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Desenvolvimento da Linguagem Humana

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DESENVOLVIMENTO DA 
LINGUAGEM HUMANA 
 
 
 
 
 
Conselho Editorial EAD 
Dóris Cristina Gedrat (coordenadora) 
Mara Lúcia Machado 
José Édil de Lima Alves 
Astomiro Romais 
Andrea Eick 
 
 
Obra  organizada  pela  Universidade  Luterana  do 
Brasil.  Informamos que  é de  inteira  responsabilidade 
dos autores a emissão de conceitos. 
A violação dos direitos  autorais  é  crime  estabelecido 
na Lei nº  .610/98 e punido pelo Artigo 184 do Código 
Penal. 
 
 
ISBN: 978‐85‐7838‐084‐7 
Edição Revisada 
 
 
 
 
 
 
APRESENTAÇÃO 
Estudar a  linguagem humana sempre  fez parte do homem. Descobrir 
como se estruturam as  frases e como a criança começa a adquirir um 
sistema tão complexo na mais tenra  idade sem que ninguém a ensine 
sempre  foi motivo de estudos e  teorias. Este  livro  tem como objetivo 
mostrar como se dá o desenvolvimento da linguagem humana à luz de 
diferentes teorias e teóricos. 
O primeiro capítulo traz um pouco da história dos estudos lingüísticos, 
através – principalmente – dos séculos XVII e XIX, uma vez que eles 
determinaram as formas metodológicas no que se refere ao estudo da 
linguagem. Nesse  capítulo,  temos  também  os princípios  linguísticos, 
que são de suma  importância para o profissional que  trabalha com o 
ensino de língua, pois são leis que regem todas as línguas. 
O  segundo capítulo conceitua  termos que  farão parte da vida de um 
profissional  do  ensino,  como  a  diferença  entre  linguagem,  língua  e 
fala; o que é um processo comunicativo e seus elementos; uma aborda‐
gem, as três tendências que se tem para abordar a aquisição da lingua‐
gem, (behaviorismo, inatismo e interacionismo) e o período crítico que 
se tem para adquirir uma linguagem. Tudo isso para podermos enten‐
der como se dá o desenvolvimento verbal da criança. 
O  terceiro, o quarto, o quinto  e o  sexto  capítulos  trazem,  respectiva‐
mente, Piaget, Vigostski, Chomsky e alguns importantes teóricos sobre 
a  aquisição  da  linguagem,  cada  um  dentro  de  uma  tendência.  São 
abordadas as teorias de cada um e os seus aspectos mais importantes. 
Além  disso,  mostramos  como  cada  teórico,  principalmente,  Piaget, 
Chomsky e Vigostski, viam o papel da escola. 
O sétimo capítulo apresenta as fases da linguagem infantil, as funções 
da  linhguagem  na  criança  e  a  linguagem  do  adulto  com  a  criança. 
Tudo  isso para  que  se  entendamos  como  interagir  com  o  falante  no 
momento em que ele está adquirindo a  linguagem. O oitavo capítulo 
trata da aquisição da linguagem da escrita e da leitura, e o nono abor‐
 
 
6 
da a alfabetização dessas duas. Tudo para que o profissional de ensino, 
que lida com os estágios mais sérios – em termos de aquisição da lin‐
guagem – a educação  infantil e séries  iniciais, entenda como ocorrem 
esses processos e, de acordo com a aquisição do falante, alfabetize para 
a cidadania, ou seja, que ensine o falante a usar a língua nos processos 
comunicativos. 
Por fim, o décimo capítulo traz as patologias relacionadas à linguagem. 
O que  são  essas doenças,  como  se manifestam  em  sala de aula, bem 
como a postura que o professor  tem de  ter com esse aluno, a  fim de 
ajudá‐lo no processo de ensino‐aprendizagem. 
Esperamos  que  o  profissional  do  ensino  perceba  todas  as  nuances 
existentes no processo de aquisição da linguagem, pois somente assim 
haverá um efetivo ensino da língua materna. 
 
SOBRE O AUTOR 
Vanessa Loureiro Correa 
É mestre em Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católi‐
ca do Rio Grande do Sul. Professora do Curso de Letras e do Ensino a 
Distância da Ulbra. Coordenadora de Letras e Licenciaturas nas Facul‐
dades Equipe. 
 
SUMÁRIO 
1 ABORDAGEM HISTÓRICA DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS ................................... 13 
1.1 Os séculos XVII e XIX ............................................................................... 13 
Atividades .................................................................................................... 23 
2 DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM VERBAL NA CRIANÇA ............................... 25 
2.1 Linguagem, língua e fala ......................................................................... 25 
2.2 Aquisição da linguagem: uma visão ampla e breve .................................... 27 
Atividades .................................................................................................... 33 
3 PIAGET E A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM .......................................................... 35 
3.1 Jean Piaget e o interacionismo ................................................................. 35 
3.2 O desenvolvimento mental do ser humano ................................................ 37 
3.3 A aquisição da linguagem e pensamento .................................................. 39 
3.4 O papel da escola na visão de Piaget ........................................................ 40 
Atividades .................................................................................................... 41 
4 VIGOTSKI E A RELAÇÃO ENTRE PENSAMENTO E LINGUAGEM ............................ 43 
4.1 Lev Semionovitch Vigotski e o interacionismo social .................................. 43 
4.2 As raízes genéticas do pensamento e da linguagem .................................. 48 
4.3 A formação de conceitos no interacionismo .............................................. 50 
4.4 Palavra e pensamento ............................................................................. 53 
Atividades .................................................................................................... 55 
5 CHOMSKY E O INATISMO ................................................................................ 57 
 
 
10 
5.1 Noam Chomsky e o gerativismo ................................................................ 57 
5.2 Chomsky e a aquisição da linguagem ....................................................... 60 
Atividades .................................................................................................... 63 
6 A AQUISIÇÃO À LUZ DE DIFERENTES TEÓRICOS ............................................... 65 
6.1 Bakhtin .................................................................................................. 65 
6.2 Skinner ................................................................................................... 67 
6.3 Steven Pinker .......................................................................................... 68 
6.4 Lenneberg .............................................................................................. 69 
6.5 Bickerton ............................................................................................... 70 
6.6 Alguns teóricos funcionalistas ................................................................. 71 
Atividades .................................................................................................... 72 
7 FUNÇÕES DA LINGUAGEM INFANTIL E A FALA DO ADULTO ................................ 73 
7.1 Fases da linguagem infantil ..................................................................... 73 
7.2 Funções da linguagem na criança ............................................................ 75 
7.3 A linguagem do adulto ............................................................................. 78 
Atividades .................................................................................................... 79 
8 A AQUISIÇÃO DA ESCRITA E DA LEITURA NOS ANOS INICIAIS ........................... 81 
8.1 Texto e contexto: algumas abordagens ..................................................... 81 
8.2 Compreensão e interpretação .................................................................. 85 
8.3 Aquisição da escrita ................................................................................ 85 
8.4 Aquisição da leitura ................................................................................90 
Atividades .................................................................................................... 93 
9 ALFABETIZAÇÃO DA LEITURA E DA ESCRITA ..................................................... 94 
9.1 O que é alfabetizar? ................................................................................ 94 
Atividades .................................................................................................. 103 
10 DISTÚRBIOS E PATOLOGIAS LINGUÍSTICAS ................................................. 105 
10.1 Os distúrbios linguísticos e as vertentes ............................................... 110 
 
11 
10.2 Patologias linguísticas ........................................................................ 113 
Atividades .................................................................................................. 116 
REFERÊNCIAS NUMERADAS ............................................................................ 119 
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 122 
GABARITO ...................................................................................................... 124 
 
   
 
 
 
1 ABORDAGEM HISTÓRICA DOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS 
Vanessa Loureiro Correa 
Neste  capítulo  trabalharemos  aspectos históricos básicos, que marca‐
ram as linhas de estudo na aquisição da linguagem. Os séculos XVII e 
XIX, bem como os princípios estabelecidos no primeiro, serão melhor 
detalhados. 
1.1 Os séculos XVII e XIX 
O homem sempre foi um curioso em relação aos estudos  linguísticos. 
A curiosidade de saber como e por que os objetos  têm certos nomes, 
como  é  a  estrutura da  frase  e  quais  são  os  sons de uma  língua, por 
exemplo, rendeu alguns estudos em séculos passados. Porém, o maior 
segredo que  se buscou desvendar  ao  longo desses  séculos  é  como o 
homem adquiria a linguagem. Um faraó grego isolou duas crianças do 
convívio humano para ver  como elas adquiriam a  linguagem. A pri‐
meira  palavra  que  pronunciaram  foi  algo  parecida  com  a  palavra 
“pão”, na língua da época. 
No entanto, todos os estudos feitos acerca da língua e de sua aquisição 
eram  isolados  e  específicos  de  uma  única  língua.  Sendo  assim,  não 
configura um estudo  científico. Esse panorama  começou a mudar no 
século XVII que, assim como o século XIX, foi decisivo para uma mu‐
dança na postura dos estudiosos, no que se refere aos estudos linguís‐
ticos. Esses dois séculos também irão marcar as tendências que servem 
para o estudo da aquisição da linguagem. 
1.1.1 Século XVII 
O século XVII  instala a necessidade, por parte dos  teóricos, da busca 
pela  língua  universal.  Este  século  foi  de  suma  importância  para  os 
estudos linguísticos, incluindo aí a aquisição da linguagem porque foi 
marcado por uma tendência na área de análise dos fenômenos linguís‐
ticos: o  formalismo. Os  teóricos deste século analisaram não somente 
 
 
14 
uma língua com profundidade, mas várias línguas, buscando estabele‐
cer entre elas  semelhanças e diferenças que  facilitassem a elaboração 
de uma  língua que  fosse  falada por  todos os povos. Essa  língua uni‐
versal teria que ser livre de ambiguidades, ironias, sentidos figurativos 
e todo e qualquer aspecto passível de interpretação por parte do falan‐
te. 
No entanto, esse objetivo não é alcançado, pois o homem  faz uso de 
vários  recursos  para  expressar  seus  sentimentos  e mensagem.  Isso, 
portanto, demanda  a necessidade de  interpretação do outro parceiro 
no processo comunicativo, uma vez que é  imprescindível que se  leve 
em conta o contexto no qual a mensagem foi dita. A importância des‐
ses estudos  também está no  fato de que, a partir da análise de várias 
línguas,  foi possível perceber e elaborar alguns princípios que  regem 
todas elas.  
Alguns desses princípios são relevantes para o falante nativo e, princi‐
palmente, para o professor de educação  infantil e séries  iniciais, uma 
vez que proporciona uma reflexão da forma como ensinamos e vemos 
a nossa  língua e o ensino da mesma. A seguir, vamos conhecer cada 
um desses princípios. 
1.1.1.1 Princípio da Variação Linguística 
Muitos  falantes  nativos  acreditam  que  a  língua  é  invariável.  Porém, 
basta que peguemos o português falado no início do século XVIII, por 
exemplo, para vermos que isso não é verdade. O princípio da variação 
linguística tem como base a afirmação de que todas as línguas variam 
no tempo e no espaço, uma vez que ela é social e serve para exprimir 
as necessidades do falante. Saussure, linguista Suíço considerado o pai 
da Linguística, diz que “Ela é a parte social da linguagem, exterior ao 
indivíduo, que, por  si  só, não pode nem criá‐la, nem modificá‐la; ela 
não  existe  senão  em  virtude  duma  espécie  de  contrato  estabelecido 
entre os membros da comunidade”1. 
Há uma crença que somente um certo grupo de nossa sociedade, aque‐
les que dominam as  regras da  língua portuguesa, podem modificá‐la 
ou criá‐la. Na verdade, a  língua é de  todos que a usam e ela vai mu‐
dando de acordo com a necessidade daquela comunidade  linguística. 
Não existem “donos” de uma  língua, e sim usuários que a constroem 
diariamente,  no momento  que  se  envolvem  em  diferentes  processos 
comunicativos.  Da  mesma  forma,  temos  a  tendência  de  achar  que 
existem línguas mais bonitas, mais complexas do que outras. Vejamos 
o que diz Magda Soares a respeito disso: 
 
15 
O estudo das línguas de diferentes culturas deixa claro, da mesma forma, que não 
há línguas mais complexas ou mais simples, mais lógicas ou menos lógicas: todas 
elas  são  adequadas  às  necessidades  e  características  da  cultura  a  que  servem,  e 
igualmente válidas como  instrumentos de comunicação social. Não se pode dizer 
que  o português  seja “melhor”, mais “rico”, mais “expressivo”, mais “flexível” 
que  o  inglês.  É  verdade  que  algumas  línguas  são  funcionalmente  mais 
desenvolvidas  que  outras:  o  inglês,  por  exemplo,  é,  atualmente,  uma  língua 
internacional,  enquanto  o  português  não  o  é;  por  outro  lado,  inglês,  francês, 
alemão  e várias  outras  línguas  têm um  sistema de  escrita  altamente  sofisticado, 
que permite que sejam usadas  tanto para uma conversação casual quanto para a 
redação de artigos científicos... No entanto, umas e outras são adequadas à cultura 
que servem.2 
Temos que nos dar conta que a  língua, por  ser  social e servir ao  seu 
falante, atende àquela comunidade na qual é usada. Sendo assim, é um 
equívoco pensar que existem  línguas melhores ou piores do que ou‐
tras. O mesmo  acontece  dentro  do  nosso  país,  pois  há  falantes  que 
acreditam que  certas  regiões  falam  a  língua portuguesa mais  correta 
do que outras. Para reforçar esse argumento, há a situação do pronome 
“tu”, usado somente na região Sul. Existem pessoas que acreditam que 
pelo fato dos gaúchos empregarem o “tu” – pronome pessoal do caso 
reto – ao invés do “você” – pronome de tratamento, contração da alo‐
cução “Vossa Mercê” e usado no restante do Brasil – eles  falam mais 
“corretamente”.  Realmente,  os  gaúchos  usam  o  pronome  adequado, 
dentro da gramática normativa, para exercer a função de sujeito, mas 
concordam o verbo com a terceira pessoa do singular (ele). Dentro das 
regras do português,  isso  é  considerado,  também, “erro”, o que  leva 
todos os falantes de português para a mesma situação: uso diferencia‐
do das regras existentes nas gramáticas tradicionais. Essa consciência e 
cuidado é que devemos ter em sala de aula, quando temos alunos de 
regiões  diferentes,  classes  sociais  e  tribos  distintas.  Não  podemos 
apontar para eles dizendo que não falam o português correto, mas sim 
mostrar que existem outros níveis de  linguagem que podem e devem 
ser usados em diferentes contextos comunicativos.1.1.1.2 Princípio da Prioridade da Língua Oral sobre a Escrita 
Há uma tendência no ensino brasileiro de se valorizar as avaliações e 
manifestações  escritas.  É muito  raro  encontrar  uma  escola  que  faça 
provas  oral  e  escrita,  a  fim  de  avaliar  o  conhecimento do  aluno  em 
determinada  disciplina.  Também  concursos  não  investem  na  prova 
oral,  como  se a  língua oral  fosse menos  importante do que a escrita. 
Temos  que  ser  conscientes,  enquanto profissionais da  educação,  que 
ambas, no contexto adequado, têm a mesma importância. 
 
 
16 
O princípio da prioridade da língua oral sobre a escrita se dá por causa 
de  duas  razões:  a  universalidade  e  antiguidade.  Primeiro  o  homem 
falou, depois ele escreveu. Primeiro a criança  fala, depois ela escreve. 
Logo, a língua oral é mais antiga do que a escrita. Existem povos que 
falam, mas não escrevem; contudo, não existem povos que escrevem, 
mas não  falam. Logo,  a  língua  oral  é universal.  Sobre  isso, Martinet 
expõe: 
não esqueçamos, que os signos da linguagem humana são precisamente vocais, [...] 
exclusivamente hoje a maioria dos homens sabe  falar sem saber escrever nem  ler. 
Nós aprendemos a falar antes de aprender a ler, é a leitura que vem acrescentar‐se, 
sobrepor‐se à fala, e não esta àquela. Embora, na prática, lhe seja anexo, o estudo 
da escrita constitui disciplina distinta da linguística, e por isso o linguista abstrai, 
em princípio, da grafia.3 
Isso não significa dizer que a  língua escrita não é  importante. Se não 
fosse a escrita, não teríamos o registro dos fatos históricos, por exem‐
plo. Só devemos cuidar para que a valorização de uma não  implique 
na desvalorização da outra, essencialmente em  sala de aula. O aluno 
precisa saber lidar com as duas formas de expressão, e cabe ao profes‐
sor trabalhar isso em sala de aula, através de atividades diversificadas. 
1.1.1.3 Princípio da Dupla Articulação 
Todas as línguas possuem duas articulações. A primeira diz respeito às 
palavras de uma  língua, por  isso  é  aberta,  tendo  em  vista  o  fato de 
podermos  criar  novas  palavras.  As  unidades  dessa  articulação  são 
chamadas de morfemas – unidades mínimas significativas. A área da 
língua portuguesa que estuda essa articulação é a Morfologia. Como 
unidades significativas temos, por exemplo, o O, A, S: 
Atencioso 
Atenciosos 
Atenciosa 
Atenciosas 
Nas palavras acima, a presença do O, A e S  faz com que as palavras 
mudem de gênero – masculino e feminino – e de número – singular e 
plural.  Precisamos  notar  que  essas mesmas  letras,  quando  sozinhas, 
não  têm sentido. Elas se  tornam morfemas quando carregam as desi‐
nências  de  nossa  gramática:  gênero,  número,  grau,  pessoa,  tempo, 
entre outros. 
 
17 
A segunda articulação diz respeito aos sons da língua. Sendo assim, é 
uma lista fechada porque não podemos criar novos sons. As unidades 
dessa articulação são chamadas de fonemas – unidades mínimas sono‐
ras. A área da língua portuguesa que estuda essa articulação chama‐se 
Fonética e Fonologia. Cabe ressaltarmos que as letras não representam 
os  sons.  Elas  são  representações  gráficas  da  língua, mas  não  são  os 
mesmos. Vejamos: 
Feliz ‐ /`felis/ 
Osso ‐ /`osu/ 
Açude‐ /a`sudi/ 
Essas duas  articulações geram uma  economia  linguística.  Isso  é  algo 
facilmente  comprovável  quando  paramos  para  pensar  em  todos  os 
arranjos que a língua faz a partir de termos já existentes. Vamos pegar 
como  exemplo  a  palavra  “pato”  para  trocarmos  apenas  o  primeiro 
som, o /p/, como segue: 
PATO 
BATO 
CATO 
DATO 
FATO 
JATO 
LATO 
MATO 
NATO 
RATO 
TATO 
Temos,  então,  11  novas  palavras,  com  significados  completamente 
diferentes, surgidas a partir da troca, apenas, do primeiro som. Tente‐
mos  imaginar  o  tamanho  de  nosso  cérebro  se  tivéssemos  que  fazer 
arranjos completamente inéditos para cada nome existente no mundo. 
Certamente, ele teria que ser umas cinco vezes maior. Nesse sentido, é 
muito bonito ver  como a própria  língua  se organiza para que possa‐
mos usar ao máximo as  formas  já existentes para  significar conceitos 
novos. 
1.1.1.4 Princípio da Sistematicidade 
O princípio da sistematicidade  tem como base o  fato de que, quando 
adquirimos  um  sistema  linguístico,  usamos  todos  os  seus  aspectos 
 
 
18 
simultaneamente, e não as suas partes. Sendo assim, uma criança não 
pensa  primeiro  nos  sons,  para  depois  formar  palavras,  em  seguida 
frases, para  finalmente  formar  textos mais  longos. Na verdade,  tudo 
isso acontece simultaneamente, pois ela é exposta a uma língua “intei‐
ra” e não a partes dela. 
É  importante que  tenhamos claro os  termos sistema e estrutura, uma 
vez que os mesmos são imprescindíveis para a compreensão da aquisi‐
ção de uma língua. Sobre esses conceitos, explica e exemplifica Borba: 
Dizemos que um conjunto de objetos constitui um sistema quando esses mesmos 
objetos se aproximam por terem alguns traços em comum e se organizam seguindo 
determinados princípios de  tal modo que o  resultado  seja um  todo  coerente. Por 
exemplo, o sistema solar é formado por um conjunto de astros – o sol, os planetas, 
os satélites, os asteroides  ‐, que seguem determinadas  leis da mecânica celeste: os 
satélites giram em torno dos planetas, e estes, em torno do sol; planetas e satélites 
giram em torno do próprio eixo etc. O que caracteriza o sistema é o arranjo de seus 
componentes e, depois, os princípios que determinam tal arranjo. Digamos que a 
esse  arranjo  se  dê  o  nome  de  estrutura;  então,  uma  estrutura  vem  a  ser  a 
disposição  dos  elementos  dentro  de  um  sistema,  o  que  vale  dizer  que  ela  é 
fundamental  para  a  existência  do  sistema.  Assim,  só  existe  um  sistema  solar 
porque  seus  componentes  se  dispõem  numa  certa  ordem:  o  sol  no  centro,  os 
planetas  em  sequência  a  partir  do  sol,  os  satélites  ao  lado  dos  planetas,  os 
asteroides entre as órbitas de determinados planetas etc. A organização do sistema 
é, então, dada pela estrutura que, por sua vez, só existe porque seus elementos se 
inter‐relacionam.  É  por  isso  que  os  componentes  de  uma  estrutura  são 
obrigatoriamente  solidários,  o  que  é  possível  porque  eles  mantêm,  entre  si, 
identidades  e  diferenças.  As  primeiras  os  aproximam  por  serem  compatíveis  e 
possibilitando  as  segundas,  pelas  quais  um  elemento  se  opõe  a  outro  dando 
sustentação à própria estrutura.4 
A criança adquire o sistema linguístico e aprende, naturalmente, toda a 
sua estrutura. Essa ideia de sistema e estrutura deve permear o ensino 
de uma língua, a fim de que possamos mostrar como funciona a mes‐
ma, a partir das diferenças e semelhanças existentes dentro do próprio 
funcionamento e, também, em relação a outras línguas. 
1.1.1.5 Princípio da Singularidade 
Todas as línguas possuem uma forma própria de articular a primeira e 
segunda  articulações. Ainda  que  provenientes de  um mesmo  tronco 
linguístico, as  formas de organização da estrutura  linguística vão  ser 
diferentes. Aqui cabe ressaltarmos que nem todas essas diferenças são 
totais, como veremos no Princípio da Universalidade. Elas podem ser 
parciais ou totais, dependendo da língua, ou seja, cada língua tem uma 
maneira  singular  de  organizar  o  seu  sistema  linguístico. Vamos  ver 
como isso acontece entre o português e o inglês, por exemplo: 
 
19 
Quadro 1.1 - Título 
PORTUGUÊS  INGLÊS 
Ele, amigavelmente, me abraçou.  He, friendly, hold me. 
Ele é um menino esperto.  He is a smart boy. 
O menino é esperto.  The boy is smart. 
Os meninos são espertos.  The boys are smarts. 
A menina está atrasada.  The girl is late. 
As meninas estão atrasadas.  The girls are late. 
 
A partir do quadro acima, podemos ver que, em  termos de estrutura 
linguística, as duas  línguaspossuem diferenças. No português, o ad‐
vérbio é formado, principalmente, pelo sufixo MENTE; em inglês, esse 
sufixo é LY. Na nossa  língua, o adjetivo vem sempre depois do subs‐
tantivo; em inglês é ao contrário. Enquanto temos, em português, qua‐
tro artigos definidos  (o, a, os, as), no  inglês  temos  somente THE, e é 
nisso que se baseia o Princípio da Singularidade. 
1.1.1.6 Princípio da Universalidade 
Embora  todas  as  línguas  tenham  um modo  próprio de  organizar  as 
duas  articulações,  existem,  entre  elas,  vários  aspectos  que  são  seme‐
lhantes ou  iguais. Quem se deu conta desse Princípio  foi Noam Cho‐
msky, porque ele analisou a língua a partir de sua formação na mente. 
Como não usava  a  língua usada por  falantes  reais, mas  sim  falantes 
ideais, e partindo da premissa de que já nascemos com a faculdade da 
linguagem, ele observou que vários fatores iguais ocorrem em diferen‐
tes línguas. Alguns deles, citados por Fromkim e Rodman5, são: 
a) existência de uma evolução da língua no tempo; 
b) todas  as  línguas  humanas  utilizam‐se  de  signos  linguísticos,  ou 
seja, de significantes para expressarem significados; 
c) em todas as línguas, a relação entre o significante e o significado é 
arbitrária; 
d) todas  as  línguas utilizam um número  limitado de  fonemas  que, 
quando  se  combinam,  formam morfemas que,  também, unem‐se 
para formar frases e textos; 
e) em  todas  as  línguas  encontram‐se  semelhantes  regras  fônicas  e 
sintáticas; 
f) todas  as  línguas  possuem  classes  gramaticais  semelhantes,  tais 
como nome, verbo, entre outros; 
 
 
20 
g) em todas as línguas podem ser encontradas palavras destinadas a 
indicar o  tempo passado, a  formular uma negação ou uma  inter‐
rogação; 
h) todos os  falantes  (de qualquer  língua) são capazes de produzir e 
compreender um número infinito de frases; 
i) qualquer  criança  normal  é  capaz  de  aprender  uma  língua,  sem 
distinção de classe, raça ou lugar de nascimento; 
j) não  existem  línguas mais  elaboradas  do  que  outras.  Todas  são 
complexas, uma vez que exprimem todas as necessidades de seus 
falantes; 
k) em todas as línguas é possível aumentar o léxico. 
1.1.1.7 Princípio do Processo Analógico 
Para  quem  lida  com  crianças  em  fase de  aquisição da  linguagem,  o 
Princípio do Processo Analógico é um dos mais importantes, uma vez 
que ele afirma que o falante tende a tornar regular as formas irregula‐
res da língua.  
A criança, no momento em que vai ouvindo e usando a língua mater‐
na, vai percebendo, de acordo com a sua gramática interna (conforme 
veremos em Chomsky), que a língua é um sistema que tem uma estru‐
tura,  isto  é,  regras que  regem o  seu  funcionamento. Por  incrível que 
pareça, o pequeno  falante, sem perceber e sistematizar, vai aplicando 
essas normas em sua fala. No entanto, tanto a criança quanto o falante 
que não conhece  todas essas regras, aplicam‐nas nas suas regularida‐
des, e não as exceções. Por  isso, acontecem os chamados “erros”, que 
tanto pais quanto professores corrigem. Porém, esses erros escondem 
uma bela linha de raciocínio linguístico.  Vejamos alguns exemplos: 
Eu sabo. 
Eu fazi. 
Vamos na carneria? 
Vamos comprar chapeis? 
Nos  exemplos  acima,  temos,  na  verdade,  irregularidades  da  língua 
portuguesa. Qual  foi  a  linha  de  raciocínio  do  falante  ao  emitir  tais 
frases? Vamos analisar cada uma delas: 
 
21 
Conjugação dos verbos em português 
Conjugação dos verbos 
pela  criança 
Verbo 
ler 
Verbo 
comer 
Verbo 
beber 
Verbo saber 
Eu leio  Eu como  Eu bebo  Eu sabo 
Verbo 
ler 
Verbo 
comer 
Verbo 
beber 
Verbo fazer 
Eu li  Eu comi  Eu bebi  Eu fazi 
 
Formação dos substantivos da 
língua portuguesa 
Formação do 
substantivo pela 
criança 
Livraria  Padaria/confeitaria  Carneria 
Lugar onde 
se  
compra 
livros 
Lugar onde se  
compra pães 
Lugar onde se 
 compra carne. 
 
Formação do plural na língua 
portuguesa 
Formação do plural pela 
criança 
Pastel  Anel  Cordel  Chapéu 
Pastéis  Anéis  Cordéis  Chapéis 
 
Como podemos ver,  em  todos os  casos, houve uma  aproximação de 
uso  da  forma  regular. Naturalmente,  à  proporção  que  o  falante  for 
sendo  exposto  a  essas  irregularidades,  ele  vai  aplicá‐las,  sem  haver 
necessidade de saber as razões que estão por trás desses fatos linguísti‐
cos. Cabe ao educador levar o aluno perceber que o uso não está erra‐
do,  apenas  precisa  ser  internalizado  dentro  das  irregularidades  da 
língua. 
1.1.1.8 Princípio da Criatividade Linguística 
O Princípio da Criatividade Linguística afirma que somente o homem 
é  capaz de  criar novas  frases  e palavras para  exprimir  situações  lin‐
guísticas novas. Além disso, ele é o único capaz de se comunicar com 
os outros  seres de  sua espécie através da  linguagem verbal.  Isso não 
quer dizer que os animais não  se comunicam.   Muito pelo  contrário, 
descobertas recentes apontam não somente para o fato de que os ani‐
mais se comunicam, como também tem cultura. No entanto, o código 
usado pelos animais para a comunicação não é o verbal (usa a palavra 
na sua forma oral ou escrita). Eles usam sinais no rabo, como os lobos, 
os excrementos, os cheiros, sons diversos, entre outros. Tudo isso não é 
a linguagem verbal. 
 
 
22 
O homem tem a competência linguística, ou seja, somente ele é capaz 
de  produzir  e  compreender  as  frases  de  uma  língua,  conforme  diz 
Descartes, citado por Chomsky: 
é  um  fato muito  notável  que  não  há  homens  tão  embotados  ou  estúpidos,  sem 
mesmo  excluir  os  dementes,  que não  sejam  capazes  de  arrumar  várias  palavras 
juntas,  formando  com  elas  uma  proposição  pela  qual  dão  a  entender  seus 
pensamentos;  enquanto por outro  lado, não há outro animal, por mais perfeito  e 
afortunadamente constituído que seja, que faça a mesma coisa. 
Esse mesmo falante, quando exposto a uma situação em que não há na 
língua expressão ou frase que dê conta do que precisa ser comunicado, 
ele  naturalmente  cria  linguisticamente  essas  estruturas.  Um  grande 
exemplo disso foi o Ministro Magri ‐ Ministro do Trabalho e da Assis‐
tência  Social do  governo Collor  –  que,  referindo‐se  ao  Plano Collor, 
sem encontrar uma palavra única que expressasse “algo que não pode 
ser mexido”, criou o termo IMEXÍVEL. Na época, fizeram várias críti‐
cas ao Ministro; contudo, o que não se sabia é que a nova palavra era 
perfeita para ser dicionarizada, como já se encontra, na página 1576 do 
Dicionário Houaiss7. O que ele percebeu, em um momento de apuros 
político, é que não existia, na língua portuguesa, um termo que signifi‐
casse  IMEXÍVEL.  Sendo  assim,  pegou  o  radical  do  verbo MEXER  – 
MEX‐, o prefixo I – que tem valor semântico de NÃO ‐ e o sufixo IVEL 
–  que  significa  POSSIBILIDADE  ‐,  logo  temos  a  impossibilidade  de 
mexer, em outras palavras, o imexível. 
Outro exemplo são as nossas prisões. Como os presos não querem ser 
entendidos  pelos  policiais  e  pelos  grupos  rivais,  eles  criaram  uma 
linguagem própria para  a  comunicação. Assim,  a  frase:  “O  alibã me 
deu um atraque e me chamou na pedra.” significa “O policial me revis‐
tou e me colocou de castigo.” Ainda que para  falantes que não estão 
encarcerados pareça uma frase pertencente a outra língua, a frase ante‐
rior pertence aos presos brasileiros, que a  criaram para dar  conta de 
suas necessidades. 
Todos esses princípios devem estar presentes para o profissional que 
vai  lidar  com  o  ensino  de  línguas,  principalmente  para  aquele  que 
trabalha nos  anos  iniciais.  São  eles  que  vão  ajudar  a  compreender  o 
funcionamento  linguístico  do  aluno  e  a  aplicação  dos mesmos  nos 
planos de aula tornarão a formalização dos aspectos  linguísticos mais 
fáceis. 
1.1.2 Século XIX 
 
23 
O  século XIX  foi amplamente  influenciado pelaBiologia. Todos esta‐
vam encantados com a Teoria da Evolução e buscavam aplicá‐las nas 
mais variadas áreas do conhecimento. O mesmo aconteceu com a Lin‐
guística, pois os estudiosos estavam curiosos para descobrirem a ori‐
gem de  cada  língua. Logo, o objetivo dos  linguistas desse  século era 
saber quem era a língua‐mãe de cada família linguística. 
A grande contribuição  foi verificar que as mudanças  linguísticas não 
são caóticas, como se pensava, nem ocorrem de acordo com a vontade 
do  homem, mas  seguem  uma  ordem.  Por  isso,  ao  longo  do  tempo 
alguns  termos ganham  flexões e outros perdem, sons são suprimidos 
ou acrescentados, de acordo com a frequência do uso linguístico. 
Este século marca uma outra tendência para os estudos linguísticos ”o 
sociologismo”, porque considera a língua na sociedade, o uso da mes‐
ma pelos falantes. O mesmo não acontece com o século XVII, que tem 
como corrente teórica o formalismo, isto é, estuda a língua através de 
falantes  ideais e não reais. Essas duas tendências também marcarão o 
modo de se estudar a aquisição da  linguagem, conforme veremos no 
decorrer do material. 
Atividades 
Marque com um X a única alternativa correta: 
 
1) O princípio que tem como tese que somente o ser humano é capaz 
de formar novas palavras e frases para explicar contextos novos é: 
a) Princípio da Sistematicidade; 
b) Princípio da Singularidade; 
c) Princípio do Processo Analógico; 
d) Princípio da Criatividade Linguística. 
 
2) O princípio que tem como tese que todas as línguas, embora seme‐
lhantes, articulam de forma própria as articulações é: 
a) Princípio da Sistematicidade; 
b) Princípio da Singularidade; 
c) Princípio do Processo Analógico; 
d) Princípio da Universalidade. 
 
3) O princípio  que  tem  como  tese  que  o  falante  adquire  o  sistema 
integral linguístico é: 
a) Princípio da Sistematicidade; 
b) Princípio da Singularidade; 
c) Princípio do Processo Analógico; 
 
 
24 
d) Princípio da Criatividade Linguística. 
 
4) O  princípio  que  tem  como  tese  que,  embora  as  línguas  tenham 
maneiras próprias de organizar as duas articulações, possuem tra‐
ços semelhantes é: 
a) Princípio da Sistematicidade; 
b) Princípio da Singularidade; 
c) Princípio do Processo Analógico; 
d) Princípio da Universalidade. 
 
5) O princípio que  tem  como  tese que  temos a  tendência de  tornar 
regular as formas irregulares da língua é: 
a) Princípio da Sistematicidade; 
b) Princípio da Singularidade; 
c) Princípio do Processo Analógico; 
d) Princípio da Universalidade. 
 
 
2 DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM VERBAL NA CRIANÇA
Vanessa Loureiro Correa 
Neste  capítulo  trabalharemos  os  conceitos mais  abrangentes  para  a 
compreensão  do  desenvolvimento  da  linguagem  verbal  na  criança. 
Vamos começar com os conceitos de  linguagem,  língua e  fala, de co‐
municação com os seus elementos. 
2.1 Linguagem, língua e fala 
Sempre houve uma confusão, por parte dos falantes, no que se refere à 
diferença  entre  linguagem,  língua  e  fala.  Embora  pareça  que  todos 
tratem da mesma  ação,  cada uma  tem uma  especificidade. Antes de 
conceituarmos esses  termos, vamos precisar  saber o que é comunica‐
ção, uma vez que todas essas palavras são instrumentos para o proces‐
so comunicativo. 
Comunicar é transmitir uma mensagem e a mesma ser entendida. Não 
adianta  falarmos por  horas,  se  a pessoa  que  está  a  nossa  frente  não 
consegue entender o que estamos dizendo. Precisamos, ao passarmos a 
nossa mensagem, saber quem são os elementos que compõem aquele 
processo, a  fim de adequarmos o nosso nível de  linguagem. São ele‐
mentos do processo comunicativo: 
a) Fonte: de onde parte a mensagem; 
b) Emissor: quem transmite a mensagem; 
c) Mensagem: a ideia que desejamos comunicar; 
d) Canal: o meio pelo qual passamos a mensagem. Pode ser tecno‐
lógico, quando a mensagem final fica em qualquer recurso que 
não seja o corpo (livros, telefone, computador, cd, DVD, entre 
outros),  ou  natural,  quando  a mensagem  final  está  no  corpo 
(voz, sinais, gestos, entre outros); 
 
 
26 
e) Código: conjunto de signos estruturados, partilhados por uma 
comunidade linguística. Pode ser verbal (faz uso da palavra es‐
crita ou oral) ou não verbal  (faz uso de qualquer  código que 
não seja verbal, como: sinais, gestos, sons, desenhos, entre ou‐
tros); 
f) Receptor: é quem  recebe a mensagem e  tem a  tarefa de  com‐
preendê‐la; 
g) Destinatário: é para quem a mensagem se destina. 
Como profissionais da educação, temos que ter claro esses elementos, 
pois  precisamos  deles  para  que  haja  efetivo  processo  de  ensino  e 
aprendizagem. Não  tem  como  ensinar  os  elementos do processo  co‐
municativo, por exemplo, para crianças dos anos iniciais, sem adequar 
o  conteúdo  ao  receptor  que  temos  diante  de  nós. Assim  como  não 
podemos usar a mesma linguagem e metodologia para ensinar o con‐
teúdo para alunos universitários. 
Agora que  já  temos clareza do que é comunicação, vamos entender o 
que é linguagem. Segundo Chomsky1, o homem já nasce com a capaci‐
dade da  linguagem, uma vez que  ela  é  a  capacidade que  todo o  ser 
humano  tem de se comunicar. É claro que essa comunicação pode se 
dar  com  diferentes  códigos  ou  canais, mas  ela  acontecerá.  É  o  que 
acontece  com  pessoas  especiais,  porque, muitas  vezes,  sem  saberem 
como usar o código verbal, estabelecem meios para passar a sua men‐
sagem  para  o  seu  receptor.  Essa  capacidade  de  comunicação  pode 
ocorrer através de uma língua que, segundo Saussure2, é um conjunto 
de  signos  linguísticos. Para Chomsky3,  língua é um  conjunto  infinito 
de  frases regida por um número  finito de regras. É através da  língua 
que  expressamos  a  nossa  linguagem. Ambas  tratam da  competência 
linguística do  falante, ou  seja,  a  capacidade que  todo  falante  tem de 
entender  e  produzir  frases  na  sua  língua. O mesmo  já  não  acontece 
com  a  fala.  Ela  está  ligada  à  performance  linguística,  isto  é,  ao  uso 
particular que o falante faz da língua. 
O fato de um falante falar bem, não significa que ele domine todas as 
normas de sua língua. Temos falantes que não falam e escrevem muito 
bem, em outras palavras, comunica‐se por outro meio que não da fala. 
É impossível, cientificamente, estudarmos a fala, porque teríamos que 
levar em conta cada usuário que emitisse aquela fala. Como não se faz 
ciência do particular, a fala está excluída dos estudos científicos. 
Precisamos  ter presentes essas diferenças, a  fim de ajudarmos nossos 
alunos em sala de aula. O ideal é mostrar que analisar a língua mater‐
Rubiel
Realce
Rubiel
Realce
Rubiel
Realce
 
27 
na nas disciplinas escolares que se dedicam ao estudo da mesma ser‐
vem para ajudar o falante a ter completo sucesso em todas as situações 
comunicativas a que ele se propõe. 
Devemos também ter cuidado para não valorizarmos somente a parte 
escrita, como tem acontecido em nosso país. Cada vez mais, os jovens 
são  avaliados  através da  escrita,  como  se  a  fala não  tivesse valor. A 
comunicação  se dá das duas  formas;  logo  temos que praticá‐las  com 
atenção. Nas escolas, há uma valorização da escrita em detrimento da 
forma oral, pois se entende que a segunda  já é bastante praticada no 
dia a dia. No entanto, esquecemos que uma fala direcionada e pensada 
não  é  parte  da  nossa  realidade. Muitos  candidatos  passam  na  parte 
escrita dos concursos e rodam na entrevista,  justamente por não con‐
seguirem se expressar adequadamente. 
Sendo assim, é de suma importância que os planos completem as duas 
formas  de  expressão.  Somente  dessa  forma  estaremos  preparando 
nossos alunos para a vida e para o mercado de trabalho. 
2.2 Aquisição da linguagem: uma visão ampla e breve 
Estudar a linguagem e a forma como o falante a adquire é antiga. Mui‐
tos são os relatos de tentativa de estudo,como conta Scarpa:  
A  linguagem  da  criança  sempre  provocou  especulações  diversas  entre  leigos  e 
estudiosos do assunto. Seja  essa  linguagem a manifestação  imperfeita de um  ser 
incompleto,  seja  a  expressão  primitiva  da  palavra  de Deus,  o  fato  é  que  relatos 
mais  ou menos  esparsos,  porém  constantes,  têm  sido  registrados  ao  longo  dos 
séculos  e  chegaram  até  nós.  Tais  relatos  dizem  respeito  às  primeiras  palavras 
emitidas  pelas  crianças,  ou  a  que  condições  a  criança  deveria  ser  exposta  para 
aprender  a  falar. Heródoto,  por  exemplo,  narra  que,  no  século  VII  a.C.,  o  rei 
Pasmético  do  Egito  ordenou  que  duas  crianças  fossem  confinadas  desde  o 
nascimento até a idade de dois anos, sem convívio com outros seres humanos, a fim 
de  se  observarem  as  manifestações  “linguísticas”  produzidas  em  contexto  de 
provação  interativa.  Sua  hipótese  era  que  se  uma  criança  sem  exposição  à  fala 
humana,  a  primeira  palavra  que  emitisse  espontaneamente  pertenceria  à  língua 
mais  antiga  do  mundo.  Ao  cabo  e  dois  anos  de  total  isolamento,  as  crianças 
emitiram  uma  sequência  fônica  interpretada  como  “bekos”,  palavra  frigia  para 
“pão”. Conclui, então, que a língua que o povo frígio falava era mais antiga que a 
dos egípcios.4 
Todo esse esforço foi repetido, através dos séculos, pelos estudiosos da 
linguagem  e da  língua. Muitos  faziam  as  análises  e  verificações  nos 
próprios filhos, relatando, por escrito, diariamente, a evolução linguís‐
tica deles. Esses estudos eram conhecidos como diaristas e  inaugura‐
ram uma das formas de se estudar a aquisição da linguagem: a longi‐
 
 
28 
tudinal. Nessa metodologia, primeiramente, anotava‐se o que as crian‐
ças diziam diariamente, em processos comunicativos cotidianos. Com 
a  chegada  da  tecnologia,  essas  falas  começaram  a  ser  gravadas  ou 
filmadas,  em  períodos  regulares  (de  15  em  15  dias,  semanalmente, 
mensalmente,  entre  outros).  Depois  disso,  faziam  a  transcrição  dos 
dados de  forma que atendesse ao objetivo da pesquisa,  sendo ela de 
ordem  sintática,  fonológica,  semântica ou morfológica. Tudo  isso era 
observado em ambientes naturalístico. 
Outra metodologia é a transversal, que pega, por exemplo, um núme‐
ro grande de crianças da mesma faixa etária para analisar fatos seleci‐
onados, dão porque essa metodologia é, principalmente, experimental, 
que  depois  são  controlados  de  acordo  com  o  objetivo  da  pesquisa. 
Cabe ressaltarmos que dados de ordem naturalística prestam‐se mais à 
produção da  linguagem.  Já  o  experimental  é melhor  para  analisar  a 
percepção, compreensão e processamento da  linguagem por parte da 
criança. 
A Aquisição da Linguagem, enquanto área da Linguística, é bastante 
rica e proporciona um estudo conjunto com outras áreas do conheci‐
mento. Também possui subáreas, como nos enumera e explica Scarpa: 
a) aquisição da língua materna, tanto normal quanto “com desvios”, 
recobrindo  os  componentes  “tradicionais”dos  estudos da  lin‐
guagem,  como  fonologia,  semântica  e  pragmática,  sintaxe  e 
morfologia,  aspectos  comunicativos,  interativos  e  discursivos 
da aquisição da língua materna. Sob a égide de “desvios”, con‐
tam‐se: aquisição da linguagem em surdos, desvios articulató‐
rios, retardos mentais e específicos da linguagem etc; 
b) aquisição da  segunda  língua, quer  como bilinguismo  infantil ou 
cultural, quer na verificação dos processos pelos quais se dá a 
aquisição de segunda  língua entre adultos e crianças, seja em 
situação formal escolar, seja informal de imersão linguística;  
c) aquisição  da  escrita,  letramento,  processos  de  alfabetização, 
relação entre fala e escrita, entre o sujeito e a escrita nesse pro‐
cesso etc.5 
Sempre que pensamos em aquisição, acreditamos que essa é somente 
relacionada  à  língua materna  ou  somente  a  segunda  língua.  Como 
vimos  acima,  quando  falamos  em  aquisição  da  linguagem,  estamos 
analisando  todas  as  aquisições  linguísticas.  Para  os  profissionais  da 
educação, esse fato é de suma importância para o ensino de línguas em 
sala de aula. 
 
29 
2.2.1 Behaviorismo, Inatismo e Interacionismo 
Nos estudos sobre a aquisição da linguagem, sempre houve as seguin‐
tes  tendências:  behaviorista,  inatista  e  interacionista,  como  expõe 
Richter: 
 No primeiro grupo situam‐se as teorias que defendem a experiência 
como fonte básica do conhecimento. Todas as ideias vêm da expe‐
riência com o mundo material e a mente só as organiza. O mundo 
exterior  e  suas  conexões não dependem da mente para  serem  o 
que são. Esta posição teórica, também conhecida por alguns como 
Associacionismo é, aqui, denominada Behaviorismo. 
 No  segundo grupo encontramos  teorias que atribuem à mente o 
papel mais  importante do conhecimento. As  ideias são  inatas e a 
experiência, pouco  importante. O rótulo para esta posição teórica 
é Inatismo. 
 No  terceiro  grupo  estão  as  teorias  que  evitam  separar mente  e 
experiência. Para tanto, há duas soluções importantes, que não se 
excluem.6 
A teoria behaviorista é baseada no comportamento, como  já diz o no‐
me da própria teoria, uma vez que behavior, em inglês, é comportamen‐
to. Trabalha  com o método do estímulo e  resposta, ou  seja,  toda vez 
que  a  criança  acerta,  seja  em  termos  linguísticos  como  em  qualquer 
outra área que esteja sendo pesquisada à luz dessa teoria, e um adulto 
ou  responsável  elogia  e/ou  dá  prêmios.  Isso  é  o  que  acontece,  por 
exemplo,  com  os  animais  adestrados,  pois  eles  são  premiados  com 
comida quando atendem a um pedido ou fazem uma peripécia. Nessa 
teoria, a linha de ação é a mesma. Acreditam os teóricos que trabalha‐
mos incentivados por palavras ou prêmios. 
Muitos podem estar pensando que nossas crianças são, por exemplo, 
papagaios, animais que aprendem a  língua de  forma mecânica e por 
repetição. Isso não é verdade, conforme foi visto no Princípio da Cria‐
tividade Linguística, estudado no capítulo anterior, somente o homem 
é  capaz de  criar novas palavras  e  sentenças para  expressar  situações 
novas. É claro que a criança aprende com as pessoas que a cercam, seja 
a língua, sejam os valores, mas ela também cria, relaciona, raciocina. É 
muito comum o pequeno falante nativo começar pedindo “água” e, em 
seguida,  acrescentar  “quelo  água”,  para  – mais  adiante  –  dizer  “eu 
quero  água”.  É  óbvio  que  nenhum  adulto  fica  na  frente  ensinando 
estrutura sintática, simplesmente usamos as frases e as crianças perce‐
 
 
30 
bem não somente a estrutura da  frase afirmativa no português, como 
também em que contexto aplicá‐las. 
Tendo em vista o fato que a aprendizagem de uma língua não é mecâ‐
nica, uma vez que a mente colabora para essa aquisição, vamos conhe‐
cer os dois mecanismos que Ritcher diz serem da mente nesse proces‐
so: 
 O reforço positivo faz o aprendiz generalizar a resposta para um 
conjunto maior de estímulos. Assim, uma criança de dois anos diz: 
“Dá!”, para ganhar um objeto particular e ganha. Vai depois dizer 
“Dá!” quando quiser ganhar outros objetos. 
 A mente  é  capaz  de  desagrupar  as  características  de  um  objeto 
percebido e armazená‐las em separado. Digamos que uma criança 
tenha uma reação de prazer consumindo um alimento junto com o 
comentário “doce gostoso”. Numa próxima ocasião,  reagirá  com 
prazer ao ouvir a palavra “gostoso” isolada da palavra anterior.7 
Nessa  teoria, o reforço e a aprendizagem se dá através da memoriza‐
ção. O problema  é que não podemos  adquirir  tudo memorizando. É 
claro que certos termos e expressões nós podemos e devemos memori‐
zar, mas  são  adquiridos  pelo  próprio  uso  da  língua  e  consequente 
internalização das regras gramaticais. Ritcher8, por fim, aponta alguns 
problemas do behaviorismo,como o fato de que as crianças adquirem 
a língua‐mãe imitando bem menos do que se imaginava, uma vez que 
elas imitam o que, de certa forma,  já conhecem, e não qualquer estru‐
tura. Outro problema apontado é que as crianças são expostas a falas 
reais, o que significa dizer imperfeitas. As frases são truncadas, depen‐
dem  de  contexto  para  serem  entendidas,  possuem  erros  estruturais, 
têm marcas de ambiguidade e  todas as  falhas que permitem a  língua 
oral. No entanto, TODAS AS CRIANÇAS chegam aos  três ou quatro 
anos com toda a estrutura gramatical de sua  língua. Por fim, critica a 
teoria associacionista, dizendo que as associações são falhas e temporá‐
rias. Não é porque associamos vermelho com violência, porque lembra 
sangue, que toda a vez que vemos uma cena de violência vamos lem‐
brar do vermelho. 
Sem sombra de dúvida que o behaviorismo ajuda bastante na questão 
das  normas  de  ortografia,  acentuação,  pontuação,  entre  outras  que 
exigem memorização, mas como toda teoria científica, não dá conta de 
todos os problemas. Surge, então, a teoria inatista, que afirma que todo 
o  ser humano  já nasce  com  a  capacidade de  se  comunicar na  forma 
verbal,  exceto por  problemas  físicos  ou mentais. Nessa  teoria,  todos 
nós  nascemos  com  uma  gramática  interna,  que  é  alimentada  pelas 
 
31 
frases que ouvimos com o decorrer do  tempo. Naturalmente, separa‐
mos  as  frases  que  são  válidas  dentro  da  gramática  de  nossa  língua 
materna daquelas que não são válidas, tudo porque  já temos um con‐
junto  de  princípios  válidos  para  todas  as  línguas. Como  essa  teoria 
trabalha com a mente, fica mais fácil entendermos se usarmos o exem‐
plo que Ritcher deu para explicar a aquisição da linguagem à luz dessa 
teoria:  
Para  mostrar  como  funciona  a  especificação  mencionada,  vamos  fazer  uma 
comparação.  Suponha  que  você  comprou  um  aparelho  de  videocassete,  trouxe‐o 
para casa e vi fazê‐lo funcionar. Para isto ele já tem a capacidade, desde que saiu 
da  fábrica. Mas, a  fim de  fazer  este seu aparelho  funcionar de  fato, você deve de 
levar  em  conta  um  “princípio”‐  válido  para  todos  os  eletrodomésticos  da  sua 
espécie:  deve  ser  alimentado  com  energia  elétrica  de uma  tomada. Então,  o  que 
você faz? Dependendo do “ambiente” (cidade) em que você se encontra, a corrente 
pode ser de 110 ou 220 Volts. Ou uma, ou outra, mas não qualquer voltagem. Você 
precisa dar uma “especificação” para o videocassete, isto é, “informar” ao aparelho 
qual das opções possíveis é válida. Então você se certifica da corrente da cidade e 
move uma  chavinha  (que pode marcar  ou 110  ou 220 Volts) do  eletrodoméstico 
para que  fique “de acordo” com a corrente da cidade. Pronto. A partir de agora, 
você liga o videocassete e este, especificado “por dentro” para um fator “de fora”, 
passa a funcionar normalmente.9 
Como  toda  teoria,  também  o  inatismo  tem  pontos  favoráveis  e  pro‐
blemas. No primeiro grupo, segundo Ritcher10, entram fatores como o 
fato de que a criança é exposta a um pequeno número de regras e ad‐
quire  as  demais  sozinha,  provando  a  existência  de  uma  gramática 
interna. Além disso, ela consegue emitir  frases adequadas estrutural‐
mente  e  semanticamente  sem  que nenhum  falante  adulto  sente para 
explicar o funcionamento da língua. Toda e qualquer criança, entre três 
e quatro anos está pronta linguisticamente, mesmo que não tenha um 
ambiente  culto  e  estimulante.  Da mesma  forma  que  somente  o  ser 
humano, e nenhum outro animal,  consegue dominar um  sistema  tão 
complexo  como o da  língua  em uma  idade  tão  tenra  (três ou quatro 
anos). Por fim, somente a existência de uma gramática interna justifica‐
ria a aprendizagem de um sistema tão difícil, como é a língua, com tão 
pouca idade. 
Ao mesmo tempo, o autor11 aponta como falha dessa teoria a questão 
da língua não ser adquirida de qualquer forma, em qualquer momen‐
to. Na verdade, a aquisição da linguagem se dá por um sistema coope‐
rativo, entre adulto e criança, no qual o primeiro  irá facilitar sua pro‐
dução para que a criança entenda o que ele está  transmitindo. Sendo 
assim, tem‐se a mente e a experiência unidas para que a criança adqui‐
ra um código linguístico. 
 
 
32 
Na  teoria  interacionista, a criança aprende  tanto pelo modelo mental, 
quanto pela interação entre o aprendiz e um interlocutor. Nessa teoria, 
não vale somente a língua que vem de fora como modelo para aquisi‐
ção, mas também a língua que vem de dentro, aquela que é produzida 
pela criança, uma vez que ela vai testando o que dá ou não certo com 
os enunciados produzidos. 
A ênfase, na visão interacionista, é na semântica, ou seja, no significado 
das palavras,  e  não  nas  estruturas  sintáticas. Por  isso,  o desenvolvi‐
mento cognitivo está  ligado ao desenvolvimento  linguístico, porque é 
através  do  cognitivo  que  a  criança  consegue mapear  os  significados 
encaixando‐os  nos  respectivos morfemas.  Segundo Ritcher,  o  desen‐
volvimento cognitivo baseia‐se em dois fatores:  
 os  esquemas  inatos  ou preexistentes  (adquiridos  e  estruturados) 
da  cognição, que  respondem pelo  crescimento da  capacidade de 
interpretar e comunicar; 
 os esquemas inatos de aquisição de gramática – note o(a) leitor(a) 
que este é o ponto de contato entre o interacionismo e o inatismo , 
que respondem pelo crescimento de capacidade de perceber, pro‐
cessar e organizar a informação.12 
Estudos mais  recentes  descobriram  que  a  aquisição  de  uma  língua 
passa pelo comportamento social do falante, ou seja, por uma reciproci‐
dade comportamental, que tem como base, segundo Ritcher13, a orienta‐
ção do  comportamento em  relação ao outro e,  também, a aprendiza‐
gem de um  se  comportar de modos  socialmente dotados de  sentido, 
através de um sistema de signos usados pela comunidade  linguística, 
podendo ser esses verbais ou não verbais. 
2.2.2 Período crítico para aquisição da linguagem 
Existe  uma  discussão muito  grande  no  que  diz  respeito  ao  período 
crítico para aquisição da linguagem. Como falantes, sabemos o quanto 
é  difícil  aprender  uma  segunda  língua  na  adolescência  ou  na  idade 
adulta. O mesmo não  acontece  com  as  crianças,  que  se  incentivadas 
cedo  para  aprendizagem  de  outras  línguas,  tendem  a  falá‐las  como 
falantes nativos daquele país. Segundo Lemeberg, existe uma explica‐
ção biológica para isso: 
Entre dois  e  três  anos de  idade,  a  linguagem  emerge  através da  interação  entre 
maturação  e  aprendizado  pré‐programado.  Entre  os  três  anos  de  idade  e  a 
adolescência,  a possibilidade de  aquisição primária da  linguagem  continua  a  ser 
boa;  o  indivíduo  parece  ser  mais  sensível  a  estímulos  durante  este  período  e 
preservar uma certa flexibilidade inata para organização de funções cerebrais para 
 
33 
levar  a  cabo  a  complexa  integração  de  subprocessos  necessários  à  adequada 
elaboração  da  fala  e  da  linguagem. Depois  da  puberdade,  a  capacidade  de  auto‐
organização e ajuste às demandas psicológicas do comportamento verbal declinam 
rapidamente. O cérebro comporta‐se como se tivesse se fixado daquela maneira e as 
habilidades primárias e básicas não adquiridas até então geralmente permanecem 
deficientes até o final da vida.14 
É inegável que, quando mais jovens, temos menos vergonha. Com isso, 
participamos mais da aula de  língua estrangeira, sem medo de errar, 
pois o erro é visto como normal.  Já na adolescência, além dos  fatores 
biológicos,  temos  dificuldades  de  lidar  com  o  erro.  Não  queremos 
“pagar mico”, como eles mesmos dizem, e o silêncio e a pouca partici‐
pação dominam  a  atitude dos  alunos. É muito difícil,  em  termos de 
aprendizado de uma  língua,  ficarmos  em  silêncio  e  aprendê‐la. Para 
adquirir uma língua, sejaqual for a teoria, a interação do falante com o 
meio é essencial. O mesmo ocorre na  idade adulta,  tendo em vista o 
fato de que outros fatores, além do biológico e da vergonha interferem. 
Com o passar dos anos, o modelo da  língua materna  fica mais  forte, 
tornando difícil que  se pense em outra  língua  sem passar por ela. O 
adulto traduz rapidamente as estruturas linguísticas, porque não con‐
segue pensar em inglês, por exemplo. Com muito estudo, ele consegue 
ser um tradutor rápido, mas não falará como um falante nativo. 
Por  isso, é aconselhável ensinar  línguas estrangeiras para as  crianças 
até a adolescência, por mais estranho que isso possa acontecer. Embora 
muitos pensem que elas misturarão as duas línguas, isso não acontece‐
rá,  tendo  em  vista  a  capacidade  de  elas  separarem  naturalmente  a 
língua materna das demais. 
Atividades 
Marque com um X a única alternativa correta: 
 
1) Linguagem é: 
a) o uso particular da língua; 
b) um sistema de códigos partilhado por uma comunidade  lin‐
guística; 
c) a capacidade que todo o ser humano tem de se comunicar; 
d) a união entre significado e o significante. 
 
2) Na teoria behaviorista, a aquisição da linguagem: 
a) se dá  tanto pelo modelo mental quanto pela  interação entre 
aprendiz e interlocutor; 
b) ocorre através da experiência, que leva à memorização do sis‐
tema linguístico; 
 
 
34 
c) é de onde parte a mensagem; 
d) é inata ao homem, uma vez que ele já nasce com ela. 
 
3) No inatismo, a aquisição da linguagem: 
a) se dá  tanto pelo modelo mental quanto pela  interação entre 
aprendiz e interlocutor; 
b) ocorre através da experiência, que leva à memorização do sis‐
tema linguístico; 
c) é de onde parte a mensagem; 
d) é inata ao homem, uma vez que ele já nasce com ela. 
 
4) No interacionismo, a aquisição da linguagem: 
a) se dá  tanto pelo modelo mental quanto pela  interação entre 
aprendiz e interlocutor; 
b) ocorre através da experiência, que leva à memorização do sis‐
tema linguístico; 
c) é de onde parte a mensagem; 
d) é inata ao homem, uma vez que ele já nasce com ela. 
 
5) Segundo Pinker, a aquisição da linguagem ocorre: 
a) normalmente até os 3 anos, fica comprometida entre os 3 anos 
e até pouco depois da puberdade e é rara a partir daí; 
b) normalmente até os 4 anos, fica comprometida entre os 4 anos 
e até pouco depois da puberdade e é rara a partir daí; 
c) normalmente até os 5 anos, fica comprometida entre os 5 anos 
e até pouco depois da puberdade e é rara a partir daí; 
d) normalmente até os 6 anos, fica comprometida entre os 6 anos 
e até pouco depois da puberdade e é rara a partir daí. 
 
 
 
3
PIAGET E A AQUISIÇÃO DA 
LINGUAGEM 
 
Vanessa Loureiro Correa 
Neste capítulo apresentaremos a teoria de Jean Piaget acerca da aquisi‐
ção da linguagem: o cognitivismo construtivista, ou interacionismo de 
Piaget . Para isso, teremos, primeiro, uma biografia do biólogo suíço e 
a sua teoria – interacionismo. Em seguida, estudaremos o desenvolvi‐
mento  mental  para  entendermos  a  aquisição  da  linguagem,  ponto 
discutido depois, na teoria de Piaget. Por fim, vamos ver que papel a 
escola deve ter, de acordo com o interacionismo piagetiano. 
3.1 Jean Piaget e o interacionismo 
Jean Piaget nasceu em 9 de agosto de 1896 e morreu em 16 de setembro 
de 1980. Estudou Biologia e, depois, Psicologia, com ênfase na Educa‐
ção. Começou a escrever suas teorias em 1921. Foi diretor do Instituto 
Jean‐Jacques Rousseau na Suíça e  lecionou Psicologia Infantil na Uni‐
versidade de Genebra. Os principais  livros de Piaget foram A Lingua‐
gem e o Pensamento na Criança (1923) e O Juízo e o Raciocínio na Criança 
(1924). 
Desde cedo, interessou‐se pela História Natural e, aos 11 anos de ida‐
de, publicou seu primeiro  livro que, de acordo com a crítica, era bri‐
lhante. Ainda, quando criança, trabalhava, aos sábados, como voluntá‐
rio no Museu de História Natural. Como biólogo,  recebeu o diploma 
de doutor aos 22 anos. Foi convidado para trabalhar no laboratório de 
Alfred Binet, um  famoso psicólogo  infantil da época, na França, para 
onde se mudou em 1919. Foi nesse laboratório que ele percebeu que o 
desenvolvimento se dava gradualmente, uma vez que as crianças, de 
mesma faixa etária, cometiam os mesmos erros. No entanto, foi obser‐
vando seus filhos e muitas outras crianças – e com a ajuda da esposa – 
que ele desenvolveu, de fato, sua teoria.  
Primeiramente, assim como Rousseau, ele afirma que a criança não é 
um  adulto  em miniatura,  consequentemente, o  cérebro dela  também 
 
 
36 
não corresponde a de um adulto em escala menor. Para ele, o desen‐
volvimento do conhecimento e da  inteligência se dá por etapas e gra‐
dativamente. Os pensamentos, conforme os estágios, vão se sobrepon‐
do e  tornando‐se cada vez mais sofisticados. A  ideia principal de sua 
teoria é que a criança interage com o meio, ou seja, que a construção do 
conhecimento se dá na interação organismo‐meio. 
Afirma que a  linguagem socializada está muito  ligada à passagem da 
fase  egocêntrica para a objetividade, assim  como para o pensamento 
lógico. Segundo ele, fatores sociais e culturais colaboram para o desen‐
volvimento do pensamento. Até que a criança se socialize, ela tem um 
pensamento  autístico  (individual) para  em  seguida,  sob  o  efeito dos 
fatores antes mencionados, entrar no pensamento “dirigido”. Sob esse 
processo de transição, diz o autor: 
obedece  em  grande  parte  ao  fato  de  que  a  inteligência,  precisamente  porque  se 
socializa  progressivamente,  procede  cada  vez mais  por  conceitos,  em  virtude  da 
linguagem que  liga o pensamento às palavras, enquanto o autismo, precisamente 
porque  permanece  individual,  continua  ligado  à  representação  por  imagens,  à 
atividade  orgânica  e  aos  movimentos.  O  fato  de  contar  seus  pensamentos,  de 
transmiti‐los  aos  outros,  ou de  calar  ou  falar  somente  consigo mesmo,  deve  ter, 
portanto,  uma  importância  primordial  na  estrutura  e  funcionamento  do 
pensamento em geral, da lógica da criança em particular.1 
Também  nota  que  as  crianças,  até  certa  idade,  fazem menos  trocas 
entre si do que adultos. Embora falem muito, essa fala não é dirigida a 
ninguém. Ela socializa todos os seus pensamentos com os interlocuto‐
res, no entanto, precisamos saber para quem ela  fala de  fato. Embora 
fale mais, a  criança  tem um pensamento egocêntrico maior que o do 
adulto. Para explicar esse paradoxo, Piaget propõe uma diferença entre 
intimidade do pensamento e egocentrismo: 
É preciso não confundir a intimidade do pensamento e o egocentrismo. A reflexão 
da criança não consegue, com efeito, permanecer íntima: à parte o pensamento por 
imagens  e por  símbolos autísticos, que  é  incomunicável diretamente, a  criança  é 
incapaz  de  guardar  para  si,  até  uma  idade  ainda  indeterminada, mas  oscilando 
provavelmente por volta dos 7 anos, os pensamentos que lhe vêm ao espírito. Diz 
tudo.  Não  tem  nenhuma  continência  verbal.  Pode‐se  afirmar,  assim,  que  ela 
socializa seu pensamento mais do que nós? Esta é a questão: precisamos verificar 
para quem ela fala na realidade. Talvez para os outros. Pensamos, pelo contrário, 
em virtude das pesquisas precedentes, que é antes de mais nada para si mesma, e 
que a palavra, antes de pretender socializar o pensamento, procura acompanhar e 
reforçar  a  atividade  individual.  Tentemos  precisar  melhor  essa  diferença  entre 
pensamento adulto, socializado, mas capaz de intimidade, e o pensamento infantil, 
egocêntrico, mas incapaz de intimidade.2 
 
37 
Na abordagem de Piaget, cabe ressaltarmos alguns aspectos que, mais 
tarde,  serão  contestados  por  Vigotski3.  Embora  Piaget4  considera  os 
fatores  externos  no  processo de  aquisição  da  linguagem,  para  ele,  a 
maturação  biológica  prevalecem  em  relação  aos  fatores  externos  no 
processodo desenvolvimento  humano,  sendo  que  este último  segue 
estágios fixos e universais. A questão social fica dependente da indivi‐
dual, uma  vez  que  a  construção do  conhecimento  vai do  individual 
para o social.  
A aprendizagem depende do desenvolvimento, e o pensamento apare‐
ce antes da linguagem, tornando a linguagem subordinada aos proces‐
sos  dele.  A  própria  linguagem  só  aparecerá  quando  determinados 
níveis e habilidades mentais forem superados. Já que a questão mental 
conta para a aquisição da linguagem, vamos falar do desenvolvimento 
mental do ser humano para vermos quando é que ela começa a fazer 
parte da vida do falante. 
3.2 O desenvolvimento mental do ser humano 
Piaget  foi o biólogo que mais  estudou o desenvolvimento mental da 
criança. Segundo ele5, o desenvolvimento começa desde quando nas‐
cemos e termina na idade adulta. Todo esse processo passa por quatro 
estágios. São eles: 
a) estágio sensório‐motor (de 0 a 2 anos): o conhecimento é adquiri‐
do de forma empírica, não verbal, uma vez que a criança vai apre‐
endendo  os  objetos  a  sua  volta,  experimentando‐os  de  variadas 
formas para somar o conhecimento; 
b) estágio  pré‐operacional  (dos  2  aos  7  anos):  a  criança  aprende  o 
signo linguístico, ou seja, nomeia os objetos do mundo, associa um 
conceito a uma imagem. No entanto, ainda tem um conhecimento 
experimental; 
c) estágio operacional‐concreto (dos 7 aos 12 anos): a criança agora já 
é capaz de pensar de forma lógica, agrupando os objetos do mun‐
do por semelhanças e diferenças; 
d) estágio operacional‐formal (dos 12 até a idade adulta): o falante já 
tem todas capacidades para desenvolver e pensar de forma empí‐
rica.  
O teórico afirma que a aprendizagem se dá por meio de três processos: 
 
 
38 
1. adaptação: é o processo pelo qual a  criança passa de  conhecer e 
interagir com o meio onde vive. 
2. assimilação: é o processo pelo qual a criança passa de acomodar os 
conhecimento adquiridos no meio para assimilar os novos que fo‐
ram construídos com a ajuda de conhecimentos velhos. 
3. acomodação: os  conhecimentos  se  acomodam  em níveis mentais 
para que possamos experimentar o mundo através deles. 
Cada um dos estágios, bem como dos processos, se dá de forma orga‐
nizada e evolutiva. É preciso que a criança supere, com sucesso, todos 
os níveis para que possa  adquirir o  conhecimento na  sua  totalidade. 
Para  isso, é preciso que esses processos sejam  influenciados pelos se‐
guintes fatores: 
a) maturação: crescimento biológico dos órgãos. 
b) exercitação: funcionamento dos esquemas e órgãos que implica 
na formação de hábitos. 
c) aprendizagem  social:  aquisição de  valores,  linguagem,  costu‐
mes e padrões culturais e sociais. 
d) equilibração:  processo  de  autorregulação  interna  do  organis‐
mo,  que  se  constitui  na  busca  sucessiva de  reequilíbrio  após 
cada desequilíbrio sofrido. 
Tudo  isso  se  dá  em  estruturas mentais  chamadas  esquemas.  Como 
esquemas  devemos  entender  como  sendo  padrões  comportamentais 
que deixam que a informação integrante do ambiente se ajuste, estan‐
do, porém, em constante transformação. No início, esses esquemas são 
baseados nos reflexos, em seguida, passam a atos  involuntários para, 
finalmente,  serem as operações mentais. Conforme o  ser humano vai 
se desenvolvendo,  os  esquemas  são  reorganizados de diferentes  for‐
mas, bem como novos vão surgindo. 
Nesse  processo  de  desenvolvimento  mental  encontra‐se  também  a 
inteligência, uma vez que ela só acontecerá a partir da ação própria do 
sujeito. Assim  como  tudo  na  vida,  a  inteligência  só  se desenvolve  a 
partir de todas as ações que um bebê consegue fazer. Com o passar do 
tempo, com a  repetição e  imitação dos movimentos, vamos possibili‐
tando o surgimento de novos esquemas mentais. É com a aquisição da 
linguagem  que  temos  a  inteligência de uma  forma mais  complexa  e 
integrada com o meio.  
 
39 
Tendo  em  vista  a  importância da  linguagem  para  a  sofisticação dos 
processos mentais, vamos estudar a aquisição da  linguagem e o pen‐
samento. 
3.3 A aquisição da linguagem e pensamento 
Há, na teoria de Piaget, uma atenção muito grande para a  linguagem 
egocêntrica. Como  já  vimos  antes,  a  passagem  para  uma  linguagem 
socializada passa antes pela  linguagem egocêntrica. Vigotski, ao criti‐
car a teoria de Piaget, explica o seguinte: 
Segundo Piaget, o elo de ligação de todas as características específicas da lógica das 
crianças  é o  egocentrismo do pensamento  infantil. A  esse  traço central  relaciona 
todos os outros que descobriu, tais como o realismo  intelectual, o sincretismo e a 
dificuldade  de  compreender  as  relações.  Ele  descreve  o  egocentrismo  como 
ocupando uma posição genética, estrutural e funcionalmente intermediária entre o 
pensamento autístico e o pensamento dirigido.6 
Piaget usa o  termo egocentrismo porque não encontrou outro para de‐
signar  “uma  orientação  do  espírito  que  nos  pareceu  importante  do 
início do desenvolvimento intelectual do indivíduo e que subsiste nos 
adultos  em  todas  as  circunstâncias  em  que  eles  são  dominados  por 
suas  atitudes  espontâneas,  ingênuas  e,  por  conseguinte,  infantis  de 
pensamento”7. Para ele, os egocentrismos social e verbal estão ligados 
ao egocentrismo intelectual que é definido assim: 
o  que  é,  então,  egocentrismo  intelectual  da  criança?  É,  de  qualquer  modo,  o 
conjunto  de  atitudes  pré‐críticas,  em  por  conseguinte,  pré‐objetivas,  do 
conhecimento,  do  conhecimento  da  natureza,  conhecimento  dos  outros  ou 
conhecimento de si mesmo – pouco  importa. O egocentrismo não é, pois, em sua 
origem, nem um fenômeno de consciência (a consciência do egocentrismo destrói o 
egocentrismo),  nem  um  fenômeno  de  comportamento  social  (o  comportamento 
manifesta indiretamente o egocentrismo, mas não o constitui), mas uma espécie de 
ilusão sistemática, inconsciente e de perspectiva.8 
É muito  importante notarmos que ninguém é egocêntrico consciente‐
mente, pois se soubesse disso, o  indivíduo  tentaria encontrar alguma 
forma de amenizá‐lo. A criança é colocada no centro do universo e terá 
somente  sua visão própria para adquirir os processos de desenvolvi‐
mento. Assim como existe o egocentrismo intelectual, existe também o 
verbal. Ele ocorre quando a criança fala para si mesma, sem tentar agir 
e interagir com o seu interlocutor e também quando não conseguimos 
distinguir  o ponto de  vista da própria  criança do ponto de  vista do 
outro. 
 
 
40 
Temos também o egocentrismo social, que segundo Piaget acontece da 
seguinte forma: 
O egocentrismo social da criança não é inicialmente, da mesma forma que não o é 
seu egocentrismo no conhecimento do mundo  físico, uma qualidade que se possa 
observar diretamente, por  introspecção na consciência do  ego ou pela observação 
do  comportamento  exterior. O  egocentrismo  social  é uma  atitude  epistêmica, do 
mesmo  modo  que  o  egocentrismo  puramente  intelectual:  é  uma  forma  de 
compreender  os  outros,  como  o  egocentrismo  em geral  é uma  atitude diante dos 
objetos. Sem dúvida, uma observação atenta da linguagem da criança denota a sua 
existência, como o fará uma observação atenta das suas reações espontâneas diante 
dos  fenômenos  físicos. Mas  como  atitude  epistêmica,  o  egocentrismo  jamais  se 
constata diretamente.   Com efeito, do mesmo modo que no plano  físico a criança 
volta‐se inteiramente para as coisas e não para o seu próprio eu como assunto de 
conhecimento,  também  no  plano  social  a  criança  volta‐se  inteiramente  para  os 
outros,  colocando‐se,  portanto,  no  extremo  oposto  daquilo  que  na  linguagem 
corrente se chama de egocentrismo, isto é, preocupação constante consigo mesmo. 
Acontece  apenas  que,  como  no  plano  físico  ela  não  percebe  as  coisassem  um 
colorido  proveniente  de  certas  qualidades  do  seu  próprio  eu,  também  no  plano 
social não percebe os outros sem uma simbiose, inconsciente para ela, entre a sua 
pessoa e as dos que as rodeiam.9 
Embora  a  palavra  egocêntrico  leve  à  compreensão  de  isolamento,  na 
verdade, o egocentrismo infantil não deixa de ser social, não se opõe ao 
social. Ela simplesmente, através de uma  linguagem ainda pouco do‐
minada em  todos os sentidos,  tenta entender o outro, a si mesma e o 
mundo, através do seu próprio eu. O egocentrismo é importante para a 
socialização, pois o primeiro  é uma  atitude  espontânea  em  relação  a 
um objeto no ambiente. 
O aparecimento da linguagem se dá na superação do estágio sensório‐
motor, porque é nesse período que ocorre o desenvolvimento da fun‐
ção simbólica, que consiste na formação do signo linguístico (um signi‐
ficante associado, arbitrariamente, a um significado). Neste sentido, ele 
postula que, além da linguagem não ser inata, ela ainda tem que espe‐
rar a acomodação e superação de estágios para acontecer. 
Tendo  como  base  tudo  que  vimos  até  agora,  cabe  analisarmos  qual 
deve ser o papel da escola na perspectiva de Piaget. 
3.4 O papel da escola na visão de Piaget 
Dentro de cada  teoria acerca do desenvolvimento mental e aquisição 
da  linguagem, existe uma postura pressuposta por parte das  institui‐
ções de ensino. Para Piaget10, a escola deve levar em conta os seguintes 
aspectos da aprendizagem: 
 
41 
 é um processo construído internamente; 
 depende do nível de desenvolvimento do sujeito; 
 é um processo de reorganização cognitiva. 
Tendo  isso como fundamentos, o setor pedagógico deve orientar pro‐
gramas e professores para aulas mais autônomas, que levem ao conta‐
to com o meio e que sejam centradas no aluno. Atividades desafiado‐
ras, que levem ao equilíbrio e ao desequilíbrio cognitivo, são de suma 
importância, pois colaboram com o desenvolvimento da inteligência. 
Toda essa postura se deve ao fato de que, no interacionismo piagetia‐
no, o sujeito é ativo, buscando interagir com o mundo que o cerca.  
Cabe mencionarmos que Piaget, em nenhuma obra, sugere um método 
de ensino ou dá técnicas para o professor. O que ele busca, de fato, é 
apontar uma estrutura  ideal para a construção e desenvolvimento do 
conhecimento. Afirma ainda que as instituições de ensino deveriam de 
considerar a importância do brincar e do brinquedo porque “[...] brin‐
car oferece à criança a oportunidade de assimilar o mundo exterior às 
suas próprias necessidades,  sem precisar muito  acomodar  realidades 
externas”11.  A  brincadeira  possibilita  uma  acomodação  do  mundo 
exterior completamente livre, uma vez que ela não tem nenhum com‐
promisso com a realidade que a cerca. 
Assim, Piaget busca um ensino que seja mais integrado. Que não con‐
sidere o aluno um  ser zerado de conhecimento e vivência. O que ele 
propõe  é  um  ensino  a  partir  do  que  o  aluno  já  sabe,  acrescentando 
novos conceitos aos conceitos  já existentes e propondo uma nova for‐
ma de ver os conceitos já existentes. Assim, acredita ele, teremos cida‐
dãos pensantes e críticos. 
Atividades 
Marque, com um X, a única alternativa correta. 
 
1) A ideia principal no interacionismo piagetiano é: 
a) a criança não interage; 
b) a criança interage com o meio; 
c) a criança interage com o seu ego; 
d) a criança leva anos para interagir com o meio. 
 
2) Colaboram para o desenvolvimento do pensamento: 
a) somente fatores sociais; 
 
 
42 
b) somente fatores culturais; 
c) fatores sociais e culturais; 
d) fatores sociais e intelectuais. 
 
3) O processo de acomodação é aquele que: 
a) os  conhecimentos  se  acomodam  em  níveis  intelectuais  para 
que possamos experimentar o mundo através deles; 
b) os  conhecimentos  se  acomodam  em  níveis  sociais  para  que 
possamos experimentar o mundo através deles; 
c) os  conhecimentos  se  acomodam  em  níveis  individuais  para 
que possamos experimentar o mundo através deles; 
d) os conhecimentos se acomodam em níveis mentais para que 
possamos experimentar o mundo através deles. 
 
4) Esquema é: 
a) padrão comportamental que deixa que a informação integran‐
te do ambiente se ajuste, estando, porém, em constante trans‐
formação; 
b) padrão comportamental que deixa que a informação integran‐
te do  ambiente não  se  ajuste,  estando, porém,  em  constante 
transformação; 
c) padrão comportamental que deixa que a  informação não  in‐
tegrante do ambiente se ajuste, estando, porém, em constante 
transformação; 
d) padrão comportamental que não deixa que a  informação  in‐
tegrante do ambiente se ajuste, estando, porém, em constante 
transformação; 
 
5) Na visão de Piaget (1978, 1999), a escola deve: 
a) centrar o ensino no conteúdo, pois ele é o sujeito ativo no pro‐
cesso de ensino e aprendizagem. 
b) centrar o ensino no professor, pois ele é o sujeito ativo no pro‐
cesso de ensino e aprendizagem. 
c) centrar o ensino no método, pois ele é o sujeito ativo no pro‐
cesso de ensino e aprendizagem. 
d) centrar o ensino no aluno, pois ele é o sujeito ativo no proces‐
so de ensino e aprendizagem. 
 
 
4 VIGOTSKI E A RELAÇÃO ENTRE PENSAMENTO E LINGUAGEM 
Vanessa Loureiro Correa 
Neste  capítulo  vamos  estudar  Lev  Semionovitch  Vigotski,  autor  de 
suma importância para a área da aquisição da linguagem devido à sua 
abordagem:  interacionismo  social.  Serão  abordados  os  conceitos  de 
interacionismo  social,  a  relação  do  pensamento  e  linguagem  e  suas 
raízes genéticas, como se dá, na visão do autor a construção dos con‐
ceitos.  Junto  com  o  interacionismo,  faremos  uma  breve  biografia  do 
psicólogo. 
4.1 Lev Semionovitch Vigotski e o interacionismo social 
Lev  Semionovitch  Vigotski  nasceu  em  1896  e morreu  em  1934,  aos 
trinta e oito anos, de  tuberculose. Começou  suas  leituras e  investiga‐
ções nas áreas de Linguística, Ciências Sociais, Psicologia, Filosofia e 
Artes. Formou‐se em Direito e Literatura na Universidade de Moscou. 
Escreveu, em 1916, A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca. Somente 
em 1924 iniciou seu trabalho com a Psicologia, juntamente aos colegas 
Luria, Leontiev e Sakharov. Era filho de uma próspera família  judia e 
acreditava  na  revolução  russa,  e  isso  refletiu  em  seus  trabalhos.  Foi 
casado e teve duas filhas. 
Vigotski1 não  estava  contente  com  as  explicações dadas por Piaget  e 
outros  teóricos para  aquisição da  linguagem.  Isso porque, no que  se 
refere à relação pensamento e fala, existem somente duas linhas: aque‐
la  que  identifica  ou  funde  pensamento  e  fala,  e  outra  que  separa  e 
segrega  esses dois. Essas  formas  equivocadas de  ver  essa  relação  se 
devem aos métodos de análise. Para Vigotski,  todos os métodos que 
analisam  o  pensamento  verbal  e  seus  componentes  separadamente 
erram, pois as propriedades originais somem, restando ao pesquisador 
somente a especulação de como se dá a interação. Diz ainda o teórico:  
Esse tipo de análise desloca o problema para um nível mais geral; não proporciona 
uma base mais adequada para o estudo das relações concretas e multiformes entre o 
 
 
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pensamento  e  a  linguagem,  sugeridas  no  decorrer  do  desenvolvimento  e  do 
funcionamento do pensamento verbal  em  seus diversos  aspectos. Em vez de nos 
proporcionar  condições para  examinar  e  explicar  exemplos  e  frases  específicas,  e 
determinar  regularidades  concretas no decorrer dos  acontecimentos,  esse método 
leva a generalidades relativas a toda fala e todo pensamento. Além do mais, faz‐nos 
incorrer  em  sérios  erros,  na medida  em  que  ignoramos  a  natureza  unitária  do 
processo em estudo. A união viva do som e significado a que chamamos palavra é 
fragmentada  em duas partes que,  supostamente, mantêm‐se unidas apenas pelas 
conexões associativas mecânicas.2 
No que diz

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