Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
PSICOLOGIA JURÍDICA Prof. Dr. Marcus Vinicius marvin.psc@gmail.com A atuação do Psicólogo em Varas de Família ❑ Do Código Civil de 1916 ao Estatuto da mulher casada: • Com o Código Civil Brasileiro de 1916, consolida-se a definição de família como sendo a união legalmente constituída pela via do casamento civil. • A família é vista como núcleo fundamental da sociedade, composta por pai, mãe e filhos (família nuclear) e, secundariamente, por outros membros ligados por laços consanguíneos (família extensa). • Ao mesmo tempo, organiza-se num modelo hierárquico que tem o homem como seu chefe (família patriarcal). • A mulher casada era considerada incapaz, o que lhe retirava o poder de decidir sobre a prole e o patrimônio. A atuação do Psicólogo em Varas de Família • No que tange à separação do casal, o Código de 1916 previa apenas a separação de corpos por justa causa, conhecido por desquite. • Com o desquite, delega-se ao inocente no processo de separação o direito de ter os filhos consigo. Ao cônjuge culpado, é-lhe assegurado o direito de visita, salvo impedimento. • Pode-se entrever que havia uma restrição da guarda à monoparentalidade, decidida a partir do critério de falta conjugal. • Com a vigência do Estatuto da mulher casada, de 1962, a decisão sobre a prole e o patrimônio deixa de ser exclusividade do homem. Ele revoga a incapacidade da mulher casada.. A atuação do Psicólogo em Varas de Família ❑ Novos arranjos e a difusão das práticas psicológicas • O movimento feminista, a introdução da mulher no mercado de trabalho, a pílula anticoncepcional são alguns dos fatores que colocaram em xeque o modelo familiar tradicional. • Se até então a mulher estava comprometida com a imagem de mãe amorosa e responsável, aos poucos descola-se do destino “natural” da maternidade. • Nesse ínterim, houve um sucesso das práticas terapêuticas, das colunas de aconselhamento psicológico em revistas femininas, em suma, da necessidade de pedir a palavra a especialistas sobre questões familiares. A atuação do Psicólogo em Varas de Família ❑ Da Lei do Divórcio à Constituição: • Em 1977 foi promulgada a Lei do Divórcio (Lei 6515), que regulamenta a dissolução da sociedade conjugal e do casamento. • O art. 15 estabelece que a guarda é conferida a apenas um dos genitores, sendo que o outro poderá visitar e ter os filhos em sua companhia. • No caso da separação judicial em que se atribui a um dos cônjuges a responsabilidade pela dissolução do casamento, a guarda dos filhos permanece com o cônjuge “inocente”. • Portanto, o critério da falta conjugal permanece incólume. A atuação do Psicólogo em Varas de Família • Com a Constituição Federal de 1988, o concubinato passa a adquirir proteção do Estado na condição de união estável. • O casamento deixa de ser a única forma legítima de constituição da família; o conceito de família amplia-se, passando a considerar como entidade familiar a relação extramatrimonial estável, a família monoparental, etc. • A Constituição também elimina a chefia familiar, determinando a igualdade de direitos e deveres para ambos os cônjuges, homens e mulheres. A atuação do Psicólogo em Varas de Família ❑ Da convenção internacional ao ECA: • A Convenção Internacional situa no art. 9 o direito da criança de ser educada por seus dois pais, exceto quando seu melhor interesse torne necessária a separação. • O ECA (Lei. 8069/90) dispõe que o direito de a criança e o adolescente serem criados e educados no seio da família (art. 19). • Compreende-se que a separação matrimonial não deve conduzir à dissolução dos vínculos entre pais e filhos. Parentalidade > Conjugalidade A atuação do Psicólogo em Varas de Família • Na medida em que os códigos jurídicos passam a priorizar o melhor interesse da criança, tal critério deve se sobrepor ao de falta conjugal em toda decisão a respeito da guarda de filhos de pais separados/divorciados. • Todavia, o melhor interesse da criança não deixa de ser um operador relacionado a uma predição, seguindo certos padrões do que deva ser uma família ou infância saudável. • Para respaldar suas avaliações, o juiz solicita subsídios à psicologia, cujos estudos correm o risco de estarem atrelados a uma certa noção standard de normalidade. A atuação do Psicólogo em Varas de Família ❑ A lógica adversarial, o envolvimento das crianças no conflito: • A disputa de guarda num divórcio litigioso está baseada numa lógica adversarial em que um genitor tenta mostrar que é mais apto para cuidar e educar os filhos, como também expor as falhas do outro para tal função. • Abre-se um leque infindável de acusações de uma parte contra a outra, cujas faltas morais teriam sido responsáveis pelo conflito atual. • Em face desse panorama, é comum o psicólogo ser requisitado a responder à difícil demanda de apontar o genitor mais qualificado ou analisar o impedimento de visitas de um ou de outro. A atuação do Psicólogo em Varas de Família • Cabe interrogar se existem instrumentos de avaliação que objetivamente possam medir a capacidade de um genitor ser melhor do que outro. • Ademais, convém notar que a definição de um guardião tem como efeito simbólico a demissão do outro genitor como incapaz de exercer tal função, o que contribui para o afastamento de suas responsabilidades. • Não caberia ao psicólogo avaliar qual o genitor merecedor da guarda, mas compreender a dinâmica relacional que deu origem ao litígio e o papel de cada membro na perpetuação da crise. A atuação do Psicólogo em Varas de Família ❑ Mediação familiar: • No Brasil e em diversos países foi implantada a prática de mediação, com o objetivo de devolver ao casal a competência para gerar a própria solução do conflito. • Na arbitragem, a solução é decidida por um terceiro, ao qual as partes se submetem. • Na conciliação, um terceiro auxilia a restabelecer a negociação, atuando diretamente sobre o conflito e visando ao acordo entre as partes. • Na mediação, as parte devem ser autoras das decisões; o mediador atua mais como facilitador, para que surjam das partes as possibilidades de entendimento e desfecho do conflito. A atuação do Psicólogo em Varas de Família ❑ Guarda compartilhada: • A guarda compartilhada ou custódia conjunta é um dispositivo jurídico que está relacionado ao direito inalienável da criança ao convívio familiar. • O dispositivo da guarda conjunta tem o objetivo de reforçar os sentimentos de responsabilidade dos pais separados que não habitam com os filhos. • No Brasil, foi promulgada a Lei nº 13.058/2014, que dispõe sobre a guarda compartilhada e sua aplicação. Ela passa a ser a primeira opção, a menos que haja motivo excepcional. guarda unilateral ≠ guarda alternada ≠ guarda compartilhada Estudo de caso • Trata-se de um processo de regulamentação de visitas. • O requerente é o pai (Sr. Rubens) e a requerida é a mãe (Sra. Maria). • O pai solicita que a filha (Júlia) de ambos, que na época do estudo contava com 3 anos, pernoite quinzenalmente, nos fins de semana e passe um período de férias com ele. A mãe alega que a menina ainda toma mamadeiras de madrugada; sofreu uma cirurgia no ouvido e, em virtude disso, demanda atenção especial. Estudo de caso • Rubens separou-se da ex-mulher quando a filha tinha 3 meses de idade. Não obstante, o pai sempre visitou a filha. A mãe nunca se opôs a isso. • Para uma criança de 3 anos de idade, o pernoite fora de seu ambiente materno seria salutar ao seu desenvolvimento, mesmo que a ligação com o pai fosse boa? • A perícia psicológica, neste contexto, visava auxiliar e elucidar estas questões, tendo como objetivo maior o bem estar da filha do ex-casal. • Foram realizadas 12 entrevistas (6 com a requerida, 4 com o requerido, 2 com a criança). Os testes projetivos utilizados neste ex-casal foram o Rorscharch e o TAT. Com a menina foram realizadas duas sessões lúdicas. Estudo de caso Algumas indagações poderiam ser feitas: • O que levaria estes pais a continuarem uma disputa desgastante para ambos? •Estariam interessados, realmente, no bem-estar da criança? • São ambos muito conscienciosos dos seus papéis parentais e, por isso, suas posições são irredutíveis? • Seria a disputa uma maneira de continuarem juntos brigando? • Seria fruto de uma separação malsucedida? Estudo de caso • O fator desencadeante para a separação do casal parece ter sido o nascimento da filha. • O que representa a vinda de um filho em um casal como este? • Sr. Rubens defrontou-se com uma dupla problemática. De um lado, tinha de amparar a fragilidade da mulher, sendo que a dependência da companheira não é bem tolerada, segundo suas defesas narcísicas. De outro, ser pai induz a um compromisso definitivo com ela. • Rubens procurou evadir-se desta situação, daí o seu mal-estar e a separação pouco tempo depois. Estudo de caso • Para Maria, a separação foi bastante traumática. Em um período em que esperava encontrar o apoio do companheiro, ele foi embora, fazendo com que ela vivenciasse novamente as dificuldades que teve com a mãe. • Na sessão lúdica, aconteceu um episódio revelador. Júlia dramatizou uma situação na qual, por descuido, o pai deixou entrar água no seu ouvido. Desesperado, ele ligou para a ex-mulher em busca de ajuda. • A menina demonstrava, pelas suas brincadeiras, que gostava do pai, mas que não se sentia segura a seu lado caso algum imprevisto ocorresse. Estudo de caso • Voltado ao trabalho pericial: poderia a menina de 3 anos e 3 meses pernoitar na casa do pai? • A equipe técnica propôs a seguinte solução: estabeleceu como idade possível para a menina pernoitar na casa do pai 4 anos de idade. Até lá, a mãe sentiria, de alguma forma, que a justiça atendeu seu desejo. E o pai, em parte, também estaria sendo atendido. • Caso fosse contrariada, esta mãe poderia entrar em uma atitude de oposição e tentar colocar a filha contra o pai. O pai, se perdesse, sentir-se- ia mais impotente. Referências Bibliográficas BRANDÃO, E. A interlocução com o direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. In: GONÇALVES, H; BRANDÃO, E. Psicologia Jurídica no Brasil. Rio de Janeiro: NAU, 2004. BRITO, L. M. T. Separando: um estudo sobre a atuação do psicólogo nas varas de família. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1993. CASTRO, L. Disputa de guarda e visitas: no interesse dos pais ou dos filhos? São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. SHINE, S. A espada de Salomão: a psicologia e a disputa de guarda de filhos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010. Indicação de filmes ▪ Custódia (Jusqu’à la garde), dirigido por Xavier Legrand, lançado em 2017. ▪ História de um casamento (Marriage story), Noah Baumbach, 2019.
Compartilhar