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DIREITO PROCESSUAL PENAL

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE DIREITO
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO – 8º PERÍODO
COMPÊNDIO DE DIREITO PROCESSUAL PENAL 
 Daniel Leão Souza
 Fernanda Rodrigues Guimarães Andrade
 Junia Castro Bernardes Rezende 
 Pedro Brandão e Souza
Belo Horizonte
Maio de 2010
1. Leiam o livro: “O queijo e os vermes”, de Carlo Ginzburg ou vejam o filme: 
“Sombras de Goya”, de Milos Forman. Após, apreciem o sistema judicial de 
apreciação da verdade e, com fundamento, na realidade da sociedade punitiva 
atual apontem sobrevivências ou persistências no processo penal brasileiro da 
atualidade.
- Pai de Inés: “ Você foi intimada pelo Santo Ofício? Você faz 
idéia do que pode ser”?
- Inés: “Não”.
 Sem saber a razão de sua intimação, Inés comparece 
então ao Santo Ofício, onde é levada a uma sala escura em que 
se encontra uma pequena mesa de madeira com três cadeiras de 
um lado e uma de outro. Após um tempo, entram três membros 
da Igreja encapuzados e vestindo longas túnicas. Os que se 
sentam nas extremidades da mesa têm uma expressão sóbria, 
imutável. Enquanto aquele que se coloca ao centro, e que será o 
único a falar durante todo o interrogatório, passa uma 
impressão de tranqüilidade, e com uma gentileza quase 
amigável se dirige à menina e lhe convida a se sentar:
- Inquisidor: “Temos apenas algumas perguntas a lhe fazer e 
esperamos que as responda com a verdade”.
- Inés: “Sim, eu o farei”.
(...)
- Inquisidor: “Serviram-lhe porco”?
- Inés: “Sim, mas eu não comi”.
- Inquisidor: “Por que não”?
- Inés: “Eu não gosto de porco”.
- Inquisidor: “Você pode jurar pela Santa Cruz que diz a 
verdade”?
- Inés: Sobre o porco”?
- Inquisidor: “Então, pode”?
- Inés: “Eu juro pelas chagas de Jesus que eu estou dizendo a 
verdade”.
- Inquisidor: “E suponho que não fará objeções a que seja-lhe 
dada a chance de provar”.
- Inés: “Não, eu ficaria grata. Como gostaria que eu provasse”.
Inés é então submetida à tortura em frente ao seu 
inquisidor e dois outros membros do clero que a observam, sem 
expressar qualquer emoção, enquanto continuam sua busca 
pela “verdade real”. A deixam nua, amarram suas mãos atrás 
de suas costas com uma corda e a puxam de modo com que 
fique içada do chão e todo o peso de seu corpo seja sustentado 
por seus braços que não podem se mover. Com perfeição 
técnica os “defensores da fé” repetem diversas vezes a técnica 
confessional, imprimindo à interrogada uma dor capaz de criar 
realidades irreais sem verter nem mesmo uma gota de sangue. 
- Inquisidor: “A senhorita disse a verdade”?
- Inés: “Sim, eu disse”!
- Inquisidor: “Temos motivo para suspeitar o contrário”.
- Inés: “Por quê”?
- Inquisidor: “Suspeitamos que tenha evitado o porco por ser 
uma judaizante”.
- Inés: “Uma o quê”?
- Inquisidor: “A senhorita é”?
- Inés: “Que é isso”?
- Inquisidor: “Pratica os ritos judaicos”?
- Inés: “Não, eu não faço isso”!
- Inquisidor: “Se tem algo a confessar, confesse agora”.
- Inés: “Mas eu ... O que quer que eu confesse”?
- Inquisidor: “A verdade”.
- Inés: “Mas eu já disse”!
Recomeçam então o processo de tortura. A dor e o 
desespero são evidentes na face de Inés, que com dificuldade se 
dirige a seu inquisidor:
- Inés: Diga-me qual é a verdade! Diga-me qual é a verdade”!1
A passagem acima citada, presente no filme “As Sombras de Goya”, demonstra 
como se dava a investigação acerca de um possível crime no Sistema Inquisitorial 
Moderno realizado pela Igreja Católica durante a Idade Média. 
A fase inquisitorial iniciou-se no final do século XII e início do século XIII com 
os Concílios de Verona e Latrão e foi finalizada apenas quando os Tribunais do Santo 
Ofício foram extintos em Portugal e na Espanha nos anos 1821 e 1834, respectivamente. 
A Inquisição começou mais branda (se é que se pode usar tal adjetivo para caracterizar 
este sistema) e se tornou mais perversa com o passar do tempo. A chamada Inquisição 
Medieval, em geral subordinada ao poder político, era itinerante e tinha como principal 
função o fortalecimento do papado. À medida que este sistema se tornava mais 
difundido, foram editadas Bulas Papais que o normatizavam, sobretudo a Bula Ad 
Extirpanda, e manuais que possibilitaram a aplicação prática do “sistema jurídico-
canônico” recém criado, sendo “Directorium Inquisitorum” (1937) e “Malleus 
Maleficarum” (1489) os mais importantes destes. “As duas principais obras das 
Inquisições (romano-germânica e espanhola) forneceram as chaves de leitura que 
instrumentalizaram procedimentos baseados em denúncias anônimas e vagas, em 
estruturas probatórias centradas na confissão e na busca da ‘verdade material’, bem 
1 Fime: “As Sombras de Goya”, Milos Forma. EUA: 2006
como na prisão processual como regra- um suspeito podia ser preso a qualquer 
momento, sem saber o que se queria dele. Nunca ficava conhecendo o nome de quem o 
acusou, nem lhe era comunicado o motivo da prisão, nem o lugar em que havia 
cometido o crime de que era acusado, nem com quem havia pecado”.2 Já na Segunda 
Fase da Inquisição, denominada Moderna, não se tinham mais as Visitações do Santo 
Ofício, que eram itinerantes, e sim os fixos Tribunais do Santo Ofício. Neste período, 
coexistiam três jurisdições penais: a central, na qual atuavam os juízes do rei, a locais, 
tendo em vista a necessidade de se impor a “justiça” nas diversas regiões do reinado, e a 
eclesiástica, responsável pelo julgamento de questões relevantes para a Igreja. A 
Inquisição, agora rigidamente sistematizada, estava sob o Poder Estatal, que em 
contrapartida a apoiava, legitimava-a e lhe dava enorme grau de autonomia para ditar 
suas próprias normas e institutos. Assim, enquanto a legitimação para o “sistema penal 
religioso” advinha do Estado, este se fortalecia com o respeito e medo imposto por 
aquele. Pode-se dizer então, que o sistema inquisitorial surgiu “no seio da Igreja 
Católica, como uma resposta defensiva contra o desenvolvimento daquilo que se 
convencionou chamar de ‘doutrinas heréticas’. Trata-se, sem dúvida, do maior engenho 
jurídico que o mundo já conheceu e conhece”.3 
A estrutura inquisitorial inicia a lógica do direito penal de periculosidade, no 
qual todos eram suspeitos e qualquer conduta podia ser um indício de crime. Neste 
contexto e seguindo as orientações do “Malleus Maleficarum”, considerado por alguns 
autores o primeiro modelo integrado de criminalística com direito penal e processual 
penal4, não existia no processo penal a presunção da inocência, o contraditório ou a 
ampla defesa; as denúncias eram públicas e podiam ser realizadas por qualquer pessoa, 
que teriam, inclusive, sigilo quanto à sua identidade, mesmo em relação ao acusado. O 
inquisidor, que poderia ser aquele que realizou a imputação, era também responsável 
pela “defesa” (em real, inexistente), pela produção de provas e era ainda, o julgador. O 
processo era sigiloso, o que contribuía para fomentar a liberdade de ação dos juízes-
inquisidores, e escrito, impossibilitando ao réu de acompanhar seu próprio julgamento. 
A insuficiência de provas não auxiliava na absolvição do suspeito, uma vez que elas 
deveriam mostrar de maneira incontroversa a sua inocência (o que era praticamente 
impossível) ou apenas confirmar a imputação realizada pelo inquisidor/juiz/defensor.
A prova suprema do sistema inquisitorial era a confissão, demonstração evidente 
da “verdade real”. E para se chegar a esta reconstrução dos fatos era permitida, e muitas 
vezes incentivada, a tortura. Os juízes deviam se valer dos meios legais (ou seja, a 
tortura em que não fosse vertido sangue) para fazer com que o acusado confessasse seu 
crime. Com o fomento de tal prática, aumentaram gradativamente as condenações por 
heresia, dada a facilidade de fazer comque um suspeito submetido às dores e angústias 
da tortura confessasse um crime cometido ou que jamais existiu. Leciona Cordero sobre 
este método de produção de prova: “o instrumento inquisitório desenvolve um teorema 
2 CARVALHO, Salo de, Revista à Desconstrução do Modelo Jurídico Inquisitorial. p. 38, e citação de 
NOVINSKY, A Inquisição, p. 58-59.
3 COUTINHO, O Papel do Novo Juiz no Processo Penal.
4 ZAFFARONI, BATISTA, SLOKAR E ALAGIA, Direito Penal Brasileiro. p. 511.
óbvio: culpado ou não, o indiciado é detentor das verdades históricas, tenha cometido 
ou não o fato; nos dois casos, o acontecido constitui um dado indelével, com as 
respectivas memórias; se ele as deixasse transparecer, todas as questões seriam 
liquidadas com certeza; basta que o inquisidor entre em sua cabeça. Os juízos tornaram-
se psicoscopia”.5 Assim, o acusado, ao invés de ser um sujeito de direito, era um mero 
objeto de investigação, que detinha a verdade material, e que deveria, a qualquer custo, 
expor os acontecimentos (muitas vezes não ocorridos) para que figurassem no papel, e 
concluíssem o processo penal, caracterizado por um excessivo formalismo gráfico e por 
uma perversa noção de justiça em nome de Deus.
No filme “As Sombras de Goya”, Inés, após ser torturada, confessa ser 
praticante de ritos judaicos, apesar de nunca tê-los praticado. É depois deixada em um 
calabouço escuro e sujo, onde ficou acorrentada junto a diversos outros acusados, que 
também haviam sido submetidos ao “interrogatório”, para esperar seu julgamento, que 
até a dissolução da Inquisição espanhola pelas ordens de Napoleão (após 15 anos de sua 
prisão) não ocorreu. Os pais de Inés, ricos comerciantes, não conseguiam notícias de 
sua filha depois de sua apresentação ao Santo Ofício. Por isso, com o intermédio do 
artista Francisco Goya, entraram em contato com um padre de importante posição 
hierárquica dentro do tribunal do Santo Ofício. Este padre, Lorenzo, informou-lhes que 
Inés deveria aguardar seu julgamento, pois havia confessado o crime pelo qual havia 
sido acusada. O irmão da menina pergunta a Lorenzo se ela havia sido torturada e ele 
responde que sim, que ela havia sido submetida ao Interrogatório. O pai então, 
revoltado, escreve um termo no qual Lorenzo afirma ser o filho de um chipanzé com um 
orangotango e pede que este o assine. Diante da negativa do padre, o pai, com a ajuda 
de seus serventes e de seus filhos, tortura-o da mesma maneira em que sua filha havia 
sido torturada e o instiga a assinar o documento que havia escrito. Após alguns minutos 
de submissão ao “Interrogatório” realizado pelo pai de Inés, Lorenzo assina o absurdo 
documento, demonstrando a deturpação do método de confissão mediante tortura.
 Diante da ameaça de que este termo se torne público, Lorenzo requer ao Bispo, 
autoridade máxima do Tribunal do Santo Ofício, que aceite a vultosa doação oferecida 
pelo pai de Inés e que permita que ela retorne à sua casa.
-Bispo: “Ela foi submetida ao Interrogatório”?
- Lorenzo: “Sim, padre, ela foi submetida ao Interrogatório”.
- Bispo: “Aceitaremos esse magnânimo presente com a mais 
humilde gratidão. Também mandaremos gravar o nome do 
doador no convento para celebrizar sua generosidade 
eternamente. Quanto à filha, rogo a Deus que lhe conceda 
Sua misericórdia mas soltá-la iria contra os princípios da 
nossa fé, pois sugeriria que a Igreja duvida do valor do 
interrogatório”.
5 CORDERO, Guida alla Procedura Penale. p. 48.
O pai de Inés, após perceber que Lorenzo seria incapaz de interceder pela 
liberação de sua filha, vai ao rei e mostra o documento assinado pelo padre, alegando a 
impossibilidade de se valorar a confissão obtida com tortura, como fazia o tribunal 
eclesiástico. O rei se diverte com a declaração de que o padre seria um macaco e diz que 
tomará as medidas cabíveis. O documento é então entregue ao Bispo, que depois de 
constatar que Lorenzo havia fugido, realiza a queima pública de uma pintura de sua 
imagem, declarando que o padre havia sido “contaminado por forças demoníacas” e 
devia ser perseguido, e não modifica em nenhuma medida o sistema inquisitorial 
vigente.
Quinze anos após esses acontecimentos, a Espanha (onde se passa todo o filme) 
é invadida pela França, agora sob o comando de Napoleão. Com base na Declaração dos 
Direitos do Homem e do Cidadão, o Tribunal do Santo Ofício é dissolvido, seus 
membros são presos e submetidos a julgamento. Lorenzo é agora promotor e será ele a 
promover a acusação, pública e oral, contra o Bispo. Utilizando-se do mesmo discurso 
de perseguição feito pela Igreja, falando, porém, em nome da dignidade humana, e não 
da supremacia de Deus, afirma o ex-padre, permanente acusador que se adéqua ao 
modelo inquisitorial:
- “Eu estou aqui para servir aos ideais da grande Revolução 
Francesa! Eles me abriram os olhos como abriram os olhos 
dos cegos do mundo inteiro porque eles são irresistíveis. Eles 
são lógicos, são justos, universais. Todos os homens nascem 
livres. Todos têm os mesmos direitos, e aqueles que se 
recusam a ver a luz da liberdade não terão misericórdia. Não 
haverá liberdade para os inimigos da liberdade! Padre 
Gregorio, não tome isto pessoalmente, no entanto, o senhor 
é a encarnação do fanatismo cego e do nepotismo. É o 
instrumento pelo qual uns poucos mantiveram muitos 
acorrentados. É o exemplo do que há de pior na Espanha, e 
por isso será julgado pelos seus feitos”.
Os seis julgadores senteciam por unanimidade o padre à penal capital. Este, 
porém, nunca sofreu os efeitos da condenação, uma vez que pouco depois a Inglaterra 
expulsou os franceses do território espanhol e restituiu à Igreja o poderio sobre a justiça 
penal eclesiástica. O Bispo assumiu então a função de acusador e julgador, e de acordo 
com a estrutura processual penal presente em certos aspectos até a atualidade, ou seja, a 
estrutura inquisitorial, condenou Lorenzo à morte.
Com o surgimento do humanismo cívico, da Ilustração e do Renascimento, o 
Sistema Inquisitorial entra em declínio. O conceito de direitos humanos se espalha para 
todos os ramos do direito, que no século XIX começa a ser estudado como ciência, ou 
seja, fruto da razão, desvinculado da Igreja e da fé. Contudo, a separação entre direito e 
moral não acabou com a lógica inquisitorial presente no sistema penal e processual 
penal do Ocidente. “O sistema inquisitório confessional foi substituído por um modelo 
laicizado de idêntica natureza autoritária, obstaculizando o desenvolvimento e 
consolidação do sistema acusatório”.6 Atualmente, a maior parte dos países 
democráticos adotam modelos processuais penais acusatórios. Entretanto, dentre estes é 
exceção possuir um sistema puramente acusatório, sem resquícios do autoritarismo 
advindo do processo inquisitório.
A. O PROCESSO PENAL BRASILEIRO NA ATUALIDADE
A maior parte da doutrina considera que o processo penal brasileiro na 
atualidade possui natureza mista, ou seja, é um sistema acusatório com traços e aspectos 
do sistema inquisitório. No entanto, há doutrinadores que não incluem o inquérito 
policial no processo e por isso alegam ser o sistema processual penal nacional somente 
acusatório, e não misto. Nesse sentido o Procurador Eugênio Pacelli de Oliveira: “No 
que se refere à fase investigativa, convém lembrar que a definição de um sistema 
processual há de limitar-se ao exame do processo, isto é, da atuação do juiz no curso do 
processo. E porque, decididamente, inquérito policial não é processo, misto não será o 
sistema processual, ao menos sob tal fundamentação”. 7 Entretanto ainda que se leve em 
consideração a exclusão do inquérito policial do processo, o que para nós seria um 
excesso de formalismo e uso de conceitos rígidos como forma de amenizar as mazelas 
presente em nosso sistema,tal classificação não procede, uma vez que também em 
relação à fase judicial estão presentes em nossa legislação, dispositivos de evidente 
caráter inquisitório, como o art. 156 do CPP, sobre o qual dissertaremos à frente. 
O Código de Processo Penal brasileiro foi editado em 1941 sob a inspiração da 
legislação processual italiana da década de 1930, período em que a Itália se encontrava 
sob o regime fascista. Por isso, não é surpreendente que o CPP brasileiro tenha um 
aspecto fortemente autoritário, principalmente em sua redação original. O princípio 
fundamental do Código era a presunção de culpalidade, o que coadunava com os 
ensinamentos de grande parte da doutrina da época, bem representada pelo italiano 
Manzini, que dizia ser ilógica a existência de uma ação penal contra quem seria 
presumidamente inocente. Pacelli de Oliveira aponta como sendo as mais relevantes 
características do originário CPP: 1) a potencial e virtual culpa do acusado, 2) a 
prevalência da segurança pública em relação à liberdade individual, 3) a alegação da 
busca da verdade real como legitimadora para práticas abusivas e autoritárias por parte 
das autoridades públicas, 4) a realização do interrogatório do réu em ritmo inquisitivo, 
sem a intervenção das partes, e exclusivamente como meio de prova, e não de defesa.8
Com o passar dos anos, a mudança do contexto histórico, os horrores vistos nas 
guerras, nos campos de concentração e nos regimes comunistas, mostraram a 
necessidade de se proteger o indivíduo acusado contra outros indivíduos e contra o 
poder Estatal. Os diversos ramos do Direito, incluindo o Direito Processual Penal, 
foram então sendo modificados para se adequar à nova concepção de justiça. Neste 
novo sistema, o processo inquisitorial se mostrava completamente inadequado e o 
6 CARVALHO, Salo de, Revista à Desconstrução do Modelo Jurídico Inquisitorial. p 1.
7 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal, 13ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. 
p. 12.
8 Idem. p. 6.
processo acusatório passou a ser incorporado pela legislação nacional. O modelo 
acusatório é caracterizado pela distinção entre os órgãos de acusação, defesa (que deve 
ser técnica) e julgamento. Além disso, nesse sistema, o processo se inicia somente com 
o oferecimento da acusação (não pelo julgador, Princípio da Inércia), e se desenvolve 
através do contraditório e da ampla defesa, sob os auspícios de um juiz natural e 
imparcial (o que não significa um juiz neutro, já que é impossível não ser influenciado 
pela realidade, costumes e contexto histórico no qual se está inserido). Dentro do 
sistema acusatório não se busca a qualquer custo a “verdade real”. A verdade judicial é 
sempre uma verdade processual e não é do réu o ônus da prova, e sim do órgão 
acusador, no Brasil, o Ministério Público. Ademais, a decisão do juiz deve ser sempre 
fundamentada, possibilitando à parte sua impugnação, caso julgue necessário. Deve-se 
mencionar ainda, que no sistema acusatório estão presentes o direito ao silêncio (art. 5º, 
LXII CF/88), que não deve ser valorado positiva ou negativamente e o direito a não 
auto-incriminação.
Na década de 1970, o CPP brasileiro passou por inúmeras alterações, e 
relevantes mudanças foram realizadas, como a flexibilização de regras restritivas do 
direito à liberdade. Foi feito, inclusive, o projeto de um novo Código de Processo Penal, 
que, entretanto, jamais foi aprovado. É em 1988, contudo, com a edição da Constituição 
da República, que o processo penal no Brasil é radicalmente alterado. A nova 
Constituição se baseia nas garantias individuais e na defesa da dignidade da pessoa 
humana. E ao contrário do CPP, que presume a culpabilidade do acusado, a 
Constituição de 1988 afirma que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em 
julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII). Em razão da hierarquia de 
normas, diversos dispositivos do Código de Processo Penal deixaram de viger por não 
terem sido recepcionados pelo Diploma Superior. Ainda assim, atualmente são 
aplicados inúmeros dispositivos de clara natureza inquisitória, que vão de encontro com 
os princípios norte do nosso sistema constitucional.
Examinemos agora alguns dos artigos do CPP de natureza inquisitória e que são 
aplicados na praxe forense: 
O art. 5º, II do citado diploma permite que o inquérito policial nos crimes de 
ação pública seja iniciado por requerimento da autoridade judiciária. Permissão esta 
contrária ao sistema acusatório, no qual o juiz, pelo princípio da inércia, só pode atuar 
após ser provocado. O juiz não deve atuar na fase do inquérito policial (“a não ser para 
praticar atos de natureza jurisdicionais que tenham por fim assegurar direitos 
fundamentais não relacionados, diretamente, com o fato em apuração”)9, por isso 
mesmo não pode possuir a prerrogativa de ordenar o seu início. Deveria o juiz ter a 
possibilidade de comunicar o possível fato criminoso ao Ministério Público, como prevê 
do art. 40 do CPP, que então requisitaria a abertura do inquérito policial se julgasse 
cabível. Também permitindo a atuação do juiz na fase do inquérito policial, tem-se o 
art. 10, parágrafo terceiro, que permite ao magistrado impor prazo para a realização de 
9 HAMILTON, Sergio Demoro, A Ortodoxia do Sistema Acusatório no Processo Penal Brasileiro: Uma 
Falácia, in HTTP://amperj.org.br/associados/dalla/artigos41.htm
diligências necessárias para elucidar o inquérito pela autoridade policial, o que se 
mostra incoerente, uma vez que, se para quem é o responsável pela investigação tais 
providências se mostram difíceis, impossível ao juiz, que ao menos teoricamente estaria 
afastado da fase inquisitiva, saber o tempo necessário para que elas sejam realizadas. E 
ainda o art.13, II, que permite que o juiz requisite diligências à autoridade policial. 
Talvez seja este o dispositivo de maior afronta ao sistema acusatório na fase do 
inquérito policial. Ao juiz não cabe investigar e ao conceder a ele a possibilidade de 
requerer diligências nessa fase, permite-se que o juiz imagine situações que podem ter 
ocorrido e então busque uma forma de prová-las. Isto significa dar ao julgador poder 
que tinha o inquisidor na Idade Média, ou seja, a busca da confirmação de um fato que 
pensa ser existente.
O art. 127 do CPP dispõe que o juiz, de ofício, pode ordenar o seqüestro de 
bens, mesmo antes de oferecida a denúncia ou a queixa. Ora, se o seqüestro se mostra 
necessário, não cabe ao juiz fazê-lo antes de iniciado a fase judicial sem o requerimento 
do ofendido ou do Ministério Público, por consubstanciar ofensa direta e explicita ao 
devido processo legal e aos demais princípios garantidores presentes na Constituição 
Federal.
De todas as previsões de natureza inquisitória presentes no CPP, as que 
permitem ao juiz a iniciativa de prova são provavelmente aquelas de demonstram maior 
contradição com o modelo processual acusatório. Diz o art. 156:
“A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, 
sendo, porém, facultado juiz de ofício:
I – ordenar, mesmo antes de iniciada ação penal, a 
produção antecipada de provas consideradas urgentes e 
relevantes, observando a necessidade, adequação e 
proporcionalidade da medida.
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de 
proferir a sentença, a realização de diligências para dirimir 
dúvidas sobre ponto relevante”. 
O inciso II do art. 156 não nos parece desarrazoado uma vez que a iniciativa 
probatória do juiz está restrita à necessidade de esclarecimento de dúvidas surgidas a 
partir das provas produzidas pelas partes no processo. Já o inciso I é de transparente 
caráter inquisitório. Mostra-se novamente presente na legislação a autorização para queo juiz busque a dita verdade real, ou seja, a verdade que pensa ser real. Como poderá o 
juiz saber qual a prova necessária? Se as provas presentes no processo não o permitem 
condenar o réu, deveria o juiz concluir pela necessária absolvição e não buscar uma 
forma de confirmar a culpa que pensa existir. Na mesma esteira, encontram-se também 
os artigos 168, 209, 234 e 242, todos do CPP. Vale lembrar a lição de Hamilton: 
“Nunca o juiz, ainda que supletivamente, poderá intervir para buscar prova que 
incumbia ao querelante produzir. Nos casos de exclusividade da ação privada, a atuação 
do juiz só se dará em favor do querelado, quando este, não importa a razão, deixe de 
produzir prova que eventualmente, possa beneficiá-lo. Justifica-se tal atuar em razão do 
princípio do favor libertatis”10. O requerimento de provas de ofício em favor do réu não 
está em desacordo com o modelo acusatório e justifica-se pela desigualdade de partes 
existente no processo penal. Diferentemente do que o ocorre no processo civil, no 
processo penal a relação é desigual tendo em vista que de um pólo da relação tem-se o 
acusado e do outro o Estado, e não um outro indivíduo.11
Na legislação esparsa também estão presentes diversas previsões contrárias ao 
sistema acusatório. A Lei do Crime Organizado (9034/95) e a Lei da Interceptação 
Telefônica (9296/96) permitem ao juiz, de ofício, determinar a realização de diligências 
na fase do inquérito policial. A Lei de Falências (Decreto-lei 7661/45) prevê um 
inquérito presidido pelo juiz, absurdo que nas palavras de Sergio Demoro Hamilton, é 
um “velho ranço inquisitorial, mais uma vez, a fazer tabula rasa do sistema acusatório”.
Cumpre dizer que o legislador nacional não se mostra totalmente alheio às 
anomalias presentes em nosso sistema processual e vem recentemente promovendo 
reformas para retificar algumas das falhas presentes. Merece congratulação a Lei 
11689/08 ao modificar o art. 474 do CPP permitindo ao acusado submetido ao tribunal 
do júri não comparecer aos procedimentos judiciais se considerar que assim que lhe será 
mais vantajoso. E ao estabelecer no art. 384 do CPP que somente ao Ministério Público 
cabe aditar a denúncia. Entretanto, como não raro acontece no Brasil, no mesmo 
período em que são editadas normas que fazem com que o Direito nacional caminhe 
para frente (como deveria ser o processo de acordo com sua etimologia), são também 
editadas normas que o fazem caminhar para trás. Dessa forma, vale mencionar que o 
desarrazoado art. 156 já comentado, que permite ao juiz tutelar a qualidade da 
investigação, é novidade trazida pela Lei 11690/08.
O Processo Penal brasileiro e o inquérito policial, considerando-se ou não que o 
segundo está incluído no primeiro, devem sofrer uma reforma radical com o objetivo de 
fazer com que qualquer resquício do sistema inquisitorial seja eliminado. Em nome da 
dignidade da pessoa humana, em sua concretude e não apenas como retórica, forma em 
que muitas vezes esse princípio foi utilizado no curso da história, o Direito deve 
formular e extinguir normas com o objetivo de definitivamente acabar com a supressão 
das liberdades individuais para assegurar a “segurança pública”. Deve-se exterminar 
qualquer resquício, ainda que brando, da reação diabólica existente entre o inquisidor e 
o acusado.
“Há uma coisa apenas que excita os animais mais do 
que o prazer: é a dor. Sob tortura tu vives como sob o efeito 
de ervas que produzem alucinações. Tudo o que ouviste 
contar, tudo que leste, volta à tua mente como se fosses 
transportado, não ao céu mas ao inferno. Sob tortura dizes 
não apenas o que quer o inquisidor, mas também aquilo que 
imaginas possa lhe dar prazer, porque se estabelece uma 
10 Idem. p. 14
11
relação (esta sim, realmente diabólica) entre tu e ele”. 
(Umberto Eco)
2. Leiam o inteiro teor do AI 762146 RG / PR – PARANÁ/REPERCUSSÃO GERAL 
AGRAVO DE INSTRUMENTO/Relator(a): Min. CEZAR PELUSO. Julgamento: 03/09/2009 
(disponível no site: www.stf.jus.br). Respondam: houve ofensa aos princípios do devido 
processo legal, do contraditório e do estado de inocência?
O Agravo de Instrumento 762146 que teve como relator o Ministro Cezar 
Peluso, e julgou que o recurso que versa sobre a imposição de efeitos de sentença penal 
condenatória à transação penal como de repercussão geral não é propriamente o objeto 
de analise quanto à ofensa ou não dos princípios do devido processo legal, do 
contraditório e do estado de inocência. No caso em tela é importante analisar se o 
acórdão do TJPR que tece analise quanto efeitos da sentença homologatória da 
transação penal realizada no 2º Juizado Especial Criminal de Londrina representa 
ofensa aos supracitados princípios. 
O instituto da transação penal encontra guarida constitucional no art. 98, I da 
Constituição da República, que dispõe:
“Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e 
os Estados criarão:
I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou 
togados e leigos, competentes para a conciliação, o 
julgamento e a execução de causas cíveis de menor 
complexidade e infrações penais de menor potencial 
ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, 
permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o 
julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro 
grau;” (grifo nosso)
Posteriormente foi regulado pela lei 9.099 de 1995, que em seu art. 76 
estabeleceu que:
“Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime 
de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de 
arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação 
imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser 
especificada na proposta.”
Todavia, a partir da criação deste instituto, alguns questionamentos foram 
trazidos pela doutrina, e em alguns pontos enfrentados pela jurisprudência, relacionados 
à natureza do mesmo. Teria a sentença que homologa a transação penal status 
equivalente ao da sentença condenatória e por conseqüência os efeitos relacionados a 
esta (como o previsto no art. 91 do Código Penal), ou a decisão que venha a homologá-
la teria efeitos apenas declaratórios.
O acórdão da Turma Recursal do Paraná, referente ao caso em tela, que julgou 
apelação de Luis Carlos de Almeida quanto à impossibilidade de restituição dos bens 
que constituem instrumento ou produto do crime no caso de transação penal, adotou a 
http://www.stf.jus.br/
posição de considerá-la como de natureza condenatória ainda que sumária ou imprópria 
e com os efeitos inerentes de uma sentença condenatória.
Deve-se observar então se o conferimento de tais efeitos à sentença que 
homologa a transação penal representa ofensa ou não ao principio do devido processo 
legal, da ampla defesa e do contraditório. Antes de uma analise mais aprofundado da 
questão, cumpre uma breve analise acerca dos princípios acima elencados.
I. PRINCIPIOS
i. Principio do Devido Processo Legal
Historicamente computa-se o nascimento de tal principio à Carta Magna em seu 
capitulo 39 em 1215, como reação às políticas perpetradas pelo Rei João Sem Terra na 
Inglaterra. Desde então muito se produziu e se desenvolveu em torno de tal principio.
O devido processo legal é o principio que orienta todo o arcabouço jurídico 
processual, dentro da perspectiva procedimental a clausula do devido processo legal, 
garante ao cidadão, diante do Estado que as normas existentes e legitimas sejam 
aplicadas e asseguradas pelos órgãos públicos. Alem disso, possui também aspecto 
material (doutrina desenvolvido principalmente nos E.U.A) que impede que as normas 
materialmente ilegítimas ou injustas sejam elaboradas, exercidas ou aplicadas12.. Tal principio está enunciado como clausula pétrea na Constituição em seu art. 5º , 
LIV, que dispõe:
“LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido 
processo legal;”
Como denota Manoel Gonçalves Ferreira Filho faz parte da analise de devido 
processo legal “que as normas aplicadas quanto ao objeto do litígio não sejam 
desarrazoadas e portanto implicitamente injustas”.
Importante ressaltar que com o passar dos anos tornou-se necessário esmiuçar 
aspectos mais específicos do que deve ser um processo justo. Assim, outros princípios 
ao longo dos anos foram ganhando autonomia e características mais especificas, ainda 
que se note em muitos deles grande relação de interdependência. É o caso, por exemplo, 
dos princípios da ampla defesa e do contraditório.
I.2 Principio do Contraditório
O principio do contraditório faz parte da rede garantista que advêm do devido 
processo legal e não se resume à simples participação das partes autora e ré no processo, 
mas está muito ligado à idéia de “paridade de armas” das partes dentro de um 
processo13. Deve-se observar se as partes durante o processo têm oportunidades de 
12FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. Codigo de Processo Penal e sua Interpretação 
Jurisprudencial. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2004. p. 15 
13 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen 
Juris, 2010. p. 32.
resposta com mesma intensidade e extensão. A idéia de dialética é parte indissociável 
de sua compreensão,
. Está enunciado na Constituição Federal, também no art. 5º, inciso LV: 
“V - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em 
geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a 
ela inerentes;” 
Alem disso, a própria Convenção Americana de Direitos Humanos enfatiza tal 
princípio em seu art. 8º, dispondo também sobre o principio da ampla defesa:
“Artigo 8º - Garantias judiciais
(...)
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se 
presuma sua inocência, enquanto não for legalmente 
comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem 
direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um 
tradutor ou intérprete, caso não compreenda ou não fale a 
língua do juízo ou tribunal;
b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da 
acusação formulada;
c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à 
preparação de sua defesa;
d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser 
assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, 
livremente e em particular, com seu defensor;
(...)
f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no 
Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou 
peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os 
fatos;”
A jurisprudência em diversas oportunidades teceu considerações acerca do 
principio, destacando sua importância fundamental dentro do sistema jurídico pátrio, em 
especial no direito processual penal.
“O principio do contraditório pressupõe a igualdade das 
partes e se revela na dialética da atividade probatória e das 
manifestações processuais, em relação às quais deve haver 
necessidade de informação e possibilidade de reação. O seu 
limite atinge todos os pontos de fato ou de direito que, 
durante o desenvolvimento da causa, se mostrem relevantes 
para o seu deslinde”14
Por fim, cabe observar que o principio do contraditório deve ser exercido 
de maneira plena dentro da perspectiva do sistema acusatório, podendo ser restringido 
em dadas situações de procedimentos inquisitivos15
I.3 Principio da Ampla Defesa 
O principio da ampla defesa está relacionado de maneira muito forte com o 
principio do contraditório. A alegação fica clara pela própria maneira como costumam 
ser tratados em conjunto pelo legislador, como se pode observar nos diplomas legais 
supracitados. Todavia ainda que pareça obvia a alegação, deve-se observar que não se 
tratam de princípios idênticos.
Enquanto o contraditório exige a garantia de participação, o principio da ampla 
defesa vai alem, impondo a realização efetiva dessa participação. Sendo assim, vem a 
se manifestar por meio da autodefesa, da defesa efetiva e por qualquer meio de prova 
capaz de demonstrar a inocência do acusado.16
Segundo o Superior Tribunal de Justiça:
“O principio do contraditório enseja contradizer fatos e 
alegações da acusação. O direito de defesa, por seu turno, dá 
a oportunidade de deduzir considerações, relativas à situação 
jurídica do réu”17.
Ao tratar da Ampla Defesa o Supremo Tribunal Federal coloca ainda que esta 
significa “dar ao réu todas as oportunidades e meios que a lei lhe propicia para 
defender-se”18
Feita breve analise acerca dos princípios do devido processo, do contraditório e 
da ampla defesa, volta-se para a analise do caso em tela, mais especificamente dos 
efeitos inerentes à sentença que homologa a transação penal, e de sua conformidade ou 
não com os princípios acima elencados.
B. SENTENÇA QUE HOMOLOGA A TRANSAÇÃO PENAL
II.1 Efeitos da Sentença que Homologa a Transação Penal
A discussão em torno dos efeitos da sentença que homologa a transação penal é 
uma das mais controversas dentro do Direito Processual Penal atualmente, e apresenta 
posições bem diversificadas tanto no âmbito doutrinário quanto no jurisprudencial.
14 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SAO PAULO. 1ª Câmara Criminal. Agravo 276.239-3/0-00 – Rel. 
Jarbas Mazzoni, 29.11.1999.
15 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 7ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2003. p.17
16 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen 
Juris, 2010. p. 35.
17 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 6ª Turma. RHC 3242 – Rel. Vicente Cernicchiaro, 
07.12.1993. 
18 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC – Rel. Moreira Alves – RT 688/385
Para Ada Pellegrini19 e Lucas Pimentel de Oliveira trata-se de sentença 
homologatória de transação penal com eficácia de título executivo. Para Paulo de Tarso 
Brandão, Damásio de Jesus trata-se de sentença meramente declaratória. Já Cezar 
Bitencourt afirma ser essa decisão uma sentença declaratória constitutiva20. 
O Superior Tribunal de Justiça ao analisar a questão tomou posição favorável à 
natureza condenatória de tal sentença:
“A sentença homologatória da transação penal gera 
eficácia de coisa julgada material, impedindo a instauração 
da ação penal no caso de descumprimento da pena 
alternativa aceita pelo autor do fato. Assim, tendo a sentença 
homologatória da transação penal natureza condenatória, o 
descumprimento da pena de multa aplicada pelo Juizado 
Especial Criminal deve receber o mesmo tratamento pelo 
Juizado Criminal Comum, aplicando-se o art. 51 do CP com a 
redação dada pela Lei nº 9.268/96. Após a vigência da 
referida Lei, a pena de multa passou a ser considerada tão-
somente dívida de valor, sendo revogadas as hipóteses de 
conversão em pena privativa de liberdade ou restrição de 
direitos. Logo, a pena de multa não cumprida no prazo legal 
deve ser inscrita na dívida ativa da Fazenda Pública.”21
Nesse mesmo sentido dispõe decisão do Superior Tribunal de Justiça, (inclusive 
citada no acórdão prolatado pelo TJPR, alvo de analise desta dissertação).
“A sentença homologatória da transação penal, por 
ter natureza condenatória gera a coisa julgada formal e 
material, impedindo, mesmo no caso de descumprimento do 
acordo feito pelo autor do fato a instauração de ação 
penal”.22
Ainda que exista mais de uma manifestação da jurisprudência de tribunais 
superiores apontado para a natureza condenatória de tal sentença seria pretensioso 
afirmar que a questãoencontra-se pacificada. Tal proposição pode ser demonstrada 
justamente pela ampla divergência manifestada por parte de respeitados nomes da 
doutrina pátria.
Independentemente da corrente que se adote, no caso em tela é necessário que se 
analise as conseqüências que teriam o conferimento de uma ou outra natureza. E, mais 
do que isso, se a inclusão da previsão legal do art. 91 do Código Penal dentre elas, 
ofenderia princípios do devido processo legal, ampla defesa e contraditório.
19 GRINOVER, Ada Pellegrini. Juizados Especiais Criminais. 3ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 
1999.
20 BITENCOURT, Cezar Roberto. Juizados Especiais Criminais Federais, São Paulo: Saraiva, 2003. p 
20.
21 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 194.637-SP. Rel. José de Arnaldo Fonseca, 20.04.1999.
22 SUPERIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 223.315-SP. Rel. Fernando Golçaves, 23.10.2001.
II.2 Aplicação do art. 91 do Código Penal em casos de Sentença que Homologam a 
Transação Penal
Dispõe o art. 91 do Código Penal:
“Art. 91 - São efeitos da condenação: (Redação dada 
pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado 
pelo crime; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do 
lesado ou de terceiro de boa-fé: (Redação dada pela Lei nº 
7.209, de 11.7.1984)
a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em 
coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção 
constitua fato ilícito;
b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que 
constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato 
criminoso.
Retomando a discussão do tópico anterior, dentro da perspectiva de que a 
decisão que homologa transação penal não representa sentença condenatória, fica claro 
que não incidiriam sob a mesma os efeitos previstos no art. 91, que se refere 
expressamente a efeitos da condenação.
Todavia, se partirmos da perspectiva que a coloca com natureza condenatória, é 
indispensável que seja feita uma analise mais profunda acerca da extensão dos efeitos 
dessa natureza condenatória, e quanto à aplicação ou não do art. 91 do Codigo Penal no 
rol de tais efeitos.
Deve-se observar que o instituto da transação penal representa termo consensual 
entre autor do fato e Ministério Público em que se impõem determinadas penas 
restritivas de direito ou multa. Contudo, não há espaço para discussão em tal 
procedimento acerca da culpabilidade ou não, comprovação dos fatos ocorridos, analise 
de provas, etc.
Com tal afirmação não se busca questionar, neste momento, a legitimidade do 
instituto da transação penal em si (que nos parece inclusive ser legitimo - visto que 
acolhido pela própria Constituição Federal, e por constituir um direito subjetivo do réu 
(ponto também controverso), que deve no momento de sua escolha estar assessorado 
por um advogado, dentro de um procedimento próprio estabelecido pela lei 9.099 de 
199523, que visa evitar que seja aplicada pena restritiva de liberdade em hipóteses de 
cometimento de delitos de menor potencial lesivo). 
Contudo, ao pretender estender os efeitos decorrentes da sentença homologatória 
e em ultima instancia da própria transação àqueles presentes em uma sentença 
23 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 7ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2003. p.269
http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/1980-1988/L7209.htm#art91
http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/1980-1988/L7209.htm#art91
http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/1980-1988/L7209.htm#art91
http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/1980-1988/L7209.htm#art91
http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/1980-1988/L7209.htm#art91
condenatória “ordinária”, isto é, fruto de processo regular que culmina em sentença 
prolatada pelo juiz, acaba-se por ofender princípios do contraditório, da ampla defesa e 
por conseguinte do próprio devido processo legal.
Isto porque, não há nem mesmo averiguação quanto a incidência ou não do 
crime, tornando-se abusivo impor o recolhimento do instrumento que tenha sido usado 
para o mesmo. Alem disso, o argumento mais substancial, no caso em tela, refere-se ao 
fato do art. 91 não fazer parte do acordo celebrado entre autor do fato e Ministério 
Público e posteriormente homologado pelo juiz de Direito. Fica clara a diferenciação da 
extensão destes efeitos quando se observa que a transação penal não importa na 
caracterização de reincidência nem consta de anotações criminais, registrando-se a 
aplicação da penalidade apenas com vistas a impedir que o autor do fato, no período de 
5 (cinco) anos, se veja novamente alcançado pela medida benéfica
Nesse sentido ensina Julio Fabrini Mirabete:
Por disposição expressa, a sentença homologatória da 
transação não tem os efeitos civis (art. 76, parágrafo 6º), 
como previsto para a sentença penal condenatória (art. 91, I, 
do Código Penal, art. 63 do Código de Processo Penal). Fica 
excluída, também, a possibilidade de invocação do art. 584, 
III, do Código de Processo Civil, que considera como título 
executivo judicial a sentença homologatória de transação. 
Assim, a vítima e os demais interessados deverão propor 
ação de conhecimento no juízo cível para obter a reparação 
dos danos e outros efeitos civis.
Sendo genérico o dispositivo, ao se referir a 'efeitos civis', 
também não gera a sentença homologatória da transação a 
perda dos instrumentos ou produto do crime (art. 91, 'a' e 'b', 
do Código Penal). Também se pode afirmar que, tratando-se 
de sentença condenatória imprópria, não causa a sentença 
os efeitos civis e administrativos previstos no art. 92, do 
Código Penal, eventualmente aplicáveis ao autor da infração 
de menor potencial ofensivo, mesmo porque tais efeitos não 
são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na 
sentença (art. 92, parágrafo único, do Código Penal)."24
Tal posição é corroborada pela própria jurisprudência, conforme decisão do 
Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, ao estabelecer que: 
"A sentença homologatória de transação penal não 
pode ter o efeito de condenação do artigo 91, II 'a', porque 
não cabe interpretação extensiva contra o réu. Ademais, a 
sentença não pode ir além do que foi acordado pelas partes. 
(impedir a restituição de arma apreendida)"
C. CONCLUSÃO
Independentemente da natureza que se coloque para a sentença que homologa a 
transação penal, a negativa de restituição de bens apreendidos no caso de transação 
penal constitui ofensa aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do 
contraditório. 
24 MIRABETTE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 4a. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 75.
Para tanto, basta analise aprofundada dos princípios acima enunciados. Diante 
de tal situação não se estabelece a possibilidade de ampla defesa, nem de contraditório 
pelo autor do fato, uma vez que com a transação opera-se extinção da punibilidade, e 
não há espaço para discussão acerca da culpabilidade ou não do autor. Alem disso, 
ofende-se o devido processo legal em sentido amplo por não haver previsão especifica 
quanto a tal efeito condenatório, que não consta inclusive no próprio termo estabelecido 
entre autor e Ministério Público.
3. . Apreciem os problemas relativos ao moderno garantismo e à mitigação das 
garantias individuais processuais – os casos de quebra de sigilo de dados na 
internet, em bibliotecas etc. na persecução ao terrorismo e à lavagem de capitais.
“… e tratar de compreender que o imenso organismo 
era inatacável…Se alguém, no lugar em que lhe cabia 
estar, mudava algo por sua conta, teria tão-somente 
removido o chão sob os seus próprios pés e se 
desnucaria, enquanto o grandioso organismo facilmente 
poderia se ressarcir em outra parte – posto que tudo 
estava relacionado – da ferida sofrida em algum ponto”.
(Franz Kafka, O Processo).O garantismo consiste no conjunto de direitos e garantias de cunho processual 
que resguardam o indivíduo contra as arbitrariedades, excessos e abusos do jus puniendi 
estatal. No magistério de Aury Celso Lima Lopes Junior, 
O processo, como instrumento para a realização do Direito 
Penal, deve realizar sua dupla função: de um lado, tornar 
viável a aplicação da pena, e de outro, servir como efetivo 
instrumento de garantia dos direitos e liberdades 
individuais, assegurando os indivíduos contra os atos 
abusivos do Estado. Nesse sentido, o processo penal deve 
servir como instrumento de limitação da atividade estatal, 
estruturando-se de modo a garantir a plena efetividade aos 
direitos individuais constitucionalmente previstos, como a 
presunção de inocência, contraditório, defesa, etc.
O objeto primordial da tutela não será somente a 
salvaguarda dos interesses da coletividade, mas também a 
tutela da liberdade processual do imputado, o respeito a sua 
dignidade como pessoa, como efetiva parte do processo.25 
O autor identifica cinco princípios básicos sobre os quais se assenta o 
garantismo: (i) jurisdicionalidade – a aplicação da pena tem como pressuposto o 
processo penal, realizado por juiz natural que satisfaça os requisitos de independência e 
25 LOPES JUNIOR, Aury Celso Lima Lopes. A Instrumentalidade Garantista do Processo Penal. 
Disponível em: http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/journals/2/articles/17011/public/17011-
17012-1-PB.htm. Acesso em: 27 de abril de 2010. 
imparcialidade; (ii) inderrogabilidade do juízo; (iii) separação das atividades de julgar e 
acusar; (iv) presunção de inocência; (v) contraditório e ampla defesa.26 
Atualmente, assiste-se a verdadeiro atentado ao garantismo. Esta tendência, que 
se assemelha à reprodução, na realidade fática, de todas as violações retratadas por 
Kafka, no clássico da literatura ocidental O Processo, verifica-se de forma 
particularmente clara na persecução ao terrorismo e à lavagem de capitais. Passa-se, 
agora, a análise pormenorizada de cada uma destas situações.
No tocante às estratégias de repreensão ao terrorismo, concentrar-se-á em três 
vertentes, quais sejam: (i) a adoção do Ato Patriótico pelo governo norte-americano; (ii) 
a flexibilização da proibição da tortura e de outras modalidades de maus-tratos; (iii) e, o 
desrespeito ao devido processo legal pelo Ato das Comissões Militares (Military 
Commission Act) de 2006 e pela prática de blacklisting no Conselho de Segurança. 
Ressalve-se que outros aspectos são igualmente dignos de atenção. Porém, devido às 
limitações da presente proposta pedagógica, decidimos nos ater à questão de forma 
abrangente, apresentando apenas os seus contornos principais. Para tanto, as aludidas 
vertentes mostram-se suficientes. Importa observar, outrossim, que tomamos os Estados 
Unidos como referência, por ter este país se apresentado como o baluarte da luta 
internacional contra o terrorismo. 
Quanto ao crime de lavagem de capitais, realizar-se-á análise dos dispositivos da 
Lei 9.613/98, à luz dos direitos e garantias fundamentais consagradas pela Constituição 
da República Federativa do Brasil (CF). 
D. O GARANTISMO PROCESSUAL NA PERSECUÇÃO AO 
TERRORISMO
ii. O Ato Patriótico
O Ato Patriótico, submetido ao Senado dos Estados Unidos em 24 de outubro de 
2001, objetiva, como esclarece a sua ementa, “deter e punir atos terroristas nos Estados 
Unidos e em todo o mundo, expandir mecanismos investigativos para o cumprimento da 
lei, entre outros propósitos”.27 Para tanto, estabelece uma série de medidas excepcionais, 
que, provavelmente não seriam admitidas em outras circunstâncias, por contrariarem o 
espírito democrático de que tanto se orgulha a sociedade norte-americana. Sem 
26 Ibidem.
27 H. R. 3162. Disponível em: http://frwebgate.access.gpo.gov/cgi-bin/getdoc.cgi?
dbname=107_cong_bills&docid=f:h3162enr.txt.pdf. Acesso em: 26 de abril de 2010 (tradução livre). 
pretender realizar estudo pormenorizado das referidas medidas, os títulos do Ato 
Patriótico são esclarecedores quanto aos seus contornos: título I – expandindo a 
segurança doméstica contra o terrorismo; título II – procedimentos de vigilância 
ampliada; título V – removendo obstáculos à investigação do terrorismo; título VIII – 
fortalecendo as leis penais contra o terrorismo; título IX – inteligência melhorada. 
Igualmente reveladores são os títulos de alguns dispositivos elencados pelo diploma em 
tela, dos quais destacam-se: seção 105 – expansão da Iniciativa da Força Tarefa 
Nacional contra Crimes Eletrônicos; seção 201 – autoridade para interceptar 
comunicações telegráficas, orais e eletrônicas relativas ao terrorismo; seção 202 – 
autoridade para interceptar comunicações telegráficas, orais e eletrônicas relativas a 
fraude informática e ofensas abusivas; seção 209 – apreensão de mensagens de voz 
conforme mandado; seção 217 – interceptação de comunicações de transgressores de 
informática. Tais determinações foram recentemente acompanhadas da exigência de que 
os servidores de internet forneçam todos os registros de IP e que as bibliotecas 
disponibilizem o histórico das obras consultadas por seus usuários.
Destarte, sob a justificativa de perseguir, de forma mais eficiente, a consecução 
de seus objetivos e, notadamente, do combate ao terrorismo, o Ato Patriótico elimina, 
como obstáculos indesejáveis, direitos e garantias fundamentais de ordem 
constitucional, como a intimidade, a privacidade e a liberdade de expressão. 
Esclareça-se que não se está aqui a sustentar que tais direitos devem ser 
compreendidos em termos absolutos. Ao contrário, admitem exceções, quando 
sopesados com outros direitos e princípios fundamentais, no caso concreto. O que 
suscita estranhamento e preocupação no Ato Patriótico é o fato de que, apropriando-se 
de discurso embasado na segurança nacional e na defesa do interesse público e bem-
estar coletivo, justifica genérica e abstratamente restrições ilegítimas a direitos de todos 
os cidadãos norte-americanos, mesmo daqueles que nunca estiveram envolvidos em 
práticas terroristas.
Além de maléfica em si mesma, a flexibilização em abstrato de direitos e 
garantias fundamentais se encontra na origem de problemas mais amplos e graves. Isso 
porque pode ser utilizada para legitimar violações a outros direitos, contrariamente ao 
que determina o princípio da proibição do retrocesso, para o qual os direitos 
historicamente conquistados se incorporam automaticamente ao patrimônio jurídico de 
seus titulares, não podendo ser alvo de quaisquer medidas tendentes a anulá-los, revogá-
los ou aniquilá-los. A título de ilustração, a quebra de sigilo de dados na Internet, 
efetuada para investigar e reprimir atos terroristas, pode passar a ser aceita em outros 
contextos, e antes que se perceba a proteção à intimidade e à privacidade é 
definitivamente banida do cyber espaço. Da mesma maneira, o acesso das autoridades 
competentes a livros locados em bibliotecas públicas, inicialmente um elemento da 
política anti-terrorismo, pode ser logo generalizado. Rapidamente, até mesmo os livros 
didáticos utilizados por crianças para pesquisas escolares, e as obras literárias pegas por 
senhoras aposentadas para entreter suas horas vagas, poderão ser registrados nas bases 
de dados do governo. A partir daí, já não é tão difícil resignar-se a interceptações 
telefônicas, quebra de sigilo bancário, instalação de câmaras de vigilância em espaços 
públicos – enfim, à recriação do programa Big Brother no âmbito da sociedade. 
Ressalte-se que estes novos mecanismos de controle podemser explorados pelos 
órgãos que compõem o aparato punitivo estatal para obterem provas de condutas 
criminosas e enrobustecerem a acusação e as penas aplicadas. Trata-se de releitura de 
todo o sistema processual penal, desenvolvido em torno da pessoa do acusado e 
assentado em princípios como a não auto-incriminação e a vedação a utilização de 
provas produzidas por meios condenados pela moral, a ordem pública, os bons 
costumes e as normas jurídicas. 
Aliás, a proibição de provas ilícitas já tem sido flexibilizada nos Estados Unidos 
e na Alemanha. A Suprema Corte dos EUA – defensora da doutrina dos “frutos da 
árvore envenenada” (fruits of the poisonous tree), que veda as provas ilícitas por 
derivação – passou a admitir as provas que, apesar de ilícitas, poderiam ser obtidas no 
curso das investigações regulares. Já a Corte Constitucional da Alemanha adota a teoria 
da proporcionalidade, segundo a qual as provas ilícitas podem ser aceitas, desde que 
haja interesse público a esse respeito. 
O pior é que os cidadãos muitas vezes não se encontram em condições de se 
oporem a este movimento. Sensibilizados pelo discurso oficial, atemorizados com o 
terrorismo e outras ameaças, aceitam e apóiam todas as iniciativas aptas a fazer frente a 
elas. O que lhes importa é que os “bandidos” sejam detidos e que as suas vidas e de suas 
famílias sejam resguardadas, ainda que, para isso, a dignidade da pessoa humana tenha 
que ser desrespeitada. 
Para concluir, pode-se questionar a compatibilidade entre o Ato Patriótico e o 
devido processo legal. Este, em sua dimensão material ou substantiva, orienta a 
produção normativa, a fim de assegurar a observância de direitos fundamentais, como o 
trinômio vida-liberdade-propriedade, privacidade, intimidade, personalidade e família.28 
Como se propõe a sacrificar estes direitos e garantias, em nome de um suposto interesse 
maior de segurança nacional, o Ato Patriótico contraria o devido processo legal. 
Deve-se atentar para que a lógica do Ato Patriótico não se reproduza no Brasil, 
onde já se observa maior rigor na repreensão ao terrorismo. A título de exemplo, 
observe-se que o artigo 5º, inciso XLIII da CF o define como crime inafiançável e 
insuscetível de graça ou anistia, assim como o faz o artigo 2º da Lei 8.072/90. O artigo 
83, inciso V, do Código Penal, por sua vez, impõe requisitos mais severos para a 
concessão do livramento condicional àquele que o haja perpetrado. Já a Lei 
Complementar 105/2001, em seu artigo 1º, § 4º, admite expressamente a quebra de 
sigilo bancário no tocante aos crimes de terrorismo. Todavia, antes que sequer se cogite 
de aplicar estes artigos e de punir o terrorismo como crime, no Brasil, é necessário 
tipificá-lo, conforme todos os requisitos do princípio da legalidade – v.g. clareza e 
precisão. De fato, os diplomas nacionais e tratados internacionais ratificados pelo país 
que tratam do assunto são insuficientes para que se possa falar em tipo de terrorismo em 
nosso ordenamento jurídico.
I.2 A Flexibilização da Proibição da Tortura e de Outras Modalidades de 
Maus-Tratos
Antes de adentrar o mérito da questão, convém distinguir entre as diversas 
espécies que compõem o gênero maus-tratos, ou seja: tortura, tratamento desumano 
(também denominado cruel) e tratamento degradante. De acordo com a jurisprudência 
das Cortes Européia e Interamericana de Direitos Humanos, não se pode definir a priori 
quais atos pertenceriam a cada uma destas categorias. Tal somente poderia ser feito 
casuisticamente, a partir de uma análise das circunstâncias específicas de cada caso 
concreto, com destaque a: “duração do tratamento, os seus efeitos físicos ou mentais e, 
em alguns casos, o sexo, idade e estado de saúde da vítima”.29 A conduta vexatória 
seria, então, classificada conforme a intensidade do sofrimento infligido e o fim 
almejado.30 A tortura seria a forma mais grave de maus-tratos, praticado com o intuito, 
28 STONE, Geoffrey R.; SEIDMAN, Louis M.; SUNSTEIN, Cass R.; TUSHNET, Mark V. 
Constitutional Law, 4th ed. New York: Aspen, 2001, pp. 710, 810
29 Corte Européia de Direitos Humanos, Case of Ireland v. the United Kingdom., [1978] ECHR 1, 
1978, para.162 (tradução livre).
30 Corte Européia de Direitos Humanos, Aksoy v. Turkey., [1996] ECHR 68, 1996, paras.63-64; Corte 
Européia de Direitos Humanos, Case of Aydin v. Turkey., [1997] ECHR 75, para.82; Comissão 
Interamericana de Direitos Humanos. Relatório sobre Terrorismo e Direitos Humanos, 22 out. 2002. 
OEA/Ser.L/V/II.116 Doc. 5 rev. 1 corr., para.158; Caso Luis Lizardo Cabrera. Comissão Interamericana 
de Direitos Humanos, Caso 10.832, 1997, para. 80; Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso 
inter alia, de obter informação ou confissão da vítima ou de terceiro, castigar, intimidar, 
coagir ou discriminar. Já o tratamento degradante, considerado o menos grave entre as 
três modalidades de maus-tratos, poderia ser definido como aquele que humilha o 
indivíduo “de maneira grave diante de terceiros ou o leva a atuar contra a sua vontade 
ou consciência”.31 Finalmente, o tratamento desumano, de nível intermediário, é “aquele 
que deliberadamente causa sofrimento físico e particularmente grave, que, dado a 
situação particular, é injustificado”.32
Observa-se, contudo, no Direito Internacional, tendência a expandir o conceito 
de tortura, de modo que este abarque atos antes definidos como tratamento desumano 
ou degradante. Nesse sentido, de acordo com a Corte Européia de Direitos Humanos: 
levando em consideração que a Convenção [a Convenção Européia de 
Direitos Humanos] é ‘um instrumento vivo que deve ser interpretado à luz 
das condições hodiernas’ (...), a Corte considera que certos atos que eram 
classificados no passado como ‘tratamento desumano ou degradante’ em 
oposição à tortura poderiam ser classificados de forma diferente no futuro. 
Ela adere à visão de que os altos e crescentes padrões requeridos na área de 
proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais, de acordo e 
inevitavelmente, requerem maior firmeza na determinação da violação de 
valores fundamentais às sociedades democráticas.33
Na contramão do movimento internacional, o governo norte-americano defende 
uma definição restritíssima de tortura, que compreenderia apenas as condutas mais 
extremas e egrégias, responsáveis por dor física equiparável à falha de órgãos e funções 
corporais e à morte. É o que se depreende do Memorandum enviado pelo Advogado-
Geral Adjunto, Jay Bybee ao Conselheiro da Casa Branca Alberto R. Gonzales34:
para um ato constituir tortura (...) ele deve infligir dor que é difícil de 
suportar. Dor física correspondente à tortura deve ser equivalente em 
intensidade à dor acompanhando sérias lesões físicas, como falha dos órgãos, 
prejuízos a funções corporais ou até mesmo a morte. Para sofrimento ou dor 
puramente mental corresponder à tortura (...), deve resultar em significativo 
Loayza Tamayo. Serie C No. 33, 2000, para.57; Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso 
Ximenes Lopes v. Brasil. Serie C No. 149, 2006, para.127. 
31 Greek Case. Anuário da Convenção Européia de Direitos Humanos, No. 12, 1969, p.186 (tradução 
livre).
32 Idem (tradução livre). 
33 Corte Européia de Direitos Humanos,Case of Selmouni v. France. [1999] ECHR 66, 1999, para.101 
(tradução livre).
34 Ressalte-se que, devido à repercussão negativa que ocasionou junto ao público, o Memorandum de Jay 
Bybee foi substituído por Memorandum formulado pelo então Advogado-Geral Adjunto Daniel Levin ao 
Vice Advogado-Geral James B. Comey. Porém, apesar de criticar a concepção restritiva de tortura de seu 
antecessor, Levin não se afastou damesma. Com efeito, ilustra, como práticas passíveis de serem 
consideradas tortura “espancamentos severos na genitália, cabeça e outras partes do corpo, com canos de 
mental, nós de latão, bastões, tacos de baseball e vários outros itens; remoção de dentes com alicates; 
chutes no rosto e costelas; fratura de ossos e costelas e deslocamento de dedos” (Office of the Assitant 
Attorney General. Memorandum for James B. Comey Deputy Attorney General: Legal Standards 
Applicable under 18 U.S.C 2340-2340A, 2004, p. 10 (tradução livre). 
dano psicológico de longa duração, e.g. durando por meses ou até mesmo 
anos (grifos nossos)”.35
A adoção, por Bybee, do aludido marco teórico não se deu de forma isolada. Ao 
contrário, foi acompanhada por manifestações de outras autoridades. A título de 
exemplo, o então Vice Advogado-Geral Adjunto, Mark Richard – em discurso perante o 
Senado por ocasião da deliberação sobre a adoção da Convenção da ONU contra a 
Tortura – esclareceu que “a tortura é compreendida como sendo aquela crueldade 
bárbara que se encontra no topo da pirâmide de condutas vexatórias envolvendo os 
direitos humanos”. Similarmente, o Comitê de Relações Exteriores do Senado sustentou 
que “para um ato ser tortura, deve ser uma forma extrema de tratamento cruel e 
desumano, causando dor severa e intencionada a causar dor e sofrimento severos”.36 
A veiculação de uma definição restritiva de tortura associa-se ao argumento de 
que – ao contrário do que determinam os tratados,37 a doutrina38 e a jurisprudência 
internacionais39 - o tratamento desumano ou degradante não caracterizaria violação do 
ordenamento jurídico norte-americano. Com efeito, a lei que internaliza a Convenção da 
ONU contra a Tortura se limita a criminalizar a tortura, não estendendo qualquer punição ao 
tratamento desumano ou degradante. Estas duas espécies de maus-tratos abarcariam 
somente “atos que não devem ser cometidos e os quais os Estados devem se esforçar para 
prevenir, mas que os Estados não precisam criminalizar, deixando-os sem o estigma das 
penalidades criminais”.40 Ainda que assim não fosse, argumentava-se também que, por 
força de reserva feita pelo Senado à Convenção da ONU contra a Tortura, não haveria, 
sob o artigo 16, qualquer proibição a respeito do uso de tratamento cruel, desumano ou 
degradante contra estrangeiros além-mar (inclusive na Baía de Guantánamo que, para 
esses efeitos, não era considerada como parte do território norte-americano).41 
35 Office of the Assistant Attorney-General. Memorandum for Alberto R. Gonzales, Counsel for the 
President: Standards of Conduct for Interrogation under 18 U.S.C. 2340-2340A, 2002, p.1.
36 Memorandum Daniel Levin, op.cit., p. 7 (tradução livre). 
37 Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. Nova York, 16 Dez. 1966, em vigor 23 Mar. 1976. 
999 U.N.T.S. 171, art.7; Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais 
(Convenção Européia sobre Direitos Humanos). Roma, 4 nov. 1950, art.3; Convenção Americana sobre 
Direitos Humanos. San José da Costa Rica, 22 nov. 1969, em vigor 18 jul. 1978, UNTS 17955, art.5(2):
38 QUIROGA, Cecília Medina. La Convención Americana: Vida, Integridad Personal, Libertad 
Personal, Debido Proceso y Recurso Judicial. San José: Centro de Derechos Humanos, Facultad de 
Derecho, Universidad de Chile, 2005, p. 153. 
39 A jurisprudência entende mesmo que a proibição de todas as formas de maus-tratos atingiu o status de 
norma imperativa de Direito Internacional (jus cogens): C.f. Ximenes Lopes, op.cit., para. 126; Caso 
Cantoral Benavides. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Serie C No. 69, 2000, para. 95. 
40 Memorandum Jay Bibee, op.cit., p. 15
41 Responses to Senator Richard J. Durbin’s Written Questions for Timothy Flanigan, Nominee to be 
Deputy Attorney General. Disponível em http://balkin.blogspot.com/flanigan.durbin.pdf, acesso em: 26 
de abril de 2010, p.1.
Apoiando simultaneamente uma concepção restritiva de tortura e a não 
criminalização de outras condutas vexatórias, o governo norte-americano pretendia 
excluir o maior número possível de situações do espectro de condutas legalmente 
proibidas e, portanto, viabilizar práticas que do contrário seriam condenadas. 
Nesse sentido, à época em que era Secretário de Defesa, Donald Rumsfeld 
elaborou relatório sobre as técnicas de interrogatório oficialmente autorizadas para uso 
contra os “combatentes ilegais” (unlawful combatants) detidos em Guantánamo. Dentre 
elas, incluem-se: o aumento moderado ou significativo do medo do inquirido; a sua 
humilhação; a manipulação de seu regime alimentar e de sono, apta a ocasionar 
transtornos biológicos e fisiológicos; o seu isolamento de outros detentos.42 
Ademais, até mesmo os atos passíveis de serem definidos como tortura não 
seriam peremptoriamente vedados: eles poderiam ser realizados se visassem a fim mais 
nobre do que a mera integridade física da vítima. Trata-se de revisita ao velho aforismo 
maquiavélico de que os “fins justificam os meios”. Particularmente ilustrativo dessa 
perspectiva é o paradigmático caso da ticking bomb. Imagine-se a seguinte situação: o 
FBI prendeu suspeito de terrorismo em Nova York, que lhes informa ter instalado 
bombas em pontos estratégicos da cidade. Ele já as tinha ativado e em algumas horas, 
toda a cidade seria destruída e milhares de pessoas morreriam. Apesar de saber como 
desativá-las, ele se recusa a contar a seus captores. Poderiam eles torturá-lo, a fim de 
extrair a informação vital que impediria o desastre?
Nesta hipótese excepcional, na qual o problema é colocado em termos simples, 
como a escolha entre a integridade corporal de um indivíduo e a preservação da vida de 
milhares de pessoas, não seria difícil angariar apoio generalizado à utilização da tortura. 
Porém, a realidade fática nunca se apresenta com tamanha obviedade. A maioria das 
situações envolve fatores e variáveis que não são contempladas no paradigma da ticking 
bomb: o prisioneiro pode nada saber sobre as bombas ou como desativá-las; as próprias 
bombas podem ser um mero rumor; a confissão extraída pode ser falsa ou não ser obtida 
a tempo de salvar os indivíduos ameaçados. Além disso, é mais provável que os valores 
em confronto não sejam tão díspares quanto àqueles apresentados hipoteticamente, e, 
então, torna-se ainda mais complicado determinar quem teria a autoridade para decidir 
que a integridade física de alguém é menos digna de proteção do que outro direito. 
42 Department of Defense of the United States of America – the Secretary of Defense. Memorandum for 
the Commander, US Southern Command. Subject: Counter-Resistance Techniques in the War on 
Terrorism. April 16 2003. Disponível em 
http://www.humanrightsfirst.com/us_law/etn/gonzales/memos_dir/mem_20030416_Rum_IntTec.pdf. 
Acesso em: 26 de abril de 2010. 
http://www.humanrightsfirst.com/us_law/etn/gonzales/memos_dir/mem_20030416_Rum_IntTec.pdf
O dilema da ticking bomb é manipulado com o objetivo de priorizar a 
perspectiva do torturador em detrimento daquela do torturado e de apresentar a tortura 
como ato heróico e não como uma conduta vexatória e degradante. Novamente coloca-
se o risco, já discutido na sessão anterior, de que uma pequena abertura na norma, 
permitida para um caso específico e excepcional, transforme-se em um rombo, 
representado pela flexibilização generalizada da norma a uma infinidade de outras 
circunstâncias.
Atenta a isso, a Suprema Corte de Israel, no caso Public Committee Against 
Torture v. Israel enfatizou que o emprego da tortura em estado de necessidade não 
implica em autorização indiscriminada para o seu uso no futuro: 
a defesa de ‘necessidade” não constitui uma fonte de 
autoridadeautorizando os investigadores do GSS [General 
Security Service – Serviço Geral de Segurança, em sua sigla 
em inglês] a fazerem uso de meios físicos durante o curso 
das interrogações (...). A defesa de ‘necessidade’ tem o 
efeito de permitir aquele que age sob circunstâncias de 
‘necessidade’ a escapar de condenação criminal (...). Ela não 
autoriza o uso de meios físicos para o propósito de permitir 
que investigadores executem os seus deveres em 
circunstâncias de necessidade. O próprio fato de que um ato 
em particular não constitui um ato criminoso (devido à 
defesa da ‘necessidade’) não autoriza, em si, a administração 
a conduzir este fato e, em fazendo isso, infringir os direitos 
humanos. A Regra do Direito requer que uma infração de um 
direito humano seja prescrita por um estatuto, autorizando a 
administração neste sentido. A suspensão da 
responsabilidade criminal não implica autorização para 
infringir um direito humano.43 
Deve-se estar atento, portanto, para que o terrorismo não seja utilizado para 
legitimar a violação de uma das principais garantias individuais contra o poder de 
investigação e punição do Estado. Foi à custa de muita luta e esforço que a tortura foi 
banida do processo penal e “pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, este 
importante consenso da comunidade internacional parece ter sido posto sob 
questionamento”.44 Aderir a este entendimento é abrir as portas para um dos maiores 
retrocessos da história da humanidade e do garantismo processual penal. 
I.3. O Ato das Comissões Militares e a Prática de Blacklisting no Conselho de 
Segurança
43 ISRAEL. Corte Suprema de Israel. Public Committee Against Torture in Israel v. The State of Israel 
and The General Security Service. HCJ 5100/94, 1999, p. 34. 
44 Statement of the Special Rapporteur on Torture, Manfred Nowak to the 61st Session of the UN 
Commission on Human Rights apud FOOT, Rosemary. Torture: The Struggle over a Peremptory Norm 
in a Counter-Terrorist Era. Thousand Oaks, London, 2006.
Analisadas as ofensas aos direitos à liberdade de expressão, à intimidade, à 
privacidade e à integridade física, deve-se examinar como as estratégias de repressão ao 
terrorismo violam os direitos e garantias de índole propriamente processual. Para tanto, 
cumpre chamar atenção para os dispositivos mais relevantes do Ato das Comissões 
Militares de 2006 (Military Commissions Act).
Primeiramente, por serem estabelecidas ex post facto por ato do executivo,45 para 
julgarem condutas específicas (violação das leis da guerra e outras ofensas passíveis de 
serem julgadas por comissões militares46) perpetradas por um grupo determinado de 
pessoas (estrangeiros definidos como combatentes inimigos envolvidos em hostilidades 
contra os Estados Unidos47), em 11 de setembro de 2001, ou depois desta data,48 
concluí-se que constituem tribunais de exceção e, por isso, violam o princípio do juiz 
natural. Este é corolário do Estado Democrático de Direito e do devido processo legal e 
determina que é competente o juiz constitucionalmente pré-constituído para a causa, por 
critérios abstratos previstos em lei. Ele também exige que o juiz seja imparcial e que 
não tenha qualquer interesse na resolução da lide. 
Em segundo lugar, nos processos perante as comissões militares, observa-se 
desrespeito à proibição da apresentação de provas obtidas ilicitamente, sendo admitidas, 
em algumas circunstâncias, até mesmo provas produzidas por meio da coerção. Nesse 
sentido, o § 948r determina que os depoimentos anteriores ao estabelecimento do Ato 
de 2005 sobre o Tratamento de Detentos, em relação aos quais se questiona o nível de 
coerção utilizado, poderão ser admitidos se o juiz militar considerar que “a totalidade 
das circunstâncias torna o depoimento confiável e portador de valor probatório 
suficiente” e “se os interesses da justiça seriam melhor atendidos pela admissão do 
depoimento como evidência”. Quanto aos depoimentos de mesmas características que 
sejam posteriores ao aludido diploma normativo, eles serão aceitos se satisfeitos aqueles 
dois requisitos e se “os métodos de interrogatórios utilizados para obter o depoimento 
não constituem tratamento cruel, desumano ou degradante proibido pela seção 1003 do 
Ato de 2005 relativo ao Tratamento de Detentos”. Contrario sensu, a interpretação 
gramatical do dispositivo sugere que os depoimentos anteriores a este ato seriam 
acolhidos mesmo se houvessem decorrido da prática de maus-tratos.
45 Military Commissions Act of 2006, Public Law 109–366—OCT. 17, 2006. Disponível em: 
http://frwebgate.access.gpo.gov/cgi-bin/getdoc.cgi?
dbname=109_cong_public_laws&docid=f:publ366.109.pdf. Acesso em: 26 de abril de 2010, § 948h. 
46 Ibidem, § 948b (a).
47 Idem. 
48 Ibidem, § 948d (a). 
Há, também, a autorização de que, ao elaborar as regras sobre evidência 
aplicáveis as comissões militares, o Secretário de Defesa preveja o seguinte: “a 
evidência será admissível se o juiz militar determinar que ela teria valor probatório a 
uma pessoa razoável”; “a evidência não será excluída do julgamento pela comissão 
militar sob o fundamento de que a evidência não foi apreendida conforme mandado de 
busca ou outra autorização”; “um depoimento do acusado que é de outra forma 
admissível não será excluída do julgamento por comissão militar sob o fundamento de 
suposta coerção ou auto-incriminação compulsória desde que a evidência cumpra os 
requisitos da seção 948r”; “a evidência será admitida como autêntica, desde que – (i) o 
juiz militar da comissão militar determine que há base suficiente para considerar que a 
evidência é o que considera ser; e o juiz militar instruir os membros a considerarem 
quaisquer questões de autenticação ou identificação da evidência na determinação do 
peso, se algum, a ser dado a ela”.49 
Dos dispositivos supracitados, depreende-se que, nas comissões militares, é 
acolhida evidência que seria rejeitada como ilícita no trâmite processual regular, além 
de haver clara violação do princípio da não auto-incriminação, para o qual ninguém 
deve ser obrigado a produzir prova contra si mesmo. Outra característica digna de ser 
mencionada é a confusão entre os papéis de acusador e julgador, que afeta a 
imparcialidade do mesmo e remete ao sistema inquisitorial. Com efeito, ao juiz são 
conferidos poderes significativos no tocante à determinação das provas que serão ou 
não apreciadas.
Os artigos do Ato das Comissões Militares também impõem inúmeras restrições 
aos direitos à ampla defesa e ao contraditório. Particularmente importantes a este 
respeito são as seguintes regras: (i) o acusado deve ser representado por um defensor 
militar; se optar por um defensor civil, este deve satisfazer todos os requisitos 
enumerados no § 949c (b) (3), inclusive ter sido considerado apto ao acesso a 
informação confidencial classificada no nível Secreto ou mais elevado; (ii) o juiz é 
autorizado a excluir o acusado de determinados procedimentos, nos termos do § 949d 
(3) (e), se considerar que tal é necessário para garantir a segurança física de indivíduos 
ou prevenir que o acusado perturbe o trâmite processual; (iii) para proteger informações 
definidas como confidenciais pelo chefe de departamento executivo ou militar ou 
agência governamental, o juiz pode permitir: a supressão ou substituição de tais 
informações de documentos submetidos ao acusado ou apresentados como evidência 
49 Ibidem, § 949a (b) (A)-(D). 
perante a comissão militar; a substituição de um relato de fatos relevantes que a 
informação confidencial se destinaria a provar; (iv) ao juiz militar é dado

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