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FACULDADE EDUCACIONAL DO BAIXO SÃO FRANCISCO DR. RAIMUNDO MARINHO FACULDADE RAIMUNDO MARINHO DE PENEDO CURSO DE DIREITO PEDRO FELIPE QUEIROZ DE AZEVEDO SANTOS CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E OS ESTIGMAS CAUSADOS AOS FREQUENTADORES DO SISTEMA PENAL PENEDO/AL 2018 PEDRO FELIPE QUEIROZ DE AZEVEDO SANTOS CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E OS ESTIGMAS CAUSADOS AOS FREQUENTADORES DO SISTEMA PENAL PENEDO/AL 2018 Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado à Faculdade Raimundo Marinho de Penedo/AL da Fundação Educacional do Baixo São Francisco, como requisito parcial, para a obtenção do grau de bacharel em Direito, sob orientação do Professor Especialista Julio César Pereira Lima. BANCA EXAMINADORA Aprovada em: _______, ____________ de __________ _________________________________________________________ Presidente: Professor(a) _________________________________________________________ Primeiro Avaliador: Professor(a) ________________________________________________________ Segundo Avaliador: Professor(a) DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a Deus que me concedeu o dom da vida, inteligência e força para sempre seguir em frente e a minha mãe que sempre acreditou em mim e me incentivou a prosseguir nos tempos mais difíceis. AGRADECIMENTOS Aos meus amigos e companheiros de turma que me acompanharam durante todo o curso e aos que por algum motivo ficaram pelo caminho, especialmente a Graciela, Carine, Thayline, Willames, Fabiano Passos, Thalysson, Elecsandro e Cristian. A Faculdade, pois sem ela esse momento não seria possível. A todos os professores que sacrificaram suas noites para dedicar as suas lições e orientações. Ao meu orientador Professor Julio César Pereira Lima Que sempre esteve pronto a me ajudar, não só como professor e orientador, mas como um verdadeiro amigo. A toda minha família, em especial a minha mãe Poliana, meu pai Claudemir e minha irmã Eduarda. A minha namorada Gessica que esteve ao meu lado e me motivou a seguir em frente. E por fim e mais importante, A Deus, meu criador. Estamos condenados a ser livres. (Jean-Paul Sartre) RESUMO O presente trabalho tem como principal objetivo tratar dos aspectos do sistema penal em face do principio da presunção de inocência e as sequelas que são deixadas por aqueles que o frequentam, analisando o procedimento da persecução penal e seus entraves, bem como a relação sociedade, acusado e família, buscando trabalhar e compreender as ideias dos doutrinadores e as teses dos tribunais superiores sobre o assunto. Palavra chave: Principio da presunção de inocência, persecução penal, estigmas, reparação civil, danos morais. ABSTRACT The main objective of this work is to deal with the aspects of the penal system in the face of the principle of presumption of innocence and the sequels that are left by those who attend it, analyzing the procedure of criminal prosecution and its obstacles, as well as the relation society, accused and family, seeking to work and understand the ideas of the doctrinaires and the theses of the higher courts on the subject Keyword: Principle of presumption of innocence, criminal prosecution, stigma, civil reparation, moral damages. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS Art. – Artigo CC – Código Civil CF – Constituição Federal CPP – Código de Processo Penal IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística LEP – Lei de Execução Penal STF – Supremo Tribunal Federal STJ - Superior Tribunal de Justiça SUMÁRIO INTRODUÇÃO...................................................................................................12 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PRINCÍPIO DA PRESENÇÃO DE INOCÊNCIA E OS ESTIGMAS CAUSADOS AOS FREQUENTADORES DO SISTEMA PENAL ............................................................................................. 14 1. Presunção de inocência e persecução penal ............................................... 14 1.1 A presunção de inocência no ordenamento brasileiro ............................ 14 1.2 Atividade investigativa e atividade ministerial com atividade em defesa da sociedade ..................................................................................................... 17 1.3 Inspirações da legislação penal e da legislação processual penal ......... 18 1.4 Imparcialidade do juiz consoante a legislação penal .............................. 19 1.5 Diferença entre suspeita e culpabilidade ................................................ 21 1.6 O papel da defesa .................................................................................. 22 CAPÍTULO 2 – PROBLEMAS DE ORDEM PROCESSUAL E DE ORDEM POLÍTICA ......................................................................................................... 24 2.1 Os requisitos vagos para a decretação de prisão cautelar ..................... 24 2.2 A atuação das autoridades para, jurídica e politicamente, darem uma resposta à sociedade .................................................................................... 25 2.3 O problema da apreciação das provas no processo penal e o fato de o juízo de valor não ser invertido no início do processo (in dubio pro societate) ...................................................................................................................... 27 2.4 A teoria do etiquetamento e os frequentadores do sistema penal (geralmente as categorias que começa com P, como preto, pobre, puta e da periferia)........................................................................................................ 29 2.5 Os problemas dos programas de tolerância zero e da intervenção mínima levando em conta o acusado. ....................................................................... 31 CAPÍTULO 3 – SEQUELAS DEIXADAS AOS INOCENTES QUE FORAM VÍTIMAS DE EXCESSO DE PERSECUÇAO PENAL ...................................... 33 3.1. Problemas com a família e com o meio social ....................................... 33 3.2. Inserção no mercado de trabalho ........................................................ 35 3.3. Chances de ser alvo de nova persecução penal por já ser conhecido do sistema .................................................................................................... 36 3.4. Caso condenado, o mito da reeducação do cidadão .......................... 36 3.5. Em caso de inocência, a falta de êxito na reparação civil em razão da prisão indevida .............................................................................................. 39 CAPÍTULO 4 – O SER E O DEVER SER NA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA 41 4.1. As normas do art. 5º da CF como normas de eficácia plena e aplicabilidade imediata porém restringível .................................................... 41 4.2. O direito legitimo que tem o Estado de defender a ordem e prender alguém, cautelar ou definitivamente ............................................................. 42 4.3. O que efetivamente significa condenaçãocom base em indícios ....... 43 4.4. O cidadão pode confiar no Estado ou ele é considerado culpado até provar sua inocência? ................................................................................... 46 4.5. Julgados sobre o assunto. .................................................................. 47 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 50 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 52 12 INTRODUÇÃO O presente trabalho monográfico tem por objetivo a análise dos aspectos da imparcialidade no sistema penal brasileiro em face do principio da presunção de inocência e os impactos causados para aqueles que frequentam tal sistema. O desenvolvimento de um estudo e reflexão dos aspectos que giram em torno da presunção de inocência possui enorme relevância para toda organização social, pois se é vista a necessidade de responder perguntas como : o direito protege bandidos, qual o momento certo de se considerar um suspeito como culpado e, se um inocente for condenado injustamente, temos um sistema penal realmente efetivo, a reeducação é real ou somente um mito? A compreensão em torno de tais indagações torna-se importante por estar voltada para o próprio equilíbrio social e a confiança do povo para com o estado, sem esquecer da necessidade de resposta que o estado deve dar para aqueles que integram seu sistema, proporcionando segurança tanto de que não será cometida injustiça, como da feitura de justiça para os seus infratores. A escolha do tema pelo autor desse trabalho se deu pela necessidade de entender melhor sobre o funcionamento do sistema penal como ultima ratio e os impactos causados na vida daqueles que por ele é frequentado, bem como compreender o entendimento dos tribunais sobre a reparação dos danos causados pelo referido sistema, seja por erros ou por maculas da própria maquina penal. A pesquisa bibliográfica e documental foi utilizada como meio principal para o levantamento de dados necessários para a formulação do presente trabalho, sendo assim, artigos científicos, monografias, doutrinas, jurisprudências, leis, sobre as considerações do principio da presunção de inocência e os estigmas causados aos frequentadores do sistema penal, e como vem sendo o entendimento dos tribunais superiores e doutrinadores a respeito do tema. 13 Em relação a estrutura do trabalho, ele se encontra dividido em quatro capítulos. No primeiro capitulo é trabalhado de forma geral, mas não muito prolongada sobre os conceitos e a historicidade que gira em torno do tema, bem como sobre o sistema da persecução penal. No Segundo capitulo é explanado sobre os problemas de ordem de ordem processual e politica, como a decretação da prisão preventiva, os problemas na apreciação de provas, tratando sobre a teoria do etiquetamento e o programa de tolerância zero. No terceiro capitulo é tratada sobre as sequelas que são deixadas naqueles que frequentaram o sistema penal, os problemas que enfrentam como as famílias, a reeducação, as chances de se tornarem reincidentes e, a reparação caso ocorra erro processual. No quarto e ultimo capitulo é feita uma analise sobre as questões que envolvem o poder-dever de punir do estado como prerrogativa de manter a ordem social, em face de se realmente o cidadão pode confiar no estado. 14 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E OS ESTIGMAS CAUSADOS AOS FREQUENTADORES DO SISTEMA PENAL 1. Presunção de inocência e persecução penal 1.1 A presunção de inocência no ordenamento brasileiro O direito sempre se preocupou em regular a conduta humana. Esta é sua finalidade. O direito, desse modo, segundo Lira Filho: (...) se apresenta como a positivação da liberdade conscientizada e conquistada nas lutas sociais e formula os princípios supremos da Justiça Social que nelas se desvenda. Por isso, é importante não confundi-lo com as normas em que venha a ser vazado, com nenhuma das séries contraditórias de normas que aparecem na dialética social. Estas últimas pretendem concretizar o Direito, realizar a Justiça, mas nelas pode a oposição entre a Justiça de classes e grupos dominadores, cuja ilegitimidade então desvirtua o „direito‟ que invocam. (LYRA, 1984, P. 16-17). O direito penal, por sua vez, é a parte do direito dedicada a cuidar das infrações graves contra o ordenamento posto. Tanto o conceito de crime formal, que é aquele que não depende de resultados, pois sua consumação ocorre antes da sua produção, carregando em si um resultado naturalístico, por exemplo, o artigo 159 código Penal que trata sobre a extorsão mediante sequestro, dependendo somente da privação da liberdade por meio do sequestro para caracteriza o ato delitivo, como o conceito de crime material, que é aquele cuja consumação depende da produção de resultado naturalístico, ou seja, modifica o mundo dos fatos violando a bem jurídico de extrema relevância, como por exemplo, o crime de homicídio que está disposto no artigo 121 do Código Penal que diz “matar alguém‟‟, onde a consumação se dá pela morte da vitima, levam a tal conclusão. Historicamente, houve punições aos infratores. Tais punições, contudo, nem sempre eram justas e há casos em que nem mesmo estavam previstas, muito menos eram proporcionais. Como leciona Rogério Greco (2016), a primeira forma de punição é originaria dos primórdios da humanidade, a 15 vingança, na qual se divide em períodos, a vingança privada que consistia em pura retribuição ao mal feito por alguém, essa vingança podia ser praticada não somente pela pessoa que sofre o dano, mas também por seus familiares ou grupo no qual encontrava-se inserido, a vingança divina que era aplicada por aqueles representavam alguma divindade, os sacerdotes e, a vingança pelo estado que consistia em penal como por exemplo a forca ou decapitações em praças públicas. O Direito Romano em sua fundação adotou lei do Talião, surgindo a distinção entre crimes públicos e privados, logo após surgiu as legis Corneliae e Juliae, onde a legis Corneliae tratava de crimes praticados na relações interpessoais dos cidadãos, enquanto a legis Juliae cuidava dos crimes praticados contra o estado. O Direito Germânico em seu inicio era um Direito consuetudinário, Bitencourt (2011) fala que era concebido como uma forma de paz e a sua transgressão como ruptura da paz, então se tratando de crime público era autorizado a qualquer pessoa a matar o infrator, se tratando de crime privado o transgressor era entregue a vitima e seus familiares para praticarem a vingança de sangue, com o avanço do poder estatal a vingança foi substituída pela composição e, mais tarde por influencia do Direito Romano e do Cristianismo acabou sendo adotada a pena do Talião. O Direito Penal Canônico Foi o ordenamento jurídico da Igreja Católica apostólica Romana, onde a Igreja passou ao Estado em poder. De acordo com Heleno Fragoso: O direito canônico dividia os crimes em delicta eclesiástica (de exclusiva competência dos tribunais eclesiásticos); delicta mere secularia Oulgados pelos tribunais leigos) e de ficta mixta, os quais atentavam ao mesmo tempo contra a ordem divina e a humana e poderiam ser julgados pelo tribunal que primeiro deles conhecesse. As penas distinguem-se em espirituales (penitências, excomunhão etc.) e temporales, conforme a natureza do bem que a atingem. As penas eram, em princípio, justa retribuição (zelo justitiae et bano animo), mas dirigiam também ao arrependimento e à emenda do réu (poenae medicinalis). Em sua obra Bitencourt, afirma que o Estado de Direito pós-iluminismo deu novos ares ao tratamento da matéria penal. Inclusive a obra de Beccariaconsolidou as ideias em torno da punição e da justiça em matéria de tratamento à conduta delituosa, pois na verdade o que estimula o cometimento de crimes é a certeza da impunidade, o referido autor diz em sua obra que não 16 é o rigor da pena que previne os crimes com mais eficiência, mas a certeza de que o castigo virá. (BITENCOURT, 2011.pag.159-163). Ainda na obra de Bitencourt é explanado que o Brasil, por sua vez, sendo país de cinco séculos, também já passou por diversos períodos no trato da matéria penal, em primeiro momento regeu-se pela legislação portuguesa passando pelas ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, para somente então em segundo momento reger-se por legislação genuína brasileira, sendo importantes os marcos das Ordenações Filipinas promulgada por Filipe II em 1603, que era baseada em uma ampla e generalizada criminalização, com duras punições onde predominava a pena de morte e sanções cruéis, ficando inteiramente ao arbítrio do julgador a sanção que seria aplicada, sendo ratifica em 1643 por D. João IV e posteriormente em 1823 por D. Pedro I, do código criminal do império foi elaborado por força da Constituição de 1824, tendo como fundamentos a justiça e a equidade, foi apresentado dois projetos, o de Bernardo Pereira de Vasconcellos e José Clemente Pereira, ao qual foi escolhido o de Bernardo Pereira de Vasconcelos „‟Por ser aquele que mais amplo ao desenvolvimento das máximas jurídicas e equitativas, e por mais munido na divisão das penas, cuja prudente variedade muito concorria para a bem regulada distribuição delas, poderia mais facilmente levar-se a possível perfeição com menor número de retoques acrescentados aqueles que já a comissão lhe dera, de acordo com seu ilustre autor‟‟1, em 1830 D. Pedro I Sancionou , sendo o primeiro código da América Latina, fundado em ideia iluministas, mas sem perdera originalidade, inspirando o código espanhol de 1848 e o português de 1852, e também do Código Penal que está em vigor até hoje, sem contar com a revolução pós-CF88. (BITENCOURT, 2011.pag. 171- 180) É imperioso tratar que as ideias pós-iluminismo trouxeram como direito máximo a presunção de inocência, que no ordenamento brasileiro está na CF, art. 5o. LVII. Nada obstante, o CPP ainda afirma caber o ônus da prova a quem a alegar (art. 156). A despeito de, em face da hierarquia – e não só da data – deve prevalecer, por imperativo da lógica jurídica, o princípio da presunção de inocência, que quer dizer ninguém pode ser considerado culpado nem sofrer como se culpado fosse sem que haja o transito em julgado de sentença penal 17 condenatória, isso quer dizer que a sentença deve ser de cunho terminativo, que não pode mais ser modificada através de recurso. Deste principio decorre, ainda, que o réu deve ser, a todo o momento, tratado como inocente, tanto no processo, quanto na esfera civil, não podendo o fato de ser processado gerar reflexos negativos na vida do réu. Logo, no Brasil é dever do Estado demonstrar a culpa do cidadão, sob pena de não poder puni-lo. 1.2 Atividade investigativa e atividade ministerial como atividade em defesa da sociedade Como está descrito em manuais de processo penal como o do professor Julio Fabbrini Mirabete e o Manual de Processo Penal de Fernando Costa Tourinho Filho, o que desencadeia a atividade de persecução penal, seja através da polícia investigativa ou do ministério público diretamente, é o chamado princípio do in dubio pro societate, mesmo que exista duvidas, mas o juiz esteja convencido da materialidade do fato e da existência de indícios de autoria ou de participação, ele deverá fazer o pronunciamento para o júri popular, para que a sociedade decida se irá existir a condenação ou não do acusado, Mirabete discorre sobre o tema dizendo que “na dúvida, cabe ao juiz pronunciar, encaminhando o feito ao Tribunal do Júri, órgão competente para o julgamento da causa. Nesta fase vigora a máxima in dubio pro societate”(2006, p.1084). Nesta mesma linha de raciocínio se manifesta o STJ através do julgado: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIA 2011/0239505-4 AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO. FUNDAMENTOS INSUFICIENTES PARA REFORMAR A DECISÃO AGRAVADA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. AFASTAR A QUALIFICADORA. MOTIVO FÚTIL. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DÚBIO PRO SOCIETATE. 1. O agravante não apresentou argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a de cisão agravada, razão que enseja negativa de provimento ao agravo regimental. 2. Na fase da decisão de pronúncia não deve ser afastada a qualificadora, mesmo que haja dúvida, pois nesta fase prevalece o princípio in dúbio pro societate, cabendo ao Tribunal do Júri decidir. 3. A discussão anterior entre autor e vítima, por si só, não implica, de imediato, o afastamento da qualificadora referente ao motivo fútil. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.(Ag.Rg no REsp 62.470/MA). 18 Admitir a aplicabilidade de tal principio pronunciando o réu sem provas realmente concretas é negar a concepção de um estado democrático de direito, é ignorar completamente a ideia do principio da presunção de inocência previsto no artigo 5º, inciso LVII da nossa carta magna. O Doutrinador Fernando Tourinho explica: “Admitir o referido princípio entre nós é desconhecer que num país cuja Constituição adota o princípio da presunção de inocência torna- se heresia sem nome falar em in dubio pro societate”(TOURINHO, 2010, p.740). Em outras palavras, a suspeita sobre determinado sujeito é o que faz com que se dê início à atividade de persecução penal. Evidentemente, pode ocorrer de ao fim não se chegar a um resultado positivo, nada obstante, esta é a motivação, qual seja defender a sociedade, coibindo a prática criminosa e restabelecendo a paz social. É por conta disso e com esta finalidade que o Estado disponibiliza sua estrutura, maquinário, funcionários etc. Em contrapartida, isso significa que alguns cidadãos são a priori considerados alvos do Estado quando a matéria é crime, ainda que não tenham tido passagem pela polícia ou pela justiça. Há motivos diversos para isso, como os hábitos dos sujeitos investigados, seus negócios etc. Contudo, é lícito tratar alguém como suspeito em potencial mesmo antes de haver provas? É o que se discute, em especial em razão do que diz o texto da Constituição da República. 1.3 Inspirações da legislação penal e da legislação processual penal É bom ter em mente que a legislação brasileira, tanto em matéria penal como em matéria processual penal, é inspirada na legislação italiana de Alfredo Rocco, o código Rocco tinha uma forte matriz autoritária, participando da sua formação Vincenzo Manzine, representante da escola técnico-jurídica, que tinha a ideia de que o processo penal funcionar como uma arma de combate ao crime, levando assim não o conceito de presunção de inocência e sim de presunção de culpa, já que se o individuo estava respondendo processo era 19 porque existia fortes indícios de eles realmente ser o culpado, sendo assim o fato da presunção de inocência um grande absurdo, o código Rocco virou a legislação penal da Itália na época de Mussolini onde o regime vigente era o fascismo, sistema nacionalista, imperialista, antiliberal, antidemocrático e antissocialista, baseado no comando pelo terror, espancamentos e até assassinatos de adversários políticos. Tal foi a fonte que inspirou a legislação brasileira durante o período Vargas pós-37, isto é, após uma Constituição outorgada e não promulgada, logo, um regime ditatorial que teve inicio com o desgaste política da Republica velha, assumindo assim Vargas o poder, como um governo que trouxe a centralização do poder político e o enfraquecimento das oligarquias regionais. Ou seja, não se está falando de uma legislação que tem seu nascedouroem regime democrático, nem aqui nem alhures. No texto original brasileiro, inclusive, havia poderes concentrados ao magistrado que não são típicos de um regime democrático, razão pela qual a legislação passou por várias modificações até em tempos atuais. Talvez fosse melhor se pensar em renovar a legislação, no entanto é preciso trabalhar com o que se tem e a legislação posta é uma que já nasce com a pretensão de encontrar culpados, malgrado as diversas modificações. 1.4 Imparcialidade do juiz consoante a legislação penal Não é de hoje que alguns manuais mitigam o conceito de presunção de inocência falando em seu lugar em não culpabilidade, Neste contexto o manualista Nestor Távora (2016) diz que Presunção de inocência, presunção de não culpabilidade e estado de inocência são denominações tratadas como sinônimas pela mais recente doutrina. Por óbvio, a doutrina reproduz sua interpretação da norma posta e também observa o que ocorre na prática. O magistrado, em sua atividade, deve ser imparcial e decidir sempre de modo fundamentado. Deve agir com honestidade e sensatez. Todavia dois fatores são inegáveis: ele é um ser humano e, além disso, dele depende a continuidade da atividade investigativa e da atividade ministerial, que trabalham 20 em prol da sociedade, como já dito acima. Logo, até por uma questão de legitimidade de seu trabalho, de acordo com Weber, a legitimidade é a crença social num determinado regime, visando obter a obediência, mais pela adesão do que pela coação, o que acontece sempre que os respectivos participantes representam o regime como válido, pelo que a legitimidade se torna na fonte do respeito e da obediência consentida, necessária para da força em caráter de ordem e ética no âmbito processual, o magistrado tende a seguir na mesma direção da justiça, deixando para pensar em inocência quando houver mais provas colhidas. O problema é que não é o que está escrito na Constituição esse proceder. Além disso, é bom lembrar que durante essa fase podem ser praticados atos na maior gravidade, tais como as prisões cautelares, que nesse momento da fase inquisitorial não teve provas colhidas e submetidas ao contraditório, mas decisão tomada unilateralmente. Como se não bastasse, o STJ já disse que de prisões dessa ordem não cabe indenização, como pode ser visto a seguir: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - PRISÃO PREVENTIVA E POSTERIOR ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - NECESSIDADE DE CONSTATAÇÃO DA ILEGALIDADE DO DECRETO PRISIONAL - REEXAME DE PROVAS - DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO - INADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. 1. Esta Corte tem firmado o entendimento de que a prisão preventiva, devidamente fundamentada e nos limites legais, inclusive temporal, não gera o direito à indenização em face da posterior absolvição por ausência de provas. Precedentes. 2. Na mesma linha, tem decidido que avaliar se a prisão preventiva caracterizou erro judiciário enseja reexame de provas, sendo inviável em recurso especial (Súmula 7/STJ). Precedentes. 3. Ausente o cotejo analítico e não demonstrada similitude fática entre os acórdãos recorrido e paradigma, não se conhece do recurso especial pela alínea c. 4. Recurso especial não conhecido (STJ - REsp: 911641 MS 2006/0250384-6, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 07/05/2009, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: 20090525 --> DJe 25/05/2009) Não se nega a imparcialidade do juiz, mas se constata uma tendência dele em agir num primeiro momento em prol da sociedade, ainda que correndo o risco de desrespeitar garantias individuais. 21 1.5 Diferenças entre suspeita e culpabilidade Ninguém deve ser punido sem prova cabal do fato ocorrido. Não é por outra razão que se chama o direito penal de ultima ratio, o principio da fragmentariedade que está liga intimamente com a disposição constitucional da intervenção mínima, tal principio versa que apenas os bens jurídicos de maior relevância devem ser tutelados pelo Direito penal, protegendo tão somente bens de valores imprescindíveis para a sociedade, como exemplo um funcionário que furta algo em seu trabalho, furto é um delito amparado pelo Direito penal, mas, a aplicação de uma demissão por justa causa é capaz de resolver tal situação, já que crime é uma lesão a bem jurídico importante não se pode punir sem se ter certeza do culpado. Assim afirma Cezar Roberto Bitencourt: Nem todas as ações que lesionam bens jurídicos são proibidas pelo Direito Penal, como nem todos os bens jurídicos são por ele protegidos. O Direito Penal limita-se a castigar as ações mais graves praticadas contra os bens jurídicos mais importantes, decorrendo daí o seu caráter fragmentário, uma vez que se ocupa somente de uma parte dos bens jurídicos protegidos pela ordem jurídica. Apesar disso, os manuais como do autor Renato Brasileiro de Lima dizem ser possível condenar alguém com base em indícios apenas. É preciso discordar desse ponto, haja vista que fortes indícios não são sinônimos de certeza do cometimento do fato. A palavra indício traz em seu bojo a palavra dúvida e in dubio pro reo é o princípio máximo do direito penal, o principio do “favor do rei” é baseado na concepção de um estado democrático, que valoriza o direito a liberdade, no conflito entre o dever de punir (jus puniendi) e o direito a liberdade (jus libertatis), é preferível que se prevaleça a liberdade para aquele acusado que em seu processo se carece de requisitos probatórios, então se diz que é melhor um culpado solto do que um inocente privado de sua liberdade. Afirma Fernando da Costa Tourinho Filho: Ao lado desses princípios poder-se-á também falar daquele que consagra o direito de o réu silenciar, se assim o desejar, tal como previsto no art. 59, LXIII, da Constituição. E consonando-se com o mandamento constitucional, o paragrafo único do art 186 do CPP, 22 que dispõe: “o silencio, que não importara em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa” Hoje, ele tem o direito, decorrente do principio do nemo tenetur se deíegere, de falai ou calar-se, livremente. A mera suspeita não é motivo pra condenar. É preciso ter certeza acerca da culpabilidade, isto é, que o juízo de reprovação sobre o cometimento do fato recaia de fato sobre quem o praticou. 1.6 O papel da defesa Consoante dicção constitucional de José Afonso da Silva, o Estado é a máquina que tem o interesse e o dever de punir, embora não possa fazer isso de qualquer maneira. É preciso, pois, ter certeza acerca do fato e da autoria. Do contrário, é preferível não punir. (...)garantias da presunção de inocência, segundo as quais ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (inc. LVII) e o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal; salvo nas hipóteses previstas em lei (inc. LV.III); na. verdade o texto inicial dizia "salvo nas hipóteses excepcionais previstas em lei"', mas uma proposta de redação do primeiro para o segundo turno eliminou o vocábulo, importante, "excepcionais”; a garantia de inocência e de que ninguém deve sofrer sanção sem culpa é que fundamenta a prescrição do inc. LXXV, segundo o qual "o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença". Diz-se frequentemente no fórum 'mil vezes soltar um culpado do que ao menos uma vez punir um inocente'. É o que se espera, embora talvez nem sempre seja assim. De todo modo, fica claro o papel da defesa, que é o de gerar dúvida, pois cabe à acusação provar o fato e o culpado, sob pena de não poder punir. A diferença de tratamento entre cidadão e Estado no direito penal se dá justamente pela diferença de tamanho entre os entes, pois um possui todo um aparelhamento para busca de suafinalidade, ao passo que o outro é hipossuficiente e só conta com sua dignidade e o risco de ser punido e ter privada a sua liberdade. Por conta disso, tem o cidadão direito a ampla defesa, que significa o uso de todos os meios e recursos necessários para a proteção de tudo o que 23 lhe é caro, em especial a liberdade. Desse modo, o papel da defesa está em provar a insuficiência da acusação. Assim está no texto constitucional no Artigo 5º, inciso LV “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”. 24 CAPÍTULO 2 – PROBLEMAS DE ORDEM PROCESSUAL E DE ORDEM POLÍTICA 2.1. Os requisitos vagos para a decretação de prisão cautelar A lei processual penal em seu artigo 312 fala em dois pressupostos – materialidade e indícios de autoria – e em quatro fundamentos para decretação de prisões cautelares, quais seja, garantia da ordem pública, garantia da instrução criminal, garantia da ordem econômica e para assegurar a aplicação da lei penal. Artigo. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. Dos quatro casos, os dois primeiros são os que têm mais a ver com a atividade investigativa e ministerial anterior à sentença. A garantia da instrução é caso de fundamentação clara, isto é, que a liberdade do acusado pode acabar constrangendo pessoas que possam depor e também que o acusado de algum modo possa atrapalhar a produção da prova. Quando se fala em garantia de ordem pública, contudo, tem-se um conceito vago. Seria essa referência uma perturbação do sossego público? Uma violação da paz pública? Certamente não são situações dessa monta que ensejam decretar prisão de uma pessoa. O conceito é vago o suficiente para fazer nele caber o que bem interessar. Não se nega no direito moderno a importância dos chamados conceitos jurídicos indeterminados. Como explica Fernanda Braga: De outro lado, denomina-se conceito jurídico indeterminado, quando palavras ou expressões contidas numa norma são vagas/imprecisas, de modo que a dúvida encontra-se no significado das mesmas, e não nas consequências legais de seu descumprimento. No entanto, em matéria penal, que lida com o bem mais importante do sujeito depois da vida, isto é, sua liberdade, é preciso ser mais criterioso. Não é 25 possível imaginar que caiba de tudo no conceito de ordem pública. Nesse ponto, haveria necessidade de explicar, legalmente, tal conceito, embora essa ainda seja uma discussão de lege ferenda. O direito penal, ao lidar com a liberdade do cidadão, deve ser claro ao máximo, sob pena de gerar dubiedade de interpretação em torno de um mesmo caso. Além disso, há disparidade de tamanho entre Estado e cidadão. Isto é um fato. Tal disparidade se acentua ainda mais quando o assunto é penal, haja vista o interesse tão falado de defender a sociedade. Não se pode esquecer, de qualquer modo, que o magistrado, sendo atento aos direitos e garantias do cidadão, estará desse modo defendendo a sociedade, no sentido de indicar que outros cidadãos eventualmente envolvidos com o sistema penal terão a segurança no sentido de verem suas garantias sendo afirmadas. 2.2. A atuação das autoridades para, jurídica e politicamente, darem uma resposta à sociedade Já se disse antes, embora seja bom frisar, que o aparelhamento penal é posto para dar uma resposta à sociedade, de modo que se espera da polícia, do ministério público e da justiça um comportamento contínuo e duro no combate ao crime. Em vista disso, é comum acontecer de se suspeitar com frequência, ainda que nem sempre as suspeitas se confirmem. Nada obstante, sempre se inicia a busca em torno de sujeitos que são os prediletos do sistema de persecução penal, o que faz pensar se para tais indivíduos existe de fato presunção de inocência ou se eles já são considerados culpados previamente, sendo a prova um mero detalhe que será colhido no decorrer da operação. Questiona-se o silogismo jurídico em relação a tais sujeitos no sentido de saber se a conclusão está posta já antes da premissa menor, “ora ele tem tatuagens, é negro e pobre então é culpado”. Se isso for verdadeiro, é extremamente perigoso e pode levar a abusos. Tal situação faz repensar se não se estaria voltando a considerar a culpabilidade do autor e não a culpabilidade do fato 26 O Direito Penal do autor foi proposto pelos penalistas nazistas, basicamente se tratava da aplicação da pena em razão do “ser” e não da ação praticada, sendo penalizada a personalidade e não a conduta, o fato não é desprezado, mas somente é usado como um ponto de partida para a aplicação da pena. Zafaroni e Pierangeli (2007, p.107) explicam que "ainda que não haja um critério unitário acerca do que seja o direito penal do autor, podemos dizer que, ao menos em sua manifestação extrema, é uma corrupção do direito penal, em que não se proíbe o ato em si, mas o ato como manifestação de uma forma de ser do autor, esta sim considerada verdadeiramente delitiva. O ato teria valor de sintoma de uma personalidade; o proibido e reprovável ou perigoso, seria a personalidade e não o ato. Dentro desta concepção não se condena tanto o furto, como o ser ladrão". Nesse mesmo sentido Zafaroni e Pierangeli (1997, p.119-120) ainda completa que "um Direito que reconheça, mas que também respeite a autonomia moral da pessoa jamais pode penalizar o ser de uma pessoa, mas somente o seu agir, já que o direito é uma ordem reguladora de conduta humana. Não se pode penalizar um homem por ser como escolheu ser, sem que isso violente a sua esfera de autodeterminação". Em sentido contrario, o Direito Penal do Fato diz que não se pode punir o caráter nem o modo de ser do individuo, devendo se ater exclusivamente aos fatos que o individuo praticou, sendo que não é possível ser culpado pelo “ser”, mas sim pelo fato ilícito praticado. O Direito Penal do Fato está ligado com o principio da culpabilidade, que é definido por Rogerio Greco (2016) como “Culpabilidade diz respeito ao juízo de censura, ao juízo de reprovabilidade que se faz sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente. Reprovável ou censurável é aquela conduta levada a efeito pelo agente que, nas condições em que se encontrava, podia agir de outro modo” Sobre culpabilidade, Miguel Reale Junior (1998) diz que "reprova-se o agente por ter optado de tal modo que, sendo-lhe possível atuar em conformidade com o direito, haja preferido agir contrariamente ao exigido pela lei”. 27 O objetivo do sistema, é bom lembrar, é a paz e o bem-estar de todos. Desse modo, todos são igualmente inocentes até que se prove o contrário. É o que diz o texto da constituição. Art 5º. [ LVII ] - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; 2.3. O problema da apreciação das provas no processo penal e o fato de o juízo de valor não ser invertido no início do processo (in dubio pro societate) Já foi dito antes e agora se repete que, num primeiro momento, a tendência é que os envolvidos na persecução criminal olhem mais para o perigo que supostamente corre a sociedade com o suposto infrator solto do que se olhe com mais atenção a situação jurídica do cidadão para que não venha a sofrer abusos da parte do Estado. Só que o constrangimento da liberdade é violação grave de direito fundamental e, na prática, pode durar meses e até anos, a depender do processo. Caso o sujeito seja efetivamente condenado, haverá detração, onde permite-sedescontar na pena ou medida de segurança o tempo que o individuo passou na prisão provisória ou internação provisória, entendendo esse período que antecedeu a o transito em julgado da sentença condenatória como de pena efetivamente cumprida e, está prevista no Artigo 42 do Código Penal. Art. 42 – Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior. Explica Cezar Roberto Bitencourt (2012) que “Através da detração penal permite-se descontar, na pena ou na medida de segurança, o tempo de prisão ou de internação que o condenado cumpriu antes da condenação. Esse período anterior à sentença penal condenatória é tido como de pena ou medida de segurança efetivamente cumpridas”. Segundo Rogério Greco (2016) “A detração é o instituto jurídico mediante o qual computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de 28 segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no art. 41 do Código Penal.” Art. 41 - O condenado a quem sobrevém doença mental deve ser recolhido a hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, a outro estabelecimento adequado. Pelos ensinos de Fernando Capez (2012) “Detração penal é o desconto do tempo de prisão provisória ou internação provisória na pena privativa de liberdade, ao início de seu cumprimento. Trata-se de incidente de execução, previsto no art. 66, III, c, da LEP. Após o trânsito em julgado da sentença condenatória, será expedida guia de recolhimento para dar início ao processo de execução. Em seguida, procede-se ao cálculo de liquidação das penas impostas em diferentes processos, somando-as (concurso material) ou unificando-as (crime continuado ou concurso formal, conforme o caso). Obtido o total a ser cumprido, desconta-se o tempo de prisão provisória. Trata-se de uma simples operação aritmética de subtração: pena menos prisão provisória.” Art. 66. Compete ao Juiz da execução: III - decidir sobre: c) detração e remição da pena; Pelo pensamento de Damásio ensina: Para a aplicação do princípio da detração penal deve existir nexo de causalidade entre a prisão provisória (decorrente de flagrante, [ ... ] ou preventiva) e a pena privativa de liberdade. Assim, quando os delitos estejam ligados pela continência ou conexão, reunidos num só processo ou em processos diversos (LEP, art. 111, parte final). Suponha-se que o sujeito esteja sendo processado por dois crimes, homicídio e lesões corporais, encontrando-se preso preventivamente em consequência do delito mais grave. Tendo cumprido quatro meses de prisão preventiva, vem a ser absolvido em relação ao homicídio, e condenado pela lesão corporal a cinco meses de detenção. Os quatro meses de prisão preventiva devem ser computados na pena privativa de liberdade, restando o cumprimento de um mês de detenção. É também admissível a detração quando a pena em relação à qual se pretende seja ela observada advém de crime cometido antes do delito em decorrência do qual o réu ficou preso provisoriamente. Ex.: um sujeito, por crime de homicídio cometido em 1987, fica preso preventivamente durante algum tempo, vindo a ser absolvido. Ocorre que também estava sendo processado 29 por delito praticado em 1986, vindo a ser condenado. Na pena imposta é possível detrair-se o tempo da prisão provisória. Caso contrário, tentará uma indenização, mas que terá pouco êxito em face do entendimento consolidado nos tribunais superiores. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. DETRAÇÃO. ARTS. 42 DO CÓDIGO PENAL E 111 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. CÔMPUTO DE TEMPO. CRIME POSTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. É admissível a detração do tempo de prisão processual ordenada em outro processo em que o sentenciado foi absolvido ou declarada a extinção da sua punibilidade, quando a data do cometimento do crime de que trata a execução seja anterior ao período pleiteado. 2. No caso, o delito no qual o impetrante pretende a detração foi praticado em 26.09.2003, portanto, posteriormente à custódia cautelar ocorrida entre 06.04.2003 e 15.08.2003. Logo há óbice à detração, porquanto os arts. 42 do Código Penal e 111 da Lei de Execução Penal impedem a aplicação do instituto. 3. Ordem denegada. (STJ - HC: 155049 RS 2009/0232585-7, Relator: Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), Data de Julgamento: 01/03/2011, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/03/2011) É fato, pois, que o in dubio pro societate, quando em exagero, pode ser nocivo a direitos fundamentais da pessoa. 2.4. A teoria do etiquetamento e os frequentadores do sistema penal Desde as primeiras lições do direito penal, ensina-se o princípio da fragmentariedade, que indica que nem todas as condutas podem ser alvo da tutela penal, devendo ser escolhidas algumas apenas. Na lição de Bitencourt: Resumindo, “caráter fragmentário” do Direito Penal significa que o Direito Penal não deve sancionar todas as condutas lesivas dos bens jurídicos, mas tão somente aquelas condutas mais graves e mais perigosas praticadas contra bens mais relevantes. Nessa escolha é que está o outro lado da moeda: quem o sistema vai perseguir e punir? Décadas atrás surgiu a teoria do etiquetamento ou labeling approach. Segundo tal teoria, o sistema seleciona categorias de delitos e já sabe quem 30 são os potenciais cometedores de tais delitos e o aparelho estatal já está montado para perseguir tais sujeitos. Baratta leciona que a criminologia ao longo dos séculos tenta estudar a criminalidade não como um dado ontológico pré-constituído, mas como realidade social construída pelo sistema de justiça criminal através de definições e da reação social, o criminoso então não seria um indivíduo ontologicamente diferente, mas um status social atribuído a certos sujeitos selecionados pelo sistema penal e pela sociedade que classifica a conduta de tal individuo como se devesse ser assistida por esse sistema. Os conceitos desse paradigma marcam a linguagem da criminologia contemporânea: o comportamento criminoso como comportamento rotulado como criminoso. Molina acredita que, Segundo esta perspectiva interacionista, não se pode compreender o crime prescindindo da própria reação social, do processo social de definição ou seleção de certas pessoas e condutas etiquetadas como criminosas. Crime e reação social são conceitos interdependentes, recíprocos, inseparáveis. A infração não é uma qualidade intrínseca da conduta, senão uma qualidade atribuída à mesma através de complexos processos de interação social, processos altamente seletivos e discriminatórios. O labelling approach, consequentemente, supera o paradigma etiológico tradicional, problematizando a própria definição da criminalidade. Esta – se diz – não é como um pedaço de ferro, um objeto físico, senão o resultado de um processo social de interação (definição e seleção): existe somente nos pressuposto normativos e valorativos, sempre circunstanciais, dos membros de uma sociedade. Não lhe interessam as causas da desviação (primária), senão os processos de criminalização e mantém que é o controle social o que cria a criminalidade. Por ele, o interesse da investigação se desloca do infrator e seu meio para aqueles que o definem como infrator, analisando-se fundamentalmente os mecanismos e funcionamento do controle social ou a gênesis da norma e não os déficits e carências do indivíduo. Este não é senão a vítima dos processos de definição e seleção, de acordo com os postulados do denominado paradigma do controle. Ainda segundo Molina (2002), existe as instancias de controle, que é dividida me informal, que se trata da própria sociedade. Por exemplo,escola, família, trabalho, mídia, opinião pública e, as de controle informal, que são as estatais, policial, judicial e executiva, “os agentes de controle social informal tratam de condicionar o indivíduo, de discipliná-lo através de um largo e sutil processo (...) Quando as instâncias informais do controle social fracassam, entram em funcionamento as instâncias formais, que atuam de modo coercitivo e impõem sanções qualitativamente distintas das sanções sociais: são sanções estigmatizantes que atribuem ao infrator um singular status (de desviados, perigoso ou delinquente)”. 31 Apenas a título de exemplo, os tipos de crime apurados são sempre os mesmos, trafico de drogas e violência domestica, embora não queira dizer que sejam os únicos cometidos – apenas não foram apurados, pois interessam menos ao sistema e também dão menos visibilidade. Na mesma esteira dessa teoria surge a teoria do direito penal do inimigo, proposta em 1985 pelo doutrinador alemão Gunther Jakobs, onde propõe a existência e aplicação de dois Direitos diferentes, qual seja, o direito penal do cidadão comum e, o direito penal para criminosos considerados de alta periculosidade, visto que o direito penal do cidadão não se revela eficaz para esse tipo de sujeito, sendo assim encarados como verdadeiros inimigos da sociedade e não merecendo nenhum tipo de garantia, somente a coação, sendo assim uma forma de direito que em sua forma concreta serve para combater determinadas classes, o que faz ser repensada não só a presunção de inocência mas também a igualdade entre os sujeitos, que está expressa na CF. 2.5. Os problemas dos programas de tolerância zero e da intervenção mínima levando em conta o acusado Que o crime deve ser combatido é fato. E que nem toda conduta deve ser considerada criminosa também é fato. Nada obstante, esse embate entre sociedade e acusado sempre acaba por deixar alguém insatisfeito. O exagero de punições, típica dos programas de tolerância zero, numa cultura onde nem todo cidadão é considerado de bem é um sério risco às liberdades do sujeito. O programa de tolerância zero que inicialmente apareceu com o movimento do policial Willian Bratton, que consistia na repressão de pequenos delitos no metrô para evitar grandes delitos, surgiu em 1994 quando o Ex- promotor Rudolph Giuliani, eleito prefeito de Nova York, decidiu ampliar o programa de repressão de pequenos furtos no metrô, para toda a cidade, passando assim a reprimir de forma geral todo e qualquer forma de distúrbio e vandalismos, desde atos como urinar em praça pública a infrações de transito como pilotar motocicleta sem o uso de capacete. 32 Em contrapartida, o abrandamento do sistema com relação à persecução penal, como se fala em intervenção mínima, pode acabar gerando insatisfação social, apesar de nem sempre a opinião pública ser a mais racional possível e possa gerar comoção. Como leciona Bitencourt: O princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a prevenção de ataques contra bens jurídicos importantes. Ademais, se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável. Assim, se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas as que devem ser empregadas, e não as penais. Logo, fica claro que, independentemente do programa penal, o acusado sempre será um problema a ser discutido. O que se espera é que ele não seja considerado culpado até que ele consiga provar sua inocência, sob pena de negar o próprio regime democrático e as garantias postas. 33 CAPÍTULO 3 – SEQUELAS DEIXADAS AOS INOCENTES QUE FORAM VÍTIMAS DE EXCESSO DE PERSECUÇAO PENAL 3.1. Problemas com a família e com o meio social Não importa se se adota a teoria criacionista, que em geral é a crença de que tudo foi criado por uma divindade, seja ela Deus, que criou todos os seres viventes, elementos da natureza e todo o universo e oque nele há, o criacionismo está descrito na bíblia, no livro de gênesis que em seu inicio diz que Deus criou o céu e a terra, e a terra era vazia e informe, logo em seguida Deus criou a luz, designando as trevas de noite e a luz de dia, em seguida Deus separou águas e águas, depois criou a terra e assim sucessivamente, narrando em seu capitulo 3.6 o fatídico momento em que Adão e Eva comeram o fruto proibido e pela primeira vez o pecado esteve na terra, um pouco mais a frente em Genesis 8. 4 houve o primeiro crime, um homicídio qualificado, Caim mata seu irmão Abel por ter inveja e, foi aplicada a primeira pena por Deus, o exilio, ou a teoria evolucionista, desenvolvida por Charles Darwin, cientista e pesquisador que viveu no século XIX, sua tese consiste que todo o universo e tudo que nele há passou por um longo período de adaptação e evolução, até chegar ao que hoje é, baseando-se na teoria da seleção natural que consiste na sobrevivência do mais forte e a forma com que os diversos ambientes influenciam diretamente as espécies que neles vivem. O crime está inerente à existência do ser humano na terra, em toda e qualquer civilização. Tanto é assim que Durkheim disse que o crime é inerente à sociedade, sendo impossível imaginar uma sociedade, por mais organizada que seja sem crimes. Se há um fato cujo caráter patológico parece incontestável é sem dúvida o crime. Todos os criminólogos estão de acordo sobre esse ponto. Apesar de explicarem esta morbidez de maneira diferentes, são unânimes na sua constatação. Contudo, o problema merecia ser tratado com menos superficialidade.” Com efeito, apliquemos as regras precedentes. O crime não se produz só na maior parte das sociedades desta ou daquela espécie, mas em todas as sociedades, qualquer que seja o tipo destas. Não há nenhuma em que não haja criminalidade. Muda de forma, os atos assim classificados não são os mesmos em todo o lado; mas em todo o lado e em todos os tempos existiram homens que se conduziram de tal modo que a repressão penal se abateu sobre eles. 34 O que não se nega, em todo caso, é que o crime deixa uma mancha na imagem. Tal mancha pode repercutir no sujeito ao ponto de ele não ser mais bem aceito quer em sua família, por ter procedido de modo indevido; quer pelos meios e pessoas com quem costumava conviver, haja vista que as pessoas talvez não queiram estar 'no lugar errado, na hora errada e com a pessoa errada'. O mais complicado neste estigma, no entanto, é que ele atinge até mesmo o inocente eventualmente envolvido com a atividade de persecução penal, haja vista que onde se supõe a prática do crime há indícios de culpabilidade e esta, como sabido é a possibilidade do autor do delito penal agir de forma distinta e ter plena capacidade de discernimento, ou seja, imputabilidade. Na lição do professor Luiz Flávio Gomes (2016), “O principio da culpabilidade na atualidade, em suma, significa: (a) que não há pena sem culpabilidade: e (b) que esta proibida a responsabilidade penal de quem não podia agir de modo diverso (inimputabilidade, erro de proibição etc.). Todas as causas de exclusão da culpabilidade (inimputabilidade por loucura, erro de proibição etc.), que são chamadas de eximentes ou dirimentes, afetam a possibilidade de agir de modo diverso (leia-se: a exigibilidade de conduta diversa)‟‟. A pessoa então poderá encontrar problemas até na base de seu convívio mais próximo. Em outras palavras, a persecução penal pode destruir as estruturas mais básicas do sujeito. Ao tomarmos como foco de atenção às pessoas que vivem nas instituições carcerárias,observa-se um aspecto importante desse sistema inserido na sociedade, e que concretiza, de forma dura, a violência do sistema socioeconômico contra a maioria da população do País, ou seja, superlotando as prisões e produzindo o estereótipo de criminoso. O Direito, assim como qualquer outro mecanismo de controle social, é governado por preconceitos e estereótipos socialmente condicionados. Portanto, há uma seleção daqueles sobre os quais recairá a aplicação do Direito Penal, não constituindo a população carcerária uma amostra representativa do conjunto total de infratores (TAVARES,MENANDRO,2004). 35 A exclusão quando vivenciada por um indivíduo, torna o mesmo um infrator típico, sendo que as condições excludentes continuam intangíveis na sociedade. O sofrimento do presidiário brasileiro mantem suas condições excludentes irremovíveis, pois o encarceramento nas condições socioeconômicas ou prisionais até pode modificar alguma coisa no individuo que nela vive, mas não altera a perspectiva com a qual o reeducando convive, tendo em vista que as condições sociais do seu passado estarão presentes no seu futuro (TAVARES, MENANDRO, 2004). Ao sair da prisão o ex-condenado crê não ser mais um preso, mas as pessoas não veem desta maneira, na qual a sociedade indissoluvelmente associa cada pessoa ao seu passado, mas o que se observa, pelos dados disponíveis ou que circulam pela sociedade, é que o presídio induz maior violência (CARNELUTTI, 2002). 3.2. Inserção no mercado de trabalho A situação de emprego no país já está difícil, sendo atualmente 12,4 % de desempregados, que equivale a 12,961 milhões se pessoas, sem contar 33,8 milhões de pessoas na informalidade, segundo a Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e estatística (IBGE). No 2º trimestre de 2017, a taxa de desocupação, no Brasil, foi estimada em 13,0%, com retração em todas as grandes regiões, exceto Nordeste (estabilidade), com destaque para a região Norte (de 14,2% para 12,5%) e Centro-Oeste (de 12,0% para 10,6%). As outras taxas foram: Nordeste (de 16,3% para 15,8%), Sudeste (de 14,2% para 13,6%) e Sul (de 9,3% para 8,4%). Pernambuco (18,8%) e Alagoas (17,8%) registraram as maiores taxas de desocupação no 2º trimestre 2017 frente ao trimestre anterior, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Em Pernambuco, a taxa passou de 17,1% para 18,8%; e em Alagoas, de 17,5% para 17,8%, nessa comparação. As menores taxas de desocupação foram registradas em Santa Catarina (7,5%), Rio Grande do Sul (8,4%) e Mato Grosso (8,6%). Para o total do país, a taxa caiu de 13,7% para 13,0%, nesse mesmo período” As seleções estão cada vez mais rigorosas, com mais requisitos. Um eventual envolvimento de um sujeito – ainda que inocente – em fato criminoso, dadas as condições atuais, é mais do que o suficiente para retirá-lo 36 do mercado formal de trabalho. Muitas vezes só lhe restará o caminho da informalidade. É importante que se frise que aqui não se nega que o Estado tenha o direito e o dever de procurar e punir os culpados pelo cometimento de delitos. Apenas se está tentando deixar clara a gravidade do ato estatal e seus efeitos sobre um inocente, para que assim se possa fazer um exame criterioso quando se tiver que decidir sobre todos os fatos que envolvem a persecução penal, desde um indiciamento até eventual prisão cautelar ou decretação de medida cautelar alternativa. O que se quer, pois, é deixar clara a gravidade do ato quando envolve um inocente. 3.3. Chances de ser alvo de nova persecução penal por já ser conhecido do sistema Uma vez envolvido com o sistema de persecução penal, o sujeito pode talvez nunca mais se ver direta ou indiretamente relacionado a fato criminoso. O certo, no entanto, é que sobre tal pessoa haverá desde então uma carga de suspeita maior do que a que havia antes, pois passa a ser alguém já registrado pelo sistema, nota-se que “a ressocialização não pode ser conseguida numa instituição como a prisão. [...] A pena privativa de liberdade não ressocializa, ao contrário, estigmatiza o recluso, impedindo sua plena reincorporação ao meio social. A prisão não cumpre a sua função ressocializadora. Serve como instrumento para a manutenção da estrutura social de dominação.”(MIRABETE, 2002, p.24). O mito da igualdade formal então cai por terra e se vê o Estado olhar de modo diferente para o sujeito em questão, procurando fogo onde antes já viu fumaça. 3.4. Caso condenado, o mito da reeducação do cidadão Na teoria da pena, estudam-se as suas finalidades, quais sejam a retribuição e prevenção. 37 A retribuição em suma, consisti no poder-dever do estado em retribuir o mal praticado pelo individuo com uma penalidade, é uma reação estatal a culpabilidade do sujeito em face da proporcionalidade do ato delituoso por ele praticado, Gabriel Bulhões em seu artigo diz que “Podemos falar que a retribuição amparou as ideias desenvolvidas durante o movimento Iluminista, frente aos abusos cometido pelas monarquias do Antigo Regime e, em um momento posterior, para evitar infortúnios preventivos como o que ocorreu durante a Época do Terror, na Revolução Francesa.”, em um primeiro momento vemos o filosofo alemão Immanuel Kant afirmando que a pena deve ser imposta como uma concepção obrigatória de justiça, se aproximando da concepção de pena contida no Talião (olho por olho e dente por dente), um pouco mais adiante nos deparamos com a teoria de Hegel, dizendo que o delito gera um desequilíbrio pois afronta o contrato social, causando uma negação ao Direito, que nada mais é do que a vontade do povo, sendo assim é necessário que o estado se imponha e reaja de tal forma que consiga restaurar o equilíbrio do contrato social, tratando-se a pena mais do que o fato de simples resposta a um crime, ela é a própria vontade do povo. A prevenção atua de forma diferente da retribuição, seu caráter é psicológico, seu proposito é que a pena sirva de lição e exemplo, lição para aqueles que a ela foram submetidos para que não se tornem reincidentes e, exemplo para infratores em potencial, sobre o assunto o professor Luiz Flávio Gomes explana, “o princípio da prevenção (diferentemente do que propugna a retribuição) olha para o futuro, isto é, a pena teria finalidade de evitar a reincidência ou novos delitos (do próprio agente ou de outras pessoas).” Ainda sobre a teoria da prevenção, podemos falar sobre a dicotomia existente visto que ela se divide em duas vertentes, sendo elas a prevenção geral e a prevenção especial, visto que cada uma delas ainda subdivide-se em positiva e negativa. Na prevenção geral em sua forma negativa vemos a ideia de que o controle social deve ser alcançado através da intimidação, ou seja, da antecipação da penal em abstrato como uma forma efetiva de coação psicológica, já em sua concepção positiva o objetivo é a confiança social no sistema jurídico-penal, quando de fato a sociedade presencia a aplicação da 38 pena prevista, abstendo-se assim de cometer novos delitos por medo de ser punido. A prevenção especial de forma contraria da prevenção geral visa trabalhar no delinquente e não na sociedade, de modo que esse delinquente não volte a cometer infrações e assim evitando a reincidência, a prevenção especial negativa consiste nas penas privativas de liberdade, isolando o delinquente já que ele não tem condições de um convívio harmônico com a sociedade, por outro lado a concepção positiva visa no decurso da execução penal corrigir o apenado de forma que ele passe por um processo de reeducação para poder voltar ao efetivo convívio com a sociedade sem que volte a perturbar a ordem social. A pena é posta na tentativa de evitar que sejam cometidos crimes, no sentido de dar uma resposta à sociedade e também à conduta do infrator, além de procurar através da puniçãoreeducar o sujeito a fim de que possa voltar a viver bem e pacificamente em sociedade. Sobre a finalidade preventiva, Beccaria (2002) já falava que a certeza da punição é mais eficaz do que a previsão de pena de mais grave, pois tal previsão sem concretização leva à ideia de impunidade. Isto também se pode dizer da função repressiva. Não é o rigor do suplício que previne os crimes com mais segurança, mas a certeza do castigo, o zelo vigilante do magistrado e essa severidade inflexível que só é uma virtude no juiz quando as leis são brandas. A perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável causará sempre uma forte impressão mais forte do que um vago temor de um suplicio terrível, em relação ao qual se apresenta alguma esperança de impunidade. A função socializadora, que se pode entender como um processo de comunicação interativa entre o individuo e a sociedade, é a de mais difícil realização, haja vista que 24,4% da população carcerária é composta de reincidentes. Bitencourt assim define: A ressocialização do delinquente implica um processo comunicacional e interativo entre o indivíduo e sociedade. Não se pode ressocializar o delinquente sem colocar em duvida, ao mesmo tempo, o conjunto social normativo ao qual se pretende integrá-lo. Caso contrario, estaríamos admitindo, equivocadamente, que a 39 ordem social é perfeita, ao que, no mínimo, é discutível. (BITENCOURT, 2011, p. 118) O pequeno infrator de fato pode estar entrando para um escola de crimes após fazer parte do sistema prisional num primeiro momento, pois há alta tendência de tornar-se reincidente. Sobro isso afirma Greco: A prisão, como sanção penal de imposição generalizada não é uma instituição antiga e que as razões históricas para manter uma pessoa reclusa foram a principio, o desejo de que mediante a privação da liberdade retribuísse a sociedade o mal causado por sua conduta inadequada; mais tarde, obrigá-la a frear seus impulsos antissociais mais recentemente o propósito teórico de reabilitá-la. Atualmente, nenhum especialista entende que as instituições de custódia estejam desenvolvendo as atividades de reabilitação e correção que a sociedade lhe atribui. O fenômeno da prisionização ou aculturação do detento, a potencialidade criminalizante do meio carcerário que condiciona futuras carreiras criminais (fenômeno de contagio), os efeitos da estigmatização, a transferência da pena e outras características próprias de toda a instituição total inibem qualquer possibilidade de tratamento eficaz e as próprias cifras de reincidência são por si só eloquentes. Ademais, a carência de meios, instalações e pessoal capacitado agravam esse terrível panorama. (GRECO, 2011, p. 476) Mais uma vez, fica claro como é caro o estado de liberdade do cidadão e que riscos ele corre de não se ressocializar e inclusive passar boa parte do resto de sua existência – ou até mesmo ela toda – sendo visto como um problema a ser retirado do convívio social e não alguém a ser reintegrado. 3.5. Em caso de inocência, a falta de êxito na reparação civil em razão da prisão indevida Como sabido, os atos oficiais possuem presunção de validade até que tenham algum vício reconhecido ou declarado. Dentre tais atos, com mais razão ainda está a decisão judicial, que é digna do maior respeito. Nada obstante, é preciso levar em consideração que é uma decisão humana e, portanto, passível de erros. Logo, se ela num primeiro momento entende alguém como responsável por um delito, mas depois libera a pessoa por ausência de elementos suficientes para a caracterização do fato e sua 40 correlação com a pessoa, é certo que se deu novo olhar sobre a situação. Evidentemente, isso ocorre porque houve um erro no curso da persecução. O STJ, por sua vez, entende que em tais situações o julgador estava diante de elementos bastantes para uma decretação de prisão e desse modo seu ato teria sido válido e não um erro, não cabendo indenização por erro judiciário. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – ERRO MATERIAL CARACTERIZADO – MATÉRIA ESTRANHA À DOS AUTOS – CORREÇÃO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – PRISÃO PREVENTIVA E POSTERIOR ABSOLVIÇÃO – ERRO JUDICIÁRIO – NÃO-CONFIGURADO – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULA 282/STF – AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO – SÚMULA 7/STJ – IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL EM RECURSO ESPECIAL. 1. Acolhem-se os embargos de declaração para sanar erro material, tendo em vista que o voto embargado tratou de matéria estranha aos autos. 2. A questão controversa diz respeito à responsabilidade civil estatal por prisão preventiva, seguida de posterior absolvição. 3. Inviável o conhecimento do dissídio jurisprudencial pela ausência de cotejo analítico, que não se satisfaz com a transcrição de ementas. 4. O prequestionamento configura-se com juízo de valor do Tribunal a quo sobre os dispositivos legais aplicados no caso concreto, sob pena de óbice ao conhecimento do recurso especial. Incidência da Súmula 282/STF. 5. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a prisão processual e posterior absolvição no processo criminal não enseja, por si só, direito à indenização. 6. A modificação do posicionamento adotado pela instância ordinária, a fim de se perquirir eventual existência de erro judiciário, a justificar a indenização por danos materiais ou morais, demandaria o reexame das provas dos autos, o que é obstado pela Súmula 7/STJ. 7. Não compete ao STJ exame de matéria constitucional em sede de recurso especial. 8. Embargos de declaração acolhidos, para sanar erro material, e não conhecer do recurso especial dos particulares. (STJ - EDcl no REsp: 1034818 SP 2008/0038218-0, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 13/10/2009, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: --> DJe 28/10/2009) Isso parece um contrassenso e até um resquício ou retorno à teoria do The king can do no wrong, os governos absolutos utilizavam da teoria da irresponsabilidade do Estado para não precisar indenizar seus súditos em face de danos causados pela atividade estatal. A expressão “The King can do no wrong”, quer diz: “o rei não pode errar”, retirava a responsabilização estatal argumentando que como o rei não erra, não haveria como cogitar a ideia de responder por seus atos. (MEIRELLES, 2009, p. 656), pois protege em demasia o Estado e legitima a violência do aparato penal contra o cidadão inocente. 41 CAPÍTULO 4 – O SER E O DEVER SER NA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA 4.1. As normas do art. 5º da CF como normas de eficácia plena e aplicabilidade imediata porém restringível A presunção de inocência está prevista no rol de direitos e garantias individuais do cidadão, conforme o texto constitucional no artigo 5º. LVII dizendo que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Além do mais, o parágrafo 1º afirma que tais direitos ali listados são de aplicabilidade e eficácia imediatas “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.”. Nenhum direito, em todo caso, é absoluto e pode, portanto haver restrições. Neste sentido é a doutrina de José Afonso da Silva (2014) quando diz que o “ princípio da harmonia, que não significa nem o domínio de um pelo outro nem a usurpação de atribuições, mas a verificação de que, entre eles, há de haver consciente colaboração e controle recíproco (que, aliás, integra o mecanismo), para evitar distorções e desmandos. A desarmonia, porém, se dá sempre que se acrescem atribuições, faculdades e prerrogativas de um em detrimento de outro”. Na prática, isso quer dizer que pode haver uma limitação ao exercícios de tais direitos, falamos então de norma de eficácia contida. Na lição de José Afonso : Algumas normas podem caracterizar-se como de eficácia contida, mas sempre de aplicabilidade direta e imediata,caso em que a previsão de lei não significa que desta dependem sua eficácia e aplicabilidade, visto que tal lei não se destina a integrar-lhes a eficácia (que já têm amplamente), mas visa restringir:;lhes a plenitude desta, regulando os direitos subjetivos que delas decorrem para os indivíduos ou grupos. Esta situação é possível compreender a mesma perfeitamente no caso de um direito em que se vislumbre o exercício, tal como o de exercício profissional ou da liberdade de locomoção. Contudo, é preciso deixar claro que entre os direitos fundamentais ali listados, por alguns chamados de direitos da primeira geração, o constitucionalista Paulo Bonavides (1993) diz que “os direitos fundamentais de primeira dimensão representam exatamente os direitos civis e políticos, que 42 correspondem à fase inicial do constitucionalismo ocidental, mas que continuam a integrar os catálogos das Constituições atuais (apesar de contar com alguma variação de conteúdo), o que demonstra a cumulatividade das dimensões.”, são direitos postos para limitar a ação do estado. Daniel Sarmento afirma : Dentro deste paradigma, os direitos fundamentais acabaram concebidos como limites para a atuação dos governantes, em prol da liberdade dos governados”. Eles demarcavam um campo no qual era vedada a interferência estatal, estabelecendo, dessa forma, uma rígida fronteira entre o espaço da sociedade civil e do Estado, entre a esfera privada e a pública, entre o „jardim e a praça‟. Nesta dicotomia público/privado, a supremacia recaía sobre o segundo elemento do par, o que decorria da afirmação da superioridade do indivíduo sobre o grupo e sobre o Estado. Conforme afirmou Canotilho, no liberalismo clássico, o „homem civil‟ precederia o „homem político‟ e o „burguês‟ estaria antes do „cidadão‟. (...) No âmbito do Direito Público, vigoravam os direitos fundamentais, erigindo rígidos limites à atuação estatal, com o fito de proteção do indivíduo, enquanto no plano do Direito Privado, que disciplinava relações entre sujeitos formalmente iguais, o princípio fundamental era o da autonomia da vontade. E a presunção de inocência está entre eles. Além do mais, é uma garantia do sujeito e não um direito de exercício ativo por parte do sujeito, de modo que não se pode imaginar que haja motivo para restringir o conceito de inocência em razão de alguma situação especial. Inocência é estado do sujeito e tal presunção deve existir de igual maneira em qualquer momento e em razão de qualquer vicissitude por que passe o Estado. Não é possível logicamente aceitar que alguém seja considerado inocente num período de normalidade e culpável num período de exceção dentro dos ditames da constituição posta. É importante fazer esta distinção, pois do contrário estaria se imaginando que todas as garantias fundamentais são restringíveis e acabar com isso gerando entendimentos e decisões preocupantes. 4.2. O direito legitimo que tem o Estado de defender a ordem e prender alguém, cautelar ou definitivamente Já foi falado antes, mas aqui é bom repetir, que a finalidade do Estado é promover a paz entre todos e se for o caso punir quem não coopera para que ela aconteça. Em outras palavras, é necessário sim punir o infrator. 43 O direito penal, por sua vez, surge como a resposta de uma sanção jurídica, cuja execução é garantida por uma sanção externa e institucionalizada, já que as normas jurídicas são normas de eficácia reforçada em relação as normas sócias e morais, a uma conduta que violou previsão legal que foi criada para proteger bem jurídico considerado da maior importância. Neste sentido Roberto Bueno comenta a obra de Bobbio afirmando: Bobbio reconhece que as normas jurídicas são, em alguma medida imperativas e, de alguma forma coercitivas. Bobbio considera o Direito como um ordenamento que tem lastro importante na coercitividade. Nele há um nexo indissolúvel entre Direito e coerção, conceito este que encontra oposição no tão característico valor liberal da autonomia e, desde logo, no ordenamento jurídico que lhe sustenta. Bobbio apresenta duas teorias relativas ao quesito sanção, a teoria da institucionalização e a teoria coercitiva do Direito, ele as diferencia da seguinte forma: ... a teoria que dá particular destaque ao aspecto da institucionalização, isto é, ao fato de que a resposta à violação de normas do sistema, no caso do sistema jurídico, é ela própria regulada por normas do sistema que visam torná-la o mais constante, proporcional ao delito, imparcial e certa possível; e a teoria que, acentuando o momento do exercício da força por parte do poder constituído, identifica a sanção jurídica com a coação, isto é, com aquele modo particular de infligir um mal que é o exercício da força física. O que se quer, todavia, é que se seja criterioso em apontar quem de fato foi que cometeu o crime, sob pena de perturbar de maneira irreparável a vida de uma pessoa inocente, colocando em questão e fragilizando de uma forma dualista a confiança social no estado, por um lado o pensamento de como o estado pode punir alguém de forma tão injusta, por outro os anseios sócias em ver o delinquente punido com todo o rigor possível, de ter alguém para apontar como culpado. 4.3. O que efetivamente significa condenação com base em indícios Apesar de não parecer justo, a doutrina fala ser possível a condenação de um sujeito com base em indícios que o caracterizem como cometedor do fato. 44 Capez afirma: No caso de o juiz se convencer da existência do crime e de indícios suficientes da autoria, deve proferir sentença de pronúncia, fundamentando os motivos de seu convencimento. Não é necessária prova plena de autoria, bastando meros indícios, isto é, a probabilidade de que o réu tenha sido o autor do crime. Nucci explana: Demanda-se a prova da existência do fato descrito como crime e indícios suficientes de autoria ou participação. A existência do fato criminoso é a materialidade, ou seja, a certeza de que ocorreu uma infração penal, em tese. Atinge-se essa certeza, no contexto dos delitos contra a vida, como regra, através do laudo pericial, demonstrando a ocorrência de morte (homicídio, aborto, infanticídio, participação em suicídio). Entretanto, é possível formar a materialidade também com o auxílio de outras provas, especialmente a testemunhal (art. 167, CPP).‟ Sobre o tema o voto do Ministro Luiz Fux: (...) Com efeito, a atividade probatória sempre foi tradicionalmente ligada ao conceito de verdade, como se constatava na summa divisio que por séculos separou o processo civil e o processo penal, relacionando-os, respectivamente, às noções de verdade formal e de verdade material. Na filosofia do conhecimento, adotava-se a concepção de verdade como correspondência. Nesse contexto, a função da prova no processo era bem definida. Seu papel seria o de transportar para o processo a verdade absoluta que ocorrera na vida dos litigantes. Daí dizer-se que a prova era concebida apenas em sua função demonstrativa (cf. TARUFFO, Michele. “Funzione della prova: la funzione dimostrativa”, in Rivista di Diritto Processuale, 1997). O apego ferrenho a esta concepção gera a compreensão de que uma condenação no processo só pode decorrer da verdade dita “real” e da (pretensa) certeza absoluta do juiz a respeito dos fatos. Com essa tendência, veio também o correlato desprestígio da prova indiciária, a circumstantial evidence de que falam os anglo-americanos, embora, como será exposto a seguir, o Supremo Tribunal Federal possua há décadas jurisprudência consolidada no sentido de que os indícios, como meio de provas que são, podem levar a uma condenação criminal. Contemporaneamente, chegou-se à generalizada aceitação de que a verdade (indevidamente qualificada como “absoluta”, “material” ou “real”) é algo inatingível pela compreensão humana,
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