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Gaston Bachelard Bachelard nasceu em 1884 em Bar-sur-Aube, França, zona rural. Após concluir seu bacharelado trabalhou no serviço postal. Depois de ter sido convocado para se apresentar ao exército durante a primeira grande guerra, retornou à sua cidade para lecionar física e química. Sua tese de doutorado, defendida em 1927, teve por título “Um ensaio sobre o conhecimento aproximado”. Depois trabalhou na universidade de Dijon e também na Sorbonne. A obra de Gaston Bachelard pode ser dividida em diurna e noturna. Quando tratava de aspectos relativos à filosofia da descoberta científica, Bachelard estava dando vazão ao homem diurno da ciência. E, quando abordava aspectos da filosofia da criação artística, tratava-se do homem noturno da poesia. Apesar do reconhecimento destes dois importantes aspectos da obra de Bachelard, entende-se que esta separação presta-se apenas para fins classificatórios, pois não é possível separar o Bachelard diurno do noturno, “o homem é, ao mesmo tempo, Razão e Imaginação” (JAPIASSU, 1986, p. 68). Suas reflexões sobre a ciência estão repletas de poesia e subjetividade e, por sua vez, seu olhar sobre a arte e poesia conserva a curiosidade científica do pesquisador. A Epistemologia histórica surgiu das ideias de Gaston Bachelard e seu discípulo Georges Canguilhem deu continuidade às mesmas. Para Bachelard, somente era possível fazer uma reflexão crítica sobre a produção de conceitos se nos debruçássemos sobre a história das ciências. Além disto, o autor acreditava num exame profundo das ciências pela filosofia. A filosofia, então, deveria fazer esta reflexão crítica e só assim poderia despertar do seu sono dogmático (LOPES, 1996). Nesse sentido, podemos entender as ideias de Bachelard como um contraponto à epistemologia positivista. O positivismo foi a epistemologia que serviu de base para o desenvolvimento da ciência moderna, que, tendo surgido da promessa iluminista de progresso e felicidade individual, carregou um pouco a “arrogância” desta promessa de não precisar justificar ou questionar seus métodos, na medida em que seria “O Caminho para A Verdade”. Na verdade, o positivismo considerava as ciências, tanto em sua forma quanto em seu conteúdo, como constituindo a própria verdade, o que levava à conclusão de que as ciências não poderiam ser julgadas (JAPIASSU, 1986). Assim sendo, não faria sentido para a epistemologia positivista uma filosofia crítica da ciência. Já do ponto de vista da epistemologia histórica de Bachelard, “a ciência é um objeto construído socialmente, cujos critérios de cientificidade são coletivos e setoriais às diferentes ciências” (LOPES, 1996, p.251). Desse modo, se as ciências nascem e evoluem em circunstâncias históricas bem determinadas, o importante seria descobrir a gênese, a estrutura e o funcionamento dos conhecimentos científicos. O projeto de Bachelard de “dar às ciências a filosofia que elas merecem” envolve, então, a construção de uma epistemologia como produto da ciência criticando- se a si mesma. A epistemologia deve interrogar-se sobre as relações entre ciência e sociedade, entre as ciências e as diversas instituições científicas e entre as diversas ciências. Para Bachelard, “a epistemologia consistia, no fundo, na história da ciência como ela deveria ser feita” (JAPIASSU, 1986, p. 65). E o principal objetivo desta epistemologia seria, então, a “reformulação” do saber científico e a “reforma” das noções filosóficas. O novo espírito científico acha-se em descontinuidade, em ruptura com o senso comum, o que aponta para uma distinção, na nova ciência, entre o universo no qual se localizam as opiniões, os preconceitos, o senso comum e o universo das ciências, algo imperceptível nas ciências anteriores, fundamentadas geralmente nos limites do empirismo, em que a ciência representava uma continuidade com o senso comum do ponto de vista epistemológico. A ruptura epistemológica entre a ciência contemporânea e o senso comum é um traço característico da teoria bachelardiana. A base do trabalho de Bachelard e de seu método de reflexão é a análise da produção do conhecimento sob uma perspectiva histórica. O autor identifica três diferentes períodos de construção do conhecimento: a) Pré-científico, que vai da Antiguidade Clássica até o século XVIII; b) Estado científico, que se estende do final do século XVIII ao início do XIX; c) Novo Espírito Científico, que engloba meados do século XIX até os dias de hoje (BACHELARD, 2005). As mudanças de enfoque, objetivos e métodos referentes a estes momentos são resultados de um movimento de estudo crítico do passado, isto é, da não repetição de caminhos errados. Assim, o autor propõe uma epistemologia histórica que reconhece seu funcionamento primordial no não continuísmo, no qual a história da ciência é a história da provisoriedade de seus conceitos e da primazia de seus erros, sendo por meio da retificação destes erros que o pensamento científico tem a possibilidade de evoluir. A noção de ruptura epistemológica é um importante conceito tratado por Bachelard e está diretamente ligada à noção de retificação dos erros, na medida em que o conhecimento ocorre sempre contra um conhecimento anterior, retificando o que se considerava sabido e sedimentado. “Por isso, não existem verdades primeiras, apenas os primeiros erros: a verdade está em devir (...) o que sabemos é fruto da desilusão com aquilo que julgávamos saber; o que somos é fruto da desilusão com o que julgávamos ser” (LOPES, 1996, p.254). O conceito de obstáculo epistemológico surge do reconhecimento da existência de forças de resistência ao processo de ruptura entre o conhecimento comum e o conhecimento científico. Os obstáculos epistemológicos são espécies de forças anti-rupturas, pontos de resistência do pensamento ao próprio pensamento, um instinto de conservação do pensamento. Assim, com o objetivo de manter a continuidade do conhecimento, a razão, acomodada ao que já conhece, resiste à retificação dos erros, possibilitando o surgimento dos obstáculos epistemológicos (LOPES, 1996). A experiência primeira é o obstáculo genuinamente empirista. Bachelard (1996, p. 29) define que “o espírito científico deve formar-se contra a Natureza, contra o encantamento, o colorido e o corriqueiro [...] a natureza só pode ser verdadeiramente compreendida quando lhe fazemos resistência”. O obstáculo aqui surge com o apagamento da ruptura, quando ela se torna unidade, continuidade, desenvolvimento. Por sua vez, a generalização prematura é o obstáculo genuinamente racionalista. Acontece no instante seguinte às primeiras observações, quando já não há mais nada a observar. Essa generalização apressada e fácil proporciona um perigoso prazer intelectual que leva o pensamento à imobilidade. O pensamento científico se engana quando segue duas tendências contrárias: a atração pelo particular e a atração pelo universal, que se caracterizam um, pelo conhecimento em compreensão e outro, pelo conhecimento em extensão. O obstáculo verbal remete a uma falsa explicação, obtida a partir de palavras ou conceitos, que acaba por gerar uma “extensão abusiva das imagens usuais”. Abusiva porque são metáforas sem lastro algum no real e insustentáveis do ponto de vista teórico. Assim, no lugar de inserir um conceito particular numa síntese racional, ocorre uma estranha inversão que pretende desenvolver o pensamento ao analisar um conceito, mas que apenas distancia do conceito em si para aproximar ao conceito da metáfora e da imagem corriqueira. Produz-se, desta forma, uma metáfora desligada do conceito original, incapaz de gerar conhecimento sobre este. Bachelard, no entanto, defende que todo pragmatismo é um pensamento mutilado em função da indução utilitária e que, neste uso pragmático, apenasa utilidade possui capacidade explicativa (LOPES, 2003). Sua obra foi, assim, uma tentativa de despertar a filosofia de seu sono dogmático. O conhecimento jamais poderia professar a verdade, no máximo, se aproximar dela. E, nessa trajetória, o cientista perfaz um caminho repleto de erros. O processo de evolução, para Bachelard, parte da tese de que o progresso das ciências tem como condição a colocação dos problemas científicos sob a forma de obstáculos que incidem sobre o próprio ato de conhecer. Recortes e adaptações de: MONTEIRO, LILIAN ALFAIA; MUNHOZ, DANIELLA; BERTHOLINI, FREDERICO. Bachelard e a Epistemologia Histórica: uma vivência sobre a formação do espírito científico. XXXVI EnANPAD, Rio de Janeiro, RJ, 22 a 26 de setembro de 2012. PORTELA FILHO, RAIMUNDO NONATO ARAUJO. A epistemologia histórica de Gaston Bachelard. Revista Pesquisa em Foco: Educação e Filosofia, Volume 3, Número 3, Ano 3, Setembro 2010.
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