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Antropologia e Cultura Brasileira

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ANTROPOLOGIA E CULTURA
BRASILEIRA
CAPÍTULO 1 - PARA QUE SERVEM OS
ANTROPÓLOGOS E A
ANTROPOLOGIA?
Tatiana de Laai
INICIAR
Introdução
A partir de agora, você conhecerá a Antropologia como um campo de estudos, 
passando a entender melhor sobre sua história e qual sua relevância para as
ciências humanas. Ciência esta que nasce da curiosidade acerca das atividades
humanas, no questionamento de o porquê as pessoas se organizarem em grupos. 
Nesse sentido, a Antropologia identifica e analisa as razões pelas quais as
sociedades humanas desenvolveram formas tão diferentes de se organizarem e de
se relacionarem, seja entre si, seja com outros grupos sociais ou, até mesmo, com
o meio ambiente. Além disso, ao longo deste capítulo, também aprenderemos
sobre as diversas definições do conceito de cultura e sua importância como o
principal objeto de estudo na Antropologia. Afinal, a diversidade de culturas que
pode ser encontrada ao redor do mundo é imensa.
Podemos perceber, dessa forma, que cada realidade cultural tem sua própria
lógica, pois é reflexo da visão de mundo dos indivíduos que nela vivem, sendo o
resultado de um acúmulo de processos culturais e históricos. É por isso que
compreender como se constroem as identidades sociais, culturais e nacionais de
um povo, bem como quais os elementos que formam a identidade brasileira, é tão
importante para nosso conhecimento.
Para começarmos nossos estudos, faremos algumas reflexões: o que existe de
comum à natureza humana? Há um porquê de o ser humano se comportar da
maneira como o faz? O que faz de você um brasileiro?   
Esses e outros tantos questionamentos poderão ser respondidos com a leitura
deste capítulo. Vamos em frente!
1.1 Antropologia como campo de
estudo
A Antropologia pode ser definida como a ciência que pesquisa sistematicamente
todas as manifestações do ser humano e da atividade humana. Obviamente,
outras ciências se ocupam do estudo do Homem e da natureza humana. Por isso,
então, o que fazem os antropólogos serem diferentes? 
A verdade é que a Antropologia identifica, descreve e interpreta os costumes e o
comportamento humano. Ou, ainda, mais especificamente, ela analisa os
processos pelos quais os costumes persistem ou se transformam ao longo dos
anos.
Podemos considerar a Antropologia uma ciência recente, uma vez que sua origem
não é consenso entre os próprios antropólogos. Ela existe quando se registra ou se
descreve os seres humanos. Isso aconteceu várias vezes ao longo da história. A
partir do século XVIII, no contexto do Iluminismo, a Antropologia é definida como
um ramo das ciências naturais.  
Temos, também, que a história da Antropologia não é uma narrativa linear de
progresso. Isso quer dizer que, do século XVIII até a Segunda Grande Guerra,
diferentes estudos lançaram as bases que sustentam a Antropologia Moderna, tal
qual como conhecemos hoje. 
É da França, da Grã-Bretanha, dos Estados Unidos e da Alemanha que surgem os
primeiros antropólogos e as primeiras teorias antropológicas. Eriken e Nielsen
(2010), por exemplo, denominam “proto-antropologias” todo o conhecimento
produzido acerca das culturas humanas da Grécia ao Iluminismo. É justamente
com esse conceito que iniciaremos nossos estudos.
As rotas do comércio grego percorriam todo o Mediterrâneo por causa das
diásporas gregas. Os gregos também colonizaram a Ásia Menor (atual Turquia), o
norte da África, a Península Ibérica, a Itália e o sul da França, travando guerras
contra os Persas e outros povos considerados bárbaros. Contudo, os gregos não
apenas encontraram, trocaram coisas e guerrearam com esses povos; eles
acumularam registros e relatos sobre os costumes e as características acerca das
culturas com as quais estavam em contato.
VOCÊ SABIA?
Diáspora significa a dispersão de povos. De forma geral, a diáspora se aplica à
dispersão de qualquer etnia obrigada a se deslocar de seu território de origem
devido ao preconceito ou à perseguição política, religiosa e étnica. O conceito se
popularizou a partir da dispersão dos judeus, principalmente depois do exílio
babilônico.
No século V a.C., Heródoto de Helicarnasso registrou, por meio de narrativas de
viagens, minuciosas descrições sobre a Ásia Ocidental, o Egito e a costa do Mar
Negro, bem como os habitantes, os idiomas, o vestuário utilizado e as instituições
políticas e religiosas desses povos. Em seus relatos, é possível reconhecer os
principais questionamentos da Antropologia: os “outros” são diferentes de nós? O
quanto somos parecidos? Como devemos nos relacionar com os outros?
Depois da Antiguidade, as eras das navegações e das grandes descobertas
europeias também tiveram impacto no desenvolvimento da Antropologia. A
conquista das Américas e o encontro com os nativos abalaram a intelectualidade
da época, baseada na filosofia medieval. As perguntas, nesse momento, passam a
estarem relacionadas com os índios: eles possuem alma? São humanos? Em que
estágio evolutivo estariam os índios em relação aos europeus? (LEITÃO, 2015).
Figura 1 - No inicio, a Antropologia era feita à partir dos relatos de viajantes, exploradores e
missionários. Fonte: Nejron Photo, Shutterstock, 2018.
O encontro com os mais diferentes povos nativos aguçou a percepção de
progresso e desenvolvimento. Com isso, os europeus logo começam a se
enxergarem como indivíduos livres e modernos, pensando em si mesmo à partir
da compreensão do que é o outro. 
Nos séculos seguintes, a expansão européia avança em escala e complexidade,
avançando, também, no que diz respeito ao contato com o outro, seja por meio do
comércio, de explorações, de missões religiosas, da colonização, da migração ou
de guerras. Consequentemente, aumentam-se os relatos de missionários,
colonizadores e exploradores sobre os novos lugares e seus povos. 
Mesmo que possamos visualizar traços do pensamento e do fazer antropológico
nesse breve histórico, ainda não podemos chamar tais práticas e registros de
ciência. Isso quer dizer que todas as vezes em que o ser humano pensou sobre si
mesmo e sobre sua relação com o “outro”, ele pensou antropologicamente. Mas,
apesar desse desenvolvimento histórico, ainda não há a formalização de um
método, de técnicas e, tampouco, de um pensamento voltado para a investigação
cientifica.
Figura 2 - Todas as culturas — presentes, do passado ou extintas — são de interesse para os estudos
da Antropologia. Fonte: Jannarong, Shutterstock, 2018.
É a partir do século XIX, na medida em que fósseis humanos e restos arqueológicos
vão sendo descobertos, que a Antropologia progride a passos largos, fruto de um
acúmulo de descobertas anteriores e do desenvolvimento de novas formas de
pesquisa. A Antropologia que conhecemos hoje se desenvolveu a partir dos
trabalhos de Franz Boas (1858-1942), Bronislaw Malinowski (1884 -1942), A. R.
Radcliffe-Brown (1881-1955) e Marcel Mauss (1872-1950). Podemos dizer que esses
quatro antropólogos são os pais fundadores dessa ciência. Separados por
contextos acadêmicos, mas juntos no modo de pensar sobre a cultura, eles foram
os primeiros a analisarem as tradições culturais de forma relativa e não-
evolucionista, ou seja, que consideraram a existência de culturas diferentes, mas
não superiores ou inferiores.  
Franz Boas é considerado um dos pais da Antropologia Moderna. Alemão naturalizado norte-
americano, foi um grande expoente da escola relativista, em que rompe com o evolucionismo. Entre
1883 e 1884, Boas realizou uma expedição entre os esquimós e estudou os índios Kwakiutl, bem como
outras tribos da Colúmbia Britânica.
Antes de ser definida como uma ciência independente, a Antropologia era
identificada como um ramo das ciências naturais. Ainda hoje ela dialoga com a
Biologia, com a História, com a Economia, com a Geografia e tantas outras
disciplinas. Esse seu caráter multi e interdisciplinar tem relação com um
ambicioso e vasto campo de estudo, abrangindo todas as populações social e
minimamente organizadas das quais se tenham registros históricos ou
arqueológicos.  
Assim, a Antropologia se divide emduas grandes áreas de estudos bem definidas,
com interesses teóricos específicos que conversam entre si: a antropologia
cultural (ou social) e a antropologia biológica (ou física). Cada uma se desdobra
em variados campos menores, como a antropologia forense, a paleoantropologia,
a antropologia das emoções, a antropologia do consumo etc.  
VOCÊ O CONHECE?
A noção de que o Homem é a soma de seus aspectos biológicos, sociológicos e
psicológicos se reflete na tríplice face da Antropologia como ciência. Ela é uma
ciência social na medida em que busca conhecer o Homem enquanto parte de um
grupo organizado; uma ciência humana quando se debruça sobre os aspectos
históricos, filosóficos e linguísticos que sustentam nossas crenças e costumes; e é,
também, uma ciência natural, principalmente quando se interessa pela evolução
do ser humano e de como seus hábitos e costumes interferem em sua biologia.
Contudo, o que nos interessa, aqui, é o campo mais amplo da ciência
antropológica: a antropologia cultural. Como uma ciência social, seu interesse é
no “[...] problema da relação entre os modos de comportamento instintivo
(hereditário) e adquirido (por aprendizagem), bem como o das bases biológicas
gerais que servem de estrutura às capacidades do homem” (HEBERER, 1967, p.
28). Ou seja, a antropologia cultural investiga as culturas humanas — das
sociedades mais simples às mais complexas —, suas semelhanças e diferenças,
suas origens e seus desenvolvimentos, bem como a forma de se relacionarem.
Dessa forma, podemos dizer que ela se debruça sobre "[...] todo aquele complexo
que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos
os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da
sociedade." (LARAIA, 2000, p. 17).
Uma vez que todas as sociedades humanas — extintas e presentes — interessam a
antropologia cultural, ela se desdobra em três campos de estudos maiores:
Arqueologia: é o estudo de sociedades e sistemas culturais extintos;
Etnologia: estuda e compara os diversos sistemas (simples e complexos) de
costume e comportamento encontrados entre diferentes povos;
Linguística: é o estudo da linguagem para além da comunicação, como
ferramenta e materialização de pensamento.
A antropologia cultural possui seus próprios métodos e técnicas de obtenção e
análise de dados. É uma ciência social e humana, cujos objetos de estudos não se
adequam a um laboratório. Assim, para observar e classificar os fenômenos
sociais, os antropólogos fazem um trabalho de campo e de etnografia. 
O método etnográfico se refere a uma análise descritiva das sociedades humanas.
Nele, temos o levantamento e a descrição minuciosa de todos os dados possíveis
de um determinado grupamento social, seja ele urbano ou rural, simples ou
complexo.
Vale ressaltar que o trabalho de campo não é uma invenção ou uma exclusividade
da Antropologia. Muitos pesquisadores, desde o século XIX, fazem trabalhos de
campo para testarem suas teorias ou colherem materiais empíricos. Contudo, o
“campo” antropológico é diferente: ele supõe estar em contato contínuo com o
grupamento que será estudado durante um determinado período de tempo
(semana, meses ou anos), uma vez que a volta ao mesmo campo não é incomum
em uma pesquisa. Nesse caso, o trabalho de campo antropológico consiste em
estabelecer relações com pessoas para uma melhor descrição e compreensão de
determinada cultura.
Temos, por exemplo, relatos de antropólogos que passaram a viver com um povo
ou comunidade distantes, participaram da vida cotidiana desse grupo,
aprenderam sua língua, participaram dos festivais e dos funerais, ouviram
histórias, escutaram conversas e estabeleceram laços com seus informantes.
Apenas quando um antropólogo vive e experimenta um sistema de costumes é
que pode apreender e descrever sobre um comportamento. Assim, ele colhe os
dados para que possa teorizar sobre o modo de agir e pensar de um povo.
O livro “Um Diário no Sentido Estrito do Termo de Bronislaw Malinowski” é o diário pessoal de
Bronislaw Malinowski. Nele, o autor narra duas etapas de seu trabalho de campo: um na Nova Guiné
(de setembro de 1914 a agosto de 1915) e outro nas Ilhas Trobriand (de outubro de 1917 a julho de
1918). A obra foi publicada postumamente por iniciativa de sua esposa. Vale a pena tirar um tempo
para a leitura!
Com isso, a Antropologia apresenta uma dimensão teórica e uma dimensão
prática. Dentro desse contexto, podemos entender que o trabalho de campo e a
etnografia andam juntos: antes de ir a campo, para nos informarmos de todo o
conhecimento produzido acerca grupo a ser pesquisado; no campo, ao ser o nosso
olhar e nosso escutar guiado pela teoria; e ao voltar e escrever, traduzindo os fatos
para enquadrá-los em uma teoria interpretativa. 
VOCÊ QUER LER?
Juntamente ao trabalho de campo, também fazem parte das técnicas de pesquisa
antropológica a observação participante e as entrevistas. Os métodos mais
conhecidos são o histórico, o estatístico, o etnológico (também chamado de
comparativo) e o estudo de caso.  
A seguir, vamos analisar um caso prático para entender melhor quanto ao assunto.
CASO
A  antropologia é uma ferramenta teórica que serve ao estudo das mais
diversas esferas da vida. Nesse sentido, uma linha de estudos que tem se
popularizado bastante é a Antropologia do consumo. Hoje em dia, muitas
empresas contratam antropólogos especializados no assunto para
entregarem detalhes das análises acerca das demandas e dinâmicas
culturais que existem nos serviços ou produtos utilizados pelos
consumidores.
Por exemplo, Laura é uma antropóloga do consumo, contratada para fazer
uma pesquisa etnográfica em uma empresa de cosméticos que pretende
comercializar esmaltes voltados para a classe C. Laura, então, decide
passar três meses frequentando diariamente bairros da periferia da grande
São Paulo.
Utilizando técnicas como a observação participante, fazendo entrevistas e
anotações em seu diário de campo, a antropóloga passa horas observando
e entrevistando mulheres em salões de beleza e pontos de venda, ou
acompanhando manicures que prestam serviços em domicílio. Após o
levantamento de dados, Laura poderá determinar que tipos e cores de
esmaltes tem mais apelo entre as mulheres, com que frequência os
esmaltes são comprados, bem como outras informações de interesse para
a empresa. Assim, o trabalho de Laura fará a ponte diretamente entre a
empresa e o consumidor.
A seguir, apresentaremos alguns conceitos de cultura e sua importância no estudo
antropológico.
1.2 Antropologia, cultura e diversidade
Ao estudar o Homem e seus costumes, a Antropologia lida com uma série de
conceitos e categorias separadamente, assim como suas interrelações, como a
cultura. 
Mas o que é cultura? O que significa dizer que uma pessoa tem ou não cultura? 
A palavra “cultura” tem origem no verbo latino colere, que significa cultivar ou
instruir; e do substantivo cultus, ou seja, cultivo ou instrução. No sentido mais
amplo e literal, a Antropologia acredita que é o cultivo de comportamentos,
experiências adquiridas, acumuladas e transmitidas de geração em geração.
No senso comum, quando queremos dizer que uma pessoa é estudada e
apreciadora da arte e da música, além de hábil em regras de etiqueta, dizemos
que essa pessoa é culta, ou seja, que ela possui uma cultura. Essa ideia ficou
popular durante a Revolução Industrial, sendo identificada em trabalhos artísticos
e intelectuais de valor reconhecido, juntamente com as instituições responsáveis
por produzir, difundir e regulá-los, levando o termo a ser diretamente associado à
ideia de prática e estudo das artes.
No século XVIII, a cultura também se torna sinônimo de civilização, no sentido de
progresso intelectual, espiritual e material, atrelada à ideia de desenvolvimento
secular e progressivo, derivada do espírito iluminista vigente na época. Contudo,
os usos diferenciados do termo — os quais são tão populares em nosso dia a dia —
não se de adequam ao que é utilizado cientificamente pela Antropologia. 
Os antropólogos,por exemplo, não utilizam os termos “culto” ou “inculto” para
determinar superioridade ou juízo de valor em relação a comportamentos,
costumes ou manifestações artísticas e culturais. Quando um antropólogo fala de
cultura, ele está preocupado em entender os aspectos aprendidos que o ser
humano, em contato social, adquire ao longo de sua existência. Nesse sentido,
não existe um único ser humano no mundo desprovido de cultura, salvo um
recém-nascido ou os raros casos de indivíduos que foram privados do convívio
humano. Portanto, todas as sociedades possuem cultura, sejam elas rurais ou
urbanas, simples ou complexas.
A linguagem, a vestimenta, o que e como se alimentam, além de todas as tradições
de um povo são aspectos compartilhados entre os indivíduos que fazem parte de
um grupo de convívio específico. Isso reflete na realidade social a que estão
imersos. Dessa forma, todos esses elementos combinados formam uma cultura, o
que permite a comunicação, o funcionamento e a existência de um grupo social.
Isto é, o comportamento dos indivíduos depende de um processo chamado
socialização. Assim, o Homem vai sempre agir de acordo com o que ele conhece,
com os seus padrões culturais. Se uma criança nascida na Inglaterra for criada no
Brasil, dentro de uma família brasileira, por exemplo, ela crescerá dentro da
cultura brasileira, aprendendo a língua, os hábitos, as crenças e os valores desse
local. Isso significa que fatores biológicos não são determinantes nas diferenças
culturais.
Desde o final do século XIX, antropólogos têm nos apresentado diferentes
conceitos de cultura. Em 1952, os antropólogos A. L. Kroeber e Clyde Kluckhohn
listaram e analisaram mais de 160 diferentes definições de cultura. Ainda nos dias
de hoje, não existe um consenso sobre o significado exato do termo, o que nos
mostra que ele varia no espaço e no tempo (MARCONI; PRESOTTO, 2008).
Edward Tylor foi um dos primeiros antropólogos a propor um conceito de cultura
que se aproxima do que é aceito atualmente. Para ele, cultura é “[...] em seu amplo
sentido etnográfico, este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte,
moral, leis, costumes ou quaisquer outras capacidades ou hábitos adquiridos pelo
homem como membro de uma sociedade” (LARAIA, 2000 p. 17). A formulação de
Tylor é fruto do pensamento Iluminista de John Locke, que afirma que a mente
humana é uma uma tábula rasa, pronta para ser trabalhada. Ou seja, a partir do
nascimento, nossa mente é como uma página em branco, com a capacidade
ilimitada de obter conhecimento.
Geertz (2000, p. 37), por sua vez, menciona que a “[...] cultura deve ser vista como
um conjunto de mecanismos de controle – planos para governar o
comportamento. [...] palavras, gestos, desenhos, sons musicais, objetos ou
qualquer coisa que seja usada para impor um significado à experiência”. 
Sendo assim, ainda que o conceito de cultura tenha se modificado ao longo do
tempo, é inegável que ela pode ser analisada sob diferentes visões, de acordo com
os elementos que a constituem, como instituições (famílias e sistemas
econômicos), normas (costumes e leis), crenças (religiões), valores (moral e
ideologia), ideias (conhecimento e filosofia), padrões de conduta (monogamia e
tabu) etc.
Temos, ainda, que a cultura pode ser classificada como material ou imaterial. 
A cultura material engloba os objetos tangíveis, produzidos e consumidos por
uma sociedade. Isso inclui todo e qualquer objeto material fruto da criação
humana, a partir de uma determinada tecnologia. As técnicas, as normas e os
costumes que regulam a manufatura e o emprego desses objetos também são
considerados parte da cultura material. 
A cultura imaterial, por outro lado, abarca os objetos intangíveis, os quais não
possuem substância material, mas que possuem grande importância simbólica,
como as danças, as músicas, os festejos e o folclore de uma região. 
 Figura 3 - Os tamancos
holandeses são considerados uma cultura material. Fonte: Tono Balaguer, Shutterstock, 2018.
Deslize sobre a imagem para Zoom
Juntas, as culturas material e imaterial são um patrimônio que constituem a
cultura de determinado grupo. Isto é, possuem aspectos simbólicos, na medida
em que carregam a herança cultural de determinado povo, ao mesmo tempo em
que promovem sua identidade.
VOCÊ SABIA?
Na Antropologia Contemporânea, a cultura é entendida como um sistema
simbólico, uma vez que a qualidade primordial e comum a todos os seres humanos
é a de atribuir — de forma sistemática, racional e estruturada — significados e
sentidos a todas as coisas ao seu redor. Assim, todos as esferas da vida estão
sujeitas a esse sistema simbólico.
Figura 4 - A capoeira é se encaixa na ordem da cultura imaterial. Fonte: Val Thoermer, Shutterstock,
2018.
Deslize sobre a imagem para Zoom
Com isso, podemos concluir que, apesar das inúmeras definições, é consenso na
Antropologia que a cultura é aprendida e compartilhada. Na sequência, veremos
que a cultura também é simbólica, uma vez que representa aspectos cujos
significados estão atrelados ao seu uso na comunidade que lhe atribui sentido.
1.3 Construção das identidades sociais
e culturais
Quantas vezes você já ouviu falar sobre a importância da diversidade, da
diferença, da identidade e do multiculturalismo? Podemos perceber, olhando ao
nosso redor, uma valorização do discurso sobre a aceitação e o respeito às
diferenças, sejam elas étnicas, sexuais, de gênero, religiosas, culturais ou raciais.
Mas sobre o que, exatamente, estamos falando quando nos referimos às
identidades e diferenças?
A identidade e as diferenças existem por conta das relações sociais. Uma
identidade cultural é o conjunto de características de um povo, fruto da interação
entre os membros da sociedade e de sua forma de interagir com o mundo. Ela se
constrói a partir do princípio da alteridade, em uma série de processos de
diferenciação que definem e separam o “nós” e o “eles”. Nesse sentido, a
identidade cultural se constitui das tradições,  da cultura, da religião, da música,
da culinária, do modo de vestir e de falar, entre outros elementos que representam
os hábitos de uma nação.
Assim como a própria cultura, a identidade não é intrínseca ao indivíduo, ela
precede à ele, transformando, sendo relativa e dinâmica. Dessa maneira, a
identidade cultural do sujeito não é estática e cristalizada, mas, sim, fluída, móvel
e, principalmente, relacional, ou seja, depende de um fator externo para emergir.
Portanto, a identidade cultural é a combinação de inúmeras relações sociais e
variados patrimônios simbólicos historicamente compartilhados, o que estabelece
Figura 5 - No princípio da alteridade, nossa subjetividade só existe diante do contraste de uma
cultura com a outra. Fonte: ESB Professional, Shutterstock, 2018.
Deslize sobre a imagem para Zoom
a união de determinados valores entre os membros de uma sociedade. Isso
significa que a nossa identidade cultural está diretamente ligada ao nosso passado
e à realidade que experimentamos. 
Dessa forma, podemos dizer que ela está em constante transformação, fruto dos
valores, crenças e normas vigentes em nossa comunidade. Aliás, de tão variados,
esses valores podem até ser contraditórios: existem pessoas que baseiam suas
experiências de vida em sua religiosidade, ao passo que outros se baseiam em
uma visão científica do mundo.
As identidades possuem dimensões individuais e coletivas, já que dependem da
relação com o outro e com outras tradições culturais. É essa capacidade de
reconhecimento do outro, o  necessário para a construção dos sujeitos com suas
próprias identidades, subjetividades e culturas. De modo que sociedade e
indivíduo são interdependentes. Isso quer dizer que a identidade é relacional, e
não algo inato. A construção de uma identidade se dá a partir da relação dos
indivíduos com a sociedade. Assim, ela é um elemento que facilita o
reconhecimento de diferentes indivíduos dentro de um grupo, designando o seu
posicionamento na sociedade. Ao ser construída de forma individual e coletiva,passa a ser o modo como nos olhamos, nos identificamos, nos categorizamos e
nos comparamos aos diversos contextos sociais. 
A identidade social também retrata a ideia de pertencimento, em que o sujeito
pode desenvolver comportamentos discriminatórios frente ao outro, assim como
também pode dar vantagens à membros do próprio grupo ou àqueles que ele
considera um igual. Uma empresa que favorece a contratação de funcionários de
uma determinada religião, por exemplo, está, ao mesmo tempo, favorecendo um
determinado grupo e discriminando outro. 
Assim sendo, a identidade social possui os componentes de inclusão e exclusão,
uma vez que elementos de um mesmo grupo possuem a mesma identidade social,
mas são diferentes socialmente de pessoas de outros grupos. Afinal, cada
sociedade exige de seus membros certo padrão de comportamento.
Experimente fazer questionamentos para si mesmo: quem é você? Qual é a sua
nacionalidade? Qual é a sua idade? E seu estado civil? Você possui filhos? Qual é
seu gênero, sua religião e sua formação? As respostas para essas perguntas
formam sua identidade social.
Digamos que você goste de novelas; que sua comida preferida seja um prato típico
da sua cidade, feito à base de mandioca; que nas horas vagas você faz música; que
seu lazer preferido é ir à praia; e que seu esporte preferido seja o vôlei. Essas
características estão na ordem das identidades culturais, sendo que elas também
possuem uma dimensão subjetiva e outra coletiva, que, muitas vezes, expressam-
se por elementos que também formam uma identidade nacional. Ir à igreja aos
domingos, pular carnaval, assistir ao futebol ou à novela, fazer um churrasco no
fim de semana ou comer três vezes ao dia são apenas alguns dos inúmeros
padrões de comportamento que constituem a cultura brasileira e a sua
identidade.
O filme Madame Satã, de 2001, produzido por Karim Ainouz, é um ótimo exemplo de como as
identidades culturais e sociais se sobrepõem. O enredo nos traz elementos comuns ao imaginário da
identidade nacional brasileira, como a figura do malandro.
É importante lembrar, ainda, que nenhuma sociedade é homogênea. Quanto mais
complexa, mais heterogênea ela vai se apresentar, ou seja, diversos serão os
padrões de cultura e, consequentemente, as identidades e seus elementos. 
Nos dias de hoje, uma pessoa é capaz de se conectar com diferentes referências
culturais por conta da mídia e do advento das novas tecnologias de informação,
como a internet. Também podemos acrescentar o caráter anônimo do convívio
urbano, em que não somos tão próximos de nossos vizinhos como em sociedades
menores e mais simples. Dessa forma, as pessoas podem assumir diferentes
comportamentos, conforme as múltiplas tendências culturais que se apresentam.
Em um mundo tão interligado como o nosso, principalmente devido ao
incremento das novas tecnologias digitais e do surgimento das redes sociais, o
que transformou nossas relações sociais e nossa relação com o mundo; sofremos
influências e influenciamos mesmo sem perceber. Assim, por mais que, às vezes,
tenha-se a impressão de que uma cultura possa desaparecer devido ao intenso
VOCÊ QUER VER?
contato com outras, isso não é completamente verdade, uma vez que as culturas
estão em constantes transformações, mantendo alguns de seus aspectos mais
intensos e duradouros, porém se adaptando e se modificando aos aspectos
culturais que absorvem de fora. 
Poderíamos, por exemplo, dizer que a pizza é um típico prato brasileiro? Na
verdade sim, pois, devido a forte influencia dos imigrantes italianos no Brasil, a
pizza, atualmente, faz parte do cotidiano de todos os brasileiros, inclusive
daqueles que não possuem ascendência italiana Ou seja, a pizza nasceu na Itália, é
um prato tipicamente italiano que se espalhou pelo mundo, adquirindo
características locais específicas. Contudo, uma pizza de Nova York jamais será
igual a uma pizza tipicamente brasileira com catupiry e calabresa, por exemplo,
que, por sua vez, jamais será igual a pizza italiana.  
Com base nisso, podemos dizer que a nossa nacionalidade é mais do que um
indicador de identidade social, sendo, também, parte das nossas identidades
cultural e nacional. 
Uma identidade nacional é o somatório de valores culturais compartilhados por
uma sociedade, e que, apesar de incluir divergências e peculiaridades regionais,
são capazes de definir um perfil único, baseado em território, instituições, língua,
costumes, religiões, história e futuros comuns. É, portanto, um sistema de
representação das relações entre indivíduos e grupos de uma sociedade, o que
inclui o compartilhamento de patrimônios comuns.
O livro “Saudades de São Paulo”, de Claude Lévi-Strauss, é composto por memórias da época da
juventude do autor no Brasil. Além de ser uma verdadeira viagem no tempo, a obra é um interessante
relato sobre o nosso país e nossas peculiaridades, vistos pela lente de um dos maiores pensadores do
século XX.
VOCÊ QUER LER?
A ideia de nação que temos hoje é uma construção social, uma narrativa de
recombinação de práticas e padrões culturais, de forma a conferir um passado e
uma identidade comuns a determinado agrupamento social. Com isso, a
identidade nacional  dependente desse sistema unificador das representações
culturais, o qual é negociado no interior das culturas, por meio da manutenção
das tradições. Isso quer dizer que a afirmação de uma identidade nacional é muito
importante para a preservação de um povo e para o sentimento de pertencimento
dos membros de um grupo social.
Como vimos até aqui, a cultura também pode ser compreendida como um
conjunto de significados partilhados. Nesse sentido, a identidade nacional é uma
comunidade imaginada, na medida em que as diferenças entre as nações residem
nas formas pelas quais elas se reconhecem. A seguir, veremos melhor sobre esse
assunto.
1.4 Matrizes históricas da formação da
cultura brasileira
Antes de nos aprofundarmos no assunto, pense nesta pergunta: é possível
encontrar uma identidade nacional do brasileiro? 
Uma identidade nacional é composta por instituições culturais, símbolos e
representações que combinam esforços institucional, governamental e político de
soberania, bem como o próprio movimento de diferenciação e afirmação de um
povo. Outro fator que contribui fortemente para o desenvolvimento de uma
identidade nacional são as produções artísticas, como a literatura, o teatro, as
artes plásticas, a música, o cinema e a televisão. Afinal, os produtos midiáticos se
inspiram e representam os padrões culturais em que vivemos.
Assim, nossa identidade nacional, ou nossa comunidade brasileira imaginada,
aparece mais nitidamente se a pensarmos como um conjunto de referências, fruto
de contextos históricos, tradições culturais, projetos políticos e manifestações
artísticas cuja a territorialidade não constitui obstáculo para sua existência. 
A identidade nacional brasileira é fruto de um processo de construção histórico-
cultural que inicia na esfera política e oficial, na Independência, em 1822, mas só
ganha impulso nos anos de 1930, com o governo de Vargas.
Com a Proclamação da República, em 1889, temos o federalismo instituído na
administração do Estado, o que resultou em um fortalecimento de movimentos
culturais regionais. Simultaneamente, também tivemos os esforços
governamentais para a criação de símbolos culturais nacionais, como a
mitificação da figura de Tiradentes como um herói brasileiro (ORTIZ, 1994).
O Movimento Modernista que foi impulsionado pela Semana de Arte Moderna, que
aconteceu em 1922, buscaram nas raízes da sociedade inspiração para renovar e
transformar os contextos artístico e cultural. O objetivo, então, era criar uma arte
essencialmente brasileira, livre da reprodução dos padrões europeus (ORTIZ,
1994). No entanto, é importante termos em mente que o processo de construção
de uma identidade nacional começa à partir do estabelecimento dos primeiros
colonos. No seu encontro com os nativos e no acúmulo de interações entre a
metrópole, os colonos e os nativos. Ou seja, aconstrução de uma identidade
nacional não se dá apenas pelos processos culturais, mas, também, a partir de
processos políticos.
Figura 6 - A identidade nacional é fruto de vários processos históricos, culturais e políticos. Fonte:
Korionov, Shutterstock, 2018.
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Entre as décadas de 1960 e 1970, temos a Ditadura Militar, que, devido sua
centralização autoritária e repressiva, é, em si mesmo, uma criadora e difusora de
símbolos nacionais. Além disso, na mesma época, ainda temos a popularização da
televisão nos lares brasileiros, em que um novo momento de difusão de
elementos culturais se estabelece (ORTIZ, 1994).
VOCÊ SABIA?
A Ditadura Militar iniciou com o golpe em 1964, com a deposição do presidente
João Goulart. O regime militar se manteve por 21 anos, estabelecendo censura à
imprensa, restrição aos direitos políticos e perseguição policial aos opositores do
regime. Durante os Anos de Chumbo, quando os confrontos entre o governo e os
opositores foram mais violentos, temos a promulgação da Lei n. 5.700/71, que
determina quais símbolos representavam a união nacional e como e onde eles
deveriam ser utilizados.
Nesse contexto, as telenovelas passaram, também, a auxiliarem na exposição de
práticas sociais consideradas expoentes da brasilidade. A partir dos anos de 1980,
temos a entrada cada vez mais intensa do capital estrangeiro na economia, bem
como a apresentação de um padrão ideal de modo de vida cada vez mais próximo
do norte-americano, que, por sua vez, continua influenciando o nosso processo de
formação da identidade nacional, não só com a indústria cultural, mas também
como exemplo a ser seguido.
O desenvolvimento da internet e a facilidade de deslocamento também tem uma
parcela de culpa no aumento de contato com outros países e novas culturas que
vêm a influenciarem na construção de nossa identidade nacional.
Foi no contexto do Movimento Modernista que ganham destaque Gilberto Freyre e
Sérgio Buarque de Holanda, autores que melhor pensaram sobre o Brasil e a
identidade brasileira. Também conhecidos como os intérpretes do Brasil, esses
autores do pensamento social brasileiro, cada um à sua maneira, apontam a
importância do processo de miscigenação como marcador da singularidade
brasileira, ou seja, como o fator que identifica e difere nosso povo dos outros. 
Em seus escritos, a brasilidade surge como um conjunto de significações
simbólicas que se desenvolvem à partir da influência de elementos europeus, das
tradições africanas e ameríndias em diferentes instancias culturais: organização
Figura 7 - O encontro de diferentes tradições culturais e diversas etnias são a chave para
compreender as identidades culturais. Fonte: Karavai, Shutterstock, 2018.
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social, economia, normas, costumes, linguagem etc.
Gilberto Freyre, em “Casa Grande e Senzala”, sistematiza a noção de democracia
racial ao dissecar as relações cotidianas da família patriarcal colonial. Na obra, o
autor analisa a formação da sociedade brasileira a partir de três elementos
culturais distintos: o branco (europeu-português), o negro (africano) e o indígena
(nativo).
Em sua narrativa, Freyre menciona que a miscigenação brasileira se deve a
prevalência do elemento português no processo, não por causa de sua suposta
superioridade racial, mas, sim, em razão dos contextos histórico e geográfico que
privilegiavam o contato luso com os mouros africanos e árabes. Freyre ainda
coloca como fator principal no processo de uniformidade da sociedade brasileira
não exatamente o encontro das três raças, mas a religião católica, uma vez que os
negros eram batizados e os indígenas foram centro das atenções dos jesuítas, com
a missão de tornarem os nativos cristãos (FREYRE, 2006).
O trabalho de Freyre, ainda que bastante revisitadado e criticado, é de extrema
importância, uma vez que suas ideias permanecem em nosso imaginário e no
senso comum quando dissemos que temos índios, portugueses ou negros na
família. Assim, é a partir das análises culturais de Freyre que se torna corrente a
afirmação de que o Brasil se constitui à partir da fusão das três raças: português,
negros e indios.
Sérgio Buarque de Holanda, por sua vez, menciona que foram os índios, os negros
e os mulatos que fundaram o Brasil com o seus trabalhos e costumes. O Brasil
colonial, de acordo com o autor, tem pouca ou nenhuma organização social,
sendo, consequentemente, violento e personalista. Além disso, o sistema
escravocrata desvaloriza o trabalho, o que favorece aqueles que buscam por
prosperidade sem custo, sacrifício ou comprometimento com a terra.
É nesse cenário que emerge a figura do Homem cordial, tão bem definida pelo
autor. Nesse caso, Holanda (1973) não está interessado em exaltar a cordialidade
como a entendemos no senso comum — com gentileza e simpatia —, mas, sim,
como uma tentativa constante de personalizar as interações sociais. Isto é, o
homem cordial demanda um tratamento especial, de preferência pelo primeiro
nome, não como cidadão qualquer. 
Holanda (1973)  ainda diz respeito a um sistema político no qual apenas amizades
e lealdades pessoais são pertinentes, uma vez que as decisões não seguem uma
lei objetiva e imparcial. Assim, elas estão sempre na esfera do pessoal e do
particular, de modo que temos mais uma característica considerada singular de
brasilidade: a informalidade e a presença do privado na esfera pública. Um
exemplo disso, visível em qualquer noticiário, é o cotidiano político brasileiro, em
que grande parte das decisões se dão por meio de negociações e aproximações
interpessoais, mesuras, agrados e presentes. Ou seja, uma simpatia ritualizada
que funciona com um instrumento de subversão das racionalidades política e
burocrática. 
Esse padrão cultural também se desdobra no famoso jeito brasileiro, que pode
tanto denotar criatividade em situações de crise quanto uma forma de burlar os
parâmetros legais e burocráticos do nosso cotidiano.
A série "O Povo Brasileiro" é uma versão audiovisual da obra de mesmo nome do antropólogo Darcy
Ribeiro. Produzida com material de arquivo, entrevistas e participação de Chico Buarque e Tom Zé, a
série discute a formação do povo brasileiro e a nossa identidade cultural. Ela está disponível no link:
<http://www.canalcurta.tv.br/pt/series/serie.aspx?serieId=336
(http://www.canalcurta.tv.br/pt/series/serie.aspx?serieId=336)>.
Como podemos ver, de acordo com Freyre e Holanda, as características de
brasilidade se formam à partir de um contexto histórico colonial, na relação entre
europeus (e seus descendentes), negros, índios e mestiços. 
No entanto, vale destacar que os brancos — descendentes de europeus, no topo
da escala social e detentores de privilégios — não se entendiam ou se
identificavam como brasileiros. Eles, mesmo sendo os que mais se utilizavam dos
recursos explorados no país, não nutriam sentimentos de pertencimento. A lógica
colonial, ao menos em um primeiro momento, era a de acumular os recursos e
retornar à metrópole (RIBEIRO, 1995).
Nesse contexto, os primeiros a serem identificados como brasileiros são os
mestiços pobres, ou seja, mulatos com pais brancos e negros, já desafricanizados
pelo processo de escravidão; mestiços com pais índios e negros, na época
VOCÊ QUER VER?
http://www.canalcurta.tv.br/pt/series/serie.aspx?serieId=336
chamados de cafuzos; e mamelucos com pais brancos e índios. Essas pessoas
formavam a maior parte da população, passando a serem independentes de suas
vontades, vistas como gente brasileira. Aliás, são eles que propagam o português
como idioma corrente pelos territórios, além de seus costumes, que passam a
formar grande parte dos nossos padrões culturais.
As fontes dessa mestiçagem são muito mais variadas e complexas do que a tríade
portugueses/negros/índios, considerada tão forte na matriz do imaginário da
identidade brasileira. Ou seja, são diferentes etnias indígenas e africanas que
influenciaram a nossa cultura, assim como os portugueses não foram os únicos
europeus que contribuírampara a formação do povo brasileiro. 
A sociedade ibérica abarcava, também, mouros e judeus que vieram com os
colonos. Ao longo dos anos coloniais, ainda tivemos espanhóis nas fronteiras
internas, bem como heranças holandesas e francesas no litoral. De 1900 a 1930
também houve a chegada de imigrantes das mais variadas origens: italianos,
japoneses, poloneses, alemães e etc.  Assim, podemos concluir que a identidade
brasileira é construída por meio da noção da diferença, do ecletismo, da
miscigenação, do conflito e da dominação. A identidade brasileira é uma questão
de pertencimento, afetividade e reprodução de tradições culturais regionais,
compreendida pelas diversidades histórica, cultural e social de cada povo.
Síntese
Você concluiu seus primeiros passos para os estudos antropológicos. Com isso,
teve a oportunidade de conhecer um pouco da história e do campo de estudo
dessa ciência em sua vertente social.
Neste capítulo, você teve a oportunidade de:
identificar os campos de estudo da Antropologia como uma ciência que
estuda o Homem e sua cultura;
compreender a importância do conceito de cultura e da alteridade para a
Antropologia;
refletir sobre os elementos que constituem as identidades sociais e a
identidade nacional brasileira.
Referências bibliográficas
ERIKSEN, T. H.; NIELSEN, F. S. História da Antropologia. Petrópolis: Editora Vozes,
2010.
FREYRE, G. Casa Grande e Senzala. 51. ed. São Paulo: Global Editora, 2006.
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LEITÃO, H. Os Descobrimentos Portugueses e A Ciência Europeia. Lisboa:
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http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-77011999000100002
http://www.canalcurta.tv.br/pt/series/serie.aspx?serieId=336
ANTROPOLOGIA E CULTURA
BRASILEIRA
CAPÍTULO 2 – SERÁ QUE EXISTE
APENAS UM SIGNIFICADO DE
CULTURA?
Tatiana de Laai
INICIAR
Introdução
A diversidade cultural trazida pelos escravos e a influência das mais diferentes
nações indígenas que habitavam o Brasil foram de extrema importância na
formação da nossa identidade nacional. Foram suas referências culturais, suas
práticas, seus símbolos e seus rituais que, juntamente com as influências
europeias, fizeram do povo brasileiro um grupo social diferente de outros.
Por exemplo, o que a festa do Boi de Parintins e de Ouro Preto — no Amazonas e
em Minas Gerais, respectivamente — têm em comum? Ambos são patrimônios
culturais brasileiros. É justamente sobre esse assunto que vamos estudar ao longo
deste segundo capítulo. Assim, entenderemos a importância do patrimônio para a
preservação da memória e das identidades nacionais, bem como
compreenderemos que a memória possui uma dimensão coletiva e deve ser
tratada como um fenômeno social. Além disso, poderemos nos aprofundar
quando a criação e a manutenção do patrimônio cultural como um importante
papel na construção da memória social.
Com o estudo deste capítulo também discutiremos os conceitos de raça e etnia, e
como eles operam em nossa sociedade. Vamos entender que a raça é uma
construção social e qual é a relação do conceito de etnia na preservação das
tradições culturais de um grupo como forma de manutenção das identidades. 
Por fim, vamos estudar as bases históricas da presença das culturas negra e
indígena na formação da sociedade brasileira. 
Veremos, então, ao longo de todo o capítulo, que identificar e reconhecer de onde
vem nossas referências culturais pode ser indispensável para entendermos a
nossa realidade social.
Vamos em frente!
2.1 Patrimônio cultural e memória
social
Antropologia e patrimônio andam juntos desde sempre, uma vez que o patrimônio
se refere ao ato de valorizar bens culturais, preservando-os em museus, enquanto
que a Antropologia começa dentro desses museus. 
Com o Iluminismo, surgem os chamados museus de ciência, orientados para a
produção de pesquisa científica por parte de especialistas formados com essa
finalidade. Ao mesmo tempo, propaga-se a noção de que os museus também são
espaços destinados ao público, ou seja, um local onde se tem contato com o saber
e com a história. Assim, na medida em que as fronteiras do mundo ocidental se
expandem, a história da Antropologia avança.  
Entre o fim do século XIX e início do século XX, durante os anos de colonialismo na
África e na Oceania, a Antropologia se desenvolveu de forma positiva. Nessa
época, antes das universidades, o lugar de formação dos antropólogos eram os
museus de história natural, que reuniam objetos e informações sobre a fauna, a
flora, os povos e as culturas provenientes de várias partes do mundo. Aliás, eram
nos museus que o material antropológico colhido nas expedições coloniais eram
reunidos, sistematizados e transformados em materiais científicos (ERIKSEN;
NIELSEN, 2010).
Na sociedade moderna ainda temos a prática de “patrimonizar” a cultura, ou seja,
representar as culturas por meio de bens materiais e imateriais. Isso significa
eleger paisagens, edificações, peças arqueológicas e demais fragmentos de uma
realidade cultural, e reuni-las em um conjunto que expresse a totalidade de uma
cultura no sentido de atribuir uma dimensão material à idéia de nação. 
É importante diferenciarmos, contudo, os conceitos de Estado, país, nação e
território, uma vez que são termos diferentes, mas que, no senso comum,
misturam-se em um mesmo contexto discursivo.
Em termos geopolíticos, um território compreende o espaço geográfico
apropriado e delimitado por relações de soberania e poder. Isto é, quando
estamos falando de “território brasileiro”, estamos nos referindo ao espaço
delimitado e reconhecido internacionalmente sobre o qual é exercido um
domínio, chamado de soberania. Isso quer dizer que o Brasil é soberano sobre o
seu território e exerce sobre ele os interesses de seus habitantes (SENE; MOREIRA,
2012). 
O aparato político que garante o exercíciodessa soberania é o Estado, conjunto de
instituições públicas que administra o território, o que envolve o governo, as
escolas, os hospitais públicos e os departamentos de política (SENE; MOREIRA,
2012). 
Já o país se refere a todos os elementos que se encontram nesse território
dominado por um Estado. O conceito de país abrange as características naturais,
econômicas, sociais e culturais que estão nesse território (SENE; MOREIRA, 2012). 
O conceito de nação, por sua vez, está ligado a questões identitárias, uma vez que
se relaciona com o sentimento de pertencimento e união compartilhada entre os
habitantes de um país. Esse sentimento se constrói a partir de comportamentos, 
práticas sociais e idiomas que são comuns entre os povos (SENE; MOREIRA, 2012). 
Sendo assim, nem sempre uma nação compreende um Estado ou um país. Existem
nações sem território, por exemplo, e Estados com mais de uma nação ou com
territórios em disputa. Um caso clássico é a Espanha, que comporta — nem
sempre de forma harmoniosa — catalães e bascos, e reivindica a criação de seus
próprios Estados, com a delimitação de seus territórios.
Como forma de garantir o exercício de suas soberanias em seus territórios, os
Estados ainda buscam criar e estimular o sentimento de pertencimento e união
entre seus habitantes. Para isso, a identificação e a manutenção dos patrimônios
culturais, da história e da memória do país é fundamental. 
Uma sociedade moderna, complexa e heterogênea como a brasileira se caracteriza
por abrigar, em relativa harmonia, diversas tradições e diferentes visões de
mundo. Assim, a existência desse complexo sociocultural abrangente está
vinculado à ideia de nação, por isso, existe uma política cultural de Estado. Com
isso, na medida em que o Brasil se considera um país democrático e pluralista, tais
políticas se preocupam com a preservação de nossos patrimônios histórico,
artístico e cultural, e, consequentemente, da memória social do país. 
Nesse sentido, o trabalho do antropólogo é essencial, uma vez que um dos
interesses mais comuns da Antropologia é a investigação dos grupos sociais que
se encontram à margem da história oficial e da cultura dominante, como as
comunidades indígenas ou os quilombolas. Não raro, a documentação é precária e
as crenças e valores desses grupos são transmitidas oralmente. Daí a importância
de políticas públicas para que essas memórias não se percam, pois elas fazem
parte do nosso patrimônio cultural.
No Brasil, a proteção do patrimônio cultural está prevista na Constituição Federal.
Em termos oficiais, os órgãos do Estado responsáveis pelo estudo, pela proteção e
pela divulgação do que se refere aos patrimônios culturais são a Comissão
Nacional de Folclore e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. 
Justamente por conta do patrimônio se ocupar das produções de cultura, ele
também se divide em material e imaterial. 
O patrimônio material brasileiro é classificado em arqueológico, paisagístico e
etnográfico; histórico; belas artes; e artes aplicadas. 
Eles estão divididos em bens imóveis, como os núcleos urbanos, os sítios
arqueológicos e paisagísticos e os bens individuais; e bens móveis, que são as
coleções arqueológicas, os acervos museológicos, documentais, bibliográficos,
arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos. 
VOCÊ SABIA?
A etnografia é, ao mesmo tempo, um campo de estudo e um método de pesquisa
antropológico. Ela consiste na descrição detalhada dos costumes de uma cultura
específica. A coleção etnográfica de um museu, por exemplo, abarca diversos
aspectos do estilo de vida de uma comunidade por meio da coleção de objetos de
uso cotidianos e da identificação e classificação de saberes e expressões artísticas.
Ou seja, objetos, tanto da cultura material quanto imaterial, que possam
representar o patrimônio cultural de um povo. No Brasil, a maior parte dos acervos
etnográficos são dedicados aos povos indígenas.
Nesse grupo também se encontram os bens de ordenação natural, que são os
fenômenos da natureza aos quais o ser humano atribui valor cultural, seja em
função da beleza ou da excepcionalidade, como o encontro das águas dos Rios
Negro e Solimões, ou marcos turísticos, como o Corcovado. Além disso, também
temos os diversos centros históricos preservados pelo país, como o de Olinda, de
Ouro Preto ou de Salvador; o Cristo Redentor; as esculturas de Aleijadinho; assim
como as edificações históricos, como o Teatro Amazonas ou os Arcos da Lapa.
Já o patrimônio imaterial abrange práticas rituais, saberes, prescrições da
medicina nativa, culinárias específicas, músicas, festejos, danças e demais formas
abstratas de expressão cultural. O patrimônio cultural imaterial brasileiro está
dividido em celebrações culturais e formas de expressão. O jongo, a festa de
Parintins, o modo de fazer viola de cacho, o modo artesanal de fazer queijo de
Minas, a Feira de Caruaru e as rodas de capoeira são exemplos de patrimônio
cultural imaterial. 
Figura 1 - As cidades históricas são consideradas um patrimônio material. Fonte: ostill, Shutterstock,
2018.
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Vale destacar que os patrimônios culturais não surgem naturalmente, tampouco
da espontaneidade do povo. Na verdade, são construções sociais, sendo apenas
uma parcela do conjunto das ações humanas que existem em um país. Aliás, assim
como as identidades, os patrimônios de uma sociedade são parte de um processo
seletivo dinâmico e fragmentado que está fortemente atrelado à memória social
de um país. 
Em princípio, a memória aparenta ser um fenômeno individual, algo subjetivo ou
uma percepção mental íntima. No entanto, a memória deve ser entendida como
um fenômeno coletivo e social, uma vez que depende do outro para ser
construída. 
Nos anos de 1950, o sociólogo Halbwachs (2013) aponta que o ato de recordar e a
localização da memória só podem ser observados e identificados se levarmos em
conta o contexto social que ampara a base da reconstrução de um evento que se
tornará uma memória. Isso porque as lembranças não podem existir fora de um
grupo social. Inclusive, é isso que o sociólogo chama de memória coletiva. 
Figura 2 - O carnaval brasileiro é caracterizado como um patrimônio da cultural imaterial. Fonte:
ostill, Shutterstock, 2018.
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Nas memórias existem marcos relativamente fixos e imutáveis, ou seja, uma
lembrança existe sempre em relação à algo, à alguém ou à um acontecimento.
Com isso, ainda que elas possam ficar guardadas secretamente em nosso íntimo,
quando as compartilhamos com alguém elas precisam ser entendidas e
necessitam de contexto. 
Assim, Halbwachs (2013) distingue duas categorias de memórias: a autobiográfica
(de cunho subjetivo) e a social (histórica), sendo que a primeira recebe reflexos da
segunda. 
Portanto, podemos dizer que compartilhar uma memória é ordenar
acontecimentos, exatamente como em uma narrativa. Nesse sentido, a memória
pode ser compreendida como um fenômeno construído coletivamente e
submetido a mudanças constantes.
Da mesma forma como a construção social, as memórias são seletivas, já que o
indivíduo pode lembrar somente aquilo que considera importante para seu grupo
de convívio, de forma a assumir sua identidade de acordo com suas experiências
coletivas. A memória social seria, portanto, uma memória partilhada por um
grupo, um povo ou uma nação, constituindo e delineando a identidade e as
singularidades do grupo (HALBWACHS, 2013).
Ademais, a relação entre a memória social e a construção de uma identidade
nacional se dá com a criação e a manutenção do patrimônio cultural, uma vez que 
ele é o legado histórico e cultural das vivências de um povo, o qual é passado de
geração em geração, colaborando para manter e preservar a identidade nacional.
Um exemplo de como as várias memórias nacionais são mantidas é a perpetuação
de tradições em celebrações, que são repetidas e atualizadas, como acontece na
Festa do Boi de Parintins. Esse importante festejo amazônico é um patrimônio
culturalimaterial que celebra as lendas, os rituais indígenas e as tradições dos
ribeirinhos amazônicos por meio de alegorias e encenações do embate entre as
associações do Boi Capricho e o do Boi Garantido. 
VOCÊ SABIA?
Chama-se tombamento o ato de reconhecimento oficial do Estado do valor de um
bem cultural para a memória e identidade nacional, transformando-o em um
patrimônio oficial público. O termo vêm da Torre do Tombo, arquivo público
português que guarda e conserva documentos importantes. O patrimônio cultural
brasileiro está registrado nos Livros de Tombo, que estão disponíveis on-line no site:
<http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/608
(http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/608)>.
Segundo Menezes (1984, p. 33), a memória “[...] é mecanismo de retenção de
informação, conhecimento, experiência individual ou social, constituindo-se em
um eixo de atribuições que articula, categoriza os aspectos multiformes de
realidade, dando-lhes lógica e inteligibilidade”. Dessa forma, podemos entender
que nossa identificação social ocorre por meio das percepções, das lembranças,
dos registros que fazemos de fatos passados e presentes, dos objetos e dos
saberes que elegemos importantes.
Portanto, preservar e tornar patrimônio os bens culturais para que estejam sempre
presentes e disponíveis na cultura, cria e conserva a memória social e,
consequentemente, sustenta a nossa identidade cultural.
No tópico à seguir, discutiremos os conceitos de raça e etnia, que são a chave na
construção de identidades culturais. 
2.2 Raça e etnia
O termo “raça” vem do latim ratio, que significa categoria, espécie ou tipo. Desde a
antiguidade, na história das ciências naturais, raça é o conceito utilizado pra
classificar as espécies animais e vegetais. Durante a Idade Média, o termo começa
a ser utilizado para classificar a diversidade humana em grupos fisicamente
diferentes, designando, também, a descendência, e identificando um grupo que
tinha um antepassado compartilhado e que, por isso, mantinha características
físicas em comum (LÉVI-STRAUSS, 1973).
Na  França, entre os séculos XVI e XVII, o conceito de raça passa a afetar e atuar nas
relações entre as classes sociais. Assim, a nobreza local — que se considerava
descendente dos Francos, de origem germânica — passa a identificar a população
local como descendente de gauleses. Com isso, a nobreza não se considerava
apenas diferente, mas acreditava ser dotada de “sangue puro”, sugerindo que suas
habilidades e aptidões para reinar, administrar e até escravizar os gauleses eram
naturais, uma vez que os Francos eram uma raça superior.
http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/608
Já no século XVIII, no contexto do Iluminismo, com o surgimento da disciplina de
História Natural da Humanidade (que mais tarde se desmembraria entre Biologia e
Antropologia Física), o conceito de raça — como é utilizado nas ciências naturais —
passa a ser utilizado para catalogar a raça humana, uma vez que “novos humanos”
estavam sendo descobertos desde a era das navegações.  
Os primeiros antropólogos no século XIX buscavam uma teoria que explicasse o
panorama geral do progresso cultural humano. Ao estudarem os relatos de
viajantes, exploradores e colonizadores, eles comparavam relatos no intuito de
ordenarem as origens e a evolução das culturas. Nessa mesma época, Darwin
havia postulado em sua obra, “Origem das Espécies”, de 1859, a evolução orgânica
dos seres. Além disso, a teoria evolutiva também passa a ser aceita nas ciências,
de modo que começa a ser aplicada para explicar as diferenças entre as culturas. É
nesse contexto que se desenvolvem as teorias evolucionistas e o chamado
“racismo científico”.
Assim, a grande estruturação dos estágios evolutivos das culturas, de acordo com
a Antropologia evolutiva, se dividia entre selvageria, barbarismo e civilização. Ou
seja, de acordo com esses teóricos, a evolução seria uma única linha que
acompanharia toda a história cultual, com apenas um ponto de partida: a
selvageria; e um ponto de chegada: a civilização. Nesse cenário, o mundo
ocidental estaria em seu ponto máximo de desenvolvimento, destacando-se como
povos civilizados. Foi esse pensamento centrado e calcado na superioridade das
culturas que legitimou as colonizações, o imperialismo e, mais tarde, a ascensão
do nazismo (LÉVI-STRAUSS, 1973; ERIKSEN; NIELSEN, 2010).
Dessa forma, podemos concluir que se os cientistas da época tivessem limitado o
uso do conceito de raça somente aos grupos humanos, de acordo com  suas
características físicas, ele passaria desapercebido e suas classificações teriam
permanecido ou sido rejeitadas, como acontece no desenvolvimento do
conhecimento científico. O que ocorre é que, a partir do estabelecimento de uma
escala de valores entre as chamadas raças humanas, relacionando características
biológicas e fenotípicas à qualidades morais, intelectuais e culturais, os indivíduos
da raça “branca” foram definidos coletivamente como superiores aos dos
classificados como das raças “negra” e “amarela”, em função de suas
características físicas. 
O filme A Vênus Negra, de Abdellatif Kechiche, conta a história real de Saartje Baartman, uma sul-
africana da etnia coisã (chamada pelos colonizadores de Hotentote), que é levada como escrava para
Europa. Lá, ela passa a ser exibida em circos e feiras, além de servir como objeto de estudo por
cientistas da época.  
Os avanços na ciência genética também mostraram que, mesmo com algumas
doenças e deformidades sendo hereditárias, assim como existem outros fatores
biológicos que são encontrados com maior frequência em algumas raças do que
em outras; essas incidências não são suficientes para demarcar a diferenciação
racial ao redor do globo.  
Diversas pesquisas comparativas concluíram que as heranças genéticas de duas
pessoas de uma mesma raça podem ser mais distantes do que as pertencentes à
raças diferentes. Isso significa que um norueguês, por exemplo, pode,
geneticamente, ser mais próximo de um sudanês e mais distante de um
dinamarquês, da mesma maneira que uma rara doença genética pode ser
encontrada tanto na Europa quanto na Ásia. Dessa forma, biológica e
cientificamente, não existem variadas raças, mas, sim, apenas uma: a raça
humana (LÉVI-STRAUSS, 1973).
Na palestra intitulada “Kabengele Munanga fala sobre História da Diáspora Africana”, o Dr.  Kabengele
Munanga, um importante antropólogo brasileiro-congolês, especializado em Antropologia da
população afro-brasielira; fala sobre a importância do ensino da história do continente africano e sobre
o livro “História da Diáspora Africana”. Vale a pena se aprofundar no assunto assistindo ao vídeo:
<https://youtu.be/BDKzWSouaqo (https://youtu.be/BDKzWSouaqo)>.
VOCÊ QUER VER?
VOCÊ QUER VER?
https://youtu.be/BDKzWSouaqo
Contudo, mesmo que o conceito científico de raça utilizado para diferenciar os
seres humanos não seja mais validado pela ciência, isso não quer dizer que todos
os indivíduos sejam geneticamente iguais. As heranças genéticas são diferentes,
mas não são suficientes para classificá-las em raças. A diversidade genética é
substancial à sobrevivência da espécie humana.
Portanto, atualmente, é impensável considerar que as características biológicas
adaptativas sejam “melhores” ou “piores”, “superiores” ou “inferiores” de uns para
outros. Gradativamente, a classificação dos povos a partir da raça foi perdendo
espaço nos círculos acadêmicos e começa a ser substituída pela noção de etnia. 
Muitas pesquisas universitárias sugerem que o conceito de raça seja excluído  de
dicionários e textos científicos. Ainda assim, a raça tida como a classificação de
seres humanos é utilizada tanto no senso comum quanto em estudos produzidos
na área das ciênciasbiomédicas. Enquanto que, nas ciências sociais,
principalmente na Antropologia e na Sociologia, o conceito de raça é entendido
como uma categoria social, que denota dominação e exclusão.
Além da raça, temos, também, a etnia. Originária do grego ethnos (povo), ela é um
conceito que abrange os aspectos socioculturais,históricos e identitários de um
povo. Dessa forma, ela pode ser entendida como um complexo populacional que
têm histórica ou mitologicamente a mesma ancestralidade. 
A etnia se caracteriza por compartilhar as mesmas crenças, a mesma língua, a
mesma cultura, a mesma visão de mundo e, na maioria das vezes, o mesmo
território. Por exemplo, no território brasileiro, existem várias etnias nativas que
formavam verdadeiras nações indígenas na época do descobrimento, e, ainda
hoje, várias resistem. Mulçumanos, judeus, maoris e okinawanos são exemplos de
etnias que podemos encontrar em diversos países ao redor do globo. 
Temos, ainda, que as etnias também podem constituir nações, como é o caso de
quase toda a totalidade do território africano, cujas etnias foram desfeitas e
redistribuídas em novos territórios coloniais. A etnia iorubá, por exemplo, hoje se
encontra dividida entre as Repúblicas da Nigéria, de Togo e de Benin.
Por estar atrelada ao conceito de cultura, a etnia não é um conceito fixo, uma vez
que, assim como qualquer sociedade, pode se transformar ao longo do tempo. O
aumento populacional e o contato com outros povos, fenômenos climáticos ou de
ordem natural podem provocar mudanças em uma determinada etnia. Temos que
a população brasileira é formada pelo encontro de diversas etnias no período
colonial: as indígenas, as africanas e as ibéricas. Contudo, mais tarde, vieram
asiáticos, árabes e judeus. Assim, ao longo do tempo, a fusão dessas etnias
originou as novas populações que preservaram traços físicos e culturais, mas
também que evoluíram.
Figura 3 - Em uma mesma nação podemos encontrar diferentes etnias. Fonte: Rawpixel.com,
Shutterstock, 2018.
Deslize sobre a imagem para Zoom
Com isso, os agrupamentos humanos se desenvolveram de formas diferentes,
criando diversas sociedades, cada qual com sua própria maneira de organização e
seus sistemas de crenças. As sociedades desenvolvem estratégias para se
relacionarem entre si e com outros grupos sociais, assim como com o meio
ambiente. 
A diversidade das culturas existentes são tantas quanto à pluralidade da existência
humana. Assim, é importante termos em mente que são variadas as diferenças
culturais e que, consequentemente, são muitas as etnias. No entanto, vale lembrar
que todas pertencem à raça humana.
No próximo tópico, entenderemos um pouco mais sobre a diversidade por meio
do estudo sobre a presença de índios e negros na formação da cultura brasileira.
2.3 O índio na formação da cultura
brasileira
Antes de iniciarmos maior aprofudamento quanto a formação da cultura
brasileira, vale destacar um questionamento: o Brasil foi, de fato, descoberto pelos
portugueses? 
A Antropologia e a História questionam a noção de descobrimento, uma vez que o
território brasileiro já era habitando antes da chegada dos colonizadores. Nesse
sentido, podemos dizer que ocorreu uma invasão, seguida de uma conquista. Isso
porque a conquista do continente americano revelou aos europeus a existência de
uma população até então desconhecida. 
A população indígena que conhecemos hoje é remanescente do longo e violento
processo imposto aos nativos à partir da invasão dos portugueses no século XVI.
Nos períodos de conquista e colonização, os contatos entre invasores e nativos do
litoral resultaram em deslocamento de povoados para áreas distantes, dizimação
por doenças e violência, escravidão e, consequentemente, a perda parcial ou
completa de suas culturas em função dos processos de subordinação e de
doutrinação religiosa.
Mais tarde, durante o Império e a República — e ainda no século XX —, a
convivência entre nativos e invasores continuou constante e conflituosa, sendo
que as frentes pioneiras da sociedade nacional, em sua expansão para o Centro-
Oeste, alcançaram novos grupos indígenas que também foram subjugados e
praticamente dizimados. Esse processo de deslocamento e perda de população
indígena ainda é uma realidade contemporânea, vide as disputas pela
demarcação de terras indígenas e os conflitos entre índios e fazendeiros no
Centro-Oeste e Norte do país.
As estimativas de estudos históricos, arqueológicos e antropológicos sobre a
demografia indígena pré-contato apontam que, antes do descobrimento e no
início da colonização,  existiam mais de mil povos indígenas e aproximadamente
cinco milhões de nativos espalhados pelo território brasileiro (CASTRO, 1992).
Hoje, de acordo com a FUNAI (2010) vivem em aldeias cerca de 515 mil indígenas
distribuídos em 227 etnias e 180 línguas nativas diferentes. Além disso, os dados
Figura 4 - Os povos indígenas ainda vivem em aldeias no interior do Brasil. Fonte: Anton_Ivanov,
Shutterstock, 2018.
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também afirmam que um contingente considerável de indígenas migram para os
centros urbanos em busca de educação e melhores condições de vida, mas
acabam vivendo em periferias.
Nascido e criado na aldeia Krukutu, na região de Palheiros, zona sul de São Paulo, Werá Jeguaka Mirim,
mais conhecido como MC Kunumi, usa o rap como instrumento de luta pelos direitos indígenas. Além
de misturar guarani com português, sua música trata de diversas questões indígenas contemporâneas,
como a demarcação de terras e a preservação da natureza. Kunumi publicou dois livros infantis, o
autobiográfico “Kunumi guarani” e outro intitulado “Contos dos curumins guaranis”, ambos em 2014.
Esse contato contínuo entre duas culturas diferentes resultaram em
transformações nos padrões culturais de ambas. Transformações estas que são
tão constantes que, com o passar do tempo, mesclaram as culturas ao ponto de
formar uma nova sociedade e uma nova cultura, em um processo que a
Antropologia chama de aculturação. 
Dessa forma, o contato constante entre nativos e invasores apresenta duas
modalidades de aculturação: interétnica e intertribal. 
Na aculturação interétnica, grupos que são culturalmente e etnicamente
diferentes entram em contato direto e permanente, sendo expostos a mudanças
em seus padrões culturais. Contudo, esse contato nem sempre é pacífico.  
Já na aculturação intertribal, temos um intenso intercâmbio cultural entre duas
etnias iguais que possuem línguas e costumes diferentes. No caso intertribal, os
dois grupos se influenciam de forma recíproca, permanente e, frequentemente,
pacífica.
Para Ribeiro (1977), o impacto da civilização europeia sobre as populações
indígenas foram uma “transfiguração étnica” na medida em que não houve
exatamente uma assimilação cultural ou uma aculturação, pois muitos grupos
foram exterminados e os que sobreviveram não foram em nenhum momento
VOCÊ O CONHECE?
devidamente absorvidos pela sociedade nacional. Com isso, os índios fazem parte
do imaginário da identidade nacional miscigenada, mas ainda lutam por seus
direitos.
Segundo o antropólogo Gomes (2012, p. 55), diferentemente dos ingleses, na
América do Norte, os portugueses jamais consideraram ou trataram as populações
indígenas como nações. Além disso, seus habitantes não eram conhecidos como
cidadãos, mas, sim, como “[...] vassalos, habitantes subordinados a uma
autoridade maior com direitos outorgados caso a caso”. Isso fez com que os
indígenas no Brasil se tornassem escravos, servos, ignorados e, apenas muito
recentemente, cedidos à autonomia, mas pobres e desprovidos de direitos.
Podemos dizer, ainda, que a primeira contribuição dos povos indígenas para o
Brasil se deu logo com a chegada dos portugueses às terras brasileiras. Os índios,
pacificados e subjugados, ensinaram aos primeiros colonos e exploradores
técnicas de sobrevivência na selva, como lidar com vários perigos nas florestas e
se orientar nas expedições realizadas. Em todas as expedições empreendidas
pelos desbravadores e colonizadores, os índios eram guias e serviçais. Ao longo de
todo o período colonial os indígenas estiveram presentes, ora como aliados na
expulsão de outros invasores estrangeiros, ora como mão de obra na expansão
extrativista (RIBEIRO, 1977).
VOCÊ SABIA?
Nós utilizamos mais de 10 mil palavras em Tupi. Até o século XVII,o Tupi era o
idioma mais utilizado no território brasileiro. Em sua forma original, a língua já não
existe mais, no entanto, variações dela ainda são faladas por aproximadamente 30
mil pessoas na região do Amazonas. A língua portuguesa como idioma no Brasil só
se consolida em meados do século XVII, quando Marquês de Pombal — o então
Secretário de Estado para assuntos exteriores — decidiu por decreto que o
português deveria ser a língua falada nas colonias de além-mar (ANGELO, 2016).
Vários de nossos hábitos e costumes alimentares também derivam da cultura
indígena, como a utilização da mandioca e seus derivados (farinha de mandioca,
tapioca e polvilho), o costume de se alimentar com peixes de rio e o hábito de
comer frutas como o cupuaçu, o bacuri, a graviola, o caju e o açaí. 
Também herdamos o uso de várias plantas para fins medicinais, como o boldo, o
óleo de copaíba, a catuaba e a semente de sucupira. 
Em relação à religiosidade, a cultura indígena contribui para o sincrestismo,
tornando o catolicismo um tanto mais folclórico e menos ritualístico, com mais
superstições. A própria umbanda — adaptação da religião dos negros ao
catolicismo colonial — possui muita influência indígena. 
É comum, no entanto, pensamos nos índios de forma genérica, como um ser
humano que vive nu na mata, caça com arco e flechas, mora em ocas, come
mandioca,  cultua Tupã e fala Tupi. Mas, na realidade, o termo “índio” é definido
em oposição a “branco”. Esse índio ideal do senso comum não existe, sendo que o
que temos são diversas etnias com suas próprias línguas, costumes e visões de
mundo, como os bororós, os pataxós e os xavantes. 
Mas por que será que conhecemos tão pouco sobre os povos indígenas?
Uma das razões para esse desconhecimento é o grande abismo de comunicação
cultural entre os índios e os brancos, uma vez que os povoados indígenas não
dispõem de canais regulares de comunicação e de expressão política na sociedade
Figura 5 - A umbanda carrega traços da cultura indígena. Fonte: Alf Ribeiro, Shutterstock, 2018.
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brasileira; enquanto que a imprensa e os meios de comunicação tratam e retratam
a questão indígena de forma padronizada. Outro problema é a divulgação de
informação científica de fácil compreensão para o público leigo. 
São muitas as pesquisas antropológicas, linguísticas, sociológicas e arqueológicas
sobre as sociedades indígenas; e mesmo que apenas uma parte das etnias
conhecidas tenha sido pesquisada, esse conhecimento fragmentado e parcial fica
restrito ao meio acadêmico (RIBEIRO, 1977; GOMES, 2012). 
As comunidades indígenas brasileiras continuam sendo pouco conhecidas e
valorizadas em nossa cultura. O que se informa sobre a cultura indígena nos
espaços midiáticos são notas fragmentadas ou descontextualizadas, com
representações superficiais e  estereotipadas. Assim, a representatividade das
culturas indígenas nas artes e no entretenimento estão, na maioria das vezes,
vinculadas a um passado colonial idealizado, como se os índios tivessem deixado
de existir e nos restasse apenas o legado de palavras, sabedoria acerca da flora
medicinal amazônica, uma grande influência na culinária e hábitos cotidianos. 
Em contrapartida, na imprensa em geral, a presença dos índios está reduzida a
situações de violência e conflito, além da falsa ideia de que mudanças de hábitos
façam com que essas pessoas deixassem de ser indígenas. Desinformação,
preconceito e intolerância são resultados desse cenário. 
Juridicamente, todo índio é um cidadão brasileiro, ainda que possa pertencer a
uma comunidade que tem seus próprios costumes e valores. Os índios se
reconhecem como minora étnica e são conscientes de seus direitos e de sua
subordinação ao Estado. Atualmente, diversas lideranças, assim como artistas e
intelectuais indígenas, têm buscado novas e melhores formas de se relacionarem
com a sociedade. Com isso, reivindicam — de diversas maneiras e em variadas
esferas sociais — o diálogo com o Estado, buscando caminhos e alternativas para
um convívio socialmente mais justo e menos preconceituoso.
Agora que entendemos melhor sobre os indígenas, o tópico à seguir será dedicado
ao estudo da presença dos negros africanos no Brasil e sua contribuição para a
formação de nossa cultura.
2.4 O negro na formação da cultura
brasileira
Podemos dizer que o negro é um grupo étnico de maior importância na formação
da sociedade brasileira, principalmente devido a quantidade de marcas culturais e
genéticas que imprime em nosso povo. Sua presença está em nossos traços físicos
e nos mais variados hábitos e costumes, além das influências na religiosidade, nas
expressões materiais e culturais. A contribuição do negro à nossa cultura é rica,
relevante e duradoura. 
Apesar do longo e violento processo de aculturação, a cultura africana no Brasil
não foi destruída, persistindo e transformando a nossa própria cultura.
As teorias raciais que entendiam o homem branco ocidental como "superiores",
em comparação aos nativos "bárbaros", legitimam as intervenções coloniais por
parte dos conquistadores europeus nas Américas e na África. Na Europa, o tráfico
de escravos já era uma realidade desde o século XV, sendo que os portugueses,
por exemplo, desenvolveram um estreito comércio de escravos na Costa D’Ouro,
que logo se estendeu por toda a Costa Ocidental da África.  
O comércio transatlântico de escravos vigorou dos séculos XVII ao XIX. Ele atendia
a demanda crescente por mão de obra barata, em razão do interesse em ampliar a
produção de açúcar, café, algodão e tabaco em território colonial, a fim de
abastecer o crescente consumo europeu. Nas próprias colônias já não haviam
mais nativos suficientes para dar conta do trabalho, além dos constantes e
intensos conflitos, fazendo com que muitos nativos fossem dizimados e atingidos
pelas doenças trazidas pelos europeus. 
A exploração do território brasileiro demandava a presença de mão de obra ativa,
permanente e à baixo custo para o desenvolvimento do trabalho nos campos.
Assim, no século XVI, a partir do estabelecimento de uma aristocracia rural do
açúcar, inicia-se o tráfico constante de negros para o país. Com isso, estima-se que,
até o fim do tráfico legal, de três a quatro milhões de escravos foram trazidos do
continente africano. Contudo, ao contrário do que muito se fala, essas pessoas
não vieram de um continente desorganizado, primitivo, sem cultura, sem tradição
ou passado. Elas possuíam tudo isso.
Cada um dos povos africanos possuía singularidades que os distinguiam uns dos
outros, de modo que os povos da África Ocidental conviviam com uma grande
diversidade étnica, ao mesmo tempo em que desenvolveram tradições e religiões
comuns, partilhando culturas diferenciadas. 
Antropólogos e historiadores identificam dois grandes grupos de africanos
aportados ao Brasil como escravos: os bantos e os sudaneses. 
O banto não é exatamente um povo ou um grupo étnico específico, mas, sim, um
tronco linguístico, ou seja, uma língua que deu origem a diversas outras línguas
africanas, as quais abarcam um grande complexo de povos com características
linguísticas e culturais semelhantes. Mancuas, Angicos, Congos e Cabinda estão
entre os grupos bantos trazidos ao Brasil. Esses grupos reproduziram seu tipo de
organização social nos quilombos e nos influenciaram de várias formas: a capoeira
de angola, a congada, as danças e cerimônias, o cateretê, o caxambu, o batuque, o
Figura 6 - Diversas etnias formam o povo africano. Fonte: Stanislaw Tokarski, Shutterstock, 2018.
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samba, o jongo, o lundu e o maracatu são legados dos povos bantos. No
português, a maioria das palavras africanas são de origem banto, como “dengoso”,
“sambista”, “xingamento” e “moleque”.
Já quando se fala em sudaneses do Brasil colonial, na realidade, trata-se dos
povos com estreitas relações culturais e comerciais entre si na região do Golfo do
Benin. Apesar de ainda ser utilizado, “sudenes” é um termo genérico utilizado
pelos árabes e ocidentais para

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