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Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 Pão de Queijo: Estudo de Campo de Consumidores de Belo Horizonte e Região Metropolitana para Identificar a Representatividade do Pão de Queijona Identidade Mineira. Brazilian Cheese Bread: Field Study of Consumers of Belo Horizonte and Metropolitan Region to Identify the Representativeness of Brazilian Cheese Bread in the Identity of People Born in Minas Gerais Júnia Maria de Castro Jung1 José Gomes da Silva2 Resumo Este artigo traz como proposta identificar o pão de queijo como representação da identidade mineira para consumidores de Belo Horizonte e região metropolitana.A partir de referenciais teóricos que atestam sobre a possibilidade de interligar a gastronomia à identidade, desenvolveu-se uma pesquisa de campo com a intenção de identificar tal representatividade.Com base nos dados coletados conclui-se que o pão de queijo é considerado o alimento que melhor representa a mineiridade pelos consumidores de Belo Horizonte e região metropolitana, sendo reconhecido como patrimônio histórico gastronômico, expressando a identidade mineira. Palavras-chave: Pão de queijo. Gastronomia. Identidade. Cultura. Abstract This article proposes to identify the Brazilian cheese bread as a representation of Minas Gerais identity for consumers in Belo Horizonte and the metropolitan region. Based on theoretical references that attest to the possibility of connecting gastronomy to identity, a field research was developed with the intention of identifying such representativeness. Based on the collected data, it is concluded that the Brazilian cheese bread is considered the food that best represents the mineirity (way of life of people born in Minas Gerais) by the consumers of Belo Horizonte and metropolitan region, being recognized as gastronomic and historical patrimony, expressing the identity of native people. Key-words: Brazilian Cheese bread. Gastronomy.Identity.Culture. 1 Bacharel Licenciada em História, acadêmica do curso Superior em Gastronomia das Faculdades Promove. Endereço eletrônico: juniajung@gmail.com 2Professor das Faculdades Promove BH, Graduação Tecnológica em Gastronomia, Especialista em segurança nutricional e qualidade de alimentos. Endereço eletrônico: chefboulangerjosegomes@gmail.com 2 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 1INTRODUÇÃO Não há como falar de Minas ou do mineiro sem relacioná-lo a uma mesade quitandas, queijo, um café fresco epão de queijofeito na hora. Se existe algo que é nacionalmente conhecido como especificidade do mineiro é sua hospitalidade, na maioria das vezes expressada através da oferta de algum alimento e da sua tradicional cozinha mineira. “O modo como os outros brasileiros veem o mineiro acaba definindo-o como peculiar, na maneira de ser e de se comportar na relação com outroe com os iguais principalmente com relação à culinária” (MATOS, 2012,p.23). A culinária ou cozinha mineira foi construída concomitantecom a trajetória da formação do povo mineiro. Desde o apogeu do ouro, com o desbravamento do interior,à ruralização da economia e o processo de industrialização no século XIX, a cozinha mineira foi se adaptando às mudanças e necessidades advindas desta região. Para Maciel (2004) as cozinhas vão se construindo a partir de influências de outras culturas e alimentos que vão sendo introduzidos e apropriados por determinado grupo. Há o deslocamento de alimentos, técnicas, saberes, cultura. No caso de Minas o mineiro construiu uma forma peculiar de culinária,a partir de sua necessidade de sobrevivência, suaadaptaçãoà região e um conjunto de costumes e tradições que foram delineados durante toda a sua história (MATOS, 2012). Dentre as riquezas que compõem a cozinha mineira têm-se as quitandas, compostas por uma variedade de doces, pães, bolos, biscoitos dos mais variados, produzidos em casa (CASCUDO, 2011). Uma das variações destes biscoitos que se incorporou à culinária mineira e que traduz muito da tradição de Minas é o pão de queijo. O pão de queijo é um alimento que se faz presente na vida do mineiro com frequência. Ele parece ser aquela “carta na manga” atendendo à necessidade no caso de uma visita inesperada. É comum em Minas associar café fresco a um pão de queijo “quentinho”. E em toda reuniãofamiliar ou com amigos, onde tenha mesa de lanche,é provável que tenha pão de queijo como uma das opções (ABDALA, 2015; MATOS, 2012; NUNES, 2001). O pão de queijo nasce da variação de uma quitanda, o biscoito de goma, uma adaptação que écaracterísticada culinária mineira. Ele traduz uma tradição, uma memória, uma ancestralidade e uma identidade. É comum relacionar o mineiro ao pão de queijo (MATOS, 2012; NUNES, 2012).Abdala (2015) relembra que quando Itamar Franco, mineiro,tornou-sepresidente do Brasil denominouentão o seu governo como a República do Pão de Queijo. “A construção da identidade regional envolve o reconhecimento de uma 3 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 ancestralidade comum, ao sentimento de pertencimento que se afirma através de propriedades emblemáticas” (DUTRA, 2012, p.247). Nessa perspectiva o trabalho ora apresentado tem por objetivo geral identificar o pão de queijo como representaçãoda identidade mineira para consumidores de Belo Horizonte e região metropolitana. Como objetivos específicos destacam-se: identificar o consumo médio de pão de queijo por consumidores da capital e grande BH; estabelecer a importância do pão de queijo para os consumidores da capital e grande BH; interpretar a ligação do mineiro como pão de queijo e seu pertencimento à mineiridade; investigar se a forma de fazerpão de queijoatravés das gerações se dá por uma tradição oral;valorizar a culinária mineira, bem como a sua regionalidade e tradição. A gastronomia está intrinsicamente ligada à cultura e ao social.O ato de cozinhar um alimento, modificando sua forma in natura, já é um ato cultural, pois envolve um saber, um modo de fazer, técnica, conhecimento. E a forma como se ingere o alimentopode ser definido pelo meio social em que o indivíduo habita (MACIEL, 2004). “Comer é existir enquanto história, enquanto cultura, dando o sentido de pertencimento a uma comunidade, a um povo” (LODY, 2008, p.33). Tendo em vista tal afirmação esta pesquisa érelevante por destacar na culinária acontribuiçãopara identidade cultural do mineiro. O pão de queijo faz parte da vida cotidiana do povo mineiro, está sempre presente na maioria das ocasiões festivas, porém muito pouco se sabe sobre a sua história. Ele representa uma sociedade, um regionalismo,mas o seu valor histórico e cultural é esquecido. Esse trabalho vem,então,contribuir para o resgate dessa memória, valorizando a sua produção e perpetuação na tradição do povo mineiro. Outro elemento em que se destaca a importância desse trabalho é o fato de existirem poucos estudos voltados para o pão de queijo, ligando-o à cultura e identidade de Minas. A cozinha mineira é sempre foco de estudo. Sua tradição estáconstantemente sendo pesquisada e valorizada. Mas estudos culturais e identitários normalmente analisam a cozinha mineira como um todo ou ,quando muito, destacam as quitandas. Mas o foco em apenas um alimento tão representativo como o pão de queijo ainda é um tema escasso e quase inédito. Tendo em vista todo o aspecto cultural da culinária mineira considerando o pão de queijo como referência,faz-se necessário o seguinte questionamento: o consumidor de Belo Horizonte e região metropolitana identifica o pão de queijo como fator identitário, ou seja, como um alimento que representa a cultura da sociedade mineira?A presente pesquisa procurou investigar se esta identidade se faz existente. 4 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 2REFERENCIAL TEÓRICO 2.1Comida e Cultura Comer é um ato tão natural e tão imprescindível que o ser humano o fazsem refletir, ignorando os significados e fatores que envolvem este ato. Porém existe uma diferença entre comida e alimento. “Alimento é tudo aquilo que pode ser ingerido para manter a pessoa viva, comida é tudo que se come com prazer, de acordo com as regras mais sagradas de comunhão e comensalidade” (DA MATTA, 1986, p.37). Se comida é o que proporciona prazer,inevitavelmente escolhe-separa comer algo que agrade e que possua um significado. Esses significados são reproduções de hábitos e costumes de um determinado grupo social. O que é escolhido paracomer já denota um aspecto cultural. “A dimensão cultural da alimentação inicia-se antes mesmo do alimento passar por qualquer processo de preparação, no momento em que uma sociedade define o que é e o que não é comestível” (WOLF, 2015, p.14). E a forma comose escolhe comer um alimento, seja cru, cozido, assado ou feito comqualquer outra técnica, expressafortemente acultura de um determinado grupo social. É fácil compreender essa afirmativa quando se relaciona, por exemplo,o peixe cru à cozinha japonesa e o foiegras3àcozinha francesa. O ato de comer refletecultura, pois a transformação do alimento será determinada por um estilo de vida e dará um sentidoàquilo que se come (MACIEL, 2004). Se aotransformaro alimento para comer faz-secultura,é porque esse ato envolve saberes que se repetemao longo do tempo. É a tríade “saber fazer”, “aprender a fazer” e “dizer como fazer”. Essas são as habilidadespresentes na culinária que faz com que a comida seja um elemento da cultura (GIARD, 1996, p. 287 apud DUTRA, 2012, p.243-244). Para Lovera (2016) a escolha dos alimentos a serem preparados também denota uma relação com a cultura, pois se escolhe comer aquilo que envolvem práticas culturais do grupo social em que vive. As escolhas sobre o que comer baseado na religião, por exemplo, como abstenção da carne na quaresma para os católicos ou o que se deve comer durante o ramadanmuçulmano, demonstram como o alimento está intrinsicamente relacionada ao contexto social e cultural em que se vive. A comidatambém tem sua influência no convívio social. Quem nunca participou de um almoço ou jantar para uma comemoração? A comida está presenteemtodos os 3Fígado dilatado de ganso. 5 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 momentos festivos. É possível identificar determinados alimentos como padrões em eventos sociais. Como exemplo pode-se citar o bolo que sempre esteve presente em comemorações: festas de aniversário, casamentos, visitas, entre outros. O brasileiro tem por hábito sempre partilhar alimentos em festas ou em visitas. Há o costume do lanche com mesa farta ou do tradicional almoço de domingo. Em Minas esta tradição é muito marcante com costume de servir a mesa cheia de quitandas (LODY, 2008). Sendo assim, a comida se torna um fator agregador, estimulando um convívio social e por consequência uma troca de vivências e cultura. 2.2 Comida, Cozinhae Identidade Segundo o dicionário identidade é a “circunstância de um indivíduo ser aquele que diz ser ou aquele que outrem presume que ele seja” (IDENTIDADE, 2017). Para Woodward (2000) as identidades podem ser formadas e mantidas por uma marcação simbólica de hábitos e costumes, como usar um tipo de roupa, a mesma bebida, uma bandeira, entre outros. Ela acontece quando um grupo assume a sua posição e se identifica com ela. Ou seja, ela se constrói a partir do sujeito. Para se estabelecer a identidade há uma construção histórica e social. As bases da identidade de qualquer pessoa ou grupo social estão no seu passado, nos antecedentes históricos. “Cada uma das sociedades que constitui um grupo, de qualquer natureza possui um mito do seu passado” (LEACH, 1985, p.145 apud MATOS, 2012, p. 20). Desta forma pelo passado, costumes e tradições podem-se identificar uma pessoa ou grupo como sendo de um determinado país. A identidade de um povo é definida, então, pelos elementos comuns que compõe a sociedadee pela percepção do sujeito envolvido nela. O indivíduo se identifica com aqueles hábitos, tradições e símbolos e se sente pertencente àquele grupo. A comida é umdos elementos que auxiliam na identificação de uma sociedade. Comer envolve um conjunto de significados e simbolismos expressos através de uma tradição (MACIEL, 2004; WOODWARD, 2000). Para Da Matta (1986) “o jeito de comer define não só aquilo que é ingerido, como também aquele que o ingere” (DA MATTA, 1986, p.56 apud MACIEL, 2004, p.26). O que se pode concluir com esta afirmação é que a comida determina uma identidade. O que se come demonstra o grupo ao qual oindivíduopertence. Reproduz hábitos, costumes, 6 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 estilos, que podem ser nacionais, regionais ou de pequenos grupos. É a expressão de uma memória coletiva que transforma os hábitos alimentares em tradição (MATOS, 2012). Segundo Lovera (2016)a identidade com a comida possui duas dimensões: a individual e a social. Do ponto de vista individual a comida pode formar o indivíduo. O indivíduo pode ser aquilo que se come ou aquilo que nãocome. Numa perspectiva geral o autorreitera que o homem come de tudo, afinal é um ser onívoro e tem a capacidade de transformar quase tudo em alimento. Mas a escolha pelo que se come constrói o indivíduo não só em seu aspecto social, mas tambémno psicológico. Partindo da identidade da comida na dimensão social faz-se importante demostrar a concepção de Lody (2008) quando evidenciaquea comida identifica uma sociedade tanto quanto o idioma. Ao comer o indivíduo passa a existirenquantohistóriadentrodaquele grupo, podendo identificar através da comida o grupo étnico, a população. Assim surgem as cozinhas regionais, que nada mais são que a expressão de uma tradição. “Dize-me o que comes e te direi qual Deus adoras, sob qual latitude vives, de qual cultura nasceste e em qual grupo social te incluis. A leitura da cozinha é uma fabulosa viagem na consciência que as sociedades têm delas mesmas, na visão que elas têm de sua identidade” (BESSIS, 1995:10 apud MACIEL, 2004, p. 27). A identidade é marcada pela diferença. Se o indivíduo é pertencente de um determinado grupo social, certamente não será de outro, poiso que difere um grupo de outro marca a identidade de cada um(WOODWARD, 2000). Nesta perspectiva a cozinhatambém se afirma como marco identitário, na medida em que vai adaptando seu modode fazer e suas técnicas às necessidades e saberes locais e tradicionais. Maciel (2004) explica que as cozinhas vão se construindo a partir do intercâmbio com ingredientese técnicas alimentares de outros povos. Mas mesmo quando a cozinha se apropria de algo de outra cultura ela o faz do seu modo, com sua tradição. Ela se reconstrói, transforma, mas não se apropria daquela técnica ou ingrediente de forma idêntica àquela cultura. Ela se recria e continua mantendo seus aspectos marcantes e determinantes que a identificam como pertencente de uma determinada região ou grupo.Desta forma, a cozinha enquanto identidade também é marcada pela diferença. 2.3 CozinhaBrasileira e Mineira 7 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 Antes de abordar a cozinha mineira é preciso compreender a formação da cozinha brasileira. Até porque as bases da cozinha mineira estão diretamente ligadas à cozinha nacional. A cozinha brasileira nasce a partir da influência de três grupos ou etnias: os portugueses, os índios eos africanos. É uma diversidade que envolveu desigualdades e conflitos, discriminações e hierarquizações. E, não obstante à contribuição dos alimentos que “viajaram” para compor a cozinha brasileira, há em maior grau uma contribuição cultural, que recriou um novo modo de vivernas terras de além mar.O Brasil antesde Cabral já possuía suas técnicas, modos e formas de se alimentar. Essa forma foi reconstruída, recriada, a partir da contribuição dos negros e brancos formando a cozinha brasileira (MACIEL, 2004). Segundo Cascudo (2011), a raiz que alimentava o Brasil quinhentista era a mandioca. Os portugueses,quando neste país chegaram, nunca tinham visto a mandioca nem a macaxeira. A mandioca era o pão da terra, pois era o alimento determinante na vida do índio e também por possuir uma legitimidade funcional. Dela se fez a farinha que sustentava o escravo africano aprisionado. Pode-se compreender então que os alimentos oriundos da tradição indígena, principalmente a mandioca, são para a cozinha brasileira mais que uma contribuição, mas a sua essência. Além da mandioca o milho também fazia parte da alimentação indígena. Elese incorporou tanto à culinária nacional que passou a ser a “farinha americana”. O milho foi um dos produtos que mais teve impacto na economia do mundo. Numa poesia popular de Portugal encontra-se a seguinte frase: “Quem tem milho tem farinha. Quem tem farinha tem pão” (LODY, 2008, p.161). A broa de milho, tão brasileira, formou uma identidade do povo português. Como a farinha de trigo eraimportada do reino, tornava-se um produtocaro e escasso nas terras brasileiras. A solução ao tradicional pão era a utilização do milho (CASCUDO, 2011). O português procurou reproduzir no Brasil todo o ambiente familiar e tudo que pudesse trazer para ser incluído em sua alimentação. Criou-se, então, o seu quintal, seu curral e sua horta. Trouxe vacas, touros, bois, ovelhas, cabras, carneiros, porcos, galinhas, galos, pombos patos e gansos. Semeou o arroz, melão, melancia, hortaliças, plantou pomares (CASCUDO, 2011). Como já foi exposto, o processo de formação da cozinha brasileira se deu pela influência de três grupos bem distintos, formando um símbolo que representa uma identidade nacional. Porém, a consolidação dessa cozinha nacional teve suas influências regionais. 8 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 Devido ao tamanho do Brasil e o sistema de povoamento não ter sido igual em todo o território nacional, houvea formaçãode cozinhas regionais, cada uma utilizando técnicas e alimentos que eram característicos da sua região (MACIEL, 2004; MORAES, 2007). A cozinha mineira nasceu dentro de uma capitania que possuiu um processo de povoamento distinto do resto do país. As demais capitanias possuíam um caráter rural, com base extrativista, agrícola e pecuária. Mas em Minas o povoamento se deu com caráter urbano. A descoberta de ouro inseriu uma nova atividade, como uma forma de povoamento muito específica. As pessoas vinham para enriquecer e depois retornar ao seu local de origem,fazendo com que a permanência tivesse um caráter provisório. No início eram acampamentos, depois denominados de arraial quando se consolidaram com uma estrutura melhor de sobrevivência.Minas desenvolveu também atividades mercantis devido à necessidade de abastecimento da região para a sobrevivência dos mineradores que ali se instauraram (MORAES, 2007). A sociedade mineira se formou de origem múltipla, vindos de várias partes da colônia Portuguesa para o interior ainda inexplorado. Estabeleceuatividades econômicas variadas como agropecuária, mineração, comércio e agricultura dos alimentos. Por meio de fontes históricas comprovou-se quea produção consorciada de milho e feijão era algo comum; havia uma diversidade de produção de farinhas, fubás e produtos da cana; milho, feijão, mandioca e arroz eram alimentos sempre encontrados nas lavouras; um pouco de trigo também teve sua produção comprovada; houve a criação de animais variados como equinos, porcos e galináceos (MENESES, 2007). A análise de inventários post mortem nospermitem perceber a participação dos quintais das moradas urbanas e periurbanas no abastecimentoalimentar das famílias proprietárias e, provavelmente, no da vizinhança. As descrições dos bens imóveis, nesses documentos cartoriais, têm clara preocupação com a determinação dos limites das propriedades rurais e urbanas. Em alguns casos, descrevem-se os quintais em detalhes, que nos permitem tentar uma caracterização física deles. A produção de alimentos nesses quintais urbanos e suburbanos parece ter sido uma realidade. Na descrição das moradas, há claras referências a eles, onde se plantavam verduras, legumes e frutas (MENESES, 2007, p. 348). No processo de extração do ouro houve período de fome para a população. E os produtos, quando em Minas chegavam, eram com valores altíssimos. Assim a priorização da exploração da terra foi necessária para garantir o sustento da população. Os produtos eram aqueles de colheita e ciclos rápidos como mandioca, feijão, milho, legumes e hortaliças. A 9 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 pecuária suína também foi muito utilizada por ser de manejo fácil e resultado rápido. Minas foi então marcada por uma policultura bem específica (MATOS, 2012). Sobre a alimentação em Minas pode-sedestacar “a mandioca como o principal sustento e pão diário das populações”. Ela era servida “pura, já misturada ao feijão, já compondo o pirão, a farofa, a paçoca e os beijus”(FRIEIRO, 1982,p. 57; 136 e 137). Da mandioca também nasceu o polvilho, que foi muito importante para fazer biscoitos, já que a farinha era produto quase ausente. Da mandioca e do milho surgiram as quitandas mineiras como uma forma de substituir o pão e o bolo feito de farinha de trigo das terras reinóis(MATOS 2012). Pode-se perceber que o que se tem hoje como característica da cozinha mineira vem da tradição construída a partir da singularidade histórica da formação de Minas Gerais. Uma cozinha com alimentos variados, simples, fáceis de encontrar e cultivar, mas que não diminuio valor e agrandeza da culinária mineira. Uma cozinha de interior, que valoriza seus produtos, que remonta ainda hoje hábitos alimentares dos séculos XVIII e XIX. Uma cozinha que tem em sua essência a simplicidade do mineiro e, ao mesmo tempo, a sua hospitalidade. Uma cozinha que “aparece como um dos esteios centrais à construção da imagem regional de Minas” (ABDALA, 2015, p. 30). A sociedade atual, pautada pela tecnologia e novas exigências que envolvema vida urbana,tem como característica a mudança nos padrões alimentares. Em Minas verifica- se a diminuição do consumo das tradicionais quitandas mineiras, que exige um preparo mais demorado e elaborado, por produtos industrializados, congelados, alimentos de preparos rápidos. Os alimentos da tradição de Minas ficam restritos a ocasiões especiais, finais de semana ou festas típicas. Não obstante, tais quitutes não desaparecem como referência da tradição de Minas Gerais. O típico ainda permanece, mantendo uma imagem regional. Há hoje o crescimento das casas especializadas em produtos mineiros e quitandas caseiras;muitas padarias também investem neste setor, atestando a importância dos produtos tradicionais e que eles ainda têm seu lugar na vida e na tradição mineira (ABDALA, 2015). 2.4A Identidade Mineira e o Pão de Queijo Toda a história de Minas está pautada numa construção ideológica reforçada por hábitos e costumes da população que se formou em Minas chamadode mito da mineiridade. “A mineiridade exprime, em contrapartida, uma visão que se construiu a partir da realidade de 10 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 Minas e das práticas sociais” (ARRUDA, 1991,p. 198). É trazer uma visão abstrata das características do mineiro. Quando esta ideia é identificada pelos mineiros eles a absorvem ea perpetuam, adquirindo então uma feição ideológica. Por isso é chamada de mito. Mas existe outra denominação, menos ideológica e mais pautada na manifestação quotidiana dos hábitos mineiros chamados de mineirice (ARRUDA, 1990). Essascaracterísticas do mineiro são bem conhecidas nacionalmente: é o jeito conservador, prudente, conciliador, sóbrio, desconfiado, tímido; é a personalidade simples, sem arrogância; é o jeito de falar pausado e comedido; um ótimo bom humor e uma grande hospitalidade. O mineiro surgiu na parte interior e isolada da colônia, em meio às montanhas, parecendo que estas o separavam-no do resto do Brasil criando ali um estereótipo singular, único no seu gênero. Em meio ao interior, esta mineiridade nasce da semente caipira, simples, da mineirice (ARRUDA, 1990). Dentre as características do mineiro uma das mais conhecidas é a hospitalidade. Acredita-se que ela nasceu a partir da necessidade de acolher viajantes que passavam por Minas em busca de estadia para depois seguir viagem (MATOS, 2012). E essa hospitalidade está sempre associada a um alimento. “Uma rápida passada em casa de um amigo para apanhá-lo não dispensa o cumprimento de um ritual: aceita um pãozinho de queijo com café? Acabou de almoçar? Então, um doce de leite, um pedaço de goiabada com queijo? Pelo menos um café?” (ABDALA, 2015, p. 23).Para Abdala (2015) a cozinha mineira remonta uma tradição desde o século XVIII, trazendo em sua base a verdadeira identidade do mineiro. Um dos alimentos que não só caracteriza o mineiro, mas que também é comum nos lares de Minas é o pão de queijo (MATOS, 2012). O pão de queijo tem como ingrediente indispensável o polvilho, originário da mandioca, raiz que constitui a base de muitos alimentos da cozinha brasileira (MACIEL, 2004). A mandioca está presente na alimentação do Brasil desde os primeiros séculos da formação do povo brasileiro. “É provável que ela tenha sido domesticada naAmazônia há quatro ou cinco mil anos” (RIBEIRO, 1987:34 apud MACIEL, 2004, p.30). A sua utilização é algo que remonta uma cultura, um grande saber, pois a técnica de utilização requer detalhes e especificidades, pois não équalquer tipo mandioca que pode ser consumida. A mandioca que é utilizada para o consumo na alimentação do brasileiro, cozida ou frita, é a chamada mandioca mansa, aipim ou macaxeira. Mas existe um tipo de mandioca que pode ser tóxica, chamada mandioca brava, devendo ser o seu processo apenas industrial para retirada da substância tóxica. A mandioca é um alimento bastante versátil, podendo retirar dela a farinha e a fécula. 11 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 Retira-se dela também um líquido que é aproveitado para a culinária, chamado de tucupi. Esse líquido é fermentado e temperado, usado na preparação de alimentos eprincipalmente de peixes (MATTOS; FARIAS; FERREIRA FILHO, 2006). Da fécula da mandioca tem-se o polvilho, matéria prima imprescindívelutilizada na preparação do pão de queijo. Depois de ralada, a massa da mandioca era espremida em pano. Da massa, resultava a farinha, usada em abundância, principalmente no feijão e misturada a outras iguarias para formar o “capitão”, comido com a mão. O caldo que dela escorria não se perdia. Era levado a depositar em cocho para formar uma espécie de lodo branco. Cozido, virava mingau, goma para engomar roupa, grude para colar-entre outras coisas- adornos de papel nas prateleiras das despensas. Este lodo era também levado para secar nas lapas. Depois de seco, formava um pó encaroçado que era levado ao pilão para ser socado, o que formava a goma: farinha usada para o preparo dos biscoitos, conhecidos como biscoitos de goma. O lodo dos cochos podia ou não ser escorrido no mesmo dia. Se escorrido no mesmo dia, obtinha-se uma goma nova ou goma doce. Quando deixado por mais tempo, tornava-se goma azeda. Dispensável é dizer que as duas eram deliciosamente aproveitadas. Por ser a goma de grande leveza ao ser pilada, parte dela subia deixando as proximidades do seu manuseio cobertas por um pó branquíssimo, o que polvilhava o local. No afã de tudo ter que ser aproveitado, aquele pó tão alvo e tão fino, era também usado, tanto o doce quanto o azedo. Assim, o polvilho, ingrediente base do pão de queijo, considerado por nós uma das relíquias de nossos baús, deve o seu nome à goma que polvilhava os arredores do seu preparo, podendo ser doce ou azedo dependendo, em parte, do acaso(NUNES, 2001, p. 55 e 56). A história do pão de queijo tem em sua base as quitandas. Segundo Dutra (2012) a palavra Kitanda é de origem africana e se referia ao tabuleiro que os vendedores ambulantes vendiam seus produtos. Em Minas ela foi usada como quitute, compreendendo produtos feitos de polvilho, fubá, araruta, ovos, açúcar, leite, queijos, farinha. Não se sabe ao certo quando surgiu o pão de queijo. Acredita-se que tenha sido na segunda metade do século XIX,nas regiões de criação de gado, onde havia abundância de leite e queijo. Sua história se confunde com a história da formação da cozinha mineira. Até porque as cozinhas estão em constante transformação. Segundo Maciel (2004) isso acontece por que elas estão inseridas numa identidade social que também é passível de mudanças. O pão de queijo nasceu da evolução do uso de ingredientes na cozinha mineira. Por já existir o biscoito de goma que, em determinado momento foi acrescido de um pouco de queijo, acredita-se que pão de queijo foi a sua evolução, aumentando a quantidade de queijo e fazendo-o em outro formato(NUNES, 2001). O pão de queijo representa o alimento que muito caracteriza a hospitalidade do mineiro, pois é sempre oferecido às visitas. Quer forma mais agradável de receber uma visita do que um pão de queijo que acabou de sair do forno acompanhado de um café fresco? Nesse 12 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 hábito comum o mineiro remonta o histórico da sua mineiridade, ligando a cozinha mineira a uma tradição, tendo como estrela essa iguaria (ABDALA, 2015). Ele éfeito com ingredientes fáceis que normalmente o mineiro tem em casa: manteiga ou óleo, sal, polvilho, ovos, leite e queijo. O queijo é o produto de maior destaque da pecuária em Minas. E o modo de fazer o queijo mineiro também remonta tradição ecultura. A preparação do pão de queijo é relativamente simples, típico da simplicidade que caracteriza o mineiro. Não existe uma receita certa de pão de queijo. Existem ingredientes básicos que não podem faltar. São inúmeras as formas de fazer o pão de queijo e a quantidade de ingredientes em cada receita. Isto porque o pão de queijo tem em seus ingredientes e no modo de fazer uma tradição que foi ensinadaatravés das gerações, remontando a tradição oral. Ainda existem famílias que guardam o segredo do “melhor” pão de queijo só transmitido por herança (MATOS, 2012). Segundo Abdala (2015) o pão de queijo é a quitanda mineira que ultrapassou as fronteiras do Estado de Minas, chegando em todo o Brasil. Ele permanece porque possui uma facilidade em se adaptar; quando industrializado ele consegue respeitar os padrões e normas alimentares exigidos pela contemporaneidade; quando incorporado aos hábitos alimentares dificilmente será deixado a ermo, podendo ser elaborado de forma mais simples e rápida, ou comprando uma massa pronta ou congelada. A data provável da criação do pão de queijo émuito recente, evidenciando sua relação com a modernidade.Para Abdala (2015) o pão de queijo é atual, compatível, adaptável com a vida moderna, tendo em sua flexibilidade o motivo de sertão presente nos lares mineiros e ao mesmo tempo remontar a continuidade com o passado. 3METODOLOGIA De acordo com os objetivos, o presente trabalho teve como base metodológica a pesquisa exploratória. Através deste método procura-se aumentar a familiaridade com o tema pesquisado, podendo desenvolver hipóteses e ampliar conceitos (MARCONI e LAKATOS, 2012). Pelo fato do objeto desta pesquisa ser um tema pouco estudado, a pesquisa exploratória vem corroborarum caminho novo a ser investigado, realizando uma descoberta geral de um novo tema. Segundo Gil(2002) a pesquisa exploratória pode ter como coleta de dados o levantamento bibliográfico, entrevistas e análises de exemplos. O levantamento bibliográfico 13 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 foi o primeiro passo da pesquisa. No desenvolvimento metodológico utilizou-se de entrevistas e questionários como descritos a seguir. Os questionários foram aplicados de forma online, entre os dias 08 e 14 de maio de 2017, a uma parcela de consumidores de pão de queijo da cidade de Belo Horizonte e região metropolitana, a fim de identificar se o pão de queijo representa uma identidade mineira para esta população. O questionárioaveriguouo consumo médio de pão de queijo para os consumidores, sua relevância e a relação da identidade entre pão de queijo e mineiridade (Apêndice A). Com o objetivo de obter informações mais específicas, numa percepção mais psicossocial, procurando opiniões mais conscientes e sentimentos que envolvem a relação do pão de queijo com a mineiridade, foram escolhidas quatro (4) pessoas para realizar entrevistas por acreditar que sua relação com a gastronomia e a tradição mineira compreende a essência do problema que envolve a pesquisa. Marilda Fajardo, engenheira de alimentos, vencedora do reality show no programa “Mais você” da Rede Globo, autora da receita campeã como melhor pão de queijo do Brasil, foi uma das entrevistadas. Outro entrevistado foi Mário Santiago Israelproprietário do único comércio em Belo Horizonte especializado em pão de queijo, uma“Pão de Queijaria” localizada na região da Savassi. Entrevistaram-se tambémdois sócios proprietários da indústria de pão de queijo “Seu Ninico”, Guilherme M. C. Lima e Felipe Dolabela Corrêa, empreendimento marcado por uma tradição familiar em produzir pão de queijo de forma artesanal em escala industrial. As entrevistas ocorreram de forma despadronizada, com perguntas abertas dentro de uma conversa informal, utilizando a modalidade focalizada. Esta modalidade é definida por um roteiro com tópicos relativos ao problema, mas permitindo liberdade ao entrevistador para sondar razões e motivos numa estrutura informal (MARCONI; LAKATOS, 2012). Os tópicos usados como referências para as entrevistas encontram-se no apêndice B. De acordo com os procedimentos esta pesquisa classifica-se como estudo de campo. Segundo Gil (2002) o estudo de campo se caracteriza pelo aprofundamento das questões propostas estudando-se, assim, um grupo social ou uma comunidade, através de questionários e entrevistas que proporcionarão melhores explicações e interpretações sobre os fatos que recorrem sobre aquele grupo. Prodanov e Freitas (2013) ressaltam ainda que o estudo de campo consiste em observação de fatos ou a descoberta de fenômenos que ocorrem espontaneamente, possuindo instrumentos variáveis como questionários, entrevistas, formulários e observações, para ser possível o registro de informações relevantes ao problema 14 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 abordado. Ainda segundo esses autores o número de amostras deve ser representativo o suficiente para embasar as conclusões, mas sem representar de forma estatística o grupo pesquisado. A amostra é um pequeno universo, uma parcela dentro de um conjunto maior de uma população ou um grupo. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE, 2017)a população estimada de Belo Horizonte e região metropolitanaem 2016 ficou em 5.873.841. Para esse número foi necessário aaplicação de 664 questionários respondidos para que a amostra caracterize o universo populacional de Belo Horizonte e região metropolitana com 99% de confiança e 5% de erro. Para a presente pesquisa foi utilizada a amostragem não probabilística por tipicidade, que se caracteriza em não utilizar fórmulas estatísticas para cálculo. Mas nem por isso deixa de ser representativa, pois é feita a partir de subgrupos de uma população que caracterizam uma parcela importante daquele grupo social (MARCONI; LAKATOS, 2012). Na amostragem por tipicidade “tal grupo é utilizado como “barômetro” da população. Restringe-se às observações a ele e as conclusões obtidas são generalizadas para o total da população”(ACKOFF 1975:161, apudMARCONI; LAKATOS, 2012, p. 39). Quanto à abordagem metodológica a pesquisa se caracterizou como qualitativa e quantitativa. A pesquisa quantitativa é aquela por meio do qualé possível quantificar, interpretando números e informações para classificar e analisar os resultados da pesquisa (PRODANOV; FREITAS, 2013). Utilizam-se métodos estatísticos desde os mais simples, como percentuais e médias, até os mais complexos e avançados (MARCONI; LAKATOS, 2011). Nessa pesquisa a abordagem quantitativa obteve dados através dos questionários quequantificaram o consumo do pão de queijo e a relevância e tradição do alimento por consumidores de Belo Horizonte e região metropolitana. Mas essa quantificação ocorreusem preocupação em relatar uma verdade estatística através de cálculos complexos, pois, como já foi relatado, foram amostras não probabilísticas. Quanto à abordagem metodológica qualitativa a base esteve na interpretação de fenômenos e significados sem se manifestar emnúmeros como é feito na quantitativa. A pesquisa qualitativa “fornece análise mais detalhada sobre investigações, hábitos, atitudes, tendências de comportamento etc”. (MARCONI; LAKATOS 2011, p. 269). As entrevistas realizadas forneceram os dados qualitativos, descrevendo uma situação psicossocial e permitindo interpretação fidedigna em relação ao problema da pesquisa. 15 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 4RESULTADOS E DISCUSSÃO Com relação aos questionáriosaplicados,dos 664consumidores de pão de queijo a maioria era do gênero feminino (74,5%) eo restantedo gênero masculino (25,5%). 40,1%com idade entre 31 e 45 anos; 27,3% entre 46 e 60 anos; 13,7 entre 25 e 30 anos; 12,3% entre 18 a 24 anos e 6,6% acima de 60 anos. Quanto ao local de residência 81,2% residem em Belo Horizontee 18,8% na região metropolitana de Belo Horizonte (grande BH). Como é demonstrado através do gráfico 1, a hospitalidade mineira esta associada à presença do pão de queijo. É interessante perceber que apenas um alimento se torna a estrela num contexto tão rico como o das quitandas mineiras. Desta forma há uma reciprocidade entre identidade mineira e pão de queijo. Segundo Woodward (2000) a identidade de um povo é marcada pelo conjunto de hábitos e costumes. Nessa perspectiva a prática de servir pão de queijo para as visitas atesta a mineiridade através desse alimentopois é a quitanda mais comum aos consumidores de Belo Horizonte e grande BH, considerando-se que 58,6% (389) dos entrevistados costumam servir pão de queijo aos seus convidados. Gráfico1 – Alimento mais oferecido às visitas N: 664 Fonte: autoral Guilherme Lima, proprietário da fábrica de pão de queijo “Seu Ninico”, também descreve como o pão de queijo é um produto valorizado em sua família, tornando sua presença algo especial. Minha família é toda de comerciantes, e como é uma família que tinha fazenda sempre vendeu queijo, requeijão, leite. Pão de queijo nunca foi comercializado, porque antigamente não se usava congelar pão de queijo. Ele era o alimento para comer na hora. Fazia-se biscoito de polvilho caseiro e outras quitandas; era uma casa 16 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 de mineiro, casa de avó mineiro, bem tradicional. Raramente tinha pão de queijo todo dia na minha casa. Mas o café da manhã aos sábados e domingostinha pão de queijo. Era tradição. Minha mãe sempre fazia. E quando íamos para a fazenda nas férias no café da manhã sempre tinha pão de queijo feito no dia. Então não era uma coisa do dia a dia, era uma comida especial, uma comida de café da manhã especial. O pãode queijo era oferecido às visitas também. Qualquer lanche da tarde com visita todo mundo ficava esperando o pão de queijo sair. Era sempre atração principal na minha casa. E hoje continua sendo, agora ainda mais. Hoje eu estou cercado de pão de queijo e como todos os dias. Mas no final de semana ele é especial porque nós comemos junto com a família (Guilherme M. C. Lima). Como Abdala (2015) descreve,o alimento típico ainda permanece e se mantém na tradição mineira. Pela narrativa é possível constatar que o pão de queijo revela-se como este alimento notável, específico, sui generis.Ele é tão especial que é reservado para momentos específicos, quando sua presençaconstrói um significadode tradição, convivência social e familiar.Indo além, torna-se lícito afirmar que é costume oferecer às visitas algo especial, aquilo quemelhor se pode ofertar. O mineiro da capital e grande BHoferece o pão de queijo porque percebe nele um valor. Certamente o pão de queijo pode ser considerado um alimento muito importante caracterizando a memória e a hospitalidade mineira. O gráfico 2demonstra o alto consumo de pão de queijo por consumidores da capital e grande BH. Somando as porcentagens do consumo diário, de 1 a 3 vezes por semana e de 4 a 6 vezes por semana, 69,9% consomem pão de queijo toda semana. Para Da Matta (1986) o que é ingerido define a identidade daquele que ingere. Percebe-se então que consumidores de Belo Horizonte e grande BH são identificados pelo pão de queijo que pode ser caracterizado como o mais tradicional alimento dentre todos os outros que compõem as quitandas de Minas, devido ao alto consumo detectado no gráfico 2. O pão de queijo é o elemento comum que cria no consumidor de Belo Horizonte e grande BH uma identidade social. Gráfico 2 – Frequência de consumo de pão de queijo 17 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 N:664 Fonte: autoral Para confirmar ainda mais a relação do pão de queijo com a identidade do consumidor belo-horizontino, destaca-se o relato que Marilda Fajardo discorreu sobre um evento que foi convidada a participar em 2008, um ano após ganhar o concurso no programa “Mais Você” da Rede Globo. Ela descreveu um evento organizado pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de Minas Gerais (ABRASEL-MG): 3º Minas Turcom 1º Festival de pão de queijo. Na ocasião Marilda fez a entrega de uma placa ao presidente da Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte (BETOTUR), aclamando a cidade como a “Capital Mundial do Pão de Queijo”. Essa narrativa contribui para a afirmativa de Wolf (2015) que ao escolher um alimento a ser consumido o indivíduo expressa a sua cultura e o grupo social em que está inserido. Na medida em que o pão de queijo está tão presente no hábito do mineiro da capital e região metropolitana, esse alimento revela-se como um fator de identificação desse grupo, caracterizando a representatividade social e cultural. Por meio das informações obtidas nos gráficos 1 e 2, a presença do pão de queijo está evidenciada nos lares dos consumidores de Belo Horizonte e grande BH. Em razão disso, se em algum momento, Minas Gerais foi identificado como o “Estado do pão de queijo”, como apontou Abdala (2015) em decorrência da presidência de Itamar Franco, Belo Horizonte pode ser denominada como a “Capital do pão de queijo”. No gráfico 3, numa amostragem de 664 pessoas, 90,5% (601) identificam o pão de queijo com a mineiridade. A porcentagem sobre a representatividade do pão de queijo demonstradano gráfico 3 foi tão alta sugerindo que para os consumidores é imprescindível se apropriar do pão de queijo. O consumidor de Belo Horizonte e grande BH absorvem sua forma de ser com hábitos alimentares que o caracteriza, identificando na singularidade do pão de queijo a sua identidade: simples, versátil, único. Lody (2008) declara que a cozinha determina um grupo social e uma tradição, tanto quanto um idioma. Tal afirmativa vem certificar o objeto da pesquisa caracterizando o pão de queijo como língua-mãe das quitandas mineiras para o consumidor de Belo Horizonte e grande BH. Gráfico 3 – Alimento que melhor representa a mineiridade 18 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 N:664 Fonte: Autoral Osquatro (4) entrevistados também foram questionados sobre qual alimento representa a mineiridade. Todos responderam que é o pão de queijo. Perguntou- seem qual classificação o pão de queijo se enquadraria, numa escala de 1 a 10. Todos os entrevistados responderam 10. Eu considero dez (10). O queijo e o pão de queijo são a cara de Minas. Quando saímos de Minas e falamos que somos mineiros todo mundo fala de pão de queijoconosco. Hoje pão de queijo acabou virando uma referência de Brasil no estrangeiro. Fora do Brasil, onde não reconhecem a regionalidade do produto, veem o Brasilrepresentado pelo pão de queijo. E fora do estado de Minas, todo mundo liga Minas ao pão de queijo (Felipe Dolabela Corrêa). Quando questionado sobre a importância atribuída ao pão de queijo para a culinária mineira (gráfico 4) não houve um consumidor que o julgasse sem importância. 98.9% (657) consideram o pão de queijo importante, muito importante ou extremamente importante. Através deste dado percebe-se o simbolismo que envolve o pão de queijo e sua particularidade com a identidade mineira. Gráfico 4 – Importância do pão de queijo para a culinária mineira 19 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 N= 664 Fonte: autoral As informações contidas no gráfico 5 consolidam a importância que os consumidores atribuem ao pão de queijo legitimando-o como identidade. Na medida em que 60,9% (400) consideram a relevância do pão de queijo por ser um patrimônio gastronômico de Minas Gerais, identifica-se a afirmativa de Dutra (2012) em relação à identidade ser um reconhecimento pretérito comum de pertencimento. 29,1% (191) dos entrevistados consideram que o pão de queijo é importante por fazer parte das quitandas de Minas, fato que não contradiz a ideia de identidade, mas apenas considera-o tão importante como as demais quitandas. Os gráficos 4 e 5 corroboram a percepção de que o pão de queijo é a essência da representatividade configurado pela culinária. Alimento que mais representa a tradição, cultura e o simbolismo da mineiridade. O entendimento dos quatro (4) entrevistados também contribuiu para confirmar esta tradição do pão de queijo. Percebe-se na fala de todos eles uma forte convicção de que pão de queijo é de Minas e representa Minas. E isto não é ponto de divergência ou discussão. Quando perguntado ao proprietário da “Pão de Queijaria” porque empreender num estabelecimento focado apenas em pão de queijo a resposta foi : “vimos que era uma oportunidade de negócio pois não havia nenhum estabelecimento focado só em pão de queijo. Mas além disso estamos na terra do pão de queijo. E ele é um produto de enorme aceitação” (Mário Santiago Israel). Gráfico 5 – Justificativa da relevância do pão de queijo para a culinária mineira 20 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 N: 657 Fonte:autoral Observa-se esta identidade também nas narrativas dos proprietários da fábrica depão de queijo “Seu Ninico”. Eles colocaram como valor da empresa fazer o “verdadeiro” pão de queijo em escala industrial. No início estudamos a história do pão de queijo e do mercado e vimos que a tendência das pessoas é valorizar as coisas tradicionais, os produtos tradicionais; tanto que nossa missão é levar ao mundo o verdadeiro pão de queijo, sem abandonar a tradição da sua fabricação. Queríamos trazer para em escala industrial a mesmas etapas e processos de fabricação do pão de queijo artesanal. Hoje fazemos o produto escaldado, com polvilhodoce, polvilho azedo, queijo minas artesanal,tudo certificado, com processo artesanal em escala industrial(Felipe Dolabela Corrêa). Marilda Fajardo, ganhadora do concurso de melhor pão de queijo do Brasil noprograma “Mais Você”da Rede Globo em 2007, relatou que havia jurados bem técnicos para avaliar o produto.Foram cinco (5) técnicos e dois (2) artistas, tornando a avaliação bem técnica. Segundo ela os jurados queriam a tradição, o pão de queijo tradicional. E ela percebeu esta tradição presente nas receitas de vários participantes. Eu adoro ver a reprise do programa porqueretrata exatamente a história do pão de queijo. No dia tinha uma senhora que fazia inclusive a goma do pão de queijo dela. Ela levou a goma. Ela é de uma fazenda em Felixlândia, aqui em Minas. Esta senhoraplanta a mandioca,rala e faz a goma. Ela levou inclusiveo ovo caipira para fazer o pão de queijo no dia. E o pão de queijo dela é espetacular. (..) Teve um outro muito legal que leva farinha de milho nele. Então quando você come tem a crocância da farinha de milho. E ele é todo pintadinho, parecendoque é só o queijo mas é a farinha de milho. Ela é mineira também da região de Barbacena (Marilda Fajardo de Castro). Além da tradição presente nas receitas do concurso, Marilda Fajardo declarou que cerca de metade dos participantes eram mineiros. Éramos 14 candidatos. Minas Gerais estava tão bem representada, porque tinham candidatos de outros estados que eram mineiros. A candidata de Florianópolis era mineira. De minas éramos4: eu, uma de Governador Valadares, uma de Macacos e uma de Itabira. Mas a de Goiás era mineira, acho que o candidato de Santa Catarina também era Mineiro. Posso conferir mas acho que metade dos candidatos eram mineiros, mesmo sendo moradores de outros estados(Marilda Fajardo de Castro). Por meio dessas descrições percebe-se como o mineiro procura carregar sua tradição através do pão de queijo. O fato de haverum número grande de mineiros num concurso em nível nacional demostra o vínculo do pão de queijo com Minas. Mesmo aqueles 21 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 participantes que moravam fora do estado de Minas Gerais levavam consigo a tradição, o valor, a importância do pão de queijo: a essência da mineiridade. Mário Santiago, proprietário da “Pão de Queijaria”,atribui o resgaste e o reconhecimento do pão de queijo algo de extremante importante para a cultura gastronômica de Minas. Temos que parar de incorporar o que é de fora e valorizar o que é nosso. Usar nossa quitanda. Nossa quitanda esta sendo deixada de lado. Temos que recuperar o que é nosso. Não só o pão de queijo, a comida mineira como um todo. Tudo que valoriza o que é nosso para mim é maravilhoso. Temos que resgatar nossa gastronomia. Quando se realiza pesquisa em Gastronomia mineira é fantástico, pois precisamos de informação. Não sabemos, por exemplo, contar a história do pão de queijo. Não nos preocupamos com o que é nosso. (...) Fico feliz em ser pioneiro em um negócio onde o pão de queijo é o protagonista, pois acho que fizemos algo de bom. Que bom que foi resgatado;não foi só um oportunismo financeiro, foi um resgate positivo. E todo resgaste que valoriza uma história e uma cultura eu acho muito positivo. E fazer parte deste movimento de alguma forma é muito bom. Quando resolvi empreender eu escolhi muito mais pelo que eu acreditava. Tinha uma paixão. E existe uma conexão minha muito forte com esta história do interior da minha família, da padaria da minha avó, com a tradição. Éverdadeiro oque estáescrito no cardápio da Pão de Queijaria: a Pão de Queijaria é uma forma de homenagear a tradição da nossa família, permitindo que todo mundo possa apreciar a nossa deliciosa herança (Mário Santiago Israel). A importância dopão de queijo é evidenciada através dos gráficos 4 e 5 e dos relatos dos entrevistados na abordagem qualitativa. A grande importância atribuída ao pão de queijo contribui porassociá-lo à identidade mineira, à imagem da mineiridade, disseminando a tradiçãode Minas e o significado de ser mineiro. Por meio desse alimento simples retrata-se oimaginário dasimplicidade e da vida interioranaque faz parte do estereótipo do mineiro. Ao serem questionados a respeito de ter feito pão de queijo alguma vez na vida (gráfico 6), 41,3% (274) dos consumidores afirmaram que sim, porém poucas vezes. 22,1% (147) já fizeram e ainda fazem com frequência. Somando os dois dados, 63,4% já fizeram pão de queijo. Esses números são bem representativos demonstrando uma valorização, pois mesmo diante da vida moderna e atribulada o mineiro da capital em algum momento se preocupou em aprender a fazer o pão de queijo. Gráfico 6 – Hábito de fazer pão de queijo 22 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 N: 664 Fonte: autoral No entanto, ao se questionar como produzido é o pão de queijo que costuma consumir (gráfico 7), 45,6% (303) dos consumidores compram congelado e 31,9% (212) compram assado pronto para o consumo. Somando as duas informações 77,5% não produzem seu pão de queijo habitualmente. Apenas 14,5% (96) o fazem e 8% (53) consomem aquele que é produzido por algum parente ou terceiros. Estes dados constatam a informação de Abdala (2015) quanto à versatilidade do pão de queijo fazendo com que ele permaneça na tradição mineira e não seja esquecido, pois é um produto adaptável à vida moderna, podendo ser produzido de forma caseira ou industrial. Um dos proprietários da fábrica de pão de queijo “Seu Ninico” também sugere a versatilidade do produto ao relatar que a produçãopodeser muito ampliada, demonstrando a adaptação do pão de queijo em diferentes escalas produtivas. Hoje eles trabalham com o pão de queijo artesanal em uma escala industrial atendendo os consumidores do Estado de Minas. Mashá potencial para ir além. “Nós trabalhamos para certificar a empresa, para um dia poder exportar, para ter capacidade produtiva, para atender outros mercados. Todo mundo merece comer um pão de queijo de qualidade” (Guilherme M. C. Lima). Independente de como e por quem será produzido, é fato que o pão de queijo está incorporado aos hábitos alimentares dos consumidores belorizontinos e da grande BH de forma intensa e constante. Gráfico 7 – Tipo de produção do pão de queijo mais consumido 23 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 N: 664 Fonte: autoral Marilda Fajardo também relatou a versatilidade do pão de queijo em algumas receitas durante o concurso que participou. A descrição corrobora coma afirmativa de Abdala (2015) de que o pão de queijo ainda permanece como uma das quitandas mais expressivas de Minas devido à sua facilidade em se adaptar. Tinha um pão de queijo bastante curioso que não é histórico, mas veio da necessidade da filha. A filha tem problema de colesterol, mas é apaixonada por pão de queijo.E pão de queijo é um produto que ajuda a aumentar o colesterol, pois tem muito óleo, ovo e queijo. Ela criou um pão de queijo à base de inhame, ricota e produtosque não aumentam o colesterol. E o pão de queijo ficou excepcional. (...)Tinha outro pão de queijoque era interessanteporque ele era assado numa folha de bananeira. Este ficou em segundo lugar. Era um pão de queijo mais exótico. Tinha outro de uma jovemque era batido no liquidificador, diante da praticidade da juventude. Ela fazia e vendia na escola. E assava em forminhas de empadas(Marilda Fajardo de Castro). Segundo Nunes (2001) o pão de queijo nasce da evolução da cozinha mineira, se adaptando a novos ingredientes. O leite e o queijo foram acrescidos no momento em que eram produtos fáceis e fartos. Pelos relatos é possível notarque aadaptação do pão de queijocontinua a acontecer. Apesarda tradição demonstrar que alguns produtos são ingredientes bases da receita,nãoexiste a“verdadeira” receita de pão de queijo, sendo passível assim de modificações e construindo sua permanência através da versatilidade. A base da identidade está no passado. Através dele identifica-se uma pessoa, um grupo ou nação. A cozinha mineira nasce da tradição, de um passado singular e se constrói a partir de ingredientes simples, fáceis, mas que trazem o peso da história de Minas, marcada por uma sociedade de origem múltipla, formando um povo hospitaleiro, simples, mas extremante conservador. (ARRUDA, 1990). Este conservadorismo, que é característica marcante do mineiro, é sugerido com os dados obtidos no gráfico 8. 50,9% (338) dos consumidores possuem uma receita de pão de queijo de família. Este número se torna mais expressivo por se tratarem de moradores da capital e região metropolitana. A vida urbana, atribulada de compromissos, com alto nível de estresses, leva a supor que existe menos tempo para se conservar valores e tradições como as receitas de quitandas. Entretanto os dados mostram que, no caso do pão de queijo, existe uma tradição oral que se mantém. 24 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 Gráfico 8 – Existência de uma receita de família de pão de queijo N: 664 Fonte: autoral O relato do proprietário da “Pão de Queijaria” ratifica as informações obtidas no gráfico 8, identificando tradição oral da receita de pão de queijo muito presente em muitas famílias mineiras. Mário Santiago declarou que sua família, residente no interior de Minas, mantém a tradição muito forte em relação à receita de pão de queijo. Segundo ele existem cerca de oito (8) pequenos núcleos familiares, entre casa de tios, tias e primos, onde cada família tem uma receita. “Cada casa tem um jeitinho de fazer. O que muda é a proporção do queijo, o uso da água ou não no escaldo, o uso da manteiga ou do óleo, usar polvilho doce, azedo ou pouquinho de cada, ponto de cura do queijo” (Mário Santiago Israel). Osproprietários da fábrica de pão de queijo“Seu Ninico” indicaram em seus relatos a presença da tradição familiar do pão de queijo e sua relação com a mineiridade. Eles declararam que a receita base é a receita de família, do avô de um dos sócios. O nome da empresa é o nome do avô, “Seu Ninico”, nome que carrega mineiridade, retratando o regionalismo mineiro. O folder da empresa atesta a percepção da tradição familiar presente no imaginário mineiro: “resultado de uma deliciosa receita familiar, o pão de queijo cresceu e tomou forma, transformando-se em uma marca que carrega consigo a importância de preservar o sabor e os valores tradicionais mineiros”.Segundo Guilherme Lima o pão de queijo que produzem é feito com ingredientes de qualidade, com o queijo artesanal, ausência deconservantes earomatizantes.É o pão de queijo de receita caseira, artesanal, que conseguiram escalonar epadronizar.“O pão de queijo para nós é uma iguaria mineira, algo que foi criado aqui, que temos apego e damos muito valor.E a proposta da empresa é valorizar a tradição” (Guilherme M. C. Lima). 25 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 Para Felipe Corrêa a tradição do pão de queijo artesanal, de receita familiar, auxilia no empreendedorismo do pão de queijo. “O pão de queijo carrega muita história. Ele foi criado aqui em Minas e hoje em dia isto é vendido também. As pessoas não compram só um produto, eles compram um conceito, uma história, uma rastreabilidade” (Felipe Dolabela Corrêa). Através de todas essas narrativas identifica-se a afirmativa deAbdala (2015) que opão de queijo remonta a continuidade com o passado, mantendo uma tradição que está no imaginário do mineiro. Em Belo Horizonte e região metropolitana identifica-se esta tradição resultando na identidade em ser mineiro através do pão de queijo. 5CONCLUSÃO A presente pesquisabuscou identificar o pão de queijo como identidade mineira para os consumidores de Belo Horizonte e região metropolitana. Através dos dados coletados em questionários e entrevistas, atestou-se que o pão de queijo é considerado o alimento que melhor representa a mineiridade. Ele é reconhecido como patrimônio histórico gastronômico, sendo apontado como aquitandaque expressa identidade mineira, o pertencimento a Minas. O pão de queijoparece configuraro alimento que consegue expressar a mineirice: simplicidade, conservadorismo, hospitalidade, um jeito de ser interiorano, caipira, com características singulares. Nascido no interior, ainda guarda sua tradição, o conservadorismo, sendosua receita e seu modo de fazer transmitido através das gerações. Mesmo na capital e grande BHa tradição não se perdeu, havendo uma presença forte das receitas de família. A versatilidade do pão de queijo está na sua origem e se mantém até os dias atuais. Criado a partir da adequação de uma quitanda mineira, o pão de queijo surgiu de uma adaptação de ingredientes. Acredita- se que em um determinando momento o biscoito de goma se transformou empão de queijo, acrescido de muito queijo e leite, ingredientes que provavelmente eram fartos naquele momento em Minas. E essa adequação e versatilidade fazem-se presentes,auxiliando para que ele não desapareça da culinária mineira diante das adversidades da vida moderna. O mineiro da capital e região metropolita não produz habitualmente seu pão de queijo, mas sua presença é constante nos lares através da facilidade em encontrá-lo no comércio, já que sua fabricação é possível tanto por meios artesanais comode forma industrial. Desta forma, o hábito de consumir o pão de queijo é consideravelmente alto, demostrando nesse costume a importância da quitanda para essa população. 26 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 A hospitalidade mineira tem no pão de queijo sua maior representatividade, na medida em que é o produto mais servido às visitas pelos consumidores de Belo Horizonte e região metropolitana. E o jeito de ser interiorano, caipira, tem no pão de queijo o simbolismo mineiro. O pão de queijo expressaatravés de sua tradição a história, a memória, a ancestralidade, a única e particular identidade mineira. Arriscando a repetição, o consumidor de Belo Horizonte e região metropolitana reconhece no pão de queijo sua identidade. A tradição o torna tãoimportante, caracterizando-o comoiguaria econfirmandoseupertencimento regional: o reconhecimentoe valorização do pãode queijo pelos consumidores os identificam como pertencentes daquele grupo social. Em seus resultados a presente pesquisa legitimou como o pão de queijoé importante, de alta relevância e representatividade para a população da capital e da grande BH. Sem pretensão de ser guia para novos estudos que possam destacar a contribuição do pão de queijo e da culinária mineiraà identidade cultural do mineiro, novas pesquisas relacionadas à gastronomia mineira e seu regionalismo não podem ser esquecidos. A pesquisa ora apresentada indica evidências de que aperpetuação da tradição na culinária mineira encontra- se latente na vida dos mineiros. Opão de queijo se apresentou como um alimentoexpressivo e notávelaos consumidores de Belo Horizonte e grande BH, possuindo uma significância social,tradição e identidade cultural mineira. Desta forma, podem-sesugerir novos estudos que comprovem a relevância histórica e gastronômicado pão de queijoa fim de serreconhecido como patrimônio imaterial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). REFERÊNCIAS ABALA, Monica Chaves. Receita da Mineiridade: a cozinha e a construção da imagem do mineiro. 2. ed. Uberlândia: Edufu, 2007. 182 p. ARRUDA, Maria A. do Nascimento. A Mitologia da Mineiridade. São Paulo: Brasiliense, 1990. 379 p. CASCUDO, Luis Câmara. Historia da Alimentação no Brasil. 4. ed. São Paulo: Global, 2011. 27 Revista Pensar Gastronomia,v.3, n.2, Jul. 2017 DA MATTA, Roberto . O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986. 86 p. DUTRA, Rogéria Campos de Almeida. Maneiras de fazer, modos de proceder: a tradição reinventada do pão de canela na Serra da Mantiqueira, Minas Gerais. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 18, n. 38, p.237-253, dez. 2012. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0104-71832012000200010. 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Direito à soberania alimentar e ao patrimônio cultural: perspectivas para uma alimentação identitária. 2015. 135 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, 2015. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/136023>. Acesso em 26/03/2017 PRODANOV, Cleber Celsetino; FREITAS, Ernani Cesar de. Metodologia do Trabalho Científico: Métodos e Técnicas da Pesquisa e do Trabalho Acadêmico. 2. ed. Novo Hamburgo: Universidade Feevale, 2013. 277 p. Disponível em: <//www.dropbox.com/s/yd5lmgowcdqn6mm/E-book Metodologia do Trabalho Cientifico.pdf?dl=0>. Acesso em: 24 abr. 2017 WOODWARD, Kathryn. Identidade e Diferença: uma Introdução. In: SILVA, Tomaz Tadeu. (Org). Identidade e Diferença: A perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2000. P. 7-72. 29 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 APÊNDICE A Questionário de Pesquisa em Gastronomia Este questionário servirá como aporte metodológico para um trabalho de conclusão de curso de Tecnólogo em Gastronomia das Faculdades Promove de Belo Horizonte. Ele deverá ser respondido exclusivamente por pessoas que consomem pão de queijo e que sejam moradores de Belo Horizonte ou região metropolitana de BH. GÊNERO ( ) Masculino ( ) Feminino IDADE 30 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 ( ) 18 a 24 anos ( ) 25 a 30 anos ( ) 31 a 45 anos ( ) 46 a 60 anos ( ) Acima de 60 anos ONDE RESIDE ( ) Belo Horizonte - capital ( ) Região metropolitana de Belo Horizonte – grande BH Quando você faz ou recebe uma visita qual tipo de alimento é mais frequentemente oferecido? ( ) Biscoitos ( ) Bolo ( ) Pães ( ) pão de queijo ( ) Outros __________________________________________________________________ Qual dos alimentos abaixo você considera que melhor representa a mineiridade? ( ) Biscoitos ( ) Bolos Caseiros ( ) Doces e compotas ( ) Pão de queijo ( ) Outros ____________________________________________________________________ Com qual frequência você consome pão de queijo? ( ) Diariamente ( ) 1 a 3 vezes por semana ( ) 4 a 6 vezes por semana ( ) Mensalmente ( ) Esporadicamente Na maioria das vezes como é o pão de queijo que você costuma consumir? ( ) Compro, já assado, em algum estabelecimento. ( ) Compro congelado para assar em casa ( ) Eu mesmo faço ( ) Feito por algum familiar ou terceiros Você já fez pão de queijo alguma vez na sua vida? ( ) Sim, faço sempre 31 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 ( ) Sim, já fiz poucas vezes ( ) Não, nunca fiz Você possui alguma receita de pão de queijo de família? ( ) Sim ( ) Não Qual o nível de importância que você atribui ao pão de queijo para a culinária mineira? ( ) Extremamente importante ( ) Muito importante ( ) Importante ( ) Pouco importante ( ) Sem importância (Esta Questão só foi respondida por consumidores que na questão anterior marcaram o pão de queijo como extremante importante, muito importante ou importante.) De acordo com a importância que você atribuiu ao pão de queijo na questão anterior, assinale a resposta que melhor retrata esta relevância: ( ) É um alimento que faz parte das quitandas de Minas ( ) É uma boa opção prática para o lanche ( ) É um patrimônio gastronômico de Minas Gerais. ( ) Outros __________________________________________________________________________ APÊNDICE B Roteiro das Entrevistas 1. Contextualização com a Gastronomia: história do entrevistado com a gastronomia; deixar expor com se interessou, se existe uma influência familiar, entre outros. 2. Contextualização com o pão de queijo: como surgiu a ideia de fazer pão de queijo; receita base – origem; 32 Revista Pensar Gastronomia, v.3, n.2, Jul. 2017 a) Marilda: porque se inscrever num programa de TV sobre pão de queijo b) Mário: porque abrir um empreendimento focado em pão de queijo c) Proprietários da fábrica “Seu Ninico”: porque uma fábrica de pão de queijo 3. Procurar estabelecer informações em relação aos objetivos da pesquisa: qual a relação que veem sobre o pão de queijo e a mineiridade. 4. Procurar sondar e perceber se existem“sentimentos” em relação ao pão de queijo e pertencimento a Minas: verificar se ser uma “referência” em pão de queijo é representativopara os entrevistados.