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1 TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Atualizado em 15.04.2019 Sumário 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 2 2. CONCEITO E ABRANGÊNCIA ....................................................................................................... 2 Direitos fundamentais x garantias fundamentais ...................................................................... 8 Direitos fundamentais x direitos humanos ................................................................................ 9 3. TITULARIDADE ............................................................................................................................ 9 4. CARACTERÍSTICAS ..................................................................................................................... 13 5. GERAÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................................................................ 17 6. CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ....................................................................... 22 7. APLICABILIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...................................................................... 23 Proibição de proteção insuficiente (proibição de proteção deficiente, proibição de insuficiência ou proibição por defeito) ......................................................................................................... 24 Princípio da Reserva do Possível x Mínimo Existencial ............................................................ 25 Princípio da vedação do retrocesso ......................................................................................... 31 8. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................................................................. 34 Dimensões ................................................................................................................................... 34 Teoria dos quatro status de Jellinek ............................................................................................. 37 Eficácia dos Direitos Fundamentais .............................................................................................. 38 Teorias sobre a eficácia dos direitos fundamentais ................................................................. 41 Eficácia horizontal dos direitos fundamentais no Brasil .......................................................... 44 9. CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS JUSTIFICADORAS ........................................................................... 51 10. COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS .................................................................................. 52 11. LIMITAÇÕES E RESTRIÇÕES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................................... 58 12. TEORIA DOS DEVERES FUNDAMENTAIS .................................................................................. 65 2 1. INTRODUÇÃO Direitos fundamentais, ao lado de controle de constitucionalidade, é, sem dúvida, um dos temas mais importantes da grade de Direito Constitucional. Neste material, abordaram-se várias nuances da teoria geral dos direitos fundamentais, a fim de que o aluno tenha contato com as principais teses e possa, com isso, além de acertar as questões objetivas, desenvolver uma boa dissertação em provas discursivas, caso o tema seja cobrado. 2. CONCEITO E ABRANGÊNCIA Pode-se conceituar os direitos fundamentais como aqueles essenciais e indispensáveis à existência digna, livre e igual da pessoa humana. O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano, que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana, pode ser definido como direitos fundamentais.1 Constituem-se, pois, de “limitações impostas pela soberania popular aos poderes constituídos do Estado Federal, sendo um desdobramento do Estado Democrático de Direito”.2 Obs. O termo "direitos fundamentais" apareceu inicialmente na França do século XVIII, no curso do movimento político-cultural que levou à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789. A expressão está positivada no Título II, da CF/88 e abrange cinco Capítulos: a) direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5.º); 1 Constituição Federal Comentada. Alexandre de Moraes e Outros. 2018. 2 Direito Constitucional. Rodrigo Padilha. 2018. 3 b) direitos sociais (arts. 6.º a 11); c) direitos à nacionalidade (arts. 12 e 13); d) direitos políticos (arts. 14 a 16); e) partidos políticos (art. 17). Embora constem de positivação específica na CF/88, os direitos fundamentais não se restringem estreitamente a ela, podendo ser também identificados ao longo do texto constitucional. A leitura constitucionalmente adequada dos direitos fundamentais abrange direitos ambientais (art. 225), direitos econômicos (art. 170), direitos relacionados à educação (art. 205), direitos relacionados à saúde (art. 196), entre outros. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, na ADI 939-7/DF, expressamente reconheceu a anterioridade tributária (art. 150, III, “b”) como um direito individual do contribuinte. 💡 O rol de direitos fundamentais elencado na Constituição deve ser considerado apenas como exemplificativo (numerus apertus), não com um rol exaustivo (numerus clausus). Obs. A “dupla fundamentalidade dos direitos fundamentais”: Conforme especifica a doutrina especializada3, os direitos fundamentais podem ser compreendidos em sentido formal e material, como objetos de especial dignidade e proteção. Em sentido formal, são direitos fundamentais aqueles direitos localizados em um plano normativo especial: a Constituição. Por sua vez, são direitos materialmente fundamentais a base axiológica, a estrutura de valores vigentes em uma sociedade. De modo geral, os direitos fundamentais em sentido formal podem, acompanhando Konrad Hesse, ser definidos como aquelas posições jurídicas da pessoa (na sua dimensão individual ou coletiva) que, por decisão expressa do Legislador-Constituinte 3 Curso de Direito Constitucional. Ingo Wolfgang Sarlet; Luiz Guilherme Marinoni; Daniel Mitidiero. 2016. 4 foram consagradas no catálogo dos direitos fundamentais. Por outro lado, direitos fundamentais em sentido material são aqueles que, apesar de se encontrarem fora do catálogo, por seu conteúdo e por sua importância, podem ser equiparados aos direitos formalmente (e materialmente) fundamentais. A fundamentalidade de tais direitos implica um regime jurídico definido a partir da própria constituição, seja de forma expressa, seja de forma implícita, e composto, em especial, pelos seguintes elementos: (a) como parte integrante da Constituição escrita, os direitos situam-se no ápice de todo o ordenamento jurídico, gozando da supremacia hierárquica das normas constitucionais; (b) na qualidade de normas constitucionais encontram-se submetidos aos limites formais (procedimento agravado) e materiais (cláusulas pétreas) da reforma constitucional (art. 60 da CF); (c) as normas de direitos fundamentais são diretamente aplicáveis e vinculam de forma imediata o Estado e, mediante as necessárias ressalvas e ajustes (conforme estudaremos adiante), também os atores privados (art. 5º, § 1º, da CF). (MPE/PR 2019) A caracterização de um direito como fundamental não é determinada apenas pela relevância do bem jurídico tutelado por seus predicados intrínsecos, mas também pela relevância que é dada a esse bem jurídico pelo constituinte, mediante atribuição da hierarquia correspondente (expressa ou implicitamente)e do regime jurídico-constitucional assegurado às normas de direitos fundamentais. CERTO (MPE/GO 2014) A fundamentalidade material fornece suporte para a abertura a novos direitos fundamentais, sendo correto observar que aos direitos fundamentais só materialmente constitucionais são aplicáveis aspectos típicos do regime jurídico da fundamentalidade formal. CERTO 5 Outrossim, nos termos do § 2º, art. 5º da CF/88: Art. 5º. § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. (FCC DPE/BA 2016) A cláusula de abertura material do catálogo de direitos fundamentais expressa no § 2º do art. 5º da Constituição Federal não autoriza que direitos consagrados fora do Título II do texto constitucional sejam incorporados ao referido rol. ERRADO Para além de corroborar a natureza exemplificativa do rol de direitos fundamentais, o texto constitucional atesta a existência de direitos fundamentais IMPLÍCITOS, posto que “decorrentes do regime e dos princípios” constitucionalmente adotados. É com fundamento nesse dispositivo que o STF assegurou, por exemplo, a proteção familiar a pessoas do mesmo sexo. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do § 2º do art. 5º da CF, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem "do regime e dos princípios por ela adotados" (...).4 Adiante, a CF/88, alterada pela EC 45/04, eleva ao status de direitos constitucionais, os direitos previstos em tratados e convenções sobre direitos humanos, 4 STF. ADI 4.277 e ADPF 132, rel. min. Ayres Britto, j. 5-5-2011, P, DJE de 14-10-2011. 6 aprovados sob o rito específico equiparado ao necessário à aprovação de uma emenda constitucional. Art. 5º. § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (FCC PGM/Teresina 2010) Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. CERTO Nessa esteira, incorporou-se ao ordenamento constitucional a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, primeiro tratado internacional aprovado pelo rito legislativo previsto no art. 5º, § 3º, da CF, o qual foi internalizado por meio do Decreto presidencial 6.949/2009. (PGE/AC 2014) A Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência foi incorporada no ordenamento brasileiro com hierarquia supralegal, mas infraconstitucional. ERRADO Obs. O STF posiciona-se no sentido que os tratados e convenções internacionais de direitos humanos aprovados pelo procedimento ordinário (art. 47, CF5) teriam, por sua vez, uma hierarquia supralegal, isto é, estariam situados abaixo da Constituição, mas acima da legislação ordinária. À vista disso, foi editada a Súmula Vinculante 25: Súmula Vinculante 25 - É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito. Segundo o STF: 5 Art. 47. Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros. 7 (...) desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o DL 911/1969, assim como em relação ao art. 652 do novo Código Civil (Lei 10.406/2002).6 Obs2. Ainda, consoante o STF7, a Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, incorporada ao direito interno pelo Decreto 154, de 26- 6-1991 revela-se, igualmente como norma supralegal, de hierarquia intermediária. ✎ Sintetizando: Tratados e convenções internacionais de direitos humanos, aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros: natureza constitucional - equivalentes às emendas constitucionais. Tratados e convenções internacionais de direitos humanos, aprovados pelo procedimento ordinário: status supralegal, situando-se entre as leis e a Constituição. 6 RE 466.343, rel. min. Cezar Peluso, voto do min. Gilmar Mendes, j. 3-12-2008, P, DJE de 5-6-2009. 7 HC 97.256, rel. min. Ayres Britto, j. 1º-9-2010, P, DJE de 16-12-2010. 8 Tratados e convenções internacionais que não versem sobre direitos humanos: incorporam o ordenamento jurídico brasileiro com força de lei ordinária. (VUNESP Proc/Câmara de Campo Limpo Paulista - SP 2018) Os tratados de direitos humanos aprovados por processo legislativo ordinário são incorporados no direito brasileiro com natureza supralegal, suspendendo a eficácia das normas infralegais que com eles sejam conflitantes8. CERTO (VUNESP Procurador Jurídico/SAAE-SP 2014) Os tratados internacionais de direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro pelo procedimento anterior ao previsto atualmente, em razão da edição da Emenda Constitucional n.º 45/04, possuem status supralegal, paralisando a eficácia de todo o ordenamento infraconstitucional em sentido contrário. CERTO DIREITOS FUNDAMENTAIS X GARANTIAS FUNDAMENTAIS Fundamentalmente, conforme visto acima, define-se os direitos fundamentais como as prerrogativas essenciais de proteção à dignidade dos particulares, em face do Estado – disposições declaratórias. Por sua vez, as chamadas garantias fundamentais – disposições assecuratórias – são instrumentos constitucionais idealizados para assegurar efetividade e proteção aos direitos fundamentais, veiculando um “meio” em defesa de um direito substancial. 8 Trata-se do que o Min. Gilmar Mendes denominou de “eficácia suspensiva de efeito paralisante” no RE 466.343-1: “... os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, se não incorporados na forma do art. 5º, §3º (quando teriam natureza de norma constitucional), têm natureza de normas supralegais, paralisando, assim, a eficácia de todo o ordenamento infraconstitucional em sentido contrário". 9 DIREITOS FUNDAMENTAIS X DIREITOS HUMANOS Embora seja possível encontrar doutrina que utilize as expressões como sinônimas, a expressão “direitos humanos” é mais comumente associada a “direitos do homem” e aos direitos naturais,acompanhada, portanto, de uma pretensão normativa de universalidade, abrangendo, desse modo, qualquer pessoa numa perspectiva extraestatal (internacional)9. A leitura mais recorrente e atual sobre o tema, é aquela que afirma que os "direitos fundamentais" e os "direitos humanos" se separariam apenas pelo plano de sua positivação, sendo, portanto, normas jurídicas exigíveis, os primeiros no plano interno do Estado, e os segundos no plano do Direito Internacional, e, por isso, positivados nos instrumentos de normatividade internacionais (como os Tratados e Convenções Internacionais, por exemplo)10. Obs. Em síntese, uma diferenciação precisa dos termos estabeleceria o seguinte: Direitos fundamentais: direitos positivados e protegidos pelo direito constitucional interno de cada Estado. Direitos humanos: reconhecidos e positivados na esfera do direito internacional. Direitos do homem: no sentido de direitos naturais, não positivados ou ainda não positivados. 3. TITULARIDADE Atendendo à literalidade do texto constitucional, os direitos fundamentais seriam titularizados pelos brasileiros e estrangeiros residentes no País. No entanto, tal interpretação revela-se incompatível com a dignidade da pessoa humana11 (fundamento 9 Curso de Direito Constitucional. Bernardo Gonçalves. 2017. 10 Curso de Direito Constitucional. Bernardo Gonçalves. 2017. 11 CF, art. 1°, III. 10 da República Federativa do Brasil), de forma que se impõe uma interpretação sistemática, no sentido de abarcar todas as pessoas que se encontrem no território brasileiro, incluindo, portanto, os estrangeiros ainda que não residentes. Nesse sentido, noticia o STF: Impõe-se, ao Judiciário, o dever de assegurar, mesmo ao réu estrangeiro sem domicílio no Brasil, os direitos básicos que resultam do postulado do devido processo legal, notadamente as prerrogativas inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as partes perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante.12 Com efeito, o entendimento do STF é no sentido que a condição humana da pessoa estrangeira é protegida constitucionalmente e no âmbito dos direitos humanos. O súdito estrangeiro, mesmo aquele sem domicílio no Brasil, tem direito a todas as prerrogativas básicas que lhe assegurem a preservação do status libertatis e a observância, pelo Poder Público, da cláusula constitucional do due process.13 Sob esse raciocino, o Supremo já entendeu pela legitimidade do estrangeiro para impetração de Habeas corpus14, pela possibilidade de concessão do benefício da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos15, bem como pela viabilidade de progressão de regime pelo estrangeiro que cumpre pena no País16. 12 HC 94.016, Rel. Min. Celso de Mello, julg. em 16.9.2008, 2ª T, DJ de 27.2.2009. No mesmo sentido: HC 94.404, Re. Min. Celso de Mello, julg. em 18.11.2008, 2ª T. 13 HC 94.016, Rel. Min. Celso de Mello, julg. em 16.9.2008, 2ª T, DJ de 27.2.2009. 14 HC 94.016, Rel. Min. Celso de Mello, julg. em 16.9.2008, 2ª T, DJ de 27.2.2009. 15 “O Princípio da Isonomia, garantia pétrea constitucional extensível aos estrangeiros, impede que o condenado não nacional pelo crime de tráfico ilícito de entorpecentes seja privado da concessão do benefício da substituição da pena privativa por restritiva de direitos quando atende aos requisitos objetivos e subjetivos do art. 44 do Código Penal”. HC 94.477/PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Julg. em 06.09.2011. 16 É possível inclusive que seja deferida a progressão de regime ao apenado que aguarda o cumprimento da ordem de extradição. Mas isso só poderá ser concretizado pelo juízo das execuções depois que o STF concordar. ExT 893/QO. 2ª T. Julg. em 10.03.2015. Rel. Min Gilmar Mendes. 11 (PGM Maricá/RJ 2018) Os direitos e garantias fundamentais não são aplicáveis aos estrangeiros não residentes no país, mesmo que a violação ocorra enquanto estão em território brasileiro. ERRADO (PGR 2017) A despeito de a Constituição de 1988 ter limitado ao “estrangeiro residente” a titularidade de direitos fundamentais, a doutrina é pacífica quanto à impossibilidade de privação de tais direitos pelo exclusivo critério da “não-residência”. CERTO Obs. Há direitos fundamentais, inclusive, cuja titularidade é reservada aos estrangeiros, por exemplo, o direito ao asilo político. (CESPE TJ/DFT 2016) Há direitos fundamentais cuja titularidade é reservada aos estrangeiros. CERTO Ademais, tem-se por inegável, atualmente, que pessoas jurídicas são titulares de direitos e garantias fundamentais – direito à indenização por danos morais, direito à imagem, direito de propriedade, direito de igualdade, de propriedade, de sigilo de correspondência, etc. Podem ser identificados, inclusive, direitos específicos de pessoas jurídicas, como o de não interferência estatal no funcionamento das associações (art. 5°, XVIII) e o de não serem elas dissolvidas compulsoriamente (art. 5°, XIX). Outrossim, não estão afastadas do elenco de titulares, as pessoas jurídicas de direito público, sobretudo, dos direitos fundamentais de natureza procedimental17. É possível identificar algumas hipóteses atribuindo a titularidade de direitos fundamentais às pessoas jurídicas de direito público, o que se verifica especialmente na esfera de direitos de cunho processual (como o de ser ouvido em Juízo, o direito à igualdade de armas – este já consagrado no STF – e o direito à ampla defesa), mas 17 STF. AC 2.395 MC/PB. STF - AC (QO) 2.032/SP 12 também alcança certos direitos de cunho material, como é o caso das Universidades (v. a autonomia universitária assegurada no art. 207 da CF), órgãos de comunicação social (televisão, rádio etc.), corporações profissionais, autarquias e até mesmo fundações, que podem, a depender das circunstâncias, serem titulares do direito de propriedade, de posições defensivas em relação a intervenções indevidas na sua esfera de autonomia, liberdades comunicativas, entre outros.18 O entendimento encontra guarida na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Não se deve negar aos Municípios, peremptoriamente, a titularidade de direitos fundamentais e a eventual possibilidade de impetração das ações constitucionais cabíveis para sua proteção. Se considerarmos o entendimento amplamente adotado de que as pessoas jurídicas de direito público podem, sim, ser titulares de direitos fundamentais, como, por exemplo, o direito à tutela judicial efetiva, parece bastante razoável vislumbrar a hipótese em que o Município, diante de omissão legislativa do exercício desse direito, se veja compelido a impetrar mandado de injunção. A titularidade de direitos fundamentais tem como consectário lógico a legitimação ativa para propor ações constitucionais destinadas à proteção efetiva desses direitos.19 (MPE/PR 2019) As pessoas jurídicas de direito público são titulares de direitos fundamentais apenas de cunho processual (por exemplo, o contraditório e a ampla defesa), sendo incompatíveis com sua natureza direitos de natureza estritamente material. ERRADO 18 Curso de Direito Constitucional. Ingo Wolfgang Sarlet; Luiz Guilherme Marinoni; Daniel Mitidiero. 2016. 19 STF, MI 725/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 10/5/2007. 13 (PGR 2015) Segundo o STF, as pessoas jurídicas de direito público podem ser titulares de direitos fundamentais. CERTO 4. CARACTERÍSTICAS A doutrina, naturalmente, não é unânime na catalogação das características dos direitos fundamentais. Todavia, para fins de concurso público, é importantesejam conhecidas algumas, notadamente por serem cobradas pelas bancas com certa frequência. São elas: 1. Universalidade: significa que os direitos fundamentais se destinam, de modo indiscriminado, a todos os seres humanos. Nesse sentido, é corrente na doutrina a afirmação de que para ser titular de direitos fundamentais a condição humana é suficiente. Tal afirmação é correta, porém incompleta. A uma porque pessoas jurídicas também podem titularizar direitos dessa estirpe. A duas porque alguns direitos fundamentais são afetos a determinado grupo de indivíduos, como, por exemplo, aos trabalhadores. 2. Inviolabilidade: os direitos fundamentais são de observância obrigatória, pelo Poder Público e nas relações particulares, sob pena de nulidade. 3. Limitabilidade ou relatividade: conforme será adiante melhor explanado, os direitos fundamentais não são absolutos, podendo sofrer restrições quando contrapostos a outros valores constitucionais no caso concreto. Obviamente, tais restrições não podem ser tamanhas a esvaziar o próprio direito fundamental, o que também será detalhado à frente. Nada obstante, é importante pontuar que alguns autores (por todos, Norberto Bobbio) têm se esforçado em enumerar alguns direitos fundamentais absolutos, como, por exemplo, o direito de não ser escravizado, o direito de não ser torturado, o direito à democracia, dentre outros. 4. Historicidade: apenas fazem sentido em determinado contexto histórico, exatamente por não serem absolutos ou naturais. Cada direito é resultado de um processo histórico (processo de construção) que conduz à sua afirmação e consolidação. Isso permite o reconhecimento da índole evolutiva dos direitos 14 fundamentais, que podem surgir, modificar-se, desaparecer e reaparecer, conforme a sucessão dos tempos. 5. Irrenunciabilidade: significa que os direitos fundamentais não podem ser renunciados, embora, não raro, seja o seu não exercício. O fundamento da impossibilidade jurídica de renúncia encontra-se justamente na dignidade da pessoa humana. Segundo a doutrina, entretanto, “é admissível, sob certas condições, a autolimitação voluntária ao EXERCÍCIO dos direitos fundamentais num caso concreto (ou seja, a renúncia não seria ao direito, mas sim ao exercício do direito). Embora isso deva estar sempre sujeito à constante (a todo o tempo) reserva de revogação”20. (MPE/MG 2017) É admissível a renúncia ao exercício dos direitos fundamentais como corolário do livre desenvolvimento da personalidade. CERTO 6. Inalienabilidade/indisponibilidade: por não terem conteúdo econômico- patrimonial não podem ser alienados (José Afonso da Silva). O fundamento da impossibilidade jurídica da alienação/disposição é igualmente o princípio da dignidade da pessoa humana. Alguns autores (ex. Gilmar Mendes e Canotilho) admitem restrições a direitos fundamentais diante de uma finalidade acolhida ou tolerada pela ordem constitucional21. São exemplos apontados pelos autores o da liberdade de expressão e manifestação, que pode ceder face a um contrato de trabalho no qual fique estabelecido cláusula de confidencialidade, ou ainda, quando da participação voluntária do indivíduo em um reality show22. 20 Curso de Direito Constitucional. Dirley da Cunha Jr. 2017. 21 Curso de Direito Constitucional. Gilmar Mendes. 2015. 22 Ex. “Big Brother Brasil”. 15 (PGR 2015) O exercício dos direitos fundamentais pode ser facultativo, sujeito, inclusive, a negociação ou mesmo prazo fatal. CERTO 7. Imprescritibilidade: também decorrente da ausência de natureza patrimonial, a pretensão ao exercício de direitos fundamentais não se sujeita a prazos prescricionais (José Afonso da Silva). Não podem, portanto, desaparecer pelo decurso do tempo, sendo permanentemente dotados de exigibilidade. Obs. Nessa esteira, os direitos fundamentais devem apresentar um processo de agregação que avança sempre no sentido a aumentar o seu núcleo, incorporando novos direitos ou aumentando o âmbito de incidência nas relações humanas, mas nunca recuando ou eliminando-se direitos já conquistados23. Trata-se de aplicação da intitulada “proibição do retrocesso”24 (estudada adiante). (VUNESP PGM/São Bernardo do Campo-SP 2018) Historicidade, universalidade, ilimitabilidade, irrenunciabilidade e imprescritibilidade são algumas das características dos direitos fundamentais. ERRADO As características seguintes são de citação menos comum, mas é bom que o aluno conheça sua menção: 8. Interdependência: o efetivo sentido e tutela dos direitos fundamentais só podem ser obtidos a partir da análise conjugada de um direito com os demais, em verdadeiro esforço de conjugação de todos em um só sistema. Assim é 23 Curso de Direito Constitucional. Bernardo Gonçalves. 2017. 24 Para alguns doutrinadores, esse princípio de forma autônoma (em relação às outras características) também seria uma das características dos direitos fundamentais. Curso de Direito Constitucional. Dirley da Cunha Jr. 2017. 16 que não há como falar de um direito à igualdade independente do direito à educação, saúde ou liberdade, por exemplo. 9. Complementaridade: essa caraterística relaciona-se com a anterior, e destaca que uma interpretação constitucional adequada de um direito fundamental busca contornos, limites, definições e conteúdo em outros, de modo que os permaneçam coerentemente integrados. Nesse sentido o direito à liberdade de locomoção, por exemplo, conecta-se à garantia do habeas corpus, assim como ao devido processo legal. 10. Indivisibilidade: igualmente decorrente dos caracteres precedentes, diz-se que os direitos fundamentais formam um conjunto uno e indivisível, não sendo possível conceber direitos civis e políticos dissociados dos direitos sociais econômicos e culturais, por exemplo. 11. Inexauribilidade: O rol de direitos fundamentais não é exaustivo e não se exaure em definitivo. Os direitos constantes na CF/88 são meramente exemplificativos, admitindo-se outros que decorram do regime, dos princípios adotados por ela ou dos tratados em que a República federativa do Brasil seja parte (art. 5º, § 2º). Ademais, em razão da historicidade, remanesce a expectativa de novos direitos fundamentais, decorrentes da inesgotável e crescente dinâmica social. É o caso, por exemplo, do direito à moradia, que por força da Emenda Constitucional 26/2000, passou a ser considerado formalmente direito fundamental. 12. Inerência: os direitos fundamentais são inerentes a cada pessoa, pelo simples de existir, dispensando condições à titularidade (Kildare Gonçalves Carvalho25). 13. Continuidade/Identidade: O constituinte reconheceu ainda que os direitos fundamentais são elementos integrantes da identidade e da continuidade da Constituição, considerando, por isso, ilegítima qualquer reforma 25 Direito Constitucional. Kildare Gonçalves Carvalho. 2017. 17 constitucional tendente a suprimi-los (art. 60, § 4º) (Gilmar Ferreira Mendes26). Direitos e garantias fundamentais devem ter eficácia imediata (cf. art. 5º, § 1º); a vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos deve obrigar o Estado a guardar-lhes estrita observância. Direitos fundamentais são elementos integrantes da identidade e da continuidade da Constituição (art. 60, § 4º)27. 14. Positividade: segundo essa característica os direitos fundamentais encontram- se positivados na Constituição Federal, ainda que implicitamente. Admite-se, contudo, direitos fundamentais fora da Constituição. Daí poder-se falar, respectivamente, em direitos fundamentais formalmente constitucionais e direitos fundamentais materialmente constitucionais – dupla fundamentalidade (estudadaacima). 5. GERAÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS Não é difícil imaginar que todos os candidatos saibam dissertar algo sobre as três primeiras gerações de direitos fundamentais, que se espelham no lema da revolução francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. Todavia, a doutrina mais atual tem reconhecido outras gerações de direitos fundamentais, que podem ainda ser estranhos à boa parte dos estudantes. Seguem todas elas: Primeira geração: são os direitos ligados às liberdades individuais e ao consequente dever de abstenção do Estado em interferir na vida privada. Nesse sentido, também são conhecidos como liberdades negativas. Aqui também se encontram os direitos políticos, que, em última análise, traduzem a liberdade do homem de se posicionar na vida pública. 26 Os Direitos Fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitucional. Gilmar Ferreira Mendes. 2003. 27 STF. Ext 986, rel. min. Eros Grau, julgamento em 15-8-2007, Plenário, DJ de 5-10-2007 18 Marco temporal: inauguração do constitucionalismo do Ocidente – final do século XVIII e início do século XIX. Segunda geração: são os direitos fundamentais prestacionais, ou seja, que exigem do Estado uma atuação positiva no sentido de sua implementação. São teorizados sobre o prisma da igualdade material e da justiça social. Nessa seção situam-se os direitos sociais, econômicos e culturais. Marco temporal: desenvolvimento do Estado Social, no curso do século XX, como resposta aos movimentos e ideias liberais. Terceira geração: relacionam-se com o terceiro pilar da revolução francesa, qual seja, a fraternidade ou solidariedade. Correspondem, portanto, aos direitos dos indivíduos enquanto membros da coletividade, ou seja, possuem natureza transindividual. Aqui situam-se, por exemplo, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o direito dos consumidores. Outros autores apontam, ainda, o direito à paz, ao desenvolvimento e à comunicação. Marco temporal: resgate do teor humanístico oriundo da tomada de consciência de um mundo partido entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas28, no final do século XX. Quarta geração: como dito, a tradicional teorização das gerações dos direitos fundamentais tem sido incrementada por novas revoluções tecnológicas e informacionais na sociedade moderna. Fala-se, assim, na quarta geração de direitos fundamentais, que alicerçariam o futuro da cidadania e da liberdade dos povos, em tempos de globalização político-econômica. Para fins de concurso público, é importante saber que existem dois autores relevantes que cuidam do tema, porém com abordagens distintas: a) Norberto Bobbio: entende que a quarta geração deriva dos avanços concernentes à biotecnologia e engenharia genética, que deve observar limites e condicionantes, 28 Curso de Direito Constitucional. Bernardo Gonçalves. 2017. 19 sob pena de colocar em risco a própria existência humana. O autor elenca como exemplos o direito contra manipulações genéticas e o direito à mudança de sexo. b) Paulo Bonavides: afirma que a quarta geração está relacionada à globalização política, destacando-se os direitos à democracia, à informação, ao pluralismo. Marco temporal: avanço da globalização, início do século XXI. Exigência normativa de universalização dos direitos fundamentais para além do campo estatal, conectando-os a elementos essenciais para a formação de uma sociedade aberta do futuro. Quinta geração: por fim, a título de completude acerca do tema, Paulo Bonavides registra que o direito à paz deve ser tratado à parte, distanciando-o da terceira geração, alcançando assim um patamar superior e específico de fundamentalidade, no século XXI29. É importante conhecer a posição do autor pela sua envergadura na doutrina brasileira, todavia, cumpre consignar que sua posição se encontra isolada. 29 “Vamos, por conseguinte, retirar o direito à paz da invisibilidade em que o colocou o edificador da categoria dos direitos da terceira geração.(...) Devemos assinalar, doravante, que a defesa da paz se tornou princípio constitucional, insculpido no art. 4°, VI, da CR. Desde 1988 avulta entre os princípios que o legislador constituinte estatuiu para regerem o país no âmbito de suas relações internacionais. E, como todo princípio na Constituição, tem ele a mesma força, a mesma virtude, a mesma expressão normativa dos direitos fundamentais. Só falta universalizá-lo a cânone de todas as Constituições. Vamos requerer, pois, o direito à paz como se requerem a igualdade, a moralidade administrativa, a ética na relação política, a democracia no exercício do poder (...) A ética social da contemporaneidade cultiva a pedagogia da paz. Impulsionada do mais alto sentimento de humanismo, ela manda abençoar os pacificadores. Elevou-se, assim, a paz ao grau de direito fundamental da quinta geração ou dimensão (as gerações antecedentes compreendem direitos individuais, direitos sociais, direitos ao desenvolvimento, direito à democracia). (...)Subimos, agora, o derradeiro degrau na ascensão ao patamar onde, desde já, é possível proclamar também, em regiões teóricas, o direito à paz por direito de quinta geração, tirando-o da obscuridade a que dantes ficara confinado, enquanto direito esquecido da terceira dimensão.” Curso de Direito Constitucional. Paulo Bonavides. 2008. 20 DIREITOS FUNDAMENTAIS 1ª geração Liberdades individuais e públicas. Dever de abstenção do Estado. Direitos civis e políticos. 2ª geração Direitos prestacionais. Dever de implementação do Estado. Igualdade material. Justiça Social. Direitos sociais, culturais e econômicos. 3ª geração Direitos transindividuais. Solidariedade e fraternidade. Direito ao meio ambiente equilibrado. Direito do consumidor. 4ª geração Bobbio: direitos resultantes da evolução na engenharia genética. Bonavides: direitos relacionados à globalização política (democracia, pluralismo e informação). 5ª geração Bonavides: direito à paz. Obs. Conquanto, tradicionalmente, a jurisprudência do STF tenha reconhecido a existência de apenas três gerações de direitos fundamentais, já é possível identificar remissões à existência de uma quarta geração. Ex. ADI 3510.30 A tempo, cumpre mencionar a crítica de parte da doutrina à expressão “geração” de direitos, tendo em vista que as posteriores não haveriam por eliminar, suplantar ou mesmo substituir as anteriores. Por essa razão, preferem tais doutrinadores valer-se da 30 Atualmente, assentei eu, já se cogita de direitos de quarta geração decorrentes de novas carências enfrentadas pelos seres humanos, especialmente em razão do avanço da tecnologia da informação e da bioengenharia. Assim é que, hoje, busca-se proteção contra as manipulações genéticas (...) Min.Ricardo Lewandowski. 21 expressão “dimensões” dos direitos fundamentais, validando, assim, a noção de coexistência. Aprofundando: A melhor doutrina de direito constitucional assevera que deve ser exercida uma leitura paradigmática das gerações/dimensões de direitos fundamentais, afastando-se do conceito de que cada nova categoria representaria mero acréscimo de direitos em seu catálogo. Advoga-se haver verdadeira redefinição e reconfiguração no sentido e dos conteúdos anteriormente fixados. Ao falar em uma segunda geração de direitos, é inevitável que voltemos os olhares para os direitos de primeira geração e busquemos desenvolver uma leitura compatibilizada e harmonizada desses dois níveis. Assim, não há como imaginar que, por exemplo, a inclusão dos direitos sociais no texto constitucional não levou a uma rediscussãosobre os direitos de liberdade ou de propriedade. Um exemplo interessante, pode ser explicitado com o direito de propriedade (da primeira geração). Com o advento do Estado Social e com os intitulados direitos de segunda geração, temos não só um alargamento da tábua de direitos fundamentais, mas também uma redefinição dos direitos de primeira geração à luz do paradigma do constitucionalismo social. Nesses termos, a propriedade perde sua perspectiva absoluta (ilimitada) e passa a ser trabalhada a partir da sua função social (função social da propriedade). O mesmo ocorre com a igualdade ou com a liberdade que ganham novas atribuições de sentido.31 Alguns autores (ex. Norberto Bobbio) identificam o fenômeno como dimensão (ou eficácia) histórica dos direitos fundamentais. A terminologia identifica justamente a necessidade de releitura da geração de direitos fundamentais anteriores à luz das novas. 31 Curso de Direito Constitucional. Bernardo Gonçalves. 2017. 22 6. CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Já analisamos acima a classificação que a própria CF/88 dispensou aos direitos fundamentais, elencando-os topograficamente em 5 capítulos32, bem como a identificação que, a partir de um perfil histórico, divide-os em “gerações”. Em âmbito doutrinário, destaca-se ainda como de grande relevância a categorização dos direitos fundamentais quanto a sua função primordial, baseada na Teoria dos status de Jellinek (estudada à frente). Nessa esteira, é amplamente adotada a CLASSIFICAÇÃO TRIALISTA dos direitos fundamentais, segundo a qual, estes se distinguem, a partir de um conteúdo nuclear típico, em: a) Direitos de defesa: são os típicos direitos de resistência (ou negativos), que impõe ao Estado um dever de abstenção, limitando o poder estatal face à autonomia dos indivíduos. Correspondem, regra geral, aos direitos individuais e coletivos, previstos no art. 5º, CF. b) Direitos a prestações: demandam uma atuação positiva do Estado no sentido de proteger, promover ou garantir a fruição de determinados direitos. As prestações estatais podem ser materiais (oferecimento de bens e serviços) ou normativas (provimento de normas regulamentadores de direitos individuais). Condizem, em regra, com os ditos direitos sociais. c) Direitos de participação: visam a garantir a participação do indivíduo como cidadão ativo na formação da vontade política do Estado. Equivalem à classe dos direitos políticos. Observe que os direitos de participação são “dotados de caráter negativo e positivo por exigirem dos poderes públicos, simultaneamente, um dever de abstenção - no sentido de não interferir na liberdade de escolha do povo - e um dever de atuação - como a realização de eleições periódicas, plebiscitos e referendos”33. 32 a) direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5.º); b) direitos sociais (arts. 6.º a 11); c) direitos à nacionalidade (arts. 12 e 13); d) direitos políticos (arts. 14 a 16); e) partidos políticos (art. 17). 33 Curso de Direito Constitucional. Marcelo Novelino. 2016. 23 Obs. Parte da doutrina (v.g. Canotilho e Alexy) não cogita os direitos de participação como uma terceira classe de direitos fundamentais, exatamente por possuírem características mistas de direitos de defesa e direitos prestacionais. Fala-se aqui, portanto, em CLASSIFICAÇÃO DUALISTA dos direitos fundamentais – direitos de defesa (incluídos os direitos políticos) e direito a prestações. 7. APLICABILIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS O texto constitucional trouxe disposição expressa, no art. 5º, a respeito da aplicabilidade dos direitos fundamentais: Art. 5º § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Não há, entretanto, unanimidade na doutrina quanto à correta interpretação do dispositivo, podendo ser identificadas 3 correntes principais acerca do tema: a) O §1º, do art. 5º, da CF não é destinado a todos os direitos fundamentais, mas somente àqueles cujas normas definidoras estejam completas na sua hipótese e dispositivo. É a posição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Minoritária. b) Os direitos fundamentais são dotados de aplicação imediata, mesmo se a norma que o prescreve é de cunho programático. Dessa forma, tais direitos devem ser objeto de consubstanciação, mesmo não havendo interposição legislativa. É defendida por Eros Grau, Luís Roberto Barroso, Flávia Piovesan e Dirley da Cunha. c) Consoante essa posição mais intermediária e bastante prestigiada, a norma do §1º, do art. 5º, da CF veicularia um MANDADO DE OTIMIZAÇÃO, no sentido que o Estado deve conferir a MAIOR EFICÁCIA POSSÍVEL AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS, que deteriam uma “presunção de aplicabilidade imediata”. É a posição de lngo Sarlet, Celso Bastos, José Afonso, Gilmar Mendes. Majoritária. Essas circunstâncias levam a doutrina a entrever no art. 5° §1º, da Constituição Federal, uma norma-princípio, estabelecendo uma ordem de otimização, uma determinação para que se confira a maior eficácia possível aos direitos fundamentais. O princípio em 24 tela valeria como indicador de aplicabilidade imediata de uma norma constitucional, devendo-se presumir a sua perfeição, quando possível34. (TRF 2ªR 2017) Os direitos e garantias fundamentais enunciados na maioria dos incisos do artigo 5º da Constituição são normas que produzem seus efeitos típicos independentemente da atuação do legislador infraconstitucional. CERTO PROIBIÇÃO DE PROTEÇÃO INSUFICIENTE (proibição de proteção deficiente, proibição de insuficiência ou proibição por defeito) O princípio da proibição da insuficiência é a face oposta do princípio da proibição do excesso, ambos decorrentes do postulado da proporcionalidade. No contexto objeto de estudo, a proibição de proteção insuficiente, impõe aos poderes públicos a adoção de medidas adequadas e suficientes para garantir a proteção e promoção dos direitos fundamentais. Tendo em vista a necessidade de conferir máxima eficácia possível aos direitos fundamentais, o imperativo se estende tanto à necessidade de proteção de direitos já consagrados, quanto à promoção daqueles que dependem de prestações materiais ou jurídicas – e.g., criminalização de condutas gravemente ofensivas ou edição de leis regulamentadoras dos direitos fundamentais veiculados em normas constitucionais de eficácia limitada. (VUNESP Proc/Câmara de Campo Limpo Paulista - SP 2018) O princípio da proibição da proteção insuficiente tem por objetivo impedir que as intervenções a direitos fundamentais sejam realizadas de forma excessiva, infringindo o seu núcleo essencial. ERRADO35 34 Curso de Direito Constitucional. Gilmar Mendes. 2015. 35 Proibição do excesso (Übermassverbot): é a vedação da atividade legislativa limitadora, que avança ilegitimamente sobre os direitos fundamentais, afetando-os além do necessário. Proibição de proteção deficiente (Untermassverbot): ao revés, como visto, cuida das situações em que o Estado não regulamenta/legisla/promove determinado direito fundamental, desprotegendo-o. A proibição da 25 (CESPE DPE/RN 2015) A proibição do excesso e da proteção insuficiente são institutos jurídicos ligados ao princípio da proporcionalidade utilizados pelo STF como instrumentos jurídicos controladores da atividade legislativa. CERTO (MPF/25º Concurso/2011/Dissertação) Disserte sobre o princípio da proporcionalidade na sua vertente de proibição de proteção insuficiente. PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL X MÍNIMO EXISTENCIAL Em um contexto de ativismo judicial e da consequente realização de políticas públicas pelo Judiciário, a atuação deste Poder deve tomar em consideração as limitações orçamentário-financeirasa que se sujeita o Estado para efetivar as ditas políticas públicas. Desta feita, as teses fazendárias, em geral, compõem-se de argumentos tangentes à insuficiência de recursos para concretização dos direitos sociais postulados em juízo. Em outras palavras, não se nega a força normativa da Constituição, tampouco a sujeição do Estado em prestá-los, mas sim que, no caso concreto, é possível que o Estado não possua, comprovadamente, os recursos financeiros necessários à materialização da faculdade exigida em juízo. Na esteira de Ana Paula de Barcellos, “a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado”. Construiu-se, a partir dessa ideia, a tese da reserva do possível, inicialmente abordada na década de 70, por ocasião do julgamento do caso “numerus clausus” pela Corte Constitucional Alemã, que discutiu a limitação do número de vagas nas universidades públicas daquele país. proteção deficiente implica em não se permitir uma insipiente prestação legislativa, de modo a desproteger bens jurídicos fundamentais. 26 No Brasil, o Supremo Tribunal Federal tem erguido como óbice à aplicabilidade da cláusula da reserva do possível o respeito ao mínimo existencial, entendido como o conjunto de elementos fundamentais à dignidade da pessoa humana. É dizer que a tese fazendária não tem sido acolhida, quando não demonstrada a satisfação do referido mínimo existencial. Em provas práticas de procuradorias: Por essa razão, ao invocar a tese da reserva do possível em uma eventual defesa da Fazenda, o candidato deve mencionar que o mínimo existencial foi satisfeito, por meio de outras políticas públicas, menos gravosas ao Estado, mas igualmente eficazes (ex.: caso da postulação de medicamentos que não constem na lista do SUS, quando há no estoque outro avalizado pelo sistema). Atendido o mínimo existencial, Ingo Sarlet anota que a tese da reserva do possível deve ser acolhida, quando restarem comprovadas: 1) a impossibilidade fática de o Estado satisfazer materialmente o direito prestacional exigido: inexistência de recursos financeiros para atender a demanda; 2) a impossibilidade jurídica: inexistência de dotação orçamentária; 3) a desproporcionalidade da demanda: sendo possível ao Estado prestar o direito por outros meios, não há motivos para que o faça pelo mais gravoso. No mesmo sentido, assentou o Ministro Celso de Mello na ADPF 45: O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível. Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da “reserva do possível”, ao processo de concretização dos direitos de segunda geração - de implantação sempre onerosa -, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas. Desnecessário acentuar-se, considerado o encargo governamental de 27 tornar efetiva a aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que os elementos componentes do mencionado binômio (razoabilidade da pretensão + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar- se de modo afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois, ausente qualquer desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade estatal de realização prática de tais direitos. (MPF/24º Concurso/2008/Questão discursiva) Como a teoria da reserva do possível pode ser utilizada como argumento pelo administrador público e como deve ser ela apreciada pelo Judiciário? A cláusula da “reserva do possível” é endossada pela “teoria dos custos do direito” e pela tese das “escolhas trágicas”, todas elas relacionadas a argumentos de ordem orçamentário-financeira. A “teoria dos custos dos direitos”, pensada pelos autores Stephen Holmes e Cass Sustein na obra “The cost of rigths” (“O custo dos direitos”), propõe uma análise econômica do Direito. Segundo os autores, o direito nasce a partir de sua previsão orçamentária: antes disso, não há direito a ser vindicado, pois o Estado não pode proteger direitos sem recursos. Assim, a jurisdição constitucional restaria limitada aos parâmetros orçamentários definidos pelos poderes majoritários. Ou seja, fora das balizas referenciadas, não poderia o Poder Judiciário agir, a pretexto de satisfazer direitos, pois, inexistindo recursos orçamentários para tanto, não seria possível vincular a norma garantidora ao titular da faculdade reclamada. No ARE 745.745 AgR/MG, o Ministro Celso de Mello registrou: Não se ignora que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a alegação de incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se 28 poderá razoavelmente exigir, então, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Por outro lado, a tese das “escolhas trágicas”, apresentada pelos autores Guido Calabresi e Philip Bobbit na obra “Tragic Choices” (ou “Escolhas Trágicas”) exprime “o estado de tensão dialética entre a necessidade estatal de tornar concretas e reais as ações e prestações de saúde em favor das pessoas, de um lado; e as dificuldades governamentais de viabilizar a alocação de recursos financeiros, sempre tão dramaticamente escassos, de outro” (Min. Celso de Mello, ARE 745.745 AgR/MG). Em outras palavras, a tese mencionada revela ao intérprete o problema da escassez de recursos, em face das múltiplas demandas sociais. Nesse sentido, cotidianamente o Judiciário é chamado a decidir se, por exemplo, concede tratamento médico de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a um único paciente, ou preserva os referidos recursos para resguardar o tratamento de outras cem pessoas. Eis o contexto das “escolhas trágicas”: alguém deverá sucumbir, bastando ao poder público escolher quem. Nesse ponto, retoma-se a ideia de ilegitimidade das decisões judiciais que não levam em conta as suas consequências no mundo real. Demais disso, a Fazenda Pública deve defender que, em um contexto de “escolhas trágicas”, a atuação judicial não pode, a pretexto de realizar a justiça do caso concreto (microjustiça), influir negativamente na distribuição de justiça social por meio de políticas públicas coletivas (macrojustiça), definida, ordinariamente, pelos Poderes majoritários. O STF possui vários julgados sobre o dilema examinado, mencionando-se, por oportuno, trecho do julgado prolatado na STA 748 MC/AL: O caso sob comento, o relatório médico de fls. 10 é bastante claro ao aduzir que o demandado procurou o médico subscritor do referido relatório para “submeter-se a tratamento com estimulação magnética transcraniana, técnica inovadora e revolucionária”. Em momento algum afirma a necessidade insofismável da utilização deste tratamento específico e a inexistência de outro tratamento apto a 29 preservar a saúde do demandante. Nesta senda, seria por demais injusto com os demais cidadãos necessitados relativizar o princípio da reserva do possível para conceder um tratamento alternativo de R$ 68.000,00 (sessenta e oito) mil reais, notadamente porque este valor causaria abalos injustificáveis às finanças municipais, o que certamente refletiria no fornecimento de tratamentos específicos a outros administradosmais necessitados. Portanto, as teses da Fazenda Pública, destinadas a limitar a jurisdição constitucional em tema de efetivação de políticas públicas, podem ser assim esquematizadas: TESE AUTOR/ORIGEM CONTEÚDO Reserva do possível: Caso “numerus clausus”, julgado pela Corte Constitucional Alemã na década de 70, em que se discutiu a limitação do número de vagas nas universidades públicas da Alemanha. Respeitado o mínimo existencial, a efetivação de direitos fundamentais positivos depende da: 1) possibilidade fática: existência de recursos financeiros; 2) possibilidade jurídica: existência de previsão orçamentária; 3) razoabilidade da pretensão reclamada. Teoria dos custos dos direitos: Stephen Holmes e Cass Sustein, na obra “The cost of Rights” ou “O custo dos direitos”. Análise econômica do Direito: os direitos condicionam-se à previsão orçamentária de seus custos. Em outras palavras, apenas há direito, se houver orçamento. Propõe 30 TESE AUTOR/ORIGEM CONTEÚDO a adequação da atividade jurisdicional aos parâmetros orçamentários: fora deles, não pode o Judiciário atuar na implementação de políticas públicas. Escolhas trágicas: Guido Calabresi e Philip Bobbit, na obra “Tragic Choices” ou “Escolhas trágicas”. Apresenta o estado de escassez de recursos, para satisfação de todas as demandas sociais. Nesse contexto, analisa quem deve decidir sobre macrojustiça, devendo-se apontar, para tanto, os Poderes Executivo e Legislativo, pois o Poder Judiciário é vocacionado para resolver casos concretos (microjustiça). Dica: Recomenda-se ao candidato mencionar, se possível, as obras e autores que sustentam as teses ora estudadas. Isso demonstrará conhecimento ao examinador, que tenderá a pontuar o espelho com generosidade. (CESPE AGU 2007) A reserva do possível pode ser sempre invocada pelo Estado com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais que impliquem custo financeiro. ERRADO 31 (Proc Previdenciário/ES 2018) A noção de “mínimo existencial” compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização se revela capaz de garantir condições adequadas de existência digna, assegurando, à pessoa humana, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas do Estado, tais como o direito à educação, à saúde, à moradia, à alimentação, à segurança, dentre outros. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhece a possibilidade de o Poder Judiciário, diante de situações graves, que demandem o reconhecimento do mínimo existencial, ordenar, em favor do paciente, o fornecimento gratuito de medicamento pelo Sistema Único de Saúde. CERTO (TRT 23R Juiz do Trab. 2011) A reserva do possível consiste em uma argumentação juridicamente válida para limitar a eficácia dos direitos fundamentais, significando que a realização dos direitos fundamentais é uma tarefa confiada aos agentes políticos detentores de mandato eletivo escolhidos como tais pelo povo, não sendo possível, diante da declaração da autoridade do Poder Executivo a respeito da inexistência de previsão orçamentária para a satifação de um direito fundamental, a concessão de provimento jurisdicional em sentido contrário com vistas a assegurar a fruição de determinado direito, como à vida ou à saúde, no caso concreto. ERRADO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO (EFEITO CLIQUET) Também denominado “proibição de retrocesso", "vedação de retrocesso social", "efeito cliquet", "proibição de contrarrevolução social", "proibição de evolução reacionária", "eficácia vedativa/impeditiva de retrocesso" e "não retorno da concretização", o princípio em tela proíbe a redução injustificada do grau de concretização alcançado por um direito fundamental, constituindo-se em verdadeiro limite à extinção ou redução injustificada de medidas legislativas ou de políticas públicas adotadas para conferir efetividade às normas jusfundamentais. Exige-se, portanto, uma estabilidade nas posições ou situações resultantes da implementação dos direitos fundamentais, que devem ser concretizados em nível adequado e suficiente. O fundamento para tanto está nos princípios da segurança jurídica 32 (CF, art. 5º, caput e inciso XXXVI), isonomia (CF, art. 5º, caput), máxima efetividade (CF, art. 5º, §1º), dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, caput). Essa proteção dos direitos subjetivamente adquiridos constitui um poderoso limite jurídico da liberdade de conformação do legislador e, simultaneamente, uma obrigação de realização de uma política consentânea com os direitos concretos e as expectativas subjetivamente alicerçadas, de sorte que o núcleo essencial dos direitos fundamentais, já realizado e efetivado através de medidas legislativas ou políticas públicas, “deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa 'anulação', 'revogação', ou 'aniquilação' pura e simples desse núcleo essencial.36 (VUNESP Proc/Câmara de Campo Limpo Paulista - SP 2018) O princípio da não retroatividade dos direitos fundamentais impede que novas regras afetem direitos em perspectiva de aquisição. ERRADO (FCC DPE/SC 2017) A respeito do princípio da proibição de retrocesso, considere: I. É considerado pela doutrina um princípio constitucional implícito. II. A sua aplicação está restrita ao âmbito dos direitos sociais, não alcançando outros direitos fundamentais. III. A vinculação ao referido princípio é restrita à figura do legislador, não alcançando outros poderes ou entes estatais. IV. A sua fundamentação constitucional pode ser extraída, entre outros, dos princípios da dignidade da pessoa humana e da segurança jurídica, bem como das garantias constitucionais da propriedade, do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada. CERTO, ERRADO, ERRADO, CERTO 36 Curso de Direito Constitucional. Dirley da Cunha Júnior. 2016. 33 (FCC DPE/BA 2016) O princípio da proibição de retrocesso social foi consagrado expressamente no texto da Constituição Federal. ERRADO Obs. No julgamento da ADI 4543/DF, o princípio da vedação ao retrocesso foi tratado, pelo STF, aplicado ao âmbito político: Com maior frequência adotado no âmbito dos direitos sociais pode-se ter como também aplicável aos direitos políticos, como é o direito de ter o cidadão invulnerado o segredo do seu voto, que ficaria comprometido pela norma questionada. Esse princípio da proibição de retrocesso político há de ser aplicado tal como se dá quanto aos direitos sociais, vale dizer, nas palavras de Canotilho “uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjetivo. ...o princípio em análise limite a reversibilidade dos direitos adquiridos em clara violação do princípio da proteção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana” (CANOTILHO, J.J. Gomes – Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 3ª. Ed., p. 326). Tenho por aplicável esse princípio também aos direitos políticos e ao caso presente, porque o cidadão tem o direito a não aceitar o retrocesso constitucional de conquistas históricas que lhe acrescentam o cabedal de direitos da cidadania. Desta feita, a correta leitura do princípio da proibição do retrocesso abrange e impõe- se sobre as diversas esferas dos direitos fundamentais. 34 8. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAISDIMENSÕES Pontue-se, de início, a necessária distinção entre dimensões (abordadas aqui no campo da natureza e eficácia das normas) e gerações de direitos fundamentais (estudadas acima). Com efeito, não se olvida a proposta de alguns autores (por todos, Ingo Sarlet), no sentido de que as gerações de direitos fundamentais devem, na verdade, ser reconhecidas como dimensões, uma vez que a ideia de gerações pressupõe a superação das mais remotas pelas mais próximas. Todavia, como a doutrina lança mão da expressão também nesse sentido, estudaremos propositadamente, ambas as abordagens. Os direitos fundamentais são, a um só tempo, compreendidos como direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva. Nesse sentido, reconhece-se sua dimensão subjetiva e objetiva. A DIMENSÃO SUBJETIVA dos direitos fundamentais revela a prerrogativa de impor direitos pessoais – positivos ou negativos – ao Poder Público. Para a doutrina de Paulo Gonet Branco e Gilmar Mendes, a dimensão SUBJETIVA dos direitos fundamentais “corresponde à característica desses direitos de, em maior ou menor escala, ensejarem uma pretensão a que se adote um dado comportamento”37. Nessa perspectiva, “os direitos fundamentais correspondem à exigência de uma ação negativa (em especial, de respeito ao espaço de liberdade do indivíduo) ou positiva de outrem”. Em outras palavras, a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais os revela como posições jurídicas em face do Estado (eficácia vertical) ou de outros particulares (eficácia horizontal), fazendo exsurgir uma relação de traço intersubjetivo, que ordena uma ação ou contenção desses sujeitos. 37 Curso De Direito Constitucional. Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco. 2015. 35 (FCC DPE/BA 2016) A dimensão subjetiva dos direitos fundamentais está atrelada, na sua origem, à função clássica de tais direitos, assegurando ao seu titular o direito de resistir à intervenção estatal em sua esfera de liberdade individual. CERTO Em contrapartida, a DIMENSÃO OBJETIVA38 leva em conta que a Constituição de um Estado consubstancia, na positivação de direitos essenciais, um sistema de valores que irá influenciar todo o ordenamento jurídico, na forma de diretrizes para interpretação e aplicação das normas, sustentando a atuação de todos os poderes estatais. A dimensão OBJETIVA resulta do significado dos direitos fundamentais como princípios básicos da ordem constitucional.39 Trata-se do que Ingo Sarlet denominou “eficácia irradiante” dos direitos fundamentais. Nesses termos, os direitos fundamentais seriam vistos não só como direitos de defesa (garantias negativas), ligados a um dever de omissão, (um não fazer ou não interferir do Estado no universo privado dos cidadãos), e direitos de prestações (garantias positivas) para o exercício das liberdades (e aqui, entendidos como obrigações de fazer ou de realizar) por parte do Estado, mas, além disso, nos termos objetivos, eles, como a base do ordenamento, seriam um "vetor" a ser seguido (pelos Poderes Públicos e particulares) para interpretação e aplicação de todas as normas constitucionais e infraconstitucionais. Daí que, a dimensão objetiva (indo além das funções de cunho subjetivo tradicionalmente consagradas aos direitos fundamentais e não sendo apenas um "reverso da medalha" da dimensão subjetiva) se apresentaria como um verdadeiro "reforço de juridicidade" das normas de direitos 38 A expressão foi pela primeira utilizada no caso LÜTH julgado pela Corte Constitucional Alemã. 39 Curso De Direito Constitucional. Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco. 2015. 36 fundamentais, bem como da "sistemática" de concretização e densificação dessas normas.40 Por esta acepção, os direitos fundamentais transcendem a perspectiva da garantia de posições individuais, para alcançar a estatura de normas que filtram os valores básicos da sociedade política, expandindo-os para todo o direito positivo. Formam, pois, a base do ordenamento jurídico de um Estado democrático.41 DIREITOS FUNDAMENTAIS Dimensão subjetiva Dimensão objetiva Posição jurídica do indivíduo em face do Estado ou de outros particulares. Impõe a estes agentes o dever de agir ou se conter para respeitá-los. Revela o cunho obrigacional ou intersubjetivo dos DF. DF como princípios ordenadores do Estado e do sistema jurídico. Diz com a eficácia irradiante dos DF, que influi na edição de novas leis e no comportamento, em geral, dos atores estatais. (FCC DPE/PR 2017) A dimensão subjetiva dos direitos fundamentais resulta de seu significado como princípios básicos da ordem constitucional, fazendo com que os direitos fundamentais influam sobre todo o ordenamento jurídico e servindo como norte de ação para os poderes constituídos. ERRADO (TRT 23R Juiz do Trab 2011) O reconhecimento de uma dimensão objetiva dos direitos fundamentais significa que tais direitos irradiam seus efeitos pelo ordenamento jurídico (eficácia irradiante), no sentido de que, na sua condição de direito objetivo, os direitos fundamentais fornecem impulsos e diretrizes para a aplicação e interpretação do direito infraconstitucional, apontando para a necessidade de uma interpretação conforme aos direitos fundamentais. CERTO 40 A eficácia dos direitos fundamentais. Ingo Sarlet. 2010. 41 Curso De Direito Constitucional. Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco. 2015. 37 TEORIA DOS QUATRO STATUS DE JELLINEK Com o foco na influência, aplicação e eficácia dos direitos fundamentais sobre a vida do indivíduo, o jurista alemão George Jellinek, desenvolveu a teoria que indica quatro posições ou situações jurídicas de um sujeito de direitos e deveres perante o Estado – o direito fundamental completo é um feixe de posições de diferentes conteúdos e diferentes estruturas42. a) Status passivo (subjectionis): O indivíduo, como detentor de deveres diante do Estado, encontra-se em posição de sujeição ou subordinação perante este, que pode imputar-lhe mandamentos e proibições – o Estado vincula juridicamente os indivíduos43. b) Status negativo (libertatis): Relaciona-se à esfera de autonomia e liberdade44 do indivíduo imune de interferência estatal. O sujeito de direitos pode exigir do Estado uma abstenção. “O indivíduo desfruta de um poder jurídico circunscrito (delimitado) em que o Estado não pode interferir, exceto, obviamente, se for para garantir o próprio direito de autonomia privada do indivíduo. Portanto, são direitos de cunho negativo, abstencionistas do indivíduo (no que tange a suas liberdades) frente ao Estado”.45 c) Status positivo (civitatis): É assegurado ao indivíduo direitos de cunho positivo, diante dos quais pode-se exigir do Estado o cumprimento de prestações. O Estado confere ao indivíduo o "status cívico" quando (1) lhe garante "pretensões à sua atividade" e (2) "cria meios jurídicos para a realização desse fim46".47 O cerne do 42 Teoria dos Direitos Fundamentais. Robert Alexy. 2006. 43 “O status passivo de uma pessoa é composto pela totalidade ou pela classe dos deveres e proibições que o Estado lhe impõe ou da totalidade ou da classe dos deveres e proibições para cuja imposição o Estado tem competência”. Teoria dos Direitos Fundamentais. Robert Alexy. 2006. 44 "Ao membro do Estado é concedido um status, no âmbito do qual ele é o senhor, uma esfera livre do Estado, que nega o seu imperium. Essa é a esfera individual de liberdade, do status negativo, do status libertatis, na qual os fins estritamente individuais encontram a sua satisfação por meio da livre ação do indivíduo".Georg Jellinek, System der subjektiven Offentlichen Rechie, p. 87. 45 Curso de Direito Constitucional. Bernardo Gonçalves. 2017. 46 O fato de o indivíduo ter esse tipo de pretensão em face do Estado significa, em primeiro lugar, que ele tem direitos a algo em face do Estado e, em segundo lugar, que tem uma competência em relação ao seu cumprimento. 47 Teoria dos Direitos Fundamentais. Robert Alexy. 2006. 38 status positivo revela-se como o direito do cidadão, em face do Estado, a ações estatais. d) Status ativo (activus): Ao indivíduo é dado participar da formação da vontade política estatal, na condição de cidadão ativo. Corresponde ao exercício dos direitos políticos pelo sujeito – direitos de participação, por exemplo, pelo exercício do direito ao voto. (VUNESP PGM/São Bernardo do Campo-SP 2018) Segundo a teoria dos quatro status de Jellinek, no status positivo o indivíduo possui o poder de influenciar na formação da vontade do Estado, por meio do exercício dos direitos políticos. ERRADO Obs. No final de 2018, a FCC (Câmara Legislativa do Distrito Federal - Procurador Legislativo) trouxe interessante assertiva (correta) acerca do direito de participação dos cidadãos na formação da vontade política estatal: O direito de participação dos cidadãos nas decisões estatais contemporaneamente não se resume aos processos eleitorais, de sorte que a democracia participativa, tal como a brasileira, contempla a ação popular, o direito à informação e a iniciativa popular das leis, entre outros. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM SENTIDO ESTRITO Idealizou-se, a priori, que a incidência dos direitos fundamentais circunscrever-se- ia às relações entre os particulares e o Estado. Incialmente tais direitos foram nesse sentido concebidos – com o fim de impor obrigações (positivas ou negativas) ao Estado. Cuida-se da consagrada EFICÁCIA VERTICAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. Entretanto, o constitucionalismo moderno e o entendimento doutrinário predominante são no sentido de que os direitos fundamentais se aplicam, também, as relações privadas. É dizer: não podem os particulares, ainda que com esteio no princípio 39 da autonomia vontade, afastar os direitos fundamentais. Nesse sentido, fala-se em EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS (ou eficácia externa, privada, em relação a terceiros ou particular). Na formulação clássica dos direitos fundamentais, de matriz eminentemente liberal, os direitos fundamentais representavam limites ao exercício do poder do Estado, de modo a barrar a ação usurpadora deste nas suas relações com os particulares. Com o aumento de complexidade percebido pelo direito e o desenvolvimento de novos paradigmas jurídicos, uma nova possibilidade de incidência dos direitos fundamentais foi teorizada para além da dicotomia Estado-Particular. Sem dúvida, essa nova possibilidade de aplicação dos direitos fundamentais irá ter íntima relação com a ruptura paradigmática com o Estado Liberal (constitucionalismo clássico de cunho negativo abstencionista), adstrito a uma perspectiva subjetiva dos direitos fundamentais, e o advento do Estado Social (constitucionalismo social de cunho positivo intervencionista), que, para além da dimensão subjetiva, desenvolveu uma dimensão objetiva dos direitos e garantias fundamentais.48 (VUNESP Proc/Câmara de Campo Limpo Paulista - SP 2018) Os direitos fundamentais têm por objetivo principal impedir abusos do Estado frente aos cidadãos, razão pela qual não são aplicáveis em relações privadas. ERRADO Ademais, ainda no campo das relações privadas, quando a relação dos particulares for caracterizada por acentuada desigualdade entre as partes, verificar-se-á a EFICÁCIA DIAGONAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. A hipossuficiência de determinados sujeitos de direito reclama uma maior proteção em seus ajustes ainda que privados. É o que se observa, precipuamente, nas relações trabalhistas e consumeristas. Os princípios de 48 40 proteção do trabalhador e do consumidor, nesses casos, nada mais são do que evidências da eficácia diagonal dos direitos fundamentais. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Vertical Relação entre particulares e Estado. Horizontal Relação entre particulares com patrimônio jurídico equivalente. Diagonal Relação entre particulares com patrimônio jurídico desigual, em que uma das partes é vulnerável em relação à outra. Aprofundando: Mais recentemente, a doutrina49 tem apontado a figura da eficácia vertical com repercussão lateral dos direitos fundamentais. Pode ser identificada nos casos em que o indivíduo se vale do Judiciário para garantir a observância de um direito fundamental. O direito à tutela jurisdicional efetiva, embora se dirija contra o Estado – eficácia vertical – repercute sobre a esfera jurídica das partes, e assim pode ser pensado como um direito de eficácia vertical, mas com eficácia lateral sobre relações privadas. A decisão jurisdicional substitui a omissa atuação correta das partes e do legislador e, embora decorra de relação verticalizada do Estado-juiz x jurisdicionado, seus efeitos espalham-se sobre os particulares. (VUNESP PGM/São Bernardo do Campo-SP 2018) À aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre os particulares e o Poder Público dá-se o nome de eficácia externa ou objetiva dos direitos fundamentais. ERRADO (PGE/PR 2015) Julgamento do Supremo Tribunal Federal consignou sobre a incidência das normas de direitos fundamentais às relações privadas o que segue ementado: “Sociedade civil sem fins lucrativos. União brasileira de compositores. Exclusão de sócio sem garantia da ampla defesa e do contraditório. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. Recurso desprovido.” (RE 201819 – 49 O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Luiz Guilherme Marinoni. 2014. 41 Relator(a): Min. Ellen Gracie. Relator(a) p/ Acórdão: Min. Gilmar Mendes. Segunda Turma, julgado em: 11/10/2005. DJ 27-10-2006, p. 00064 Ement vol-02253-04, p. 00577. RTJ vol-00209-02, p. 00821). O julgado reforça a chamada “eficácia horizontal” dos direitos fundamentais, que pugna que os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados, também, à proteção dos particulares em relação com outros particulares. CERTO TEORIAS SOBRE A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Desde a década de 50 não mais se discute a aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas. Entrementes, teoriza-se, a partir de então, sobre a forma com que essa incidência se dará. Em suma, são as seguintes as teorias sobre a observância dos direitos fundamentais às relações privadas: I) Teoria da Ineficácia Horizontal Essa teoria não é atualmente adotada em quase nenhum país do mundo. Entretanto remanesce relevante, pois é observada nos EUA. Entende-se que todos os direitos fundamentais se vinculam e se voltam tão somente ao Estado. A única exceção consta da 13ª Emenda que prevê a proibição da escravidão. O fundamento da chamada Doutrina da “State Action” (doutrina da ação estatal) está no Liberalismo, na autonomia da vontade e na preservação da autonomia dos Estados-membros para legislar sobre direitos privados, vedando tal matéria ao espaço de competências da União. Sendo assim, proíbe-se que as cortes federais, mesmo que a pretexto de estarem aplicando a Constituição, intervenham na disciplina das relações entre particulares50. Mais recentemente alguns temperamentos vêm sendo feitos, mormente pela adoção da “public function theory”, segundo a qual haverá aplicabilidade dos direitos 50 Curso de
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