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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA Permacultura: as técnicas, o espaço, a natureza e o homem. Danielle Freitas Henderson 2012 2 BRASÍLIA 2012 DANIELLE FREITAS HENDERSON Permacultura: as técnicas, o espaço, a natureza e o homem. Monografia apresentada junto ao Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Brasília, para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Sociais, com habilitação em Antropologia. Orientador: Prof. Dr. Carlos Emanuel Sautchuk– DAN/UnB COMISSÃO EXAMINADORA ______________________________ Prof. Dra. Andéa Lobo 3 The most fundamental thing about life is that it does not begin here or there, but is always going on. (INGOLD, p. 172, 2010). 4 Agradecimentos Ao amor e à cooperação. Ao coração, pai. À minha mãe, e também ao Gui. À cultura permanente, C.J., Adriano Cáceres e Ana Paula Boquadi, Marcelino e Abadia, ao Juã, Ernst, Rafael Poubel, Eduardo Rocha, Mônica Passarinho, Julio Itacaramby... todos do IPEC, Layla Soares, todos do IPOEMA, Geranium, Oca Brasil... Ao pessoal do colégio: professora Bernadete, que me fez interessar pelas ciências sociais, Henrique dos Prazeres, Igor, Mariana Sena, Isabela, Ana Luíza, Scarlett... Aos que falaram pela primeira vez em “Permacultura”: Arthurzinho, Victor Baga (que plantou muitas sementes e muito amor, agora é mais amor ainda), Felipe Semente... Aos amigos que se mostraram disponíveis para ajudar: Mariana Cruz, Danilo Antão, Gustavo Brito, Pedro Coutinho, Nath Shneck que ajudou com o vídeo, Rômulo, Hermes que me emprestou as apostilas (há anos), aos AMIGOS. Aos que simplesmente mostraram interesse. Aos que perguntaram o que é Permacultura, e foram muitos... À professora Kelly que se mostrou aberta mesmo no meu momento mais perdido na universidade. À professora Andréa Lobo, que me deu o apoio inicial... Ao ISPN (Instituto Sociedade População e Natureza) e à União Européia, os quais sem o apoio financeiro este trabalho jamais seria realizado e concretizado da maneira como foi: única. À paciência. 5 Resumo A permacultura se caracteriza como uma ciência que tem como base as práticas “culturais” tradicionais, indígenas e ancestrais em relação às plantas e aos animais. O presente trabalho visa descrever a permacultura, mais especificamente a permacultura praticada no Distrito Federal e entorno, com as observações de campo feitas em suas principais localidades. Bem como, apresentar como um sítio permacultural é planejado através de um desenho dinâmico, ou design permacultural. Os objetivos do trabalho se resumem em refletir sobre em que medida organização do espaço - físico e temporal - da Permacultura pode interferir nas relações sociais e na composição do ser humano (percorendo do concreto ao abstrato) e, assim transparecer que as atividades e as técnicas possuem um caráter extremamente relevante para a organização do social e da pessoa em um ambiente permacultual, e também de repensar sobre a posição da permacultura dentro do discurso moderno ambientalista. Desta forma entende-se que a permacultura se caracteriza pela complementação de dois pares ditos “opostos”: a engenharia e a bricolagem (ciência e experimentação tradicional). Além disso, apresentar a permacultura como uma nova ideologia/utopia, um ambientalismo moderno com bases no passado e no futuro, simultaneamente. Palavras-chave: Permacultura; Design Permacultural; Ser humano; Práticas Tradicionais; Ancestralidade; Ciência; Bricolagem; Ambientalismo. 6 Lista de Ilustrações Figura 1: Flor da Permacultura............................................................................................21 Figura 2: Ciclagem energética na permacultura (exemplo).................................................23 Figura 3: Planejamento por zonas feito por Adriano Cáceres para um projeto pemacultural no Bairro do Tororó, Santa Maria, DF......................................................................................25 Figura 4: Planejamento por setores para o mesmo bairro feito por Adriano Cáceres........25 Figura 5: Cláudio Jacintho no mais recente viveiro da Asa Branca, 2011.........................33 Figura 6: Sítio Semente.......................................................................................................33 Figura 7: Chácara Santa Rita..............................................................................................34 Figura 8: Sítio Tamanduá. Construção da casa principal....................................................35 Figura 9: Banheiro seco do Espaço Ilumina.......................................................................36 Figura 10: Piscina Sítio Geranium......................................................................................37 Figura 11: A torre de Barro................................................................................................38 Figura 12: Ecocentro IPEC área transformada...................................................................39 Figura 13: Cabana na Agrofloresta em Oca Brasil.............................................................39 Figura 14: Cartaz de divulgação do curso de Agroflorestas..............................................43 Figura 15: Curso de Agroflorestas com Ernst Götsch, em novembro de 2010..................43 Figura 16: Bioconstruindo tijolos de adobe.......................................................................48 Figura 17: Oficina de horta agroecológica no espaço Ilumina. Nas fotos: hortas mandala e bioconstrução......................................................................................................................50 Figura 18: Curso de aglofloresta. Aluno utilizando o facão para poda extração de matéria orgânica..............................................................................................................................51 Figura 19: Casa de taipa sem reboco e com rachaduras. E casa de taipa com reboco......53 Figura 20: Diagrama "Pétalas da Permacultura"...............................................................70 7 Sumário Agradecimentos .......................................................................................................................... 4 Resumo ....................................................................................................................................... 5 Sumário ....................................................................................................................................... 7 Introdução ................................................................................................................................... 8 Capítulo 1 – A Permacultura .................................................................................................... 15 1. Descrição .......................................................................................................................... 15 1.1 Histórico ..................................................................................................................... 15 1.2 Princípios básicos relacionados à Permacultura ......................................................... 17 1.3 Planejamento Permacultural (Design Permacultural)................................................. 21 1.4 Padrões Naturais ......................................................................................................... 26 1.5 Grupos de pessoas, redes,comunidades e instituições no Brasil ............................... 26 2. Técnicas Utilizadas na Permacultura ............................................................................. 28 2.1 Agroecologia e Sistemas Agroflorestais..................................................................... 28 2.2 Bioconstruções ........................................................................................................... 30 2.3 Captação e Manejos das águas ................................................................................... 31 2.4 Energias Alternativas .................................................................................................. 32 3. Permacultura no Distrito Federal e entorno ...................................................................... 32 3.1 Chácara ou Centro de Permacultura Asa Branca ................................................... 32 3.2 Sítio Semente.......................................................................................................... 33 3.3 Chácara Santa Rita ................................................................................................. 34 3.4 Sítio Tamanduá ...................................................................................................... 34 3.5 Espaço Ilumina ....................................................................................................... 35 3.6 Sítio Geranium ....................................................................................................... 36 3.7 Chácara Torre de Barro .......................................................................................... 37 3.8 Ecocentro IPEC ...................................................................................................... 38 3.9 Oca Brasil ............................................................................................................... 39 Capítulo 2 – O tempo, o Espaço e o Corpo .............................................................................. 41 1. Tempo e Espaço............................................................................................................. 41 2. Técnicas do corpo .......................................................................................................... 46 2.1. Bricolagem ............................................................................................................. 56 Capítulo 3 – O sítio como um sistema e a Terra como um organismo vivo. ........................... 60 1. A teoria, ou hipótese, de Gaia ....................................................................................... 60 2. O Sitio como um Sistema .............................................................................................. 66 2.1. Natureza, trabalho e... cultura ................................................................................ 67 3. Permacultura e CULTURA ........................................................................................... 72 4. Ambientalismo e Desenvolvimento Sustentável ........................................................... 76 Considerações Finais ................................................................................................................ 79 Referências Bibliográficas:....................................................................................................... 81 Referências Eletrônicas ............................................................................................................ 84 Apêndice ................................................................................................................................... 85 Anexo........................................................................................................................................87 8 Introdução Eu cresci em uma pequena vila na Tasmânia. Tudo de que precisávamos, fazíamos. Fazíamos nossas próprias botas, nossos artefatos de metal. Nós pescávamos nosso próprio peixe, produzíamos a comida e fazíamos pão. Eu não conhecia ninguém vivendo lá que tivesse um só trabalho, ou qualquer outra coisa que pudesse ser definida como emprego. Todos trabalhavam em várias coisas. Até os 28 anos de idade, eu vivia uma espécie de sonho. Passava a maior parte do tempo no mato ou no mar. Pescava e caçava para ganhar a vida. Nos anos 50, eu comecei a perceber que grande parte dos sistemas naturais, nos quais eu vivi, estavam desaparecendo. Cardumes de peixes estavam diminuindo. As algas que cobriam a praia começavam a desaparecer. Grandes áreas de floresta estavam morrendo. Até então, eu não tinha apercebido que esta natureza me era muito querida, que eu estava apaixonado por minha terra. (MOLLISON, p. 5, 1998). A permacultura é a “integração harmoniosa entre as pessoas e a paisagem, provendo alimento, energia, abrigo e outras necessidades, materiais ou não, de forma sustentável” (MOLISSON, 1998, p. 5). Seguindo as palavras de Mollison, o presente trabalho se propõe em analisar antropologicamente: a relação (ou “integração harmoniosa”, como ele mesmo disse) entre as “pessoas e a paisagem”, abordando os conceitos de natureza, trabalho e cultura na permacultura; Se propõe também em apresentar a forma de prover o alimento, a energia e o abrigo que através das técnicas de agrofloresta, captação de água da chuva, bioconstruções etc. (que também são técnicas do corpo) constituem o psicológico, o orgânico e o social do “homem total” (MAUSS); E rever a forma “sustentável” da permacultura, forma que se caracteriza como a auto-regulação do sistema sito e, a inserção da permacultura no contexto do ambientalismo moderno, como uma nova ideologia/utopia (RIBEIRO, 1992). A relação de subordinação entre o homem e a natureza, esta subordinada ao primeiro, tem sua origem muito antiga e mesmo sofrendo algumas modificações com o decorrer o tempo, e com uma crescente simpatia do homem para com animais e plantas, a relação de subordinação continuou a sobressair. Por exemplo, bosques e pomares no século XVIII, assim como eram os cães, eram simpáticos aos ingleses. Já as florestas, assim como as raposas, eram consideradas selvagens, de acordo com o pensamento vigente na época. A relação entre o homem e o mundo natural sofreu várias modificações com o passar do tempo. Keith Thomas aborda essas mudanças de atitude em relação às plantas e aos 9 animais entre 1500 e 1800, apresentando uma análise história e as concepções que tomamos como verdade tanto para subordinar quanto para exaltar a natureza. Entretanto, natureza e ambiente devem ser distinguidos, conforme nos faz perceber Tim Ingold. Natureza abrange um mundo físico cercado de objetos neutros e é um produto de interpretação – aparente para o observador -, já o ambiente cerca e é cercado, está constantemente em relação. It is clearly necessary to distinguish between the concepts of ‘nature’ and ‘environment’. I shall call the former reality of the physical world of neutral objects apparent only to detached, indifferent observer, and latter reality for the world constituted in relation to the organism or person whose environment it is. Only for a subject that can totally disengage itself from its life in the world can reality for coincide with reality of. (INGOLD, 1992.) Neste trabalho será feito o uso dos dois termos tentando realocá-los de acordo com a distinção de Ingold, porém, no contexto vivido na etnografia, o uso da palavra natureza apresenta-se em sua forma de relação. Sendo assim, natureza e “meio ambiente” são termos utilizados pelos interlocutores, em sua maioria das vezes, como tendo o mesmo significado. Outra diferença apresentada por Ingold 1 e que será, aqui, especialmente abordada é a da percepção do ambiente “naturalmente” construída (entre os animais) e a “culturalmente” construída (entre os seres humanos). A possibilidadeé que, diferentemente dos animais, os humanos não somente constroem seus ambientes como os projetam. A percepção do ambiente pelos seres humanos, segundo o autor, seria como se fossemos designers 2 , dando forma e função à matéria prima. Utilizando o raciocínio proposto por Ingold, podemos então interpretar, tendo em vista a crise ambiental moderna, que o ser humano está sofrendo problemas em relação à projeção de seus ambientes. Observando algumas catástrofes naturais e a má projeção das cidades, podemos constatar que este diferencial tão grandioso humano ainda não encontrou a ou planejamento ou a forma adequada. As consequências disso são as duas grandes crises que a humanidade está enfrentando, a crise energética e a crise ambiental. Algumas correntes da modernidade defendem o pensamento de que existem evidências suficientes para sugerirmos que estas duas crises, nada mais são do que uma decorrência de uma civilização capitalista e consumista, que utiliza como paradigma norteador o paradigma do lucro, imposto pelo grande capital e pelo sistema financeiro internacional. Porém, até mesmo o ambientalismo já se tornou transversal, como 1 Ingold baseia-se na abordagem ecológica de Gibson e sua teoria sobre a percepção do ambiente. 2 Mantenho o termo designers, empregado por Ingold em inglês. 10 coloca Gustavo Lins Ribeiro (1992), ele tem penetração nas mais diversas redes sociais na atualidade, como nas instituições políticas e econômicas. As conseqüências destas duas crises, segundo algumas correntes da modernidade, seriam nefastas para a sociedade, e tenderiam a piorar muito. A previsão é que poderíamos esperar para as próximas décadas um cenário de alta generalizada no preço dos alimentos, alta no preço dos combustíveis, alta no preço dos materiais de construção, das roupas, dos medicamentos e de todos os produtos que dependem direta ou indiretamente do petróleo. E, o cenário catastrófico só tenderia a piorar cada vez mais. Nesse contexto, podemos apontar que a permacultura configura-se, segundo seus autores, como uma solução muito interessante para a construção do novo paradigma, baseada na utilização racional e responsável dos recursos naturais e no planejamento e na execução de ambientes humanos que sejam realmente sustentáveis, no sentido de suficiência. A permacultura seria uma resposta para este tipo de pensamento, defendido por algumas correntes da modernidade. O conceito de permacultura surgiu nos anos 70, em virtude dos trabalhos e observações do Australiano Bill Mollison e do estadunidense David Holmgren. Tais autores partiram da observação de sociedades tradicionais, bem como de suas técnicas de agricultura. A etimologia da palavra é a fusão das palavras agricultura e permanente, ou de cultura e permanente, pois parte do princípio de que a espécie humana não poderá se perpetuar muito tempo no planeta sem uma cultura, ou uma agricultura que seja, de fato, permanente. Nesse sentido, foi estabelecida a definição clássica da Permacultura como sendo uma ciência transdisciplinar e uma metodologia de planejamento e execução de ambiente humanos que sejam de fato sustentáveis, o que pretende transcender a chamada “retórica da sustentabilidade”. Ou seja, a Permacultura é de certa forma a aplicação prática de vários conceitos de sustentabilidade. Atualmente, a maioria dos especialistas em Permacultura admite que trata-se de uma nova ciência holística, capaz de valorizar e aproveitar os conhecimentos tradicionais, em consonância com o conhecimento científico e com a tecnologia disponível, com o uso mínimos de insumos fósseis (petróleo). O design permacultural é o elemento principal dentro da Permacultura, nele estão envolvidos: a observação do terreno, os elementos que farão parte deste espaço e a posição dos elementos para melhor o aproveitamento de energia. Este planejamento aponta o 11 diferencial humano na Permacultura, que utiliza da observação de artifícios naturais 3 como base para a organização, manejo e alocação da matéria bruta. A análise da organização do espaço do sítio de acordo com os princípios da Permacultura nos permite observar a capacidade de se desenvolver um design dinâmico e, assim a mudança na relação humana com os fenômenos naturais, as plantas e os animais. Transparecendo que a transformação da matéria bruta, a organização material, o espaço físico, bem como as técnicas estão todas inseridas em um ambiente de relação que constrói e constitui o sujeito humano. Desta forma, podemos estabelecer que um dos principais objetivos propostos pela Permacultura é a criação de ambientes humanos saudáveis, harmônicos e produtivos, o que teria o potencial para ser uma verdadeira revolução no que diz respeito à relação do ser humano com o meio ambiente. A Permacultura possui um campo material, bem como um campo “cosmológico 4 ”. È um sistema de técnicas e de princípios éticos. É uma mudança da forma de viver a vida ao mesmo tempo em que é uma mudança no conteúdo do pensamento. Se coloca como uma alternativa viável e “sustentável” para a sociedade 5 . Segundo a perspectiva de boa parte das pessoas envolvidas na permacultura, embora seja cada vez mais crescente o número de pessoas que se mostram preocupadas com o meio ambiente e o futuro das próximas gerações, observa-se que as tentativas de se construir um “mundo sustentável” estão quase sempre atreladas a perspectivas limitadas e reducionistas. Pois elas partem do pressuposto de que o modelo de civilização está correto, apenas precisando de alguns ajustes, como “plantar mais árvores” ou salvar da extinção o “mico- leão-dourado” ou “reciclar nosso lixo”. É importante ressaltar que a Permacultura quer representar, necessariamente, uma ruptura com o atual modelo de civilização que, por depender fundamentalmente do petróleo, está fadado ao fracasso. Dessa forma, propõe-se que a adoção cada vez mais crescente da Permacultura seja, de fato, a única solução para o colapso energético e ambiental que a sociedade humana está a enfrentar. 3 Observação dos fenômenos da natureza. 4 O debate sobre a existência de conteúdo cosmológico e espiritual no campo da Permacultura é analisada no trabalho de Bruno Soares Menezes em sua monografia de graduação Permacultura: sociedade alternativa ou alternativa para a sociedade (2006). Alguns praticantes da Permacultura como André Soares, e até mesmo o próprio Bill Mollison, negam a existência de algum conteúdo espiritual na Permacultura, porém o contrário também pode ser constatado em abordagens de outros praticantes. 5 Segundo Bruno Soares a Permacultura seria, no fim das contas, uma alternativa para a sociedade, por buscar sua legitimidade em práticas científicas e, assim, concretas. 12 Nesse contexto, o presente trabalho consiste em um breve levantamento bibliográfico sobre a Permacultura, em um reconhecimento das principais experiências de propriedades permaculturais, especialmente no Distrito Federal e, claro, de seus praticantes e defensores: os permacultores. A pesquisa de campo foi baseada em visitas feitas a propriedades permaculturais locais, como a Chácara Asa Branca, localizada no Distrito Federal, por exemplo, e em propriedades modelo como o Ecocentro IPEC, localizado em Pirenópolis no estado de Goiás. Não foi possível realizar uma vivência de campo sequencial no neste caso, pois os compromissos cotidianos como trabalho e estudos não favoreceram uma imersão diária. Porém todos os esforços foram feitos no sentido de manter uma constância de visitas nos mais diversos locais onde a permacultura é praticada no Distrito Federal e suas proximidades. As atividades de campo vivenciadas para realização do trabalho foram as seguintes: • Visita às estações do IPOEMA: Asa Branca,Semente, Tamanduá e Santa Rita; • Visita à Vitrine de Agrofloresta da Embrapa Sede; • Curso de Introdução à Permacultura na Universidade de Brasília – 2009; • Observação no curso de Permacultura realizado no Jardim Botânico de Brasília – 2009; • Participação do evento Puro Ritmo – 2009; • Visita a bioconstrução realizada do parque da 615 sul; • Observação no curso de culinária vegetariana realizado na Santa Rita -2010; • Participação em confraternizações na Torre de Barro; • Curso de Horta Agroecológica – IPOEMA em 21 e 22 de agosto de 2010; • Reunião do grupo Tupã da UnB; • Participação na construção do telhado de Grama da Chácara Torre de Barro em 23 de outubro de 2010; • Vivência com Benki Ashaninka no Sítio Semente em outubro de 2010, através da disciplina de Artes e Ofícios dos Saberes Tradicionais da Universidade de Brasília; • Participação na Semana de Engenharia Ambiental da Universidade Católica de Brasília em novembro de 2010, com realização de mini-curso de Sistemas Agroflorestais para a Recuperação de Áreas Degradadas; • Palestra sobre Biodiversidade e sistemas Agroflorestais com Ernst Göstch na Universidade de Brasília em novembro de 2010; 13 • Curso de amarração em bambu no galpão Cantoar (Unb) dias 6 e 8 de novembro de 2010, através da semana de extensão da Universidade de Brasília; • Curso de Sistemas Agroflorestais com Ernst Göstch em 13, 14 e 15 de novembro de 2010; • Visita ao Ecocentro IPEC em Pirenópolis – GO, em 9 e 10 de abril de 2011; • Curso Fundamentos da Alimentação Viva e Práticas Revitalizantes – Módulo: Os impactos da agricultura industrial. A “Revolução Verde”. O Repensar e o Reaprender a viver. A Permacultura e a agroecologia, em 20, 21, 22, 23 e 24 de abril de 2011; • Visita ao Ecocentro IPEC, Pirenópolis – GO: entrevista com Layla Soares, em 30 de abril e 1 de maio de 2011; • Visita à chácara Asa Branca – Entrevista com Cláudio Jacintho, em 17 de maio de 2011; • Visita à Chácara Torre de Barro – torre de barro finalizada, em 9 de julho de 2011; • Visita e reconhecimento da Oca Brasil e ao Restaurante Oca LiLa (abastecido por produtos vindos das agroflorestas do Oca Brasil) em Alto Paraíso – GO, em 22, 23 e 24 de julho de 2011. Toda essa enumeração de atividades resultou em uma reflexão sobre os conceitos clássicos antropológicos de tempo e espaço no contexto da permacultura, sobre natureza e cultura, bem como discussões mais atuais como o ambientalismo e o desenvolvimento sustentável. Apesar de ser uma pesquisa de campo feita em sítios ou chácaras o contexto urbano está presente ativamente nas atividades dos grupos. Além de que é, também, em contraste ao urbanismo que a Permacultura existe 6 . Sendo assim autores-chave como Gilberto Velho, por exemplo, foram indispensáveis para guiar a observação e a consciência de uma heterogeneidade cultural. A pesquisa bibliográfica foi parte fundamental deste estudo. Assim, os aspectos teóricos, embora sejam fundamentais neste estudo, apenas complementam a pesquisa de campo, os aspectos práticos e a interpretação do pesquisador. Usando investigações sobre a história de vida e conversas informais como método, procurou-se observar e refletir sequencialmente ao término de cada vivência, já que a pesquisa de campo não foi realizada de 6 Mesmo havendo vertentes da Permacultura urbana que prega as mesmas práticas para uma vida na cidade, em um apartamento por exemplo. 14 em forma de imersão contínua, mas sim, de acordo com as oportunidades e atvidades aqui já descritas. Entrevistas semi-estruturadas e fotografias foram realizadas, resultando em um vídeo introdutório com aproximadamente cinco minutos de duração, que reuniu falas de permacultores atuantes, principalmente no Distrito Federal brasileira. A observação participante e participação observante contribuíram com sua certeira flexibilidade em minha atuação no campo, certamente foram grandes ferramentas utilizadas na atuação e coleta de dados. Cada situação vivenciada no campo apontava o momento de usar uma ou outra. Embora a metodologia fosse a mesma para toda a pesquisa, algumas adaptações se fizeram necessárias, de acordo com o caso de estudo. Em alguns cursos participei como aluna, em outros como monitora e ajudante, dependendo da situação. De acordo com Gilberto Velho (1987), “O drama social pode ajudar a registrar os contornos de diferentes, ideologias, interesse, subculturas etc., permitindo o remapeamento da sociedade”. Dessa forma, o grande diferencial deste trabalho é a interpretação dos dados referentes à diversas experiências de Permacultura, especialmente no contexto do Distrito Federal. 15 Capítulo 1 – A Permacultura “O formato oval, do símbolo da permacultura, representa o ovo da vida; aquela quantidade de vida que não pode ser criada ou destruída, mas que é expressada e emana de todas as coisas vivas. Dentro do ovo está enrolada a serpente do arco-íris, a formadora da terra dos povos aborígines. No centro está a árvore da vida, a qual expressa os padrões gerais das formas de vida. Suas raízes estão na terra e sua copa na chuva, na luz do sol e no vento. O símbolo inteiro e o ciclo que representa, é dedicado à complexidade da vida no planeta Terra.” (MOLISSON, 1998). 1. Descrição 1.1 Histórico O conceito de Permacultura foi criado por Bill Mollison e David Holmgren na Austrália no fim da década de 70. A palavra inicialmente se referia a “um sistema evolutivo integrado de espécies vegetais e animais perenes úteis ao homem” 7 . A princípio, a base era a agricultura, uma agricultura permanente. Em 1968, comecei a ensinar na Universidade da Tasmânia e, em 1974, com David Holmgren, desenvolvi uma estrutura de trabalho para um sistema agricultural sustentável, baseado na policultura de ávores perenas, arbustos ervas, vegetais, fungos e tubérculos, para o qual criamos a palavra Permacultura. (MOLLISON, 1998 [1991], p. 9). Com uma certa “humanização” do tema, parte da definição passou a ser de “um sistema de planejamento para a criação de ambientes humanos sustentáveis” 8 , deslocando-se de agricultura permanente para cultura permanente. Todavia a Permacultura veio significar mais do que suficiência alimentar doméstica. Auto-suficiência alimentar não tem sentido sem que as pessoas tenham acesso à terra, informação e recursos financeiros. Então, nos anos mais recentes, a Permacultura veio a englobar estratégias financeiras e legais apropriadas, incluindo estratégias para o acesso à terra, negócios e autofinanciamento regional. Desta forma ela é um sistema humano completo (MOLLISON, 1998 [1991], p. 9). A Permacultura pode ser definida como uma ciência holística e transdisciplinar, que tem caráter dinâmico, isto é, recebe constantemente contribuições das diversas áreas do 7 MOLLISON, [s.d.] apud PERMEAR (2009). Disponível em: http://www.permear.org.br/2006/07/14/o-que-e- permacultura/. Acesso em 1 de dezembro de 2009. 8 Disponível em: http://www.permear.org.br/2006/07/14/o-que-e-permacultura/. Acesso em 1 de dezembro de 2009. http://www.permear.org.br/2006/07/14/o-que-e-permacultura/ http://www.permear.org.br/2006/07/14/o-que-e-permacultura/ http://www.permear.org.br/2006/07/14/o-que-e-permacultura/ 16 conhecimento, dessa forma, é uma ciência que se encontra em construção. Para Bill Mollison, co-criador do conceito de Permacultura, esta une práticas tradicionais com a ciência moderna. O conceito de Permacultura é considerado um conceito dinâmico, pois desde seu surgimento, novas alterações são constrantemente feitas: inicialmente um sistema de agricultura sustentável, que posteriormente recebeu contribuições da arquitetura, da biologia, das ciências florestais e da zootecnia. Mais tarde, englobou-sea economia, estratégias financeiras e de negócios, de modo que pode ser considerado um “sistema humano completo”. “Permacultura é um sistema de design para a criação de ambientes humanos sustentáveis e produtivos em equilíbrio e harmonia com a natureza” 9 . De acordo com Bill Mollison: Permacultura é o planejamento e a manutenção conscientes de ecossistemas agriculturalmente produtivos, que tenham diversidade, estabilidade e resistência dos ecossitemas naturais. É a integração harmoniosa das pessoas e a paisagem, provendo alimento, energia, abrigo e outras necessidades, materiais ou não, de forma sustentável. (MOLLISON, 1998 [1991], p. 5). Lida com as plantas, animais, edificações e infra-estruturas (água, energia, comunicações). Todavia a Permacultura não se trata somente desses elementos, mas, principalmente, dos relacionamentos que podemos criar entre eles por meio da forma em que colocamos no terreno. (MOLISSON, 1998 [1991]). O principal livro utilizado como base neste estudo é Introdução a Permacultura 10 escrito por Bill Mollison, no ano de 1991. O livro tem sua tradução em português feita por André Soares, criador do Ecocentro Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerado (IPEC), em 1998. Outros livros como Permaculture One: A Perennial Agriculture for Human Settlements (1978) com co-autoria de David Holmgren, Permaculture Two: Practical Design for Town and Country in Permanent Agriculture (1979), Permaculture - A Designer's Manual (1988), The Permaculture Book of Ferment and Human Nutrition (1993) e Travel in Dreams (1996) são citados ou indicados no curso de Introdução a Permacultura 11 e em outros cursos como o PDC 12 (Permacultura Design e Consultoria). Em 1978 o livro Permacultura I de Bill Mollison foi publicado e esta é sua primeira obra. Dentre outras publicações está o livro Permaculture - A Designer's Manual de 1988, desde então conhecido como “a bíblia da 9 MOLLISON, [s.d.] apud SETE LOMBAS. Disponível em: http://www.setelombas.com.br/permacultura/o-que- e-permacultura/. Acesso em 1 dezembro de 2009. 10 Original em inglês Introduction to permaculture. 11 Refiro-me ao curso de introdução à Permacultura em nível acadêmico este existe, formalmente e como disciplina, na Universidade de Brasília e é ministrado, voluntariamente, por Cláudio Jacintho. 12 Do original em inglês,“Permaculture Design Course”. http://www.setelombas.com.br/permacultura/o-que-e-permacultura/ http://www.setelombas.com.br/permacultura/o-que-e-permacultura/ 17 Permacultura”, é um livro que descreve e explica minimamente a implantação de técnicas permaculturais. O livro Introdução à Permacultura trata, fundamentalmente, de descrever as técnicas para a produção e concretização de um design permacultural, desde seu planejamento por zonas e setores, passando por plantios consorciados e criação animal, até a distribuição dos excedentes incluindo a descrição de, como o próprio autor cita, uma economia comunitária. Bill Mollison cresceu em uma pequena comunidade da Tasmânia, de base rural. A partir dessa visão cultural rural sua relação com o ambiente, natureza, foi pautada e explorada. Ele viveu a maior parte de seu tempo no mar ou no mato, as pessoas da comunidade onde ele vivia plantavam seu próprio alimento e pescavam seu peixe. Seu contexto o propiciou uma percepção rápida sobre a falta gradual que os recursos iam fazendo, a degradação do ambiente marinho afetava diretamente a pesca e, portanto, diretamente a sua alimentação. Sendo assim, os caminhos descritos o levaram a sair da sociedade 13 por dois anos, por vontade própria. Ele queria voltar com uma solução para essa destruição e degradação dos, como ele mesmo se refere, sistemas biológicos. Estes impulsos o levaram ao encontro de David Holmgren. Holmgren é australiano e estudou no College of Advanced Education, na Tasmânia, onde, em 1974, conheceu Bill Mollison que dava aulas na universidade da Tasmânia na época. Holmgren concentrou seu trabalho na prática da Permacultra, e mais tarde em trabalhos de consultoria. Após 25 anos de Permacultura praticada, Holmgren publicou o livro Permaculture: Principles and Pathways beyond Sustainability (2002), que contém um refinamento acessível sobre os princípios da Permacultura. Holmgren possui em torno de 14 publicações em sua biografia, dentre elas Permaculture: Principles and Pathways beyond Sustainability é uma das mais importantes de sua carreira. 1.2 Princípios básicos relacionados à Permacultura A Ciência da Permacultura está intimamente relacionada a alguns princípios ecológicos e éticos. Entender estes princípios é fundamental para que se possa compreender o caráter sistêmico desta ciência. Os princípios ecológicos que regem o trabalho da 13 Segundo os relatos do próprio Mollison seu “sair da sociedade” constituiu-se em ir morar na floresta sem ter contato com a sociedade humana por algum tempo, porém, ao que se possa inferir de seus relatos ele estava por dentro das notícias do mundo e também lia bastante. 18 Permacultura (aqui descritos segundo a apresentação e organização do professor Cláudio Jacintho em suas aulas de Introdução à Permacultura 14 ) são: 1) Todos os organismos dependem do sol O Sol é a fonte primária de toda a energia e de toda a vida no planeta terra. Entretanto, nem todos os seres vivos possuem a capacidade de aproveitar a energia do sol em sua forma pura. Dessa forma, somente os organismos do reino vegetal (plantas e algas) conseguem captar a energia do sol e transformar parte desta energia em energia química, através do processo de fotossíntese, que é o processo metabólico mais importante do planeta terra. Uma vez que só as plantas possuem a capacidade de fixar parte da energia do sol, todos os organismos dependem direta ou indiretamente das plantas para sobreviver. Até mesmo os animais carnívoros dependem das plantas, pois geralmente se alimentam de animais herbívoros que comeram vegetais. 2) Todos os organismos estão relacionados entre si Este princípio ecológico é o que fundamenta a existência da teia da vida, e de certa forma, é uma decorrência do primeiro princípio. Absolutamente nenhum ser vivo no planeta vive sozinho, ou sem depender de outro ser vivo para a sua existência. Assim, não existe nenhum organismo no planeta terra que seja auto-suficiente. Até mesmo as plantas (que são capazes de fabricar seu próprio alimento) dependem de micro-organismos responsáveis pela fertilidade do solo e de animais que são polinizadores e dispersores das suas flores e das suas sementes, respectivamente. A aplicação deste princípio na propriedade permacultural é muito interessante. De forma análoga à natureza, nenhuma propriedade ou sítio pode ser completamente auto- suficiente. Sempre haverá a necessidade de encontrar algum alimento, matéria-prima ou produto em outras regiões. Desta forma, para descrever propriedades permaculturais sustentáveis, prefere-se utilizar o termo “propriedades auto-reguláveis”. 3) A energia flui e os Nutrientes ciclam naturalmente Nos sistemas naturais, a energia está sempre fluindo, ou seja, a luz do sol “sempre” irradiará (principalmente nos países tropicais) de forma incessante, bem como a água da 14 Ministradas em 2009 na Universidade de Brasília. 19 chuva “sempre” estará a cair dos céus. Podemos aproveitar a energia do sol, diretamente, através de placas fotovoltaicas para a produção de energia elétrica, ou através de um aquecedor solar de água e indiretamente, através da utilização da energia de biomassa (a energia proveniente das plantas). De maneira semelhante, pode-se aproveitar a água da chuva, e canalizá-la através de calhas, para umacisterna de ferrocimento. Da cisterna, a água pode descer por gravidade para outros pontos do terreno e após a utilização, podemos canalizar as águas cinzas e turvas para um círculo de bananeiras ou para uma bacia de evapotranspiração, respectivamente. Assim, conclui-se que a energia está “sempre” fluindo, e nós podemos aproveitá-la, se houver um planejamento permacultural adequado. A segunda parte deste princípio trata da ciclagem biogeoquímica dos nutrientes e, envolve o ciclo das águas nos diversos estados, o ciclo do carbono, dos outros elementos químicos e da matéria orgânica de maneira geral. De forma bem simples, podemos dizer que de acordo com os princípios e as técnicas da Permacultura procura-se fechar os ciclos dos elementos dentro do sítio permacultural. Ou seja, os alimentos são colhidos na horta, no pomar, na lavoura ou na agrofloresta, e posteriormente são preparados e ingeridos. Os resíduos da cozinha (cascas, talos e partes não aproveitáveis) irão para uma composteira, que transformará esse material em adubo, que voltará para a terra no momento certo. Da mesma forma, os resíduos humanos (urina e fezes) serão compostados no banheiro seco ou na bacia de evapotranspiração e também voltarão para a terra, com o tratamento adequado. 4) Os sistemas evoluem para a diversidade Os ecossistemas naturais são biodiversos, ou seja, possuem um grande número de espécies interagindo entre si, o que garante a estabilidade dos ecossistemas. Para entender este princípio basta observar uma floresta e como a teia da vida se encontra intimamente estabelecida, formando uma complexa harmonia entre todos os seres vivos. Se considerarmos o extremo oposto, por exemplo, uma monocultura de soja, perceberemos facilmente que é necessário muita energia externa (petróleo) para manter tal sistema artificial em funcionamento. Um fato interessante é que se a monocultura for abandonada, em poucas décadas haverá a recolonização da área por centenas de espécies animais e vegetais, mostrando que os sistemas evoluem para a diversidade. Além dos princípios ecológicos apresentados acima, a Permacultura também conta com princípios éticos, como: 20 1) Cuidado com a Terra: Isto significa uma atuação humana que conserve a vida no planeta em seu equilíbrio natural, se respeitando todos os elementos deste macrosistema, incluindo-se o cuidado com os "não vivos", como ar, água, solo, etc. Trabalhando "com" e não "contra" a natureza, possibilitando um aumento dos recursos que geram a vida. Isto significa inevitavelmente uma mudança nos padrões de consumo das sociedades contemporâneas. (JACINTHO, 2006, p. 9). 2) Cuidado com as pessoas: Este está intrínseco ao primeiro, já que os seres humanos são apenas mais uma espécie que habita o planeta Terra, porém para que o cuidado com o planeta esteja garantido, deve-se se assegurar simultaneamente o bem-estar humano, pois se este for atingido de forma harmônica com o ambiente, não mais será necessária a intervenção impactante que hoje exercemos para vivermos neste grande organismo Terra; (JACINTHO, 2006, p.10). 3) Distribuição dos excedentes: Um dos maiores problemas que hoje afligem os habitantes da Terra continua sendo a fome, enquanto houver um sistema que se utilize da miséria de uma maioria para a manutenção da riqueza de uma minoria, não se pode haver uma expectativa de sustentabilidade. Um sistema ideal gera alimento, energia, uso do tempo e dinheiro suficiente para se sustentar e ainda poder distribuir os excedentes. (JACINTHO, 2006, p. 11). A flor da Permacultura é a ilustração comumente usada para se apresentar os princípios da Permacultura e todos os estágios que envolvem uma transformação da cultura, para uma “cultura permanente”. Segundo o site Permaculture Principles: A jornada da permacultura inicia-se com as Éticas e os Princípios de Desenho e se move através de etapas chaves necessárias para criar um a cultura sustentável. Estas etapas estão conectadas por um caminho evolutivo em forma de espiral, inicialmente em um nível pessoal e local, para depois evoluir para o coletivo e global. (PERMACULTURE PRINCIPLES, 2011) 15 15 Disponível em: < http://permacultureprinciples.com/pt/pt_flower.php>. Acesso em 11 de novembro de 2011. http://permacultureprinciples.com/pt/pt_flower.php 21 Figura 1: Flor da Permacultura. Fonte: <http://nupeufrn.wordpress.com/2009/02/06/a-flor-da-permacultura/>. 1.3 Planejamento Permacultural (Design Permacultural) O sistema de design proposto por Bill Mollison envolve a definição dos termos: sistema e design. Sistema é um conjunto de elementos relacionados entre si de maneira que para entender o todo se considera a importância da conexão das partes, design é o planejamento permacultural propriamente dito, não necessariamente estático, podendo variar ao longo do tempo. Os sistemas são ecossistemas cultivados, ou com presença humana, como chácaras, condomínios, vilas e bairros. Construções, animais, plantações, tanques de água ou residências são elementos que constituem esse sistema. O design é o desenho dinâmico, que implica interação entre os elementos, do sistema. Ele é crucial no desenvolvimento do projeto, e representa o planejamento ideal para a para o funcionamento harmônico e integrado da propriedade, o que em última análise, resulta em uma propriedade auto-regulável. Por possuir um planejamento que busca a auto-regulação é que seus praticantes definem o projeto permacultural como sustentável ou, como já mencionado, algo que pode ser sustentado. 22 O design é elaborado a partir de algumas diretrizes e, certamente haverá um design específico para cada propriedade, de acordo com suas particularidades. A energia a ser usada no sistema deve ser basicamente a disponível no sistema, deve-se diminuir a demanda por energia externa, especialmente a energia fóssil (petróleo), o que colabora para a “sustentabilidade 16 ”. A elaboração do design para sistemas cultivados tem como inspiração os sistemas naturais. O conhecimento e observação da natureza e todas as suas interconexões é o que norteia e rege o planejamento ou design permacultural. Os métodos de iniciar o design são dois: definindo os objetivos anteriormente à observação do local, ou observando o local antes da definição dos objetivos, “deixando que estes surjam de acordo com a realidade” (JACINTHO, 2006). Pode-se estabelecer que um dos objetivos centrais do planejamento permacultural é a economia da energia 17 , ou seja, o aproveitamento das energias externas ao sistema e a minimização de entrada de energia fóssil. A questão energética é vista como chave no projeto de Permacultura. Para que uma propriedade permacultural seja eficiente em termos energéticos é preciso que os elementos estejam posicionados corretamente. A energia deve fluir ciclicamente na permacultura, quanto menos utilizarmos de recursos provenientes de fora do sistema mais perto o espaço estará de uma “auto-suficiência”, por exemplo, de acordo com o modo de vida urbano-industrial todos os recursos energéticos utilizados por nós, seres humanos, vêm de fora como a luz e a água. Além disso, somos condicionados a descartar alguns potenciais energéticos, a água e a matéria orgânica, e não sabemos como aproveitar outros recursos como, por exemplo, a água da chuva. No diagrama abaixo está um exemplo de ciclagem energética. 16 Sustentabilidade aqui no sentido ser característica ou condição do que é sustentável, de acordo com o dicionário Houaiss da língua portuguesa, e sustentável no sentido de manter-se constante por um longo período de tempo, segundo o dicionário Aurélio da língua portuguesa. 17 Pode-se entender também como energia a palavra trabalho,no sentido de esforço físico ou mental. Neste caso, diminuir os esforços. 23 Outro fator energético relevante na permacultura é o trabalho, este vai definir o posicionamento da maioria dos elementos 18 . Com a o posicionamento da composteira perto da casa, da cozinha ou do local onde são feitas as refeições, o descarte dos restos alimentares (matéria orgânica) na composteira será mais fácil, economizando trabalho. Para isso, o planejamento energético é realizado de acordo com dois aspectos, as zonas e os setores. O primeiro, relacionado às energias internas do sítio e o segundo, às energias externas. O planejamento por zonas consiste em se definir previamente (através de um desenho) a localização dos elementos componentes de um espaço permacultural (sítio, chácara, etc.). Ele diz respeito às “energias internas do sistema e um objetivo fundamental seria a economia de energia que é propiciada pela redução de deslocamentos desnecessários”, como afirma o permacultor Adriano Cáceres 19 , um dos interlocutores deste trabalho. Primeiramente se define o local (espaço primário) central do projeto, o local onde as pessoas concentram suas tarefas, um centro de atividades – denominado como zona zero, que pode ser uma casa, um viveiro, ou até mesmo uma vila inteira. A zona zero será o “marco zero”, digamos assim, o local de onde partirão as atividades humanas. Os demais elementos (que serão localizados em outras zonas, zona 1, 2 ou 3, por exemplo) são posicionados de acordo com dois critérios: 1) o número de vezes que precisamos visitar o elemento (deriva das nossas necessidades em relação ao elemento, por exemplo, para jogarmos nossos compostos orgânicos na composteira, precisamos visitá-la diariamente, e por este motivo ela deve ser localizada de maneira mais próxima da casa) e 2) o número de vezes que um elemento precisa ser visitado (consiste nas necessidades do elemento em si, no manejo que devemos praticar 18 O termo trabalho na permacultura será analisado no capítulo 3 deste trabalho. 19 [Adriano Cáceres, permacultor, Distrito Federal, 24/04/2011, em entrevista]. Alimentação dos moradores com a produção, e venda ou troca dos excedentes. Os restos provenientes da alimentação vão para a composteira que servirá de adubo. Produção de alimentos no sítio permacultural, através da técnica de agroflorestas, por exemplo. Figura 2: Ciclagem energética na permacultura (exemplo). Fonte: da própria autora. 24 diariamente, ou uma vez por semana, ou uma vez por mês e assim em diante). Desta forma, a zona 1 localiza-se imediatamente próxima ao centro das atividades, e é nesta zona que são posicionados os elementos que precisam de mais manejo, por exemplo, a composteira, a horta, o minhocário e o desidratador de frutas. Na zona 2, podemos localizar elementos que precisam de um manejo menos intenso, como o tanque de ferrocimento, o galinheiro e um pequeno pomar. Já na zona 3 podemos encontrar uma agrofloresta que necessita de um manejo menos freqüente. E, finalmente, na zona 4 uma floresta de cerrado nativo intacto, por exemplo. Traçada a zona zero deve-se, segundo a metodologia de planejamento proposta por Mollison (1998), realizar o planejamento por setores. Este se refere à incidência de energias externas não controláveis no local (sistema), como ventos, insolação, água, enchentes, risco de fogo, ruído, poeira, dentre outros. Desta forma, a análise das energias externas não-controláveis dá origem a um mapa ou diagrama de setores, que é uma mapa da propriedade feito com base no centro das atividades (zona 0), onde constam a direção de incidência das energias externas não controláveis. Efetuando este planejamento, as ações do homem sobre aquela localidade ou sistema serão adequadas e bem definidas, como cavar buracos para o escoamento da água da chuva, por exemplo. Quando as informações das zonas e dos setores são sobrepostas, têm-se informações suficientes para realizar o planejamento permacultural propriamente dito, que é um mapa geral da propriedade, com a localização exata de cada elemento, de forma que o sistema tenha o melhor funcionamento possível. 25 Figura 3: Planejamento por zonas feito por Adriano Cáceres para um projeto pemacultural no Bairro do Tororó, Santa Maria, DF. Figura 4: Planejamento por setores para o mesmo bairro feito por Adriano Cáceres. Muitas vezes a inspiração para se desenhar determinado sistema ou bioconstrução, vem dos chamados padrões naturais, que são formas recorrentes e largamente identificadas na natureza. 26 1.4 Padrões Naturais Padrões naturais são os “desenhos” feitos pela natureza. De acordo com Mollison, “imitar” estes padrões naturais é fundamental para um bom planejamento permacultural. As formas de certos elementos como o caramujo, por exemplo, (forma espiral), é também a forma de disposição de alguns vegetais na floresta, e pode ser um padrão aplicável em uma horta, por exemplo. Esta disposição, não retilínea, poderia assim proporcionar uma harmonia interativa dos elementos, uma melhor ocupação da área, além de cada planta poder ocupar um microclima específico, de acordo com suas exigências nutricionais e de umidade. Outro exemplo de padrão natural utilizado na Permacultura é o padrão aleatório que se verifica nas florestas que possuem inter-relações, dinâmica e equilíbrio próprio. Tal fato mostra a visão sistêmica e inter-relacional que o permacultor deve possuir, observando as coisas nas suas relações e não isoladamente. Estas relações, como foram verificadas em campo, em sua maioria não são definidas como competitivas e sim como cooperativas. A cooperação, segundo o Ernst Götsch é um dos princípios 20 sobre os quais a vida gira em torno. De acordo com Jacintho (2006): Observando elementos isoladamente, caímos no erro de taxar as relações que ali ocorrem como competitivas, porém olhando para a floresta como um todo, vemos que existe uma cooperação entre as espécies e até entre os indivíduos, já uma grande árvore matriz dispersa um grande numero de sementes e seus filhotes aguardam até a hora certa de crescerem, ficando apenas mais viável. Ou seja, eles atuam em um conjunto para que a espécie se perpetue. (JACINTHO, 2006, p. 23) 1.5 Grupos de pessoas, redes, comunidades e instituições no Brasil Em 1992, Bill Mollison ministrou um curso de Permacultura no Rio Grande do Sul e estabeleceu um marco inaugural: “de lá para cá, a Permacultura desenvolveu-se no Brasil, conquistando dia após dia um número crescente de praticantes.” (PERMEAR, 2009) 21 . Os institutos de Permacultura no Brasil (de acordo com o site permacultura.org) são: Ecocentro IPEC - Pirenópolis GO IPA - Manaus AM 20 Outro princípio que Ernst defende como vital é o amor incondicional, e seus opostos são a concorrência e a competição fria, estas criam a escassez. Estas falas foram coletadas no curso de Sistemas Agroflorestais, onde também foi realizado o campo para este trabalho. 21 Disponível em: <http://www.permear.org.br/2006/07/14/o-que-e-permacultura/>. Acesso em 1 dezembro de 2009. 27 IPB - Lauro de Freitas BA IPEMA - Ubatuba SP IPERS - Porto Alegre RS IPETERRAS - Irecê BA IPOEMA - Brasília DF OPA - Salvador BA As comunidades, sítios e casas são: Asa Branca (DF) Casa Colméia (SC) Casa da Montanha (SC) Curupira (SC) Gralha Azul (SP) Marizá (BA) Moradia Ecológica (SP) Morada Natural (MG) Sete Eco's (MG) SeteLombas (SC) São Francisco (SP) Terra Una (MG) Tibá (RJ) Vagalume (SC) Vida de Clara Luz (SP) Vila Nova do Alagamar (CE) Os grupos e redes são: Autonomia (SC) ColetivoPermacultores (SC) GEPEC (DF) Permacultura na Escola (SC) Rede Permanece (CE)2. Técnicas Utilizadas na Permacultura 28 2. Técnicas Utilizadas na Permacultura 2.1 Agroecologia e Sistemas Agroflorestais A agroecologia é uma ciência transdisciplinar, que reúne conhecimentos de diversas áreas da ciência (ecologia, agricultura, engenharia florestal, biologia, geologia, química, pedagogia, dentre outras) cujo principal objetivo é fornecer uma base científica sólida, no sentido de apoiar todas as formas de agricultura alternativas. A agroecologia não nega o conhecimento das populações tradicionais e povos indígenas, e sim procura incluir tais conhecimentos na construção de um novo paradigma de agricultura. Segundo Miguel Altieri “A agroecologia fornece os princípios ecológicos básicos para o estudo e tratamento de ecossistemas tanto produtivos quanto preservadores dos recursos naturais, e que sejam culturalmente sensíveis, socialmente justos e economicamente viáveis.” (ALTIERI, p. 17, 1998). Altieri (1998) defende uma visão (agroecológica) transdisciplinar dos agroecosistemas que ultrapassa a visão unidimensional da ciência, adotada pela modernidade ocidental. A agroecologia defende o conhecimento camponês, ou etnoconhecimento - como coloca Altieri (1998) -, ressaltando que a transferência de conhecimento entre povos tradicionais e estudiosos modernos deve ser feita adequada e rapidamente, para a confecção de estratégias alternativas para agricultura. Altieri afirma que “os agricultores tradicionais preservam a biodiversidade não somente nas áreas cultivadas, mas também, naquelas sem cultivos.” (ALTIERI, p. 23, 1998). William Balée (1993) diferencia as modificações ambientais provocadas na Amazônia pelos índios e pela sociedade estatal moderna. Segundo o autor os povos tradicionais indígenas modificaram sim o ambiente, e de maneira significativa: Eles o fizeram: mas, em lugar de terem provocado extinções, parecem ter na verdade contribuído para o aumento da diversidade biológica. Esta aparente ação diversificadora estende-se desde os tempos do Neolítico até o presente, e seu mais notável testemunho é a série de espécies domesticadas e semi-domesticadas presentes na Amazônia. (BALÉE, p. 387, 1993). Os Sistemas agroflorestais, ou simplesmente SAFs, são práticas silviculturais (sistemas de plantio) que se baseiam no funcionamento da floresta. Geralmente são sistemas multiestratificados, ou seja, vários grupos de plantas ocupam o mesmo estrato, biodiversos (implementados com dezenas de espécies vegetais) e sucessionais (determinados grupos de espécies se sucedem ao longo do tempo). 29 Os SAFs segundo Altieri (1998) estão classificados na “tabela de elementos técnicos básicos de uma estratégia agroecológica” como uma técnica de manejo dos recursos produtivos e diversificação espacial. Já Balée (1993) menciona os SAFs como técnicas tradicionais de cultivo. Considerado aqui como um subsistema do sistema permacultural, os SAFs são considerados verdadeiras florestas de alimentos. Entretanto, essa denominação é, de certa forma reducionista, segundo alguns permacultores, uma vez que nas agroflorestas são plantados não só alimentos, mas uma grande variedade de madeiras, medicamentos, resinas, óleos vegetais, dentre uma grande variedade de produtos. Os SAFs são florestas plantadas e manejadas pelo homem que obedecem aos padrões naturais. Em um sistema agroflorestal são plantadas plantas de ciclo curto (hortaliças), plantas de ciclo médio como a bananeira e a mandioca e de ciclo longo (árvores como a jaqueira, por exemplo) simultaneamente, sem o uso de agrotóxicos ou sementes transgênicas. Nos SAFs utiliza-se um padrão de plantio diferente do padrão vigente na agricultura industrial, associando-se plantas nativas à exóticas, o que aumentaria a biodiversidade, a estabilidade e a produção de alimentos. Além de consorciar plantas de diferentes tipos e ciclos, os SAFs também podem ser implementados com animais (sistemas agrosilvipastoris), de acordo com critérios específicos, de forma semelhante ao que acontece nos ecossistemas naturais. Ernst Götsch é um dos precursores em SAFs no Brasil, nascido na Suíça e morador do Brasil há mais de vinte anos. Ernst adquiriu uma terra degradada na Bahia, em que muitos duvidaram que pudesse ser produzida qualquer coisa. Ernst insistiu, implantou agroflorestas em cerca de quinze hectares e após dez anos de trabalho, literalmente fez brotar vinte e quatro nascentes dentro da propriedade, segundo Peneireiro (1999). Ernst não acredita que possa haver concorrência e competição na natureza, e defende com resultados científicos e correntes na natureza, claro, que todas as espécies vegetais e animais mantêm um íntimo processo de cooperação, onde uma planta “cria” a outra. A esse processo de cooperação, Ernst denomina de “amor incondicional”. Para ele, o amor incondicional é a grande lei da natureza, e todos temos que trabalhar para sermos “seres queridos pelo sistema”, ou seja, devemos orientar nossas ações no sentido de criar a vida, e não de destruí-la. Os ciclos lunares também são observados no plantio dos sistemas agroflorestais, onde cada ciclo lunar seria apropriado para se plantar, colher ou podar uma determinada espécie. 30 Sendo assim, as práticas de manejo deveriam ser guiadas também pelos ciclos lunares, tendo assim, aparentemente implicações “cosmológicas”. A relação da permacultura com a agroecologia e a agrofloresta é bastante forte. O que pôde ser interpretado a partir das observações de campo foi que a agroecologia, assim como a permacultura, é caracterizada como ciência e ambas são datadas do início dos anos 70. Assim como a permacultura, a agroecologia possui alguns princípios baseados na prática indígena e tradicional 22 - segundo Altieri (1998) -, porém a agroecologia é voltada para o viés agricultural, enquanto a permacultura aborda a agricultura, a moradia, a distribuição dos excedentes, o saneamento, enfim, todo um modo de vida. Portanto, a permacultura utiliza da agroecologia para tratar sobre agricultura, e da agrofloresta como uma das técnicas para implantar esta agricultura. 2.2 Bioconstruções O processo de produção do cimento se baseia na mineração do calcário, segundo Santi e Sevá Filho (2004). A fabricação do cimento demanda muita energia (energia elétrica e térmica), e conseqüentemente de petróleo: “No ano de 2002, a indústria de cimento brasileira consumiu o equivalente a 3,2 milhões de tEP (toneladas equivalentes de petróleo) para produzir 38 milhões de toneladas de cimento, o que corresponde a 5% do consumo total de energia do setor industrial” (BEN, 2003; SNIC, 2003 apud SANTI e SEVÁ FILHO, 2004, p. 3). Além disso, todo o processo libera bastante CO2 na atmosfera. Portanto o processo de produção do cimento é altamente dependente de insumos não-renováveis e poluidores. O cimento é o principal elemento necessário para a construção civil. Ele é a base para a confecção da maioria das moradias modernas, e até mesmo o seu descarte incorreto pode causar graves danos ambientais. As bioconstruções oferecem uma alternativa para a utilização do cimento e, conseqüentemente, a utilização de energias não renováveis. Isto não significa que a prática da bioconstrução exclua completamente o cimento da construção de uma casa, por exemplo, mas defende-se utilizá-lo de maneira mínima, caso seja necessário. 22 Altieri (1998) escreve que os povos e agricultores tradicionais “(...) atendem às exigências ambientais de seu sistema de produção de alimentos concentrado-se em uns poucos processos e princípios (Knight, 1980), descritos a seguir. Diversidade e continuidade espacial e temporal (...) Otimização do uso do espaço e recursos (...) Reciclagem de nutrientes (...)Conservação da água (...) Controle de sucessão e proteção de cultivos.” (ALTIERI, p. 31, 1998). 31 A bioconstrução é uma técnica de construir edificações de forma sustentável e menos agressiva ao meio ambiente, adaptando-se a área, ao clima e ao contexto. O tijolo de adobe e o superadobe são os componentes mais utilizados em bioconstruções, principalmente no centro-oeste do Brasil. A técnica de produção do superadobe é a seguinte: A construção é simples, bastando que a terra local, umedecida, seja colocada em sacos de polipropileno e então socada (com o auxilio de um socador) em fiadas com até 20 cm de altura. Fiada após fiada, bem compactadas, a parede vai subindo. Quando a parede de superadobe chegar à altura desejada, basta retirar o saco de polipropileno das laterais e rebocá-la. 23 2.3 Captação e Manejos das águas A tradicional forma ocidental moderna de se descartar dejetos humanos através do esgotamento sanitário (doméstico, não doméstico e infiltrações 24 ) não atingiu eficiência esperada com a modernização. Além disso, é fato que esta técnica conta com a canalização desses esgotos, tratamento e despejo em águas de rios e mares causando poluição e problemas de saúde para os seres humanos. Além das edificações, existem “tecnologias sustentáveis” como, por exemplo, sistemas de capitação de água da chuva, feitos de ferrocimento (material composto de tela de ferro com uma fina camada de cimento) para o aproveitamento da água e economia desta. O banheiro seco é o exemplo de “tecnologia sustentável” e bioconstrução mais difundido pelos permacultores: Nesse sistema, em vez de encanamentos hidráulicos para levar os dejetos para bem longe (e com um consumo considerável de água), temos duas câmaras de compostagem que armazenam os resíduos até que eles se transformem em composto. Daí, é retirado e levado para o minhocário, onde vira húmus, ou seja, um adubo orgânico de alta qualidade para ser usado na agricultura. 25 23 Disponível em: http://www.ecocentro.org/bioconstruindo/superadobe.html> 17. Acesso em 2 de dezembro de 2009. 24 Classificação dos esgotos segundo a COPASA (2010): Doméstico – constitui de efluentes gerados em uma residência, em hábitos higiênicos e atividades fisiológicas, além de efluentes gerados em outros ambientes, cujas características físico-químicas sejam aquelas peculiares ao esgoto residencial. Não Doméstico – constitui de despejo líquido resultante de atividades produtivas ou de processo de indústria, de comércio ou de prestação de serviço, com características físico-químicas distintas do esgoto doméstico. Infiltração – parcela devida às águas do subsolo que penetram nas tubulações, através das juntas e órgãos acessórios. 25 Disponível Em: < http://planetasustentavel.abril.com.br/blog/gaiatos-e-gaianos/63863/>. Acesso em 2 de dezembro de 2009. http://planetasustentavel.abril.com.br/blog/gaiatos-e-gaianos/63863/ 32 2.4 Energias Alternativas A Permacultura também defende a utilização de energias alternativas. Alternativas, pois as energias não renováveis caminham para uma finalização dos recursos, demandando assim alternativas, ou energias alternativas. Neste caso: energias renováveis, que não se esgotam e não causam poluição. As energias alternativas 26 são energias provenientes de fontes como o sol (energia solar), os ventos (energia eólica), de matérias vivas como plantas, animais e fungos (biomassa), do calor terrestre (energia geotérmica), dos movimentos dos oceanos (energia dos oceanos), e da queda das águas (energia hidroelétrica). 3. Permacultura no Distrito Federal e entorno A Permacultura no DF é difundida, principalmente, por uma organização não- governamental de nome IPOEMA (Instituto de Permacultura: organização, ecovilas e meio ambiente). O IPOEMA atua em quatro estações permaculturais ou chácaras, principalmente 27 . Estas serão descritas nos tópicos a subseqüentes. 3.1 Chácara ou Centro de Permacultura Asa Branca A Chácara Asa Branca é hoje a principal referência do IPOEMA. Localizada a 25 km do centro de Brasília, ocupa uma área de quatro hectares de cerrado denso e conservado. Desde 1999, vem implantando a permacultura em diversas tecnologias para geração de sustentabilidade: habitações ecológicas, sanitários compostáveis, abastecimento de água da chuva, tratamento das águas servidas, produção de alimentos e outras atividades produtivas. Recebe cerca de 10.000 visitantes por ano entre escolas, universidades, associações, empresas, órgãos do governo e famílias. (IPOEMA, 2011). 28 26 De acordo com o PORTAL DE ENERGIAS ALTERNATIVAS. (Disponível em: <http://www.energiasealternativas.com/energias-renovaveis.html >. Acesso em 7 de novembro de 2011). 27 O IPOEMA também apóia algumas iniciativas como cursos e palestras, por exemplo, que podem ser realizados fora dessas estações. A diferença é que essas estações têm um vínculo direto com a ONG. 28 Disponível em: < http://www.ipoema.org.br/interna_c_01.htm>. Acesso em 15 de janeiro de 2011. http://www.energiasealternativas.com/energias-renovaveis.html http://www.ipoema.org.br/interna_c_01.htm 33 Cláudio Jacintho é idealizador do IPOEMA e permacultor residente na chácara Asa Branca. Ele é o pioneiro da Permacultura no Distrito Federal e um dos principais interlocutores deste trabalho. Figura 5: Cláudio Jacintho no mais recente viveiro da Asa Branca, 2011. Fonte: da própria autora. 3.2 Sítio Semente O Sítio Semente fica a 50 km do centro de Brasília, sendo referência em recuperação de áreas degradadas através da implantação de Sistemas Agroflorestais Sucessionais. (IPOEMA, 2011). 29 Juã Pereira é permacultor, proprietário do Sítio Semente, e precursor da agrofloresta no Distrito Federal. Foi aluno de Ernst Götsch e colaborador para a vivência com Beki Ashaninka 30 realizada em seu sítio, também figura muito importante no campo deste trabalho. Figura 6: Sítio Semente. Fonte: http://sites.google.com/site/sitiotamandua/s%C3%ADtiosemente 29 Disponível em: < http://www.ipoema.org.br/interna_c_01.htm>. Acesso em 15 de janeiro de 2011. 30 A disciplina Artes e Ofícios dos Saberes tradicionais inaugurada em 2010 na Universidade de Brasília deu a mim e a outros alunos a possibilidade de vivenciar “aulas” ministradas por mestres de saberes tradicionais como o Ashaninka Benki. Na vivência com Benki tivemos uma roda de diálogos e demonstração agroflorestal no sítio Semente, de Juã Pereira. http://www.ipoema.org.br/interna_c_01.htm 34 3.3 Chácara Santa Rita A Chácara Santa Rita, situada na região do Paranoá, é o Centro de Convivência do IPOEMA, onde são realizadas atividades de educação ambiental, organização social, vivências de integração comunitária e gestão participativa. (IPOEMA, 2011). 31 A chácara Santa Rita foi uma doação de um senhor falecido que, em seu testamento, desejou que a chácara fosse doada para uma ONG que se envolvesse a temática de meio ambiente e sustentabilidade. Após uma seleção a ONG IPOEMA foi a contemplada 32 . A chácara Santa Rita me foi apresentada por Júlio Itacaramby, que era morador do local juntamente com mais duas pessoas na época da pesquisa de campo. Figura 7: Chácara Santa Rita. Fonte: da própria autora. 3.4 Sítio Tamanduá O Sítio Tamanduá, localizado a 20 km do centro de Brasília, no bairro Altiplano Leste, possui quatro hectares de cerrado preservado, sendo referência em diversas tecnologias de bioconstrução, seguindo os princípios da permacultura. (IPOEMA, 2011. 33 31 Disponível em: < http://www.ipoema.org.br/interna_c_01.htm>. Acesso em 15 de janeirode 2011. 32 Esta história me foi contada por Júlio Itacaramby, permacultor que residia na chácara na época. 33 Disponível em: < http://www.ipoema.org.br/interna_c_01.htm>. Acesso em 15 de janeiro de 2011. http://www.ipoema.org.br/interna_c_01.htm 35 Figura 8: Sítio Tamanduá. Construção da casa principal. Fonte: http://sites.google.com/site/sitiotamandua/ Sendo assim, os outros espaços localizados na região do Distrito Federal como a Chácara Ilumina, o Sítio Geranium e a chácara Torre de Barro, são espaços que não possuem vínculo institucional direto com o IPOEMA, apesar de terem alguns de seus cursos apoiados pela ONG. E, ao passo que o Ecocentro IPEC é uma ONG sem fins lucrativos, a Oca Brasil é uma organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP). Sigo com uma breve descrição desses espaços que praticam a permacultura no Distrito Federal, sem ligação direta com o IPOEMA e, mais a frente, com uma apresentação dos institutos fora do Distrito Federal, mas que mantém relação bastante forte com a permacultura praticada no DF, IPEC e Oca Brasil. 3.5 Espaço Ilumina A chácara, ou Espaço Ilumina é um espaço de cultura e educação holística construído no moldes da bioconstrução e trabalha com a ecologia profunda (deep ecology), preservação e educação. O espaço IluMina nasceu primeiramente do encontro de três educadores preocupados em construir um modelo sustentável de escola e vida ecológica e oferecer serviços de educação holística à comunidade do Palha e do DF. Desse encontro primeiro surgiu o projeto da construção da Casa/escola e o projeto da ocupação ecológica da chácara 176 do Núcleo Rural Córrego do Palha, onde se situa a IluMina. A chácara, em acordo comum, foi concedida para a construção do projeto IluMina. O projeto previu, desde o seu nascimento, a ocupação ecológica da chácara e o desenvolvimento de um projeto pedagógico holístico, com foco sobre a ecologia , a educação e o sagrado, através de uma educação não-formal comunitária, como prevista pela Lei de Diretrizes e bases da Educação, LDB, de 1996. A construção da casa/escola, bem como das demais estruturas da IluMina inicou-se em dezembro de 2007. A necessidade de uma ocupação ecologicamente consciente e de um serviço de educação holístico no Núcleo Rural do Palha justifica a importância da IluMina, como sendo um centro de referência sustentável modelo para toda a comunidade e 36 para outras organizações com esse foco. A matriz Ecologia-Educação-Sagrado orienta e organiza todo o planejamento de atividades e serviços da IluMina. (SERILUMINA, 2011). 34 A oficina de Horta Agroecológica realizada pelo IPOEMA e praticada no Espaço Ilumina, proporcionou o conhecimento de outras duas figuras importantes e difusores da agroecologia e Permacultura no Distrito Federal: Lucas Santana e Gabriel Romeo. Figura 9: Banheiro seco do Espaço Ilumina. Fonte: da própria autora. 3.6 Sítio Geranium O Sítio Geranium é localizado na fronteira entre as regiões administrativas de Taguatinga, Samambaia e Ceilândia, no Distrito Federal. É um “centro de estudos, aplicação e práticas de agroecologia e tecnologias sustentáveis” (SÍTIO GERANIUM, 2011) 35 e funciona desde 1986 trabalhando com educação ambiental e com o cultivo de produtos orgânicos. O sítio possui parceria com algumas organizações, dentre elas está o IPOEMA. Seus proprietários Marcelino e Abadia foram muito receptivos e estreitaram o caminho entre mim e a vaga no curso com Ernst Götsch, que foi enriquecedor para o campo deste trabalho. 34 Disponível em: < http://serilumina.blogspot.com/>. Acesso em 15 de janeiro de 2011. 35 Disponível em: < http://sitiogeranium.com.br/quem-somos.html>. Acesso em 16 de janeiro de 2011. http://serilumina.blogspot.com/ http://sitiogeranium.com.br/quem-somos.html 37 Figura 10: Piscina Sítio Geranium. Fonte: da própria autora. 3.7 Chácara Torre de Barro A chácara Torre de Barro está localizada no Bairro Tororó, na região administrativa de Santa Maria-DF, possui área total de 810 metros quadrados 36 . O terreno foi adquirido pelo proprietário, o engenheiro florestal Adriano Cáceres, em 2007. A observação do espaço natural e, seqüencialmente, um inventário florestal foram feitos para elaborar o design permacultural da chácara. Os objetivos do espaço da chácara, segundo Adriano Cáceres, são: criar um ambiente de ocupação sustentável, que possa funcionar como uma mini-vitrine de Permacultura, produção de hortaliças e brotos orgânicos em pequena escala e ainda um local para cursos, visitação e lazer. Até o presente momento a chácara conta com duas casas (bioconstruções), banheiro seco, telhado de grama, horta orgânica, composteira e uma agrofloresta em andamento. Os moradores Adriano Cáceres e Ana Paula Boquadi trabalham com alimentação viva, e utilizam o espaço para oferecer cursos 37 . 36 Segundo seu proprietário Adriano Cáceres. 37 Estilo de alimentação onde os alimentos são consumidos crus, ou “amornados”. O objetivo é se alimentar de tudo o que é natural e vem da terra. Não se consome carne, leite ou derivados, ovos, alimentos industrializados etc. Apesar de parecer uma alimentação simples ela é bastante requintada e complexa, sendo realizados cursos por todo o país. A alimentação viva também é nominada como “alimentação ecológica”, “raw-food” ou “life food”. 38 Figura 11: A torre de Barro. Fonte: da própria autora. 3.8 Ecocentro IPEC O Ipec foi fundado em 1998 com a finalidade de estabelecer soluções apropriadas para problemas na sociedade, promover a viabilidade de uma cultura sustentável, oportunizar experiências educativas e disseminar modelos no cerrado e no Brasil. Neste contexto, o Permacultor André Soares e a pedagoga e escritora Lucy Legan 38 ministraram cursos de Permacultura em todas as regiões do país e no exterior, capacitando diversos permacultores para a evolução de uma proposta de mudança. Em 1999 eles iniciaram a construção de um espaço para demonstrar a viabilidade dos princípios da Permacultura e da Bioconstrução, o Ecocentro. (ECOCENTRO, 2011). 39 O IPEC é um centro de referência em Permacultura e sustentabilidade no Brasil e já sofreu visitas de permacultores como Bill Mollison. André Soares, seu idealizador, é um dos principais canais entre a Permacultura praticada do Brasil e o idealizador da Permacultura. Portanto, o ecocentro é em local de cursos e vivências que chama atenção de estudantes e curiosos tanto brasileiros quanto estrangeiros. O ecocentro possui a maioria, se não todos, os elementos de um design permacultural, além de ter se transformado de um espaço completamente degradado em um espaço de floresta recuperada (no intervalo de treze anos) por meio da permacultura e da agrofloresta 40 . 38 Layla Soares é a filha do casal e foi interlocutora deste trabalho. 39 Disponível em: < http://www.ecocentro.org/sobre-o-ipec/sobre-o-ecocentro/>. Acesso em 16 de janeiro de 2011. 40 A relação entre Permacultura e Agrofloresta será um tópico a ser discutido no capítulo 2 deste trabalho. http://www.ecocentro.org/sobre-o-ipec/sobre-o-ecocentro/ 39 Figura 12: Ecocentro IPEC área tranformada. Fonte: http://www.ecocentro.org/sobre-o-ipec/sobre-o-ecocentro/ 3.9 Oca Brasil Oca Brasil é um centro de referência em Sistemas Agroflorestais no centro-oeste, mais precisamente em Alto Paraíso de Goiás. Os plantios de SAFs foram iniciados no ano 2000 e hoje o espaço possui mais de 10 hectares de SAFs plantados sob a coordenação de Ernst Göstch, com o apoio de Namastê Ganesh. Além de ministrar cursos técnicos de SAFs, a Oca Brasil também trabalha com educação ambiental, recebendo
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