínuo de experimentação humana, de seus anseios e pretensões. Se analisarmos a linguagem corporal na perspectiva da mímica, entendida como elaboração de movimentos baseados em conteúdos e formas, ficará clara a busca do homem por valores, o que nos remete às formas de utilização do corpo em si. Cabe destacar que as mímicas são o retrato do cotidiano e estão carregadas de intenções e emoções, que podem ser traduzidas num breve movimento mímico, e este pode comunicar muito mais coisas do que frases elaboradas. Entretanto, os movimentos podem ser descritos e representados a partir da compreensão dessa descrição, o que envolve atenção, autoconhecimento e reconhecimento do corpo do outro, capacidade de decodificar intenções, dentre outras habilidades. Estudos realizados acerca do que se conhece como Zona da Corporeidade aponta o conceito de “atitude” como ponto chave. Essa teoria, denominada Análise de Movimento de Laban (LMA), reconhece que os fatores como espaço, tempo, fluxo e peso estão presentes em todo e qualquer movimento, e que a análise de tais fatores visa tornar perceptíveis as mudanças na qualidade da ação em si ou a atitude daquele que se move. Além disso, a análise do ato de mover-se a partir desses fatores não se limita apenas aos parâmetros mecânicos regidos por ciências como a Biomecânica, por exemplo, uma vez que a (LMA) se baseia na premissa de que a atitude é algo interior, que nasce de dentro para fora, dando origem ao movimento. Portanto, quando se faz uso da (LMA) para a compreensão do movimento decodificado em gestos, posturas, posições, direções, tensões e ritmos são possíveis perceber a exteriorização de sentimentos e ideias. Com relação às atitudes proferidas pelo corpo durante ação motora(movimento) pode-se dizer que possuem duas formas principais: uma que flui do centro do corpo para as extremidades, e outra que nasce na periferia e corre em direção ao centro. Essa organização atitudinal pode sofrer alterações e ser interpretada como uma desorganização ou desarmonia do movimento em si, porém, isto pode estar intimamente relacionado ao momento histórico ao qual o executor da ação esteja inserido, pois os conjuntos de atitudes executadas durante o movimento se dá conforme os movimentos sociais vigentes de cada época. Ao analisarmos a Cultura Corporal do Movimento com base nas informações acerca de corporeidade e atitudes corporais, pode-se citar o complexo conjunto de ações motoras determinadas pela teia que liga corpo e mente durante a prática de uma atividade física proposta durante uma aula de recreação no Ensino Infantil, por exemplo. Quando as crianças entram no espaço destinado a essa atividade se deparam com uma série de situações que determinarão cada movimento, seja ele individual ou coletivo. As intenções de movimento formuladas durante a recepção dos estímulos externos, que podem ser desde a verbalização das demais crianças à movimentação estratégica dos professores para orientar a turma, levarão o indivíduo a produzir movimentos complexos específicos durante a aula como rolamentos, saltos e giros variados. Tais movimentos podem exigir de seu executor atitudes que exprimam força, equilíbrio (estático e dinâmico), agilidade, e por isso, exige de seus praticantes posturas e movimentos coordenados em si e com os demais colegas, além de permitirem interpretação significativa a partir do contexto ao qual estão inseridos, pois um movimento que exige atitude de força pode exprimir competitividade, que muitas vezes não é o foco da atividade proposta, exigindo do profissional responsável ajustes imediatos. Já quando se observa a prática de danças culturais que representam os povos, fica claro que a intenção gestual é totalmente diferente daquela observada em um jogo de futebol. Pode exprimir tristeza ou alegria, dependendo do momento e situação que se deseja retratar. Alguns povos dançam coletivamente, executando movimentos em forma de círculo para reverenciar os deuses ou pedir aos céus que mandem abundância, ou chuva para as lavouras. Além disso, as danças típicas regionais também podem representar as guerrilhas travadas pelos povos na conquista de terras e poder. Outros significados gestuais podem ser identificados durante a prática das ginásticas contemporâneas, que possuem como uma de suas características o apelo muito forte, por intermédio da mídia, ao corpo belo, “perfeito”. Basta observar as formas de relações estabelecidas durante as aulas e a maneira com que as pessoas cultivam comportamento narcisista. Esse conjunto de gestos e atitudes demonstra a escravidão do corpo na busca pela perfeição estética. Portanto, vislumbrar a corporeidade humana é considerar as atitudes, relações, significados e utilidades do corpo através do movimento, num processo de tradução gestual de tudo aquilo que importa para um determinado grupo social conforme seu tempo. Corporeidade infantil: brincando com o movimento Desde o nascimento o ser humano entra em profunda interação com tudo ao seu redor, passando por transformações ao mesmo tempo em que também provoca inúmeras mudanças. Esse processo proporciona a formação do indivíduo a partir das relações estabelecidas em sociedade, uma vez que o corpo recebe múltiplos sentidos e significados ao longo da história da humanidade. Atualmente, o contexto histórico está voltado para a valorização do corpo sob diversos aspectos, despertando o interesse de estudiosos no que diz respeito a sua inserção no âmbito escolar, uma vez que a educação faz parte do processo de formação do homem. A Educação envolve caminhos de formação do indivíduo que podem ser observados na convivência familiar, social, profissional, nas organizações governamentais e manifestações culturais. Durante a Educação Infantil uma infinidade de informações é recebida, e a compreensão do corpo a partir da corporeidade se torna primordial para o desenvolvimento das crianças no processo de ensino-aprendizagem. Rabinovich (2015) afirma que o corpo é o primeiro instrumento utilizado pela criança quando estabelece uma relação com o mundo, pois entre linguagem escrita e o mundo concreto existe a expressão corporal que, por sua vez, facilita a aquisição de novos conhecimentos e substitui os demais símbolos de comunicação. As inúmeras experiências corporais vivenciadas pelas crianças no âmbito escolar podem ser identificadas facilmente nas atividades cotidianas, tornando possível o aprimoramento de sua corporeidade. Nesse sentido, o corpo infantil é elemento chave no que diz respeito ao contato com a realidade exterior, pois a criança só é capaz de realizar sínteses e análises, representação do mundo a sua volta, e pensamento lógico a partir da vivência concreta e prévia da ação corporal. Assim, o movimento é visto como facilitador do processo de desenvolvimento cognitivo da criança, interligando-se com seu aprimoramento motor e afetivo. A experimentação ampla, seja motora ou afetiva, como o aguçar dos sentidos, as reações ou falta delas, as intenções e gestos são ferramentas importantes na construção da corporeidade, uma vez que esta deve estar voltada para vida, proposta que se alinha com os objetivos da escola no que diz respeito à Educação Infantil, onde a criança deve ser estimulada a ponto de desenvolver suas capacidades e agir como sujeito que pensa, sente, age, interage, se desenvolve, se adapta, se reconhece, reconhece o outro e reconhece-se no outro. A Corporeidade infantil é tratada no Coletivo de Autores (1992) no que diz respeito à Cultura Corporal do Movimento como ferramenta importante na compreensão de como a escola pode desenvolver as atividades corporais de forma lúdica e prazerosa, contemplando a expressão corporal como forma de comunicação no ato de brincar, através de temas como a dança, as lutas, etc. Já o Referencial Curricular Nacional Infantil (RCNEI, 1998) que norteiam as instituições que atendem crianças de 0 a 6 anos, indica que a linguagem corporal na infância deve ser trabalhada através do contato físico com outras crianças, pois dessa forma será capaz de perceber o mundo a sua volta e comunicar-se por meio da linguagem corporal. Além disso, temas transversais como raça, gênero, classe social dentre outros, podem ser contemplados através da desconstrução das mais variadas formas de brincar. Contudo, para muitos profissionais que trabalham nas escolas o papel destas está longe de ser um local de disseminação de práticas corporais carregadas de emoções e anseios. Em outras palavras, não seria papel da escola, na visão restrita desses profissionais, proporcionar o desenvolvimento da corporeidade infantil a partir de ferramentas pedagógicas. Na verdade, o que ocorre frequentemente é a criação de normas e regras no intuito de controlar as manifestações corporais das crianças, como por exemplo, a restrição de espaços aos quais as crianças podem ter acesso, a imposição do silêncio e movimentos considerados inadequados em sala de aula, a divisão do tempo para as atividades, à forma como as crianças são postas em filas, as penalidades aplicadas, dentre outros. Igualmente controlador é o conjunto de regras impostas durante os jogos e brincadeiras, que muitas vezes impedem a criatividade e visão diferenciada da criança diante das situações vividas nesses momentos. Fica claro que há uma tentativa constante de controle dos movimentos das crianças através da normatização das manifestações corporais, impedindo a construção e desenvolvimento da corporeidade. Por outro lado, muito embora haja o controle constante docorpo infantil na perspectiva do movimento, há também a liberdade experimentada pelas crianças durante as atividades dirigidas e nos momentos de intervalo das aulas. É no recreio que as relações se estabelecem de forma mais solta, livre de olhares controladores, pois, as crianças são, por muitas vezes, impedida em seus movimentos. No entanto, as aulas voltadas para a educação do físico devem proporcionar momentos com atividades que priorizem a ludicidade de forma orientada. Essas atividades carregam consigo valores educativos que interferem diretamente no processo do desenvolvimento motor, conscientização corporal e cultural. Tais abordagens pedagógicas ocupam lugar de destaque quando comprometidas com a educação psicomotora da criança, uma vez que estas dificilmente rejeitam as atividades físicas que envolvem o brincar, que é tão valorizado nessa fase da vida. Segundo Le Boulch (2007) a educação psicomotora na infância deve facilitar o confronto com o meio escolar com a finalidade de oportunizar, por meio do jogo, ajustes individuais e coletivos (em relação a outras crianças). Desenvolvimento motor diz respeito ao processo contínuo de mudanças estruturais que ocorrem em um indivíduo durante a vida provocada pela interação entre as exigências da tarefa motora, aspectos biológicos e o meio ambiente. É necessário observar que o desejo de brincar ocupa grande espaço no mundo infantil, pois a cada oportunidade as crianças tendem a transformar uma situação escolar corriqueira, como uma aula em si, em brincadeiras inimagináveis. O ato de brincar gera um estímulo na criança que a leva a experimentar novas situações, que podem estar vinculadas ao seu cotidiano, sua cultura e expectativas, proporcionando aquisição do saber. Isso pode ser interpretado como um comportamento de resistência aos comandos (controle) do professor em sala. Porém, a brincadeira possui significado para a criança, colocando na maioria das vezes, outras atividades pedagógicas (ditado ou leitura) como secundárias ou comparadas ao “fazer nada”. Estudiosos como Piaget (1976) acreditam que o brincar é uma forma inestimável de disponibilizar as possibilidades de movimentação, que podem ter variados objetivos, inclusive conteúdos escolares. A experimentação do movimento durante a brincadeira oportuniza a criança a percepção da linguagem corporal e seus signos facilitando, dessa forma, a sua auto formação, uma vez que o movimento é união de toda ação corporal dotada de intenção, ou seja, é por meio do movimento dotado de objetividades e subjetividades que se desenvolve a corporeidade infantil, e isso permite a criança conhecer suas potencialidades, limites e dificuldades reais. As crianças precisam experimentar o movimento de forma diversificada, realizar ações que exijam imaginação e criatividade. As brincadeiras devem estimulá-las a pular, correr, arrastar-se, transpor objetos, dar rodopios, experimentar os apoios e suas trocas, balanceios, bem como movimentos de puxar e empurrar, dentre inúmeros outros. Todavia, nos primeiros anos da Educação Infantil ocorre uma valorização da mente em detrimento do corpo evidenciado pelo seu controle, muitas vezes excessivo. Em oposição, Barbosa (2011) em seus estudos indica que o corpo representa para a criança um elo com a realidade. A ação corporal experimentada previamente é o que vai proporcionar a ela a oportunidade de analisar, sintetizar, representar mentalmente o mundo a sua volta, além de torná-la capaz de realizar operações lógicas. A exploração do corpo por meio do movimento influencia positivamente no desenvolvimento infantil. Nessa direção, o desenvolvimento do esquema corporal durante a infância permitirá à criança o conhecimento adequado de seu corpo, uma vez que o esquema corporal é apontado como o ponto de partida para todo conhecimento que a criança formula em relação ao mundo ao seu redor, facilitando sua orientação no espaço e no tempo. Sobre esse assunto, Oliveira (2002) esclarece que a organização do esquema corporal permite à criança o conhecimento e consequente domínio de seu corpo, equilibrando a conexão existente entre força muscular e coordenação motora durante o movimento. Contudo, ocorre que mesmo nas atividades que envolvem ação motora constante como na prática de esportes, essas atividades são disponibilizadas para as crianças como se fossem comidas enlatadas, prontas a serem servidas. Esse formato exclui a possibilidade de “vivência-ação”, em que a criança pode ser ator efetivo na situação e receber as demandas geradas naquele determinado momento, tornando-a apenas executora, ser passivo de controle e regras ditados, onde seus movimentos são constantemente adestrados. É preciso atentar ainda para as mudanças sociais que atingem diretamente os bens da Cultura Corporal do Movimento durante a infância por meio das relações estabelecidas entre as famílias, a redução dos espaços de lazer para as crianças, o tempo exíguo entre pais e filhos destinados à brincadeira, e a concepção errônea de que brincar é algo ruim, ou apenas infantil ou ainda desperdício de tempo. Outro ponto importante a ser destacado é a disponibilização de atividades corporais no âmbito escolar que ampliem as situações que oportunizem para as crianças a construção de conceitos por meio da exploração do ambiente, dos objetos e variação nos momentos de aprendizagem. Nessa direção podemos destacar a utilização de alguns elementos que certamente contribuirão para o desenvolvimento das capacidades, habilidades e valências corporais na infância, tais como: conhecimento amplo das diversas partes do corpo e sua relação com a mente na construção da corporeidade; noção de espaço tempo (perto, longe, alto, baixo, etc), lateralidade (direita esquerda); experimentação do andar, correr, saltar, girar, rolar, transportar, engatinhar em ritmos variados; desenvolvimento da coordenação motora geral, e do equilíbrio estático e dinâmico; e fortalecimento das relações interpessoais através de atividades coletivas. É válido ressaltar ainda que, nesse processo de desenvolvimento da criança, o ato de brincar deve ser priorizado de acordo com suas necessidades, pois cada fase exige das crianças determinadas atitudes e soluções, compondo um leque variado de gestos, expressões, mímicas e atitudes a serem empregadas conforme os estímulos recebidos e o ambiente vivido. Ademais, o ato de brincar pode ser auxílio eficaz no engajamento social, no processo de criação, exploração do mundo ao redor, no desenvolver da confiança no outro, da capacidade de encontrar soluções para possíveis conflitos etc. Vygotsky (1994) aponta que os jogos e brincadeiras infantis proporcionam à criança o desenvolvimento da capacidade de resolver conflitos conforme as necessidades surgidas durante tais atividades, e, portanto, devem ser considerados com seriedade, pois as regras por vezes desconsideradas pelas crianças quando em contexto social, passam a ter valor durante as brincadeiras e jogos. O jogo no desenvolvimento infantil A dimensão lúdica é essencial ao desenvolvimento humano, uma vez que as atividades nessa perspectiva são observadas como primeiro plano na vida de uma criança quando ela não está realizando tarefas que lhe conferem sobrevivência. O brincar leva à criança a se deparar com situações que colocam em confronto suas categorias físicas e fantasiosas, bem como os objetos envolvidos nesse processo, o que torna o jogo uma atividade muito prazerosa, pois jogar significa reproduzir situações cotidianas com base em regras pré-estabelecidas. O jogo proporciona uma assimilação a partir da reprodução e funcionalidade importantes para o desenvolvimento do indivíduo (PIAGET, 1975). Do ponto de vista do desenvolvimento cognitivo a utilização do jogo como ferramenta de aprendizagem visa contribuirpara que a criança possa formular conhecimento e desenvolver e aprimorar suas habilidades e competências. De acordo com o autor, existem três tipos de jogo e estão associados diretamente com a fase de desenvolvimento da criança: jogo de exercício, jogo simbólico e jogo com regras. Em um primeiro momento pode ser confundido com as atividades sensório-motoras das crianças, porém quando ações típicas de jogo se interiorizam, há também uma assimilação. O jogo de exercício tem início no período pré-verbal e se estende até o final do desenvolvimento da criança, é entendido como atividade lúdica, representativo das ações infantis e do desenvolvimento da linguagem. Os jogos de exercício proporcionam a repetição de uma dada sequência motora que dará origem a um hábito. De acordo com Piaget (1975) essa categoria de jogo se constitui na principal forma de aprendizagem da criança no primeiro ano de vida, compondo uma base imprescindível para operações mentais futuras, contribuindo ainda para a aquisição de conhecimento na escola, que pode se dá por meio da repetição que, por sua vez, diminui significativamente com a aquisição da linguagem, muito embora permaneça por toda a vida. A partir do momento em que a criança consegue imaginar, ela deixa de utilizar os jogos de exercício e passa a valer-se dos jogos simbólicos, que estão ligados à ficção e imaginação, características não observáveis nos jogos de exercício. O Jogo simbólico é observado a partir do momento em que a criança entra no estágio pré-operatório (a partir de 2 anos de idade), possibilitando a representação deformada dos conteúdos de sua vida, ou seja, a criança passa a ter a capacidade de alterar a realidade conforme suas necessidades, podendo representar e recriar situações. Em outros termos, é o jogo do faz de conta, no qual a principal estrutura é o símbolo. A partir dos setes anos de idade o simbolismo diminui dando lugar ao jogo de regras. Este jogo se refere ao equilíbrio entre o eu e a vida social, ou seja, surge da necessidade de convivência social, onde as regras são definidas coletivamente para atender as necessidades do grupo em interação. Piaget (1975) afirma que são jogos de combinações sensório-motoras (jogo de bola de gude) ou de origem intelectual (jogos de tabuleiro: xadrez, dama) que incitam a competição e são reguladas por um conjunto de códigos e regras tradicionais ou pré-acordadas no instante do jogo. O Jogo provoca na criança diversas inquietações, e ao passo que estas são solucionadas contribuem de forma essencial para a formação de construtos cognitivos mais complexos, onde as crianças são exigidas e levadas a pensar, criar e agir de forma estratégica para resolver problemas. Em outras palavras, o jogo permite à criança pensar, agir, interagir, compreender, inventar, descobrir, construir e desconstruir conexões entre símbolos e seus significados, ou seja, entre objetos e situações do meio ambiente. Portanto, o jogo na infância é de suma importância, pois permitem que as crianças façam interpretações afetivas, intelectuais e interpessoais do mundo ao seu redor. MOVIMENTO E APRENDIZAGEM NA INFÂNCIA 3 CONHECIMENTO Compreender de que forma o Movimento influencia no processo de Aprendizagem infantil e Desenvolvimento Cognitivo. HABILIDADES Reconhecer as fases do Desenvolvimento Motor e os Padrões Fundamentais do Movimento na infância. ATITUDES Desenvolver uma postura crítica em relação ao desenvolvimento motor e os padrões fundamentais do movimento na infância. O processo de aprendizagem motora durante a infância Nesta unidade de estudo você terá a oportunidade de compreender como se dá a relação do processo de aprendizagem através do movimento, dando suporte aos estudantes de Pedagogia e Educação Física no que se refere ao desenvolvimento motor da criança e a importância do movimento como ferramenta pedagógica. Embora o indivíduo possua a capacidade de se comunicar oralmente, muitas vezes a linguagem corporal é utilizada em primeiro plano para receber e transmitir informações, nesse sentido, Wallon (1979) indica que “o ato mental se desenvolve no ato motor”, ou seja, pode-se afirmar que praticar o movimento é muito importante no processo de aprendizagem, uma vez que está intimamente ligada à capacidade do indivíduo em executar uma ação motora que pode ser modificada. Aprendizagem é uma mudança definitiva de comportamento, resultante da interação do indivíduo com o meio, traduzida pela aquisição de novas estratégias de resolução. Movimento é compreendido como as mudanças físicas, psicológicas e fisiológicas ocorridas durante a comunidade neural entre o sistema nervoso central e periférico, através de respostas simples ou complexas cheias de intencionalidade que geram ação motora. As mudanças no movimento ocorrem em consequência da prática sistematizada e regular do mesmo, sendo perceptível tanto na qualidade de execução como na quantidade de repetição que, por sua vez, refletirão diretamente na complexidade e intencionalidade do movimento. Levando-se em consideração os diversos momentos históricos que permeiam a Educação Física no Brasil, os quais atendiam às demandas do militarismo, do modelo tecnicista, do esportivismo, da ciência, do higienismo, da dicotomia estudante-atleta e processo seletivo excludente, é possível observar uma clara modificação no projeto da escola com relação aos seus objetivos, conceitos e propostas. Contrariamente a essas propostas o modelo Interacionista- Construtivista, que tem como concepção central o movimento como elemento transversal, estabelece que para que a aprendizagem seja facilitada o movimento pode ser utilizado como instrumento para trabalhar os conteúdos ligados aos aspectos cognitivos, como por exemplo, a aprendizagem das demais disciplinas do currículo (português, matemática, biologia etc.) de forma interdisciplinar. Esse modelo pedagógico reforça a Cultura Corporal do Movimento durante a infância, pois valoriza e enaltece questões ligadas às produções culturais familiares e sociais, assim como as manifestações populares de brincadeiras e jogos, e outras formas de expressão corporal. Esse contexto coloca em evidência a necessidade de pensar o movimento não só sob o olhar da Educação Física, mas buscar contribuições em outras áreas do conhecimento, estabelecer um diálogo a fim de atender à diversidade do mundo infantil. O tema Aprendizado Motor foi, e ainda é explorado por diversos campos do saber. Até a década de 70, por exemplo, a aprendizagem motora foi estudada pela Psicologia em duas de suas vertentes: a Behaviorista, em que o comportamento motor é compreendido como reflexo de hábitos, e a Cognitivista na qual a percepção, memória e cognição interferem diretamente no comportamento motor. Nessa mesma época a influência da teoria do processamento de informações sobre a Aprendizagem Motora, também conhecida como Fase de Abordagem Orientada ao Processo (AOP) trouxe algumas mudanças acerca dos fatores que afetam a aprendizagem no que diz respeito aos mecanismos de aquisição e aprimoramento das habilidades motoras. Essa abordagem possui foco nos processamentos cerebrais que dão conta da interação estímulo resposta. Já no início dos anos 80 surgiu a Abordagem Ecológica ou Abordagem dos Sistemas Dinâmicos em contraponto a (AOP), colocando em plano secundário o sistema efetor e criticando a falta de substancialidades nas respostas acerca da coordenação ou controle dos graus de liberdade durante a execução do movimento. A Abordagem dos Sistemas Dinâmicos possui como característica principal a ênfase ecológica, na assertiva de que o sistema efetor é resultante da organização entre interação dinâmica do organismo e características do meio ambiente, sendo ainda contrária ao pensamento
Compartilhar