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l\ené ~uénon ~ uto rítrnb e (S%pírítual e lDober ZC:emporal Paris, 1929 ftitota ~r1et 6io .tl11111o 2014 ' . : Instituto René Guénon de Estudos Tradicionais IRGET, Editora e Distribuidora São Paulo - 2011 Fone (li) 8384 4440 IRGET@RENEGUENON.NET WWW.RENEGUENON.NET Resen-ados os direitos de publicação para a língua portuguesa. Copyright() Abdel Wahid Yebya René Guénon AUTORIDADE ESPIRITUAL E PODER TEMPORAL PRÓLOGO Não temos o hábito, em nossos trabalhos. de nos referir à atualidade imediata, já que o que constantemente temos em vista são os princípios, que são, poder-se-ia dizer, de uma atualidade pennanente. posto que se situem fora do tempo: e. inclusive. embora saiamos do domínio da metafísica para considerar cenas aplicações. fazemo-lo sempre de tal maneira que estas aplicações conservem um alcance completamente geral. É o que faremos aqui também; e, entretanto, devemos convir que as considerações que vamos expor neste estudo oferecem ainda certo interesse mais particular no momento presente, em razão das discussões que se produziram nestes últimos tempos sobre a questão das relações entre a religião e a política, questão que não é mais que uma forma especial. em certas condições detenninadas, das relações entre o espiritual e o temporal. Isso é certo, mas seria um engano acreditar que tais considerações nos foram mais ou menos inspiradas pelos incidentes aos quais aludimos, ou que pretendemos relacioná-las diretamente com eles, pois isto seria conceder uma importância muito exagerada a questões que têm apenas um caráter puramente episódico e que não poderiam influir sobre concepções cuja natureza e origem são na realidade de uma ordem muito diferente. Como nos esforçamos sempre em dissipar, em primeiro lugar, os mal-entendidos que nos é possível prever, devemos descartar acima de tudo, tão clara e explicitamente quanto seja possível, essa falsa interpretação que alguns poderiam dar sobre nosso pensamento. seja por paixão política ou religiosa, ou em virtude de algumas idéias preconcebidas, seja inclusive por simples incompreensão do ponto de vista no qual nos situamos. Tudo o que aqui diremos o teríamos dito também. e exatamente da mesma maneira. se os fatos que hoje em dia atraem a atenção sobre o assunto do espiritual e do temporal não se tivessem produzido; as circunstâncias presentes somente nos demonstraram, mais claramente que nunca, que era necessário e oportuno dizê-lo; constituíram, caso se queira, a ocasião que nos conduziu a expor agora certas verdades com preferência a muitas outras que igualmente nos temos proposto fommlar. mas que não parecem suscetíveis de uma aplicação Ião imediata; e a isto se limita lodo seu papel no que a nós concerne. O que nos chamou especialmente a atenção nas discussões de que se trata é que. nem de um lado nem de outro, existiu a princípio a preocupação por situar as questões em seu verdadeiro terreno, para distinguir de maneira precisa entre o essencial e o acidental, entre os princípios necessários e as circunstâncias contingentes; e, para falar a verdade. isto não nos surpreendeu. pois não vimos nisso senão um novo exemplo, entre muitos outros, da confusão que hoje em dia reina em lodos os domínios, e que consideramos como eminentemente característica do mundo moderno, pelas razões que já explicamos em precedentes obras (1). Não obstante, não podemos impedir de deplorar que esta confusão afete até os representantes de uma autoridade espiritual autêntica, que parecem ter perdido de vista o que deveria ser sua verdadeira força. quer dizer. a transcendência da doutrina em nome da qual estão qualificados para falar. Faria falta distinguir acima de tudo entre questão de princípio e questão de oportunidade: sobre a primeira não cabe discutir, pois se tratam de coisas que pertencem a um domínio que não pode estar submetido aos procedimentos essencialmente "profanos" de discussão; e, enquanto à segunda, que, por outro lado, não é senão de ordem política e, poder-se-ia dizer, diplomática, é em lodo caso muito secundária e. inclusive, rigorosamente, não deve contar com respeito à questão de princípio; consequentemente. teria sido preferível não oferecer ao adversário a possibilidade de expô-la. embora não seja senão sobre simples aparências; acrescentaremos que, quanto a nós, não nos interessa absolutamente. Pretendemos, pois, de nossa parte, nos situar exclusivamente no domínio dos princípios; é o que nos pennite permanecer inteiramente além de toda discussão, de toda polêmica. de toda querela de escola ou de partido. estes assuntos com os quais não queremos nos misturar. nem de peno nem de longe, de nenhum modo e em nenhum grau. Sendo absolutamente independentes com relação a tudo o que não é a verdade pura e desinteressada, e decididos a permanecer nesta, simplesmente nos propomos a dizer as coisas tal como são, sem o menor cuidado de agradar ou desagradar a quem quer que seja; não temos nada a esperar nem de uns nem de outros, não concamos inclusive com que aqueles que possam tirar vantagens das idéias que formulemos o agradeçam de algum modo e. além do mais, isto nos importa muito pouco. Advertiremos uma vez mais que não estamos dispostos a nos deixar encerrar em nenhum dos limites ordinários, e que seria perfeitamente vão tentar nos aplicar uma etiqueta qualquer, pois, entre aquelas que existem no mundo ocidental, não há nenhuma que na realidade nos convenha; algumas insinuações, chegadas simultaneamente dos setores mais opostos, demonstraram-nos de novo recentemente que era bom renovar esta declaração. a fim de que as pessoas de boa fé saibam a que se ater e não sejam induzidas a nos atribuir intenções incompatíveis com nossa verdadeira atitude e com o ponto de vista puramente doutrinal que é o nosso. Em razão da própria natureza deste ponto de vista. separado de toda'i as contingências, podemos considerar os fatos atuais de uma maneira tão completamente imparcial como se tratassem de acontecimentos que pertencessem a um passado longínquo, como aqueles dos quais trataremos, sobretudo aqui, quando citarmos alguns exemplos históricos para esclarecer nossa exposição. Deve ficar claro que damm a esta. tal e qual dissemos desde o começo, um alcance completamente geral. que supera todas as formas particulares das quais se podem revestir, segundo os tempo~ e lugares, o poder temporal e, inclusive. a autoridade espiritual; e é necessário estabelecer especialmente, sem demora, que esta última, para nós, não tem necessariamente uma fonna religiosa, ao contrário do que usualmente se acredita no Ocidente. Deixamos a cada um o cuidado de fazer com estas considerações as aplicações que julgue conveniente em relação aos casos particulares que, a propósito. nos abstemos de considerar diretamente; basta que esta aplicação, para ser legítima e válida, esteja feita com um espírito verdadeiramente conforme aos princípios dos quais tudo depende, espírito que é ao qual chamamos espírito tradicional no verdadeiro sentido da palavra. e do qual, infelizmente, todas as tendências especificamente modernas são sua antítese ou sua negação. Precisamente é um desses aspectos da separação moderna o que vamos considerar e. a este respeito, o presente estudo completará o que já ti\'emos ocasião de explicar nas obras às quais aludimos anteriormente. Ver- se-á, além do mais. que, sobre esta questão das relações entre o espiritual e o temporal, os enganos que se desenvolveram no curso dos últimos séculos estão longe de ser novos; mas ao menos suas manifestações anteriores jamais tiveram mais que efeitos bastante limitados, enquanto que hoje em dia estes mesmos enganos se tomaram, de certa forma, inerentes à mentalidade comum, fonnam parte integrante de um estado de espírito que se generaliza cada vez mais. Isto é o mais particularmente grave e inquietante e, a menos que em breve não se opereuma retificação, é previsível que o mundo moderno seja arrastado a alguma catástrofe, para a qual parece marchar com uma rapidez sempre crescente. 9 Tendo exposto em outro lugar as considerações que podem justificar tal afirmação (2), não insistiremos sobre elas, e somente acrescentaremos o seguinte: se ainda há, nas presentes circunstâncias. alguma esperança de salvação para o mundo ocidental, parece que esta esperança deve residir, ao menos em parte, na manutenção da única autoridade espiritual que subsiste; mas para isso é necessário que esta autoridade possua uma plena consciência de si mesma, a fim de que seja capaz de oferecer uma base efetiva aos esforços que. de outro modo, correm o risco de permanecer dispersos e sem coordenação. Este é, ao menos, um dos meios mais imediatos que podem ser tomados em consideração para uma restauração do espírito tradicional; sem dúvida há outros, se este faltar; mas, como esta res1auração, que é o único remédio à desordem atual, é o propósito essencial que temos em vista desde que. saindo da pura metafísica. devamos considerar as contingências, é fácil compreender que não desprezemos nenhuma das possibilidades que se oferecem para alcançá-la, ainda que estas possibilidades pareçam ter no momento muito poucas chances de realização. Nisso, e somente nisso, consistem nossas verdadeiras intenções; todas as que nos poderiam atribuir. além delas, são perfeitamente inexistentes; e, se alguns chegassem a pre1ender que as reflexões que vamos dar a seguir nos foram inspiradas por influências ex.teriores, sejam quais forem, opomos a partir de agora nosso mais formal desmentido. lO Dito i~to, já que por experiência sabemos que tais precauções não são inúteis, pensamos poder nos dispensar a seguir de toda alusão direta à atualidade. a fim de fazer ainda mais sensível e indubitável o caráter estritamente doutrinal que pretendemos conservar em todos nossos trabalhos. Sem dúvida, as paixões políticas ou religiosas não contam aqui, mas isto é algo do qual devemos nos felicitar, pois absolutamente se tratam para nós de alimentar novas discussões que nos parecem muito vãs, inclusive bastante miseráveis. senão, pelo contrário, de recordar os princípios cujo esquecimento é, no fundo, a única verdadeira causa de rodas estas discussões. É, repetimo-lo, nossa própria independência que nos permite realizar esta pontualização com toda imparcialidade, sem concessões nem compromissos de nenhum tipo; e. ao mesmo tempo. ela nos proíbe qualquer outro papel distinto do qual acabamos de definir, pois não pode ser mantida senão à condição de pennanecer sempre no domínio puramente intelectual, domínio que. por outra parte, é o dos princípios essenciais e imutáveis e. em conseqüência. aquele do qual todo o resto deriva mais ou menos diretamente. e pelo qual deve forçosamente começar a retificação da qual falamos: fora da vinculação aos princípios, não se podem obter mais que resultados exteriores. instáveis e ilusórios; mas isto, para falar a verdade, não é mais que uma das formas da própria afinnação da supremacia do espiritual sobre o temporal, que precisamente vai ser o objeto deste estudo. li Notas (l) "Oriente e Ocidente'· e ··A Crise do Mundo Moderna·· (2) "A Crise do Mundo Moderno" Capítulo 1: AUTORIDADE E HIERARQUIA Em épocas muito diferentes da história. e inclusive nos remontando muito além do que se conveio chamar "tempos históricos", na medida em que nos é possível fazê-lo com ajuda dos testemunhos coincidentes que nos subministram as tradições orais ou escritas de todos os povos (1), encontramos os indícios de uma freqüente oposição entre os representantes dos dois poderes, um espiritual e o outro temporal, sejam quais forem por outra parte as formas especiais que se tenham revestido um e outro para se adaptarem à diversidade das circunstâncias. segundo as épocas e os países. Isto não significa, entretanto, que esta opo~ição, e as lutas que engendra, sejam "velhas como o mundo", segundo uma ex.pressão da qual se abusa muito; seria esta um exagero manifesto, pois, para que se cheguem a produzir, é preciso, segundo o ensino de todas as tradições, que a humanidade já tenha alcançado uma fase bastante afastada da pura espiritualidade primitiva. Por outra parte, na origem. ambos os poderes não deveriam existir em estado de funções separadas, exercida~ respectivamente por individualidades diferentes; pelo contrário, deviam estar contidas, então, no princípio comum de que procedem. e do qual representavam somente dois aspectos indivisíveis, indissoluvelmente unidos na unidade de uma síntese simultaneamente superior e anterior a sua distinção. É o que expressa especialmente a 13 doutrina hindu quando ensina que não havia no princípio mais que uma só casta; o nome de Hamsa dado a esta casta primitiva única indica um grau espiritual muito elevado, hoje em dia completamente excepcional, mas comum então a todos os homens e que, de certo modo, possuíam espontaneamente (2); e este grau está para além das quatro castas que se constituíram posteriormente, e entre as quais se repartem as diferentes funções sociais. O princípio da instituição das castas, tão completamente incompri!endido pelos ocidentais. não é outra coisa que a diferença de natureza existente entre os indivíduos humanos, e que estabelece entre eles uma hierarquia cujo desconhecimento só pode levar à desordem e à confusão. É precisamente este desconhecimento que está implícito na teoria "igualitária", tão cara ao mundo moderno, teoria que é contrária aos fatos melhor estabelecidos, e que inclusive é desmentida pela simples observação, posto que a igualdade não exista na realidade em parte alguma; mas não vamos nos estender sobre este ponto, que já tratamos em outro lugar (3). As palavras que servem para designar à casta, na Índia, significam "natureza individual"; por isto deve ser entendido o conjunto dos caracteres que se acrescentam à natureza humana "específica" para diferenciar os indivíduos entre si; e convém acrescentar, a seguir, que a herança entra apenas em parte na determinação dos caracteres, já que do contrário os indivíduos de uma 14 mesma família seriam ex.atamente semelhantes, de modo que, em princípio, a casta não é estritamente hereditária, ainda que de fato tenha chegado a sê-lo freqüentemente na prática. Além disso, posto que não poderiam ex.istir dois indivíduos idênticos ou iguais em todos os aspectos, há forçosamente diferença entre aqueles que pertencem a uma mesma casta; mas. tal como há mais caracteres comuns entre os seres de uma mesma espécie que entre seres de espécies diferentes, há também mais, no interior da espécie, entre os indivíduos de uma mesma casta do que entre os de castas diferentes; poder-se-ia dizer então que a distinção das castas constitui, na espécie humana, uma verdadeira classificação natural, à qual deve corresponder à repartição das funções sociais. Efetivamente. cada homem, em razão de sua natureza própria, é apto para cumprir algumas funções definidas com a exclusão de outras; e, numa sociedade regulannente estabelecida sobre bases tradicionais. estas aptidões devem ser determinadas segundo regras precisas, a fim de que, pela correspondência entre os diversos gêneros de funções com as grandes divisões da classificação das "naturezas individuais" -salvo ex.ceções devidas a enganos de aplicação sempre possíveis. embora reduzidas de certa forma ao mínimo- cada um se encontre no lugar que deva ocupar normalmente, e desta forma a ordem social traduza ex.atamente as relações hierárquicas que resultam da própria natureza dos seres. Tal é, resumida em poucas palavras, a razão fundamental da existência das castas; e é necessário conhecer ao menos estas noções essenciais para compreender as alusões que 15 forçosamente estaremos obrigados a fazer em seguida, seja a sua constituição tal como existe na Índia,seja às instituições análogas que se encontram em outros lugares, pois é evidente que os mesmos princípios, embora com modos de aplicação diferentes, presidiram a organização de todas as civilizações que possuem um caráter verdadeiramente tradicional. A distinção das castas, com a diferenciação das funções sociais à qual corresponde, resulta, em suma, de uma ruptura da unidade primitiva; e é então quando aparecem também, como separados um do outro, o poder espiritual e o poder temporal. que constituem precisamente, em seu exercício distinto. as funções respectivas das duas primeiras castas, a dos Brâhmanes e a dos Kshatriyas (Kshatriyas). Por outra parte, entre ambos os poderes, assim como de uma forma geral entre todas as funções sociais atribuídas após a grupos diferentes de indivíduos, devia haver originariamente uma perfeita harmonia, pela qual a primeira unidade era mantida tanto quanto o permitiam as condições de existência da humanidade em sua nova fase, pois a harmonia não é, em suma. mais que um reflexo ou uma imagem da verdadeira unidade. Seria apenas em outro estágio, quando a distinção deveria transformar-se em oposição e em rivalidade, que a harmonia haveria de ser destruída e deixaria lugar à luta dos dois poderes, chegando ao ponto em que as funções inferiores pretendessem, por sua vez, a supremacia. para terminar finalmente na confusão mais completa, na negação e na 16 inversão de toda hierarquia. A concepção geral que acabamos de esboçar assim, de um modo geral, é conforme à doutrina tradicional das quatro idades sucessivas nas quais se divide a história da humanidade terrestre, doutrina que não só se encontra na Índia, mas também era igualmente conhecida pelos Gregos e pelos Latinos. Estas quatro idades são as diferentes fases que atravessa a humanidade afastando-se do princípio. quer dizer, da unidade e da espiritualidade primitiva; são como as etapas de uma espécie de materialização progressiva, necessariamente inerente ao desenvolvimento de todo ciclo de manifestação, tal e como em outro lugar já o explicamos (4). É só na última destas quatro idades, à qual a tradição hindu chama de Kali-Yuga, ou "idade sombria", e que corresponde à época em que nos encontramos, quando a subversão da ordem normal pôde se produzir e quando, em primeiro lugar. o poder temporal pôde se elevar sobre o espiritual; mas as primeiras manifestações da revolta dos Kshatriyas contra a autoridade dos Brâhmanes podem, não obstante, se remontar a muito antes do início desta idade (5), início que é ele mesmo muito anterior a tudo o que conhece a história ordinária ou "profana". Esta oposição dos dois poderes, esta rivalidade de seus representantes respectivos, estava representada entre os Celtas com a figura da luta entre o javali e o urso, segundo um simbolismo de origem hiperbórea que se vincula a uma das tradições mais antiga'i da humanidade. caso não o seja, inclusive, à 17 primeira de toda-;, à verdadeira tradição primitiva; e este simbolismo poderia dar lugar a amplos desenvolvimentos, que não podem encontrar aqui seu lugar, mas que possivelmente tenhamos ocasião de expor algum dia (6). No que vem a seguir. não temos intenção de nos remontar até as origens, e todos nossos exemplos serão tirados de épocas muito mais próximas a nós, inclusive circunscrita-; unicamente no que podemos chamar de última parte do Kali-Yuga, a qual é acessível à história ordinária, e que exatamente começa no século VI antes da era cristã. Não menos necessário era oferecer estas noções sumárias sobre o conjunto da história tradicional, sem as quais o resto não seria compreendido senão de uma forma muito imperfeita. pois não se pode compreender verdadeiramente uma época qualquer senão a situando no lugar que ocupa dentro do todo, do qual é um dos elementos; assim, como tivemos que demonstrar recentemente, as características particulares da época moderna não se explicam senão quando se considere a esta constituindo a fase final do Kali-Yuga. Bem sabemos que este ponto de vista sintético é completamente contrário ao espírito de análise que preside o desenvolvimento da ciência "profana", a única que conhecem a maioria de nossos contemporâneos; mas precisamente convém afirmá-lo tanto mais claramente quanto mais seja desconhecido e, por outra parte. é o único que podem adotar todos aqueles que, como nós, pretenderem se manter escritamente na linha da 18 verdadeira ortodoxia tradicional, sem nenhuma concessão a esse espírito moderno que. jamais insistiremos muito, não constitui mais do que uma coisa só com o próprio espírito antitradicional. Sem dúvida, a tendência que prevalece atualmente é tratar de "lendários" e inclusive de "míticos" os fatos da história mais longínqua. tais como aqueles aos quais acabamos de aludir, ou inclusive alguns outros que não obstante serem muito menos antigos, como os que poderemos tratar a seguir, porque escapam aos meios de investigação de que dispõem os historiadores "profanos". Quem assim pensa, em virtude de costumes adquiridos por uma educação que, hoje em dia, não é com muita freqüência mais que uma verdadeira deformação mental, poderá ao menos. se apesar de tudo conservou certas possibilidades de compreensão, tomar estes fatos simplesmente por seu valor simbólico~ sabemos, quanto a nós, que este valor nada tira a sua realidade própria enquanto fatos hi:itóricos, ma~ é em suma o que mais importa, posto que lhes confere um significado superior, de uma ordem muito mais profunda que o que em si mesmos podem ter; e este é um ponto que requer certas explicações. Tudo o que é. sob qualquer modo que seja, participa necessariamente dos princípios universais, e não é nada senão por participação em tais princípios, que são as essências eternas e imutáveis contidas na permanente atualidade do Intelecto divino; em conseqüência, pode-se 19 dizer que toda~ as coisas, por contingentes que sejam em si mesmas. traduzem ou representam os princípios a sua maneira e segundo sua ordem de existência, pois, de outro modo. não seriam mais que puro nada. Assim. de uma ordem a outra, tudo se encadeia e se corresponde para concorrer à harmonia universal e total. pois a harmonia, como já indicamos. não é mais que o reflexo da unidade principiai na multiplicidade do mundo manifestado; e esta correspondência é o verdadeiro fundamento do simbolismo. Tal é a razão pela qual as leis de um domínio inferior sempre podem ser tomadas para simbolizar as realidades de uma ordem superior, no qual têm sua razão profunda, que é simultaneamente seu princípio e seu fim; e assinalaremos de passagem, nesta ocasião, o engano das modernas interpretações "naturalistas" das antigas doutrinas tradicionais, interpreiações que invertem pura e simplesmente a hierarquia das relações entre a~ diferentes ordens de realidades. Por exemplo, para não considerar mais que uma das teorias mais estendidas em nossos dias. os símbolos ou os mitos jamais tiveram o papel de representar o movimento dos astros, embora o que é certo é que freqüentemente se encontram figuras inspiradas neste e destinadas a expressar Analogicamente outra coisa, posto que as leis deste movimento traduzem fisicamente os princípios metafísicos dos quais dependem; e nisto se fundamenta a verdadeira astrologia dos antigos. O inferior pode simbolizar o superior. mas o contrário é impossível; por outra parte, se o símbolo estivesse mais afastado da ordem sensível que aquilo que 20 representa, em lugar de estar mais próximo, como poderia cumprir a função à qual está destinado, que é a de fazer a verdade mais acessível ao homem lhe oferecendo um "suporte" para sua concepção? Além do mais, é evidente que o emprego de um simbolismo astronômico, para retomar o mesmo exemplo, não impede absolutamente que os fenômenos astronômicos existam como tais, e que tenham, em sua própria ordem, toda a realidade da qual são suscetíveis;ex.atamente o mesmo ocorre com os fatos históricos, pois estes, como todos os outros, ex.pressam segundo seu modo as verdades superiores e se adequam a esta lei de correspondência que acabamos de indicar. Estes fatos, também, ex.istem realmente como tais, mas, ao mesmo tempo, são igualmente símbolos: e, desde nosso ponto de vista, são muito mais dignos de interesse enquanto símbolos do que enquanto fatos; não pode ser de outra forma a partir do momento em que pretendemos nos vincular aos princípios. e é isto precisamente, como em outro lugar já explicamos (9), o que distingue essencialmente a "ciência sagrada" da "ciência profana". Se insistimos ainda um pouco sobre isso é para que não se produza nenhuma confusão a este respeito: é necessário saber pôr cada coisa no lugar que normalmente lhe corresponde; a história, à condição de ser considerada como convém, tem, como todo o reslO, seu lugar no conhecimento integral, ma" carece de valor, sob este aspecto, se não permitir encontrar, nas próprias contingências que são seu objeto imediato, um ponto de apoio para elevar-se acima de tais contingências. Quanto ao ponto de vista da história "profana", que 21 exclusivamente se apega aos fatos e não os transcende, não tem interesse para nós. tal como tudo o que depende do domínio da simples erudição; não é então absolutamente como historiador, caso se entenda em tal sentido, como consideramos os fatos, e é isto o que nos permite não levar em conta certos preconceitos "críticos" particulannente caros a nossa época. Parece, além do mais, que o emprego exclusivo de certos métodos foi imposto aos historiadores modernos para lhes impedir de ver claramente em questões às quais não terei que tocar, pela simples razão de que teriam podido conduzi·los a conclusões contrárias às tendências "materialistas" que o ensino "oficial" tem por missão fazer prevalecer; é evidente que. por nossa parte, não nos sentimos de modo algum obrigados a manter a mesma reserva. Dito isto. pensamos já poder abordar diretamente o tema de nosso estudo, sem nos demorar mais nestas observações preliminares, que em suma não têm como fim senão o definir o mais claramente possível o espírito no qual o escrevemos, e no qual igualmente o convém ler se verdadeiramente quer compreender seu sentido. Notas (1) Estas tradições sempre foram primeiramente orais; às vezes, como entre os celtas. nunca seriam escritas; sua concordância prova ao mesmo tempo a comunidade de origem e, portanto, a vinculação a uma tradição primitiva. e a rigorosa fidelidade da transmissão oral. cuja manutenção é, neste caso. uma das principais funções da autoridade espiritual. (2) A mesma indicação se encontra também claramente formulada na tradição extremo-oriental. como o mostra concretamente esta passagem do Lao-Tse: «Os Antigos, mestres possuíam a Lógica. a Clarividência e a Intuição; esta Força da Alma permanecia inconsciente: esta Inconsciência de sua Força Interior dava a sua aparência a majestade ... Quem poderia, em nossos dias, por sua claridade majestosa. clarificar as trevas interiores? Quem poderia. em nossos dias, por sua vida majestosa, revivificar a mone interior?. Eles levavam a Via (Tao) em sua alma e foram Indivíduos Autônomos: como tais. viam as perfeições de suas debilidades» (Tao-te-king. c. XV: também Chuang-tse. c. VI. que é o comentário desta passagem). A «Inconsciência» da qual se fala aqui se refere à espontaneidade desse estado, que não era então o resultado de nenhum esforço; e a expressão «Indivíduos Autônomos» deve entender-se no sentido do sãnscrito. swêc/1chllâchâri. quer dizer. «que segue sua própria rnntade», ou segundo outra expressão equivalente que se encontra no esoterismo islãmico. «que é ele mesmo sua própria lei». (3) "A Crise do Mundo Moderno ... e. VI: por outra pane, sobre o princípio da instituição das casta~. ver. Introdução geral ao eswdo da.f do14tri11as hindus. 3ª parte, c. VI. (4) "A Crise do Mundo Moderno ... c. 1. (5) Encontra-se uma indicação a este respeito na história de Parash11- Râma. que. diz-se. aniquilou aos Kshatriyas rebeldes. numa época em que os antepassados dos hindus habitavam ainda uma região setentrional. 23 (6) Por oulra pane. é necessário dizer que os dois símbolos do javali e do urso não aparecem sempre forçosamente em luta ou em oposição. mas sim podem também representar às vezes os dois poderes espiritual e temporal, ou as duas castas dos druidas e dos cavaleiros. em suas relações normais e harmônicas, como se vê concretamente na lenda de Merlin e de Artur, que. efetivamen1e, são também o javali e o urso. assim como o explicaremos se as circunstâncias nos permitirem desenvolver este simbolismo em outro estudo. (7) "A Crise do Mundo Moderno". e. IV. Capítulo li: FUNÇÕES DO SACERDÓCIO E DA REALEZA A oposição entre os poderes espiritual e temporal. sob uma forma ou outra, encontra-se em quase todos os povos. o que não tem nada de surpreendenle, posto que corresponda a uma lei geral da história humana, relacionada. além do mais, com todo o conjunto dessas "leis cíclicas" às quais, em quase todas nossas obras. fizemos freqüentes alusões. Para os períodos mais antigos, esta oposição se acha habitualmente, nos dados tradicionais, expressa sob uma forma simbólica, tal como indicamos anteriormente no que concerne aos Celtas; mas não é este aspecto da questão que nos propomos especialmente desenvolver aqui. Ater-nos-emas, sobretudo, no momento. em dois exemplos históricos, tirados um do Oriente e outro do Ocidente: na Índia, o antagonismo de que se trata se encontra na forma da rivalidade entre Brâhmanes e K.rhatriyas, da qual mencionaremos alguns episódios; na Europa da Idade Média aparece. sobretudo, como o aquilo que se chamou a questão entre o Sacerdócio e o Império. embora também tivesse então outros aspectos mais particulares, ainda que não menos característicos, como se verá posteriormente (1). Por outra parte. não seria muito difícil comprovar que a mesma luta prossegue ainda em nossos dias, embora, devido à desordem moderna e à "mescla das castas", complique-se com elementos heterogêneos 25 que podem dissimulá-la às vezes ante o olhar de um observador superficial. Não é que se conteste, no geral ao menos, e excetuando alguns casos extremos, que ambos os poderes, aos quais podemos chamar o poder sacerdotal e o poder real, pois são estas suas verdadeiras denominações tradicionais, não lenham um e outro sua razão de ser e seu domínio próprio. Em suma, o debate não alcança habitualmente mais que sobre a questão das relações hierárquicas que devem existir entre eles; trata- se de uma luta pela supremacia, e esta luta se produz invariavelmente da mesma maneira: vemos os guerreiros, depositários do poder temporal, depois de estarem a princípio submetidos à autoridade espiritual, rebelarem-se contra ela e se declararem independentes de toda potestade superior, ou inclusive tentar submeter esta autoridade da qual não obstante, na origem. houvessem reconhecido seu poder. e fazer dela um instrumento a serviço de sua própria dominação. Tão somente isto basta para demonstrar que deve haver, em tal rebeldia, uma inversão das relações nonnais; mas esta se vê ainda muito mais claramente ao se considerarem estas relações como sendo, não simplesmente as de duas Funções sociais mais ou menos claramente definida~ e nas quais cada uma pode ter a natural tendência a elevar-se sobre a outra, mas sim as de dois domínios nos quais se exercem respectivamente tais funções; são, efetivamente, as relações entre ambos domínios o que deve logicamente detenninar as dos poderes correspondentes. 26 Entretanto, antes de abordar diretamente estas considerações, devemos formular algumas observações que facilitarão sua compreensão, tomando preciso o sentido de alguns dos termos dos quais deveremos nos servir constantemente; e isso é ainda mais necessário quando taistermos, no uso corrente, tenham adotado um significado bastante vago e, às vezes, muito afastado de sua concepção original. Em primeiro lugar. se falarmos de dois poderes, e se podemos fazê-lo nos casos nos quais cabe, por razões diversas, guardar entre eles uma espécie de simetria exterior. preferimos não obstante. mais freqüentemente e para marcar melhor a distinção, empregar, para a ordem espiritual, a palavra "autoridade", mais que a de "poder", que reservaremos à ordem temporal, à qual convém mais propriamente quando quer entender em seu sentido estrito. Efetivamente, a palavra "poder"' evoca quase inevitavelmente a idéia de potência ou de força. e, sobretudo, de uma força material (2). de uma potência que se manifesta visivelmente fora e que se afirma mediante o emprego dos meios exteriores; e tal é, por própria definição, o poder temporal (3). Pelo contrário, a autoridade espiritual, interior por essência, não se afirma senão por si mesma, independentemente de todo apoio sensível, e de certo modo se exerce invisivelmente; caso possa se falar aqui de potência ou de força não é mais que por transposição analógica e, ao menos no caso de uma autoridade espiritual em estado puro, se assim pode ser dito, deve se compreender que se trata de uma potência totalmente intelectual, cujo nome é "sabedoria", e da única força da verdade (4). 27 Algo que também precisa ser explicado, e inclusive um pouco mais amplamente, são as expressões, que faz um momento empregamos, de poder sacerdotal e de poder real: o que deve ser entendido exatamente por sacerdócio e por realeza? Começando com esta última, diremos que a função real compreende tudo o que, na ordem social, constitui o "governo" propriamente dito, e isso ainda que este governo não tenha forma monárquica; esta função, efetivamente, é a que propriamente pertence à casta dos Kshatriyas, e o rei não é mais que o primeiro deles. A função de que se trata é em certo modo dupla: administrativa e judicial por um lado. militar por outro, pois deve assegurar a manutenção da ordem, simultaneamente dentro, como função reguladora e equilibradora. e fora, como função protetora da organização social; ambos os elementos constitutivos do poder real estão, em diversas tradições, simbolizados respectivamente pela balança e pela espada. Vê-se com isso que "poder régio" é realmente sinônimo de "poder temporal", inclusive tomando este último em Ioda a extensão de que é suscetível; mas a idéia muito mais restrita que o Ocidente moderno faz da realeza pode impedir que esta equivalência apareça imediatamente. e por isso foi necessário fonnular esta definição, que jamais se deverá perder de vista a partir de agora. Quanto ao sacerdócio, sua função essencial é a conservação e a transmissão da doutrina lradicional, em que toda organização social regular encontra seus princípios fundamentais: esta função, além do mais, é 28 evidentemente independente de toôas as formas especiais que pode revestir a doutrina para se adaptar, em sua expressão, às condições particulares de tal povo ou de tal época, e que não afetam em nada o fundo mesmo desta doutrina, que permanece sempre e em todas panes idêntica e imutável, desde que se tratem de tradições autenticamente ortodoxas. É fácil compreender que a função do sacerdócio não é precisamente a que as concepções ocidentais, especialmente hoje em dia, atribuem ao "clero" ou aos "sacerdotes", ou que, ao menos, ainda que o seja em certa medida e em alguns casos, também pode ser algo distinto. De fato, o que possui propriamente o caráter "sagrado" é a doutrina tradicional e o que se refere diretamente a ela. e esta doutrina não toma necessariamente a fonna religiosa (5); "sagrado" e "religioso" não são equivalentes de modo algum, e o primeiro de ambos os tennos é muito mais abrangente que o segundo; embora a religião forme parte do domínio "sagrado", este compreende elementos e modalidades que não têm absolutamente nada de religioso; e o sacerdócio, como seu nome indica, refere- se, sem nenhuma restrição, a tudo o que verdadeiramente deva ser chamado "sagrado". A verdadeira função do sacerdócio é, pois, acima de tudo, uma função de conhecimento e de ensinamento (6) e por isso, como dissemos anteriormente, seu atributo próprio é a sabedoria; com segurança, algumas outras funções mais exteriores, como o cumprimento dos ritos, pertencem-lhe igualmente. porque requerem do conhecimento da doutrina, ao menos em princípio, e panicipam do caráter "sagrado" inerente a esta; mas tais funções não são senão secundárias, contingentes e de certo modo acidentais (7). Se, no mundo ocidental, o acessório parece aqui haver se convertido na função principal, quando não -inclusive- na única. é porque a natureza real do sacerdócio foi esquecida quase que por completo; este é um dos efeitos da separação moderna, que nega a intelectualidade (8), e que, embora não pôde fazer desaparecer todo o ensino doutrinal, ao menos o "minimizou" e o relegou a um segundo plano. Nem sempre foi assim, e a própria palavra "clero" nos oferece a prova, pois, originariamente, "clérigo" significava "sábio" (9), e se opõe a "laico", que designa ao homem do povo, quer dizer. ao "vulgar", comparado ao ignorante ou ao "profano", a quem não se pode pedir senão que creias no que não é capaz de compreender, porque é este o único meio de lhe fazer participar da tradição na medida de suas possibilidades (10). É inclusive curioso notar que as pessoas que, em nossa época, vangloriam-se de chamar-se "laicos", assim como aquelas a quem agrada intitularem-se "agnósticos", e que por outra parte freqüentemente são as mesmas, não fazem com isso senão gabar-se de sua própria ignorância; e, para que não se dêem conta de que tal é o sentido das etiquetas com as quais se adornam, é preciso que esta ignorância seja efetivamente muito grande verdadeiramente irremediável. 30 Embora o sacerdócio é, por essência, o depositário do conhecimento tradicional, isso não significa que tenha o monopólio do mesmo, posto que sua missão consiste, não somente em conservá-lo integralmente, mas também em comunicá-lo a todos aqueles que sejam aptos para recebê-lo, em distribuí-lo de certo modo hierarquicamente segundo a capacidade intelectual de cada um. Todo conhecimento desta ordem tem então sua origem no ensino sacerdotal, que é o órgão de sua transmissão regular; e o que aparece como mais particularmente reservado ao sacerdócio, em razão de seu caráter de pura intelectualidade. é a parte superior da doutrina, quer dizer, o conhecimento dos próprios princípios, enquanto que o desenvolvimento de certas aplicações convém melhor às aptidões de outros homens, a quem suas funções próprias põem em contato direto e constante com o mundo manifestado, quer dizer, com o domínio ao qual se referem ditas aplicações. É a razão de que vejamos na Índia, por exemplo, que certos ramos secundários da doutrina tenham sido estudados mais especialmente pelos Kshatriyas, enquanto que os Brâhmanes não lhes concedem senão uma importância muito relaliva, estando sem cessar sua atenção fixada na ordem dos princípios transcendentes e imutáveis, dos quais todo o restante não são mais que conseqüências acidentais, ou, caso se tomem as coisas em sentido inverso, sobre a meta suprema, em relação à qual todo o resto não são mais que meios contingentes e subordinados (li). Existem inclusive livros tradicionais particularmente destinados ao uso dos Kshatriyas, já que 31 apresentam aspectos doutrinais adaptados a sua natureza própria (12); há "ciências tradicionais" que convêm, sobretudo, aos Kshatriyas, enquanto que a metafísica pura é patrimônio dos Brâhmanes (13). Não há aqui nada que não seja perfeitamente legítimo, poi:-. tais aplicações ou adaptações formam também parte do conhecimento sagrado considerado em sua integralidade e, por outra parte, embora a casta sacerdotal não se interessediretamente nelas. entretanto é sua obra, posto que unicamente ela esteja qualificada para controlar sua perfeita conformidade com os princípios. Ainda assim, pode ocorrer que os Kshatriyas. quando entram em rebelião contra a autoridade espiritual. desconheçam o caráter relativo e subordinado de tais conhecimentos, aos quais ao mesmo tempo consideram como seu bem próprio, e negam havê-los recebido dos Brâhmanes. e que finalmente cheguem inclusive até pretendê-los superiores aos que são da posse exclusiva destes últimos. O que disso se resulta é, nas concepções dos Kshatriyas rebeldes, a inversão das relações normais entre os princípios e suas aplicações, ou inclusive às vezes, nos casos mais extremos, a pura e simples negação de todo princípio transcendente; trata-se então, em todos os casos, da substituição da "metafísica" pela "física". entendendo ambos os termos em seu sentido rigorosamente etimológico. ou, em outras palavras, o que se pode chamar o "naturalismo". assim como se verá melhor ainda na continuação (14). Desta distinção, no conhecimento sagrado ou tradicional, de duas ordens que se podem, de maneira geral. designarem como a dos princípios e a das aplicações, ou ainda. segundo o que acabamos de dizer, como a ordem "metafísica" e a ordem "física", derivava- se, nos mistérios antigos. tanto no Oriente como no Ocidente, a distinção entre o que se chamava "grandes mistérios" e "pequenos mistérios", implicando estes. de fato, essencialmente o conhecimento da natureza, e aqueles o conhecimento do que está além da natureza (15). Esta mesma distinção corresponde precisamente à existente entre a "iniciação sacerdotal" e a "iniciação real", quer dizer, que os conhecimentos que eram ministrados nestas duas classes de mistérios eram os que se consideravam necessários para o exercício das respectivas funções dos Brâhmanes e dos Kshatriyas. ou do que era o equivalente destas castas nas instituições de diversos povos (16): mas, é obvio, é o sacerdócio o que, em virtude de sua função de ensino, conferia igualmente as duas iniciações. e o que assegurava assim a legitimidade efetiva, não só de seus próprios membros, mas também daqueles da casta à qual pertencia o poder temporal; e disso, como veremos, procede o "direito divino" dos reis (17). Se isto é desta forma. é porque a posse dos "grandes mistérios" implica, a fortiori e "além disso", a dos "pequenos mistérios"; como toda conseqüência e toda aplicação estão contidas no princípio do qual procedem, a função superior engloba "eminentemente" as possibilidades das funções inferiores (18); necessariamente é assim em toda hierarquia 33 verdadeira, quer dizer, fundada sobre a natureza mesma dos seres. Há ainda um ponto que devemos assinalar, ao menos sumariamente e sem insistir muito: junto às expressões de "iniciação sacerdotal" e de "iniciação real", e por assim dizer de forma paralela, encontram-se também as de "arte sacerdotal" e "arte real", que designam a colocação em prática dos conhecimentos adquiridos nas correspondentes iniciações, com todo o conjunto das "técnicas" que dependem de seus respecLivos domínios (19). Estas denominações se conservaram durante longo tempo nas antigas corporações. e a segunda. a de "arte real", teve inclusive um destino bastante singular, pois se tran!-.mitiu até a Maçonaria moderna. embora seja evidente que já não subsista, assim como muitos outros termos e símbolos, mais que como um vestígio incompreendido do passado. Assim que a designação de "arte sacerdotal" desapareceu completamente: entretanto, convinha evidenlemente à arte dos construtores de catedrais da Idade Média, do mesmo modo que aos construtores dos templos da Antigüidade; mas aconteceu de se produzir posteriormente uma confusão entre ambos os domínios. devido a uma perda ao menos parcial da tradição, conseqüência das usurpações do temporal sobre o espiritual; perdeu-se assim inclusive o nome de "arte sacerdotal", sem dúvida na época do Renascimento, que assinala efetivamente, sob todos os aspectos, a 34 consumação da ruptura do mundo ocidental com suas próprias doutrinas tradicionais (20). 35 Notas (1) Poder-se-iam encomrar mui1os outros exemplos sem muito esforço. especialmente no Orieme: na China. as lutas que se produziram em certas épocas emre os taoís1as e os confucionistas, cujas respecti..,as doutrinas se referem aos domínios de ambos os poderes. como mais adiame explicaremos: no Tibete. a hostilidade testemunhada em princípio pelos reis contra o Lamaísmo. que por outra pane acabou não somen1e por triunfar. mas também por absorver completamente o poder temporal na organização "teocrática" que ainda atualmeme existe [N.T.: O livro foi escrito antes da invasão do Tibete pela China. em 1951 ]. (2) Poder-se-ia, além do mais, fazer entrar também nesta noção a força da vomade, que não é •·material" no semido estrito da palavra. mas que, para nós. ê ainda da mesma ordem. já que está essencialmente oriemada à ação. (3) O nome da casta dos Ksfiatriyas [K.fhatriyas] deriva de kshatra. que significa "força". (4) Em hebraico. a distinção que aqui indicamos es1á expressa pelo emprego de raízes que se correspondem. mas que diferem pela presença das letras kaf e qiif, que são respectivamente. por sua interpretação hieroglífica. os sinais da força espiritual e da força material, de onde. por um lado, os sentidos de verdade, sabedoria, conhecimento, e, por outro, os de potência, posse, dominação: tais são as raízesjaq e joq, kall e qah, designando as primeiras formas de cada par as atribuições do poder sacerdotal, e as segundas as do poder real (ver ··o Rei do Mundo", cap. VI). [N. T.: Do JAK deriva JOJMA (Sabedoria). do JOQ deriva JOQ (lei. decreto). do KAH deriva KOHEN (Sacerdote). e do QAH deriva QAHAL (Reunir. congregação)]. (5) Além do mais, mais adiante veremos por que motivo a forma religiosa propriamente dita é algo particular ao Ocidente. 36 (6) Em razão desta função de ensino. no P1m1sha·sltkra do Rig-Vêda, os Brâhmanes são representados como correspondendo à boca de P11rusha. considerado como o "Homem Universal". enquanto que os Kshatriyas correspondem a seus braços. posto que suas funções se refiram essencialmente à ação. (7) Às vezes, o exercício das funções intelectuais por um lado e rituais por outro deu na:o.cimento. no próprio sacerdócio. a duas divisões: encontra-se um exemplo muito claro disso no Tíbete: '"A primeira das duas grandes divisões compreende a quem preconiza a observação dos preceitos morais e das regras monásticas como meios de saJvação; a segunda engloba a aqueles que preferem um método puramente intelectual (denominado "via direta"), liberando a aquele que a segue de todas as leis, sejam quais forem. "Nenhum biombo perfeitamente estanque separa os aderentes de ambos os sistemas. Muito raros são os religiosos vinculados ao primeiro que não reconheçam que a vida virtuosa e a disciplina das observâncias monásticas. por excelentes e, em muitos casos. indispensáveis que sejam, não constituem entretanto mais que uma simples preparação a uma via superior. Quanto aos partidários do segundo sistema, todos, sem exceção, acreditam plenamente nos efeitos benéficos de uma estrita fidelidade às leis morais e a aquelas que foram especialmente decretadas para os membros do Sangha (comunidade budista). Além disso, todos são unânimes em declarar que o primeiro dos métodos é o mais recomendável para a maioria dos indivíduos" (Alexandra David-Neel. "Le Thibet mys1iq11e". na "ReV11e de Paris", 15 de fevereiro de 1928). Reproduzimos textualmente a passagem, embora quamo a algumas das expressões utilizadas se requeira alguma reserva: assim, não há dois .. sistemas'", que, como tais, se excluiriam forçosamente: mas o papel dos meios contingentes que é o dos ritos e das observâncias de toda classe e sua subordinação com respeito à via puramente intelectual está definido muito claramente.e de uma maneira que. por outra parte. é 37 exatamente conforme aos ensinos da doutrina hindu sobre o mesmo assunto. (8) Pensamos que é quase supéríluo recordar que tomamos sempre esta palavra no sentido em que se reíere à inteligência pura e ao conhecimento supra-racional. (9) Não é que seja legítimo estender o significado da palavra "clérigo" como tem íeito Julien Benda em seu livro liJ Trahison des Clercs. pois tal expressão implica o desconhecimento de uma distinção fundamental, a mesma que a existente entre "conhecimento sagrado" e "saber profano"; a espiritualidade e a intelectualidade não têm cenamente o mesmo sentido para Benda que para nós, e faz entrar no domínio ao que qualifica de "espiritual" muitas coisas que, a nossos olhos. são de ordem puramente temporal e humana, o que, por outra pane. não nos deve impedir que reconheçamos que há em seu livro considerações muiw interessantes e justas em muitos aspectos. (10) A dii.tinção feita no Catolicismo entre a "Igreja ensinadora" e a "Igreja ensinada" deveria ser precisamente uma distinção entre "quem sabe" e "quem acredita": o é em princípio, mas, no presente estado das coisas. é ainda de fato? Limitamo-nos a expor a pergunta, pois não é a nós a quem corresponde resolvê-la e, por outra parte, não lemos os meios para isso; efetivamente, se muitos indícios nos fazem temer que a resposta não deve ser positiva, não pretendemos entretamo ter um conhecimento completo da organização atual da Igreja católica, e não podemos senão expressar o desejo de que ainda exista, em seu interior. um centro no qual se conserve integralmente não só a "letra". mas também o "espírito" da doutrina tradicional. (11) Tivemos, além do mais, ocasião de assinalar um caso ao qual se aplica o que aqui dizemos: enquanto que os Brâhma11es sempre estão vinculados quase exclusivamente. ao menos em seu âmbito pessoal, à realização imediata da "Liberação" final, os Kshatriyas desenvolveram preferentemente o estudo dos estados condicionados 38 e transilivos que correspondem aos diversos estados das duas "vias do mundo manifes1ado". chamadas dfra-yâna e pitri-yâna ("'O Homem e seu Devir Segundo o Vedama", 3" ed., cap. XXI). (12) Tal é, na Índia, o caso dos /tihâsas e dos Purânas. enquanto que o estudo do Vêda concerne propriamente aos Brâhmanes, porque neles se encontra o princípio de todo o conhecimento sagrado; ver- se-á além do mais posteriormente que a distinção dos objetos de estudo que convêm às duas castas corresponde. de maneira geral. à das duas panes da tradição que, na doutrina hindu, são chamadas Shrnti e Smriti. (13) Falamos sempre de Brâhmanes e Kshatriyas tomados em seu conjunto; embora existam distinções individuais. isso não implica nenhum prejuízo ao próprio princípio das castas. e somente provam que a aplicação deste princípio não pode ser senão aproximada, especialmente nas condições do Kali-Yuga. (14) Embora falemos aqui de Brâhma11es e dos Kshatriyas. porque o emprego de tais palavras facilita enormemente a expressão daquilo do que se trata, deve ficar claro que tudo o que aqui dizemos não se aplica unicamente à Índia; e esta mesma observação será válida todas as vezes que empreguemos tais termos sem nos referir expressamente à forma tradicional hindu; explicar-nos-emo mais completamente sobre isso, além de tudo, um pouco mais adiante. (15) De um ponto de vista um pouco diferente, embora não obstante estreitamente ligado a este, pode-se dizer 1ambém que os "pequenos mistérios" concernem somente às possibilidades do estado humano, enquanto que os ··grandes mistérios" concernem aos estados supra- humanos; pela realização destas possibilidades ou estados, conduzem respectivamente ao "Paraíso terrestre" e ao "Paraíso celestial". tal e como afirma Dante num texto do De Monarchia que mais adiante citaremos; e não se deve esquecer que, como indica o mesmo Dante bastan1e claramente em sua Divina Comédia, e como teremos ocasião de repeti-lo a seguir. o "Paraíso terrestre" não de\·e ser considerado, 39 na realidade, mas sim como uma e1apa na via que conduz ao "Paraíso celestial". (16) :'\o antigo o Egito, cuja constituição era claramente "1eocrática", parece que o rei era considerado como assimilado à casta sacerdotal pelo fato de sua iniciação aos mistérios. e inclusive. às vezes, foi eleilo demre os membros desta casta; ao menos é o que afirma Plutarco: .. Os reis eram escolhidos dentre os sacerdotes ou os guerreiros, porque ambas as classes, uma em razão de sua coragem, a outra em virtude de sua sabedoria. gozavam de uma estima e de uma consideração paniculares. Quando o rei provinha da classe dos guerreiros. enb'ava do momento de sua eleição a formar parte da classe dos sacerdotes; era então iniciado nessa filosofia em que tantas coisas, sob fórmulas e mitos que envolviam com uma aparência obscura a verdade e a manifestavam por transparência, estavam ocuhas" (Ísis e Osiris. 9. tradução de Maria Meunier). Advertir-se-á que o final desta passagem contém uma indicação muito explícita do duplo sentido da palavra "revelação" (cf ... O Rei do Mundo'". P. 38). (17) É necessário acrescentar que. na Índia, a terceira casta. a dos Vaisl1yas, cujas funções próprias são as de ordem econômica. também é admitida a uma iniciação que lhe outorga direito às qualificações, que lhe são assim comuns com as duas primeiras, de âry•a ou "nobre" e de dwija ou "duas vezes nascido"; os conhecimentos que lhe convêm especialmente não representam por outra parte. em princípio ao menos, mais que uma porção restringida dos "pequenos mistérios" tal como acabamos de defini-los; mas não vamos insistir sobre este ponto, já que o tema do presente estudo não implica propriamente senão a consideração das relações entre as duas primeiras castas. (18) Pode-se dizer então que o poder espiritual pertence "formalmente" à casta sacerdotal. en~uanto que o poder temporal pertence "eminentemente~ a esta mesma casta sacerdotal, e "fonnalmente" à casta real. Assim, segundo Aristóteles. as "formas" superiores contêm ~eminentemente" as "formas" inferiores. 40 (19) Devemos notar a propósito disso que. entre os romanos. Jano. que era o deus da iniciação aos mistérios. era ao mesmo tempo o deus dos Coffegia fabrorum: este paralelismo é particularmente significativo do pomo de visla da correspondência que aqui indicamos. Sobre a 1ransposição mediante a qual toda arte. assim como toda ciência. pode receber um valor propriameme "iniciático", ver "O Esoterismo de Dante'". pp. 12-15. (20) Alguns fixam com precisão na metade do século XV a data desta perda da antiga rradição, que entranhou a reorganização. em 1459, das confrarias de construtores sobre uma nova base, desde então incompleta. É de as'iinalar que é a partir desta época quando as Igrejas deixaram de estar oriemadas regularmente, e este fato tem, quanto àquilo do que se trata. uma importância muito mais considerável do que se poderia pensar a primeira vista (cf. "O Rei do Mundo"" . pp. 96 e 123-124 ). Capítulo Ili: CONHECIMENTO E AÇÃO Dissemos anteriormente que as relações entre os poderes espiritual e temporal devem ser determinadas pelas de seus respectivos domínios; reconduzida assim a seu princípio, a questão nos parece muito simples. pois não é diferente. no fundo, que a das relações entre o conhecimento e a ação. Poder-se-ia objetar a isto que, segundo o que acabamos de expor, os depositários do poder temporal devem também possuir normalmente um detenninado conhecimento; mas, além de que não o possuem por si mesmos, mas o recebem da autoridade espiritual, este conhecimento não corresponde senão às aplicações da doutrina. e não aos próprios princípios; não é então. propriamente falando, mais que um conhecimento por participação. O conhecimento por excelência, o único que verdadeiramente merece esse nome na plenitude de seu sentido, é o conhecimento dos princípios, independentemente de toda aplicaçãocontingente, e é este o que pertence exclusivamente a aqueles que possuem a autoridade espiritual. porque não há nele nada que dependa da ordem temporal. inclusive entendida em sua acepção mais ampla. Pelo contrário, quando se passa às aplicações. encontramo-nos nessa ordem temporal, posto que o conhecimento já não é considerado então unicamente em si mesmo e por si mesmo, mas sim enquanto que dê à ação sua lei; e é nesta medida que é necessário {o conhecimento) àqueles cuja 42 função própria depende essencialmente do domínio da ação. É evidente que o poder temporal, em suas diversas fonnas, militar, judicial e administrativa, está completamente envolto na ação: encontra-se então, por suas próprias atribuições, encerrado nos mesmos limites que esta, quer dizer, nos limites do mundo ao qual se pode chamar propriamente "humano", compreendendo, além disso, neste termo. possibilidades muito mais amplas das que habitualmente se consideram. Pelo contrário, a autoridade espiritual se funda inteiramente no conhecimento. já que, como se viu, sua função essencial é a conservação e o ensino da doutrina, e seu domínio é ilimitado como a própria verdade (1); o que lhe está reservado pela natureza mesma das coisas. aquilo que não pode comunicar aos homens cujas funções são de outra ordem, e isto porque suas possibilidades não o implicam, é o conhecimento transcendente e "supremo" (2), o que supera o domínio "humano" e inclusive, mais geralmente, o mundo manifestado, que é, não somente "físico", mas sim "metafísico" no sentido etimológico da palavra. Deve compreender-se que não se trata aqui de uma vontade da casta sacerdotal de guardar só para si o conhecimento de certas verdades, mas sim de uma necessidade que diretamente se desprende das diferenças de natureza que ex.istem entre os seres, diferenças que. como já dissemos, são a razão de ser e o fundamento da distinção das castas. Os homens que estão feitos para a ação não estão feitos para o puro conhecimento e. numa sociedade constituída 43 sobre bases verdadeiramente tradicionais, cada um deve desempenhar a função para a qual está realmente "qualificado"; de outro modo, não há mais que confusão e desordem, nenhuma função se desempenha como se deveria, e é isto precisamente o que se produz na época atual. Bem sabemos que, por causa desta confusão, as considerações que aqui expomos podem parecer muito estranhas no mundo ocidental moderno, no qual o que se chama "espiritual" freqüentemente não tem senão uma muito longínqua relação com o ponto de vista estritamente doutrinal e com o conhecimento desligado de todas as contingências. Pode-se inclusive, a este respeito. fazer uma curiosa observação: hoje em dia ninguém se limita a distinguir entre o espiritual e o temporal, como seria legítimo e inclusive necessário, senão que se tem a pretensão de separá-los radicalmente; e justamente ocorre que ambas as ordens jamais estiveram tão mescladas como no presente, e que, sobretudo, as preocupações temporais nunca afetaram tanto àquilo que lhe deveria ser absolutamente independente; sem dúvida, é inevitável que o seja assim, em razão das condições própria., de nossa época, às quais descrevemos em outro lugar. Devemos. além disso. para evitar toda falsa interpretação, declarar claramente que o que aqui dizemos não concerne senão ao que anteriormente chamamos autoridade espiritual em estado puro, e seria necessário abster-se de procurar exemplos disso ao nosso redor. Poder-se-á inclusive, caso se queira, 44 que aqui não se trata mais que de um tipo teórico e de certo modo "ideal". embora, para falar a verdade, esta maneira de considerar as coisas não seja inteiramente a nossa: reconhecemos que. de fato. nas aplicações históricas. é sempre necessário ter em conta as contingências em certa medida, mas, entretanto. tomamos à civilização do Ocidente moderno tão somente pelo que ela é, ou seja, uma separação e uma anomalia. que por outra parte se ex.plica por sua correspondência com a última fase do Kali-Yuga. Mas voltemos para as relações entre o conhecimento e a ação; já tivemos ocasião de tratar este tema com certo desenvolvimento (3). e. em conseqüência. não repetiremos aqui tudo o que dissemos então; mas é, não obstante. indispensável recordar ao menos os pontos mais essenciais. Consideramos a antítese entre o Oriente e Ocidente, no presente estado das coisas. como podendo em suma reduzir-se a isto: Oriente mantém a superioridade do conhecimento sobre a ação. enquanto que o Ocidente moderno afinna pelo contrário a superioridade da ação sobre o conhecimento, e isto quando não chega à completa negação deste; dizemos somente o Ocidente moderno, pois foi de um modo muito distinto na Anrigüidade e na Idade Média. Todas as doutrinas tradicionais, sejam orientais ou ocidentais, são unânimes em afirmar a superioridade e inclusive a transcendência do conhecimento sobre a ação, com respeito à qual desempenha de certo modo o papel do "motor imóvel" de Aristóteles, o que, é obvio, não quer 45 dizer que a ação não tenha também seu lugar legítimo e sua importância em sua ordem, mas esta ordem não é mais que a das contingências humanas. A mudança seria impossível sem um princípio do qual procedesse e que. precisamente por ser seu princípio, não pode estar submetido a ele. logo é forçosamente "imóvel", sendo o centro da "roda das coisas" (4); da mesma forma, a ação. que pertence ao mundo da transitoriedade, não pode ter seu princípio em si mesma; toda a realidade da qual é suscetível é extraída de um princípio que se encontra além de seu domínio, e que não pode estar mais que no conhecimento. Só este, efelivamente, pennite sair do mundo da transitoriedade ou do "suceder" e das limitações que lhe são inerentes e, quando alcança o imutável, o que é o caso do conhecimento principiai ou metafísico, que é o conhecimento por excelência (5), possui a imutabilidade. já que todo conhecimento verdadeiro é essencia1mente identificação com seu objeto. A autoridade espiritual, devido ao que se implica neste conhecimento, possui em si mesma a imutabilidade; o poder temporal, pelo contrário, está submetido a todas as vicissitudes do contingente e do transitório, a menos que um princípio superior lhe comunique, na medida compatível com sua natureza e seu caráter, a estabilidade que não pode obter por seus próprios meios. Este princípio não pode ser mais que o que é representado pela autoridade espiritual; o poder temporal tem então necessidade, para subsistir, de uma consagração que lhe venha desta; é esta consagração a que proporciona sua legitimidade, quer dizer, sua conformidade com a ordem 46 mesma das coisas. Tal era a razão de ser da "iniciação régia", à qual definimos no capítulo anterior; nisso consiste propriamente o "direito divino" dos reis, ou o que a tradição extremo-oriental denomina o "mandato do Céu"; trata-se do exercício do poder temporal em virtude de uma delegação da autoridade espiritual, à qual este poder pertence "eminentemente". tal como já explicamos (6). Toda ação que não proceda do conhecimento carece de princípio e não é mais que uma vã agitação; do mesmo modo, todo poder temporal que ignore sua subordinação frente à autoridade espiritual é igualmente vão e ilusório; separado de seu princípio, não poderá exercer-se mais que de uma maneira desordenada, e irá fatalmente a sua perdição. Posto que falamos do "mandato do Céu". não estará fora de propósito narrar aqui como, segundo o próprio Confúcio, devia cumprir-se este mandato: "Os antigos príncipes, para fazer brilhar as virtudes naturais no coração de todos os homens, aplicavam-se em primeiro lugar a governar bem seus principados. Para governar bem seus principados, punham antes em ordem suas famílias. Para pôr ordem em suas famílias, trabalhavam antes em aperfeiçoar-se a si mesmos. Para aperfeiçoar-se a si mesmos. ordenavam antes os movimentos deseus corações. Para ordenar os movimentos de seus corações, tornavam antes sua vontade perfeita. Para tomar sua vontade perfeita, desenvolviam seus conhecimentos ao máximo. Desenvolviam seus conhecimentos escrutinando a 47 natureza da'i coisas. Uma vez escrutinada a natureza das coisas, os conhecimentos alcançavam seu mais alto grau. Tendo chegado os conhecimentos a seu mais alto grau, a vontade se fazia perfeita. Sendo perfeita a vontade, os movimentos do coração se ordenavam. Ordenados tais movimentos, lodo homem está isento de defeitos. Depois de haver-se corrigido a si mesmo, estabelece-se a ordem na família. Reinando a ordem na família, o principado está bem governado. Estando bem governado o principado, muito em breve todo o reino desfruta da paz" (7). Há que se reconhecer que existe aqui uma concepção do papel do soberano que difere singularmente da idéia que disso se faz o Ocidente moderno, e que o converte por outra parte em algo muito difícil de cumprir, embora também lhe dê um alcance muito diferente: e particularmente se observará que o conhecimento está expressamente indicado como a primeira condição para o estabelecimento da ordem. inclusive no domínio temporal. É fácil agora compreender que a inversão das relações entre o conhecimento e a ação, numa civilização, é uma conseqüência da usurpação da supremacia por parte do poder temporal; este, efetivamente, deve então pretender que não exista nenhum domínio superior ao dele, que é precisamente o da ação. Entretanto, embora as coisas se apresentem assim, não chegam ainda ao ponto em que as vemos atualmente, onde todo valor é negado ao conhecimento; para que assim seja, é preciso que os próprios Kshatriyas tenham sido alheados de seu poder 48 pelas castas inferiores (8). De fato, como indicamos anteriormente, os Kshatriyas, inclusive rebeldes, têm mais tendência a afirmar uma doutrina truncada, falseada pela ignorância ou pela negação de tudo o que supera a ordem "física", mas na qual subsistem ainda certos conhecimentos reais. embora inferiores: podem inclusive albergar a pretensão de fazer passar a esta doutrina incompleta e irregular como expressão da verdadeira tradição. Há aqui uma atitude que, embora imperdoável com respeito à verdade, não está desprovida ainda de certa grandeza (9); por outra parte, termos como os de "nobreza". "heroísmo", "honra", não são, em sua acepção original. a designação das qualidades que são essencialmente inerentes à natureza dos Kshatriyas? Pelo contrário, quando os elementos correspondentes às funções sociais de uma ordem inferior chegam a dominar por sua vez. toda doutrina tradicional, inclusive mutilada ou alterada. desaparece inteiramente; nem sequer subsiste o menor vestígio da "ciência sagrada'', e é o reino do "saber profano", quer dizer, da ignorância, o que se toma por ciência e sente prazer em seu nada. Tudo isto poderia resumir-se em poucas palavras: a supremacia dos Brâhmanes mantém a ortodoxia doutrinal; a rebelião dos Kshatriyas conduz à heterodoxia; mas com a dominação das castas inferiores. entramos na noite intelectual, e é ela a que domina atualmente no Ocidente, que por outra pane ameaça estendendo suas próprias trevas sobre o mundo inteiro. 49 Seremos reprovados possivelmente por falar como se houvesse castas em toda pane, e o estender indevidamente a toda organização social denominações que não convêm propriamente mais que à Índia; e, entretanto, posto que tais denominações designam, em suma, funções que necessariamente se encontram em toda sociedade, não pensamos que tal extensão seja abusiva. É certo que a casta não somente é uma função, que também é, e acima de tudo, o que, na natureza dos indivíduos humanos, os faz aptos para desempenhar essa função preferencialmente a qualquer outra; mas tais diferenças de natureza e de aptidões existem também em todo lugar onde haja homens. A diferença entre uma sociedade em que há castas, no verdadeiro sentido da palavra. e outra em que não as há. consiste em que na primeira se dá uma normal correspondência entre a natureza dos indivíduos e as funções exercidas por eles, com a única reserva dos enganos de aplicação que, em todo caso, não são senão exceções, enquanto que, na segunda, esta correspondência não existe, ou, ao menos, não se encontra mais que acidentalmente; e este último caso é o que se produz quando a organização social carece de base tradicional (10). Nos casos nonnais sempre há algo comparável à instituição das castas, com as devidas modificações requeridas pelas condições próprias a tal ou qual povo; mas a organização que encontramos na Índia é a que representa o tipo mais completo, enquanto aplicação da doutrina metafísica à ordem humana, e esta única razão bastaria em suma para justificar a linguagem que adotamos preferentemente a toda outra que 50 tivéssemos podido tirar de instituições que tenham, por sua forma mais especializada, um campo de aplicação muito mais limitado e, em conseqüência, não possam oferecer as mesmas possibilidades para a expressão de cenas verdades da ordem completamente geral (11). Há, por outra parte, outra razão, que, sendo mais contingente, nem por isso é desprezível. e é esta: é muito notório que a organização social da Idade Média ocidental estava exatamente calcada sobre a divisão das castas, correspondendo o clero aos Brâhmanes, a nobreza aos Kshatriyas, o terceiro estado aos Vaishyas e os servos aos Shúdras; não se tratava de castas em toda a acepção da palavra, mas esta coincidência, que com segurança não tem nada de fortuito, permite efetuar bem facilmente uma transposição de tennos para passar de um ao outro de ambos os casos; e esta observação encontrará sua aplicação nos exemplos históricos que consideraremos a seguir. 51 Notas (1) Segundo a douuina hindu, os três termos "Verdade, Conhecimen10. Infinito" estão idemificados no Princípio Supremo: é o sentido da fórmula Satyam Jnânam Anantam Brahma. (2) Na Índia, o conhecimento (l'idyâ). segundo seu objeto ou seu domínio, distingue-se em "supremo" (parâ) e "não supremo" (aparâ). (3) "A Crise do Mundo Moderno". cap. Ili. (4) O centro imóvel é a imagem do princípio imutável. e tomamos aqui o movimento para simbolizar a mudança em geral. do que não é mais que uma espécie particular. (5) Pelo contrário. o conhecimento "físico" não é mais que o conhecimento das leis da mudança. leis que somente são o reflexo dos princípios transcendentes na natureza: esta. integralmente, não é mais que o domínio da mudança; por outra parte. o latim natura e o grego physis expressam ambos a idéia de "devir". (6) Por isso, a palavra melek. que significa "rei" em hebraico e em árabe, tem ao mesmo tempo, e inclusive em primeiro lugar. o sentido de "enviado". (7) Ta-hio, 1• parte, tradução de P. Couvreur. (8) Em particular. o fato de conceder uma importância preponderante às considerações de ordem econômica, que é um caráter muito patente de nossa época, pode ser considerado como um sinal da dominação dos Vaisliyas. cujo equi\'a]ente aproximado está representado no mundo ocidental pela burguesia; e efetivamente é esta a que domina depois da Revolução. (9) Esta atitude dos Kshalriyas rebeldes poderia ser caracterizada exatamente pela denominação de "luciferismo", que não deve ser 52 confundido com o "satanismo", embora sem dúvida entre um e outro exista certa conexão: o "\uciferismo" é a repul~ ao reconhecimento de uma autoridade superior; o "satanismo" é a inversão das relações normais e da ordem hierárquica; e este é freqüentemente uma conseqüência daquele, assim como Lúcifer se converteu em Satã depois de sua queda. (10) Quase não há necessidade de assinalar que as "classes" sociais. tal como se as entende hoje no Ocidente. não têm nada em comum com as verdadeiras castas. e não são mais que uma espécie de falsificação sem valor nem alcance. ao não estarem absolutamente fundadassobre a diferença das possibilidades implícitas na natureza dos indivíduos. (11) A razão pela qual é dessa forma consiste em que a doutrina hindu é. entre as doutrinas tradicionais que subsistiram até nossos dias. a que parece derivar mais diretamente da tradição primitiva; mas este é um ponto sobre o qual não vamos insistir aqui. Capítulo IV: NATUREZA RESPECTIVA DOS BRÂHMANES E DOS KSHATRIYAS Sabedoria e força. tais são os atributos respeclivos dos Brâhmanes e dos Kshatriyas. ou, caso se prefira, da autoridade espiritual e do poder temporal; é interessante notar que, entre os antigos egípcio~. o símbolo da Esfinge. num de seus significados. reunia precisamente estes dois atributos considerados segundo suas relações normais. De fato, a cabeça humana pode ser considerada como representando a sabedoria. e o corpo de leão, a força; a cabeça é a autoridade espiritual que dirige. e o corpo é o poder temporal que atua. É. além disso. digno de assinalar que a Esfinge sempre está representada em repouso, tomando-se aqui o poder temporal no estado de "não ação" em seu princípio espiritual. no qual está contido "eminentemente", quer dizer, apenas como possibilidade de ação, ou. melhor dizendo. no princípio divino que unifica o espiritual e o temporal, estando além de sua distinção, e sendo a fonte comum da qual ambos procedem, embora o primeiro diretamente e o segundo de maneira indireta e por mediação do primeiro. Noutro lugar encontramos um símbolo verbal que. por sua constituição hieroglífica, é um exato equivalente daquele: é o nome dos Druidas, que se lê dru-vid, no qual a primeira raiz significa a força, e a !->egunda a sabedoria (1); e a reunião de ambos os atributos ne~se nome, como a dos dois elementos da Esfinge num só ser, além de 54 indicar que a realeza está implicitamente contida no sacerdócio, é sem dúvida uma lembrança da longínqua época em que os dois poderes estavam ainda unidos, em estado de indistinção primitivo, em seu princípio comum e supremo (2). Já consagramos um estudo especial a este princípio supremo dos dois poderes (3); indicávamos então como, de visível que era a princípio, fez-se invisível e se ocultou. retirando-se do "mundo exterior" na medida em que este se afastava de seu estado primitivo, o que necessariamente devia conduzir à aparente divisão de ambos os poderes. Demonstramos também como esse princípio se encontra, sob nomes e símbolos diversos, em todas as tradições, e como aparece especialmente na tradição judaico-cristã nas figuras de Melquisedeque e dos Reis Magos. Recordaremos apenas que, no Cristianismo, o reconhecimento deste princípio único subsiste sempre, ao menos teoricamente, e se afinna pela consideração das duas funções sacerdotal e real como inseparáveis na própria pessoa de Cristo. Desde certo ponto de vista, por outra parte, ambas as funções. referentes assim a seu princípio, podem ser consideradas como sendo de certo modo complementares, logo, embora a segunda, para falar a verdade, possua seu princípio imediato na primeira, há não obstante entre elas, em sua própria distinção, uma espécie de correlação. Em outras palavras, do momento em que o sacerdócio não implica, de maneira habitual, no exercício efetivo da realeza, é preciso que os representantes respectivos do sacerdócio e da realeza extraiam seu poder de uma fonte comum. que está "além das castas"; a diferença hierárquica que existe entre elas consiste em que o sacerdócio recebe seu poder diretamente desta fonte, com a qual está em contato imediato por sua própria natureza, enquanto que a realeza. em razão do caráter mais exterior e propriamente terrestre de sua função, só pode receber o seu apenas por mediação do sacerdócio. Este, de fato, desempenha verdadeiramente o papel de "mediador" entre o Céu e a Terra; e não é casual que a plenitude do sacerdócio tenha recebido, nas tradições ocidentais, o nome simbólico de "pontificado". pois, tal e como disse São Bernardo, "o Pontífice, como o indica a etimologia de seu nome, é uma espécie de ponte entre Deus e o homem" (4). Se for possível então remontar-se à origem primitiva de ambos os poderes, sacerdotal e real. é no "mundo celestial" onde é preciso buscá-lo; isto. além do mais. pode ser interpretado real e simbolicamente, simultaneamente (5); mas esta questão é [uma] daquelas cujo desenvolvimento transbordaria o limite do presente estudo e. se tivennos devotado uma breve visão de conjunto, é porque não vamos poder evitar, no que se segue, aludir às vezes a esta fonte comum dos dois poderes. Retomando o que foi o ponto de partida desta digressão, é evidente que os atributos de sabedoria e de força se referem respecti,vamente ao conhecimento e à ação; por outra pane, na lndia, ainda se diz. em conexão com o mesmo ponto de vista, que o Brâhmane é o tipo 56 dos seres estáveis, e que o Kshatriya é o tipo dos seres mutáveis (6); em outros termos, na ordem social. que além do mais está em perfeita correspondência com a ordem cósmica, o primeiro representa o elemento imutável, e o segundo o elemento móvel. Aqui ainda, a imutabilidade é a do conhecimento, que por outra pane está representado sensivelmente pela postura imóvel do homem em meditação; a mobilidade, por sua parte, é aquela que é inerente à ação, devido ao caráter transitório e momentâneo desta. Enfim, a natureza própria do Brâhmane e a do Kshatriya se distinguem fundamentalmente pelo predomínio de um guna diferente; como em outro lugar explicamos (7), a doutrina hindu considera três gunas, qualidades constitutivas dos seres em todos seus estados de manifestação: sattwa, a conformidade à pura essência do Ser universal, que se identifica com a luz inteligível ou com o conhecimento, e é representado como uma tendência a'icendente; rajas, o impulso expansivo, segundo o qual o ser se desenvolve num determinado estado e, de certo modo, num nível determinado da existência; finalmente, ramas, a obscuridão, assimilado à ignorância, e representado como uma tendência descendente. Os gunas estão em perfeito equilíbrio na indiferenciação primitiva. e toda manifestação representa uma ruptura deste equilíbrio; estes três elementos estão em todos os seres. mas em proporções diversas. que determinam as respectivas tendências de tais seres. Na natureza do Brâhmane predomina sauwa, orientando-o para os estados supra- humanos; na do Kshatriya, rajas, que tende à realização 57 das possibilidades compreendidas no estado humano (8). Ao predonúnio de sattwa corresponde o da intelectualidade; ao de rajas, o que, a falta de um tenno mais adequado, podemos chamar a sentimentalidade; e esta é outra justificação do anterionnente mencionado, que o Kshatriya não está feito para o puro conhecimento: a via que lhe convém é a via à que poderia denominar-se "devocional", se nos é permitido empregar tal tenno para significar, bastante imperfeitamente por sinal, a palavra sânscrita bhakti, ou seja, a via que toma como ponto de partida um elemento da ordem emotiva; e, embora esta via se ache também fora das formas propriamente religiosas, o papel do elemento emotivo não está em parte alguma tão desenvolvido como nestas. onde afeta com um colorido especial à expressão da doutrina toda inteira. Esta última observação permite advertir a verdadeira razão de ser destas formas religiosas: convêm particularmente às raças cujas aptidões estão, de maneira geral, dirigidas, sobretudo, à ação, quer dizer, àquelas que, consideradas coletivamente, têm nelas um predomínio de elementos "rajásicos", característicos da natureza dos Kshatriyas. Este caso é o do mundo ocidental e, por isso, como já em outro lugar assinalamos (9), diz-se na Índia que, se o Ocidente retornasse a um estado nonnal e possuísse de novo uma organização social regular, encontrar-se-iam muitos Kshatriyas, mas poucos Brâhmanes; também por isso a religião, entendida em seu sentido mais estrito, é algo
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