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capitulo superfície paulo roberto gonçalves 2018 direito civil

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TÍTULO IV
DA SUPERFÍCIE
Sumário: 1. Conceito. 2. Modos de constituição. 3. Transferência do direito de superfície. 4. Extinção do direito
de superfície.
1. Conceito
O Código Civil de 2002 reintroduziu no direito brasileiro o direito de superfície,
previsto na legislação do Reino de Portugal aqui aplicada no direito pré-codificado, mas
não contemplado no diploma de 1916.
Trata-se de direito real de fruição ou gozo sobre coisa alheia, de origem romana. Surgiu
da necessidade prática de se permitir edificação sobre bens públicos, permanecendo o solo
em poder do Estado. No direito romano o Estado arrendava suas terras a particulares, que se
obrigavam ao pagamento dos vectigali, com o objetivo precípuo de manter a posse das
largas terras conquistadas.
No direito moderno o aludido instituto é regulado, entre outros, no direito italiano (CC,
arts. 952 a 956), no direito português (CC, arts. 1.524 a 1.542), no direito alemão (arts.
1.012 a 1.017), no direito austríaco (arts. 1.125, 1.147 e 1.150), no direito suíço (arts. 675 e
779), no direito holandês (arts. 758 e 766) e no direito belga (Lei de 10-1-1824). Confere
ele, em essência, a uma ou várias pessoas o direito de construir ou plantar em terreno alheio.
A Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, denominada “Estatuto da Cidade” e que
regulamentou os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, antecipou-se ao novo Código
Civil, disciplinando o direito de superfície, limitado, porém, a imóvel urbano, enquanto este
cuida do urbano e também do rural. Com a entrada em vigor, porém, do último diploma
houve a derrogação do aludido Estatuto, passando o instituto em apreço a ser regulado
inteiramente pelos arts. 1.369 a 1.377 do novo Codex 1.
Não se aplica à hipótese, com efeito, o princípio da especialidade, segundo o qual lex
specialis derogat legi generali quando disciplinar, de forma diversa, o mesmo assunto.
Ocorre a revogação tácita quando a lei nova, de caráter amplo e geral, passa a regular
inteiramente a matéria versada na lei anterior, vindo a lei revogadora, neste caso, substituir
inteiramente a antiga. Desse modo, se toda uma matéria é submetida a nova regulamentação,
desaparece inteiramente a lei anterior que tratava do mesmo assunto 2.
Como assinala CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, “se toda uma província do direito é
submetida a nova regulamentação, desaparece inteiramente a lei caduca, em cujo lugar se
colocam as disposições da mais recente” 3.
Com a entrada em vigor, por exemplo, do Código de Defesa do Consumidor, deixaram
de ser aplicadas às relações de consumo as normas de natureza privada estabelecidas no
Código Civil de 1916 e em leis esparsas que tratavam dessa matéria. Do mesmo modo, com
a entrada em vigor do Código Civil de 2002, regulando de forma ampla e geral o instituto da
superfície, deixaram de ser aplicadas as normas do Estatuto da Cidade que tratavam do
mesmo assunto.
O direito de superfície é definido no art. 1.369 do Código Civil, verbis:
“O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu
terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no
Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O direito de superfície não autoriza obra no subsolo, salvo se for
inerente ao objeto da concessão”.
O Código Civil de 2002 aboliu a enfiteuse, substituindo-a pelo direito de superfície
gratuito ou oneroso. Considera-se vantajosa a substituição porque este último permite
melhor e mais ampla utilização da coisa. Se o proprietário de uma área de terras não tiver
recursos para explorá-la, poderá cedê-la a alguém em superfície para, na referida gleba, por
exemplo, construir e explorar um hotel.
Alguns países, todavia, mantêm em seus códigos a superfície ao lado da enfiteuse,
distinguindo-lhes as finalidades, como o faz o Código Civil italiano, ou não as distinguindo,
como ocorre com o Código Civil português.
Pelo novo instituto, uma pessoa cujo terreno não seja apropriado para a construção que
pretende erigir pode, por exemplo, permutar o uso do solo, temporariamente, mantendo a
propriedade deste, com outra pessoa que possua terreno que atenda às suas necessidades,
cedendo, por outro lado, a esta, que nele tem interesse, o direito de superfície de seu imóvel.
Assim, o proprietário de um terreno localizado na zona central, próprio para a
edificação de um prédio de escritórios, mas que deseja investir na construção e montagem de
uma indústria, pode permutar o uso do solo de seu imóvel com o de um terreno localizado na
periferia da cidade cujo proprietário tem interesse em construir um prédio de escritórios.
Verifica-se, destarte, que a reintegração em nosso ordenamento dessa modalidade de
direito real, com nova roupagem, atende a razões de ordem sociológica, cujas origens
encontram-se na Constituição Federal, que define a exigência dos fins sociais da
propriedade.
Sem o caráter real que lhe foi atribuído, o direito de superfície não seria mais do que um
arrendamento. Igualmente não se confunde o aludido instituto com a locação ou a parceria,
pois estes são direitos obrigacionais e a superfície é um direito real. São também seus
parentes no campo jurídico, embora com ele não se confundam, o uso, o usufruto e a
enfiteuse.
Trata-se, em suma, de uma limitação espontânea ao direito de propriedade por
intermédio de concessão por escritura pública registrada no Cartório de Registro
Imobiliário, na qual o titular do direito real mais amplo concede à outra parte contratante,
doravante denominada superficiário, o direito real de construir ou plantar em seu terreno 4.
Destaca-se que a disjuntiva ou (construir ou plantar) não foi empregada no art. 1.369
com sentido restritivo. Nada impede que o proprietário concedente e o superficiário
convencionem que a concessão terá por objeto o direito de construir e plantar. Igualmente
nada obsta que mais de uma pessoa seja titular do direito de superfície ou que o
superficiário construa para alugar, ou ainda institua hipoteca sobre o imóvel a fim de obter
recursos para nele construir.
Tendo por objeto a construção de uma obra, o direito de superfície pode abranger uma
parte do solo não necessária à sua implantação, desde que ela tenha utilidade para o uso da
obra, como prescreve o art. 1.525 do Código Civil português.
O parágrafo único do art. 1.369 retrotranscrito não autoriza obra no subsolo, salvo se for
ela pertinente ao objeto da concessão. Exige-se, portanto, que a utilização do subsolo seja
inerente à obra superficiária.
Embora o aludido dispositivo seja omisso no tocante ao espaço aéreo, nada impede a
sua utilização pelo superficiário, uma vez que constitui ele parte integrante do solo, como
expressamente enunciava o art. 43, I, do Código Civil de 1916, verbis: “Art. 43. São bens
imóveis: I – o solo com a sua superfície, os seus acessórios e adjacências naturais,
compreendendo as árvores e frutos pendentes, o espaço aéreo e o subsolo”.
A rigor não se pode ter propriedade ou direitos diversos entre o solo e os bens que lhe
são acessórios, salvo expressa disposição legal, como sucede no caso do direito de
superfície, que opera a dissociação entre o titular de poderes inerentes ao domínio do solo e
do subsolo do titular das acessões industriais, ou seja, das construções e plantações.
Com efeito, o fenômeno da edificação (inaedificatio) e da plantação (plantatio) é
dominado pelo princípio superficies solo cedit, por força do qual tudo que se planta ou
constrói em solo alheio é da propriedade do dono do solo (dominus soli). Pode ocorrer,
contudo, como assinala RICARDO PEREIRA LIRA 5, a suspensão dos efeitos da acessão, quando se
terá a superfície temporânea, ou a interrupção dos efeitos da acessão, quando se
consubstanciará caso de superfície perpétua. Não incidirá, nessas hipóteses, o aludido
princípio superficies solo cedit, pois a propriedade da construção ou plantação é de quem a
realizou, continuando o terreno no domínio do dono do solo. Essa suspensãoou interrupção
resulta do direito de superfície.
Podem as partes, todavia, de comum acordo, estabelecer limites no contrato,
subordinando a utilização do espaço aéreo ao necessário para as construções ou plantações,
ou seja, sintonizando-a com o objeto da concessão.
Embora várias legislações, como o Código Civil português, o italiano, o suíço e o de
Quebec, permitam seja a superfície constituída por tempo indeterminado, o Código Civil
brasileiro de 2002 só admite a sua contratação por tempo determinado. Não se justifica,
realmente, a permissão para que seja indefinida a duração dos direitos reais imobiliários de
uso e gozo que implicam desmembramento do domínio. Deve ficar a critério dos contratantes
a estipulação de prazo que atenda aos seus interesses.
O direito de superfície tem como objeto, como foi dito, as construções e plantações que
se levantam no terreno do concedente. O art. 1.369 retrotranscrito refere-se de modo bem
claro a direito de “construir ou plantar”.
Destarte, imóvel edificado não está sujeito ao aludido direito, uma vez que o citado
dispositivo não prevê a possibilidade de constituição do direito de superfície por cisão,
admitida nos direitos civis italiano e português. Essa modalidade parte de um imóvel
construído ou plantado, no qual já se tenham operado os efeitos da acessão. O dono do
imóvel retém em seu domínio o terreno e transfere a outrem, que passa a ser superficiário, a
propriedade da construção ou plantação.
De acordo com o sistema adotado pelo Código de 2002, porém, se o imóvel já possuir
construção ou plantação não poderá ser objeto de direito de superfície, porque somente o
terreno se presta a essa finalidade, salvo se for convencionada a demolição da construção
existente para a reconstrução ou construção de outra, ou a erradicação da plantação existente
para fins de utilização do terreno para os mesmos fins.
O novo diploma não contempla também a possibilidade da sobrelevação ou da
superfície em segundo grau, autorizada nos direitos português, francês (surélévation) e suíço
(superfície au deuxième degré) e que consiste na concessão feita a terceiro, pelo
superficiário, do direito de construir sobre a sua propriedade superficiária, ou seja, sobre a
sua laje.
Tendo em vista que, durante o período de vigência do contrato, o proprietário confere ao
superficiário a propriedade útil de seu imóvel, para que nele construa ou plante como titular
de um direito real oponível erga omnes e com a prerrogativa de sequela, é natural que
incumba a este o pagamento dos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel, bem como
as despesas de conservação ou manutenção, como preceitua o art. 1.371 do Código Civil.
Tal responsabilidade do superficiário abrange o imóvel em sua totalidade,
compreendendo tanto a área do solo cuja superfície lhe foi concedida quanto os acréscimos
que recaírem sobre a construção ou sobre a plantação 6. A regra, no entanto, é supletiva,
podendo as partes convencionar de forma diferente, distribuindo os encargos e tributos que
recaem sobre o imóvel de forma diversa. O descumprimento da obrigação poderá ser
sancionado com a resolução do direito de superfície, uma vez constituído o superficiário em
mora 7.
Preceitua o art. 1.377 do Código Civil:
“O direito de superfície, constituído por pessoa jurídica de direito público interno,
rege-se por este Código, no que não for diversamente disciplinado em lei especial”.
A legislação especial em vigor, que cuida de concessão de terras públicas e respectivo
direito de uso, é a seguinte: Leis n. 4.504/64, 9.636/98, 4.937/66, 8.629/93 e Decreto-Lei n.
271/67.
2. Modos de constituição
O Código Civil exige que o direito de superfície se constitua por intermédio de escritura
pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis (CC, art. 1.369). Em se
tratando de negócio jurídico que envolve bem imóvel, não poderia realmente ser dispensada
a escritura pública, solenidade necessária à própria validade do ato (art. 108).
À escritura pública equipara-se a carta de sentença que for extraída de acordo
homologado judicialmente que estipule a constituição de direito de superfície. Pode este ser
adquirido também por ato de última vontade, cujo título é o testamento. O direito hereditário
é, com efeito, modo aquisitivo e transmissível da propriedade e dos direitos reais sobre
imóveis. Nesse caso, o registro do formal de partilha deve ser efetuado na matrícula do
imóvel, em atendimento ao art. 1.227 do Código Civil. Embora a superfície seja direito
diverso do de propriedade, o registro deverá ser feito, em qualquer hipótese, na própria
matrícula do imóvel, não sendo caso de matrícula autônoma, uma vez que os direitos são
exercidos sobre um só imóvel 8.
O direito de superfície, embora constituído pelos modos mencionados, somente nascerá
quando do registro da escritura pública no registro de imóveis (CC, art. 1.227). No direito
brasileiro, como se sabe, o contrato, por si só, não basta para a transferência do domínio.
Por ele criam-se apenas obrigações e direitos (art. 481). O domínio, porém, só se adquire
pela tradição, se for coisa móvel (art. 1.226), e pelo registro do título , se for imóvel (art.
1.227). Desse modo, enquanto o contrato que institui o direito de superfície não estiver
registrado no Cartório de Registro de Imóveis, existirá entre as partes apenas um vínculo
obrigacional. O direito real, com todas as suas características, somente surgirá após aquele
registro.
O direito de superfície, como foi dito, importa concessão temporária, fixando o
documento constitutivo o tempo de duração (CC, art. 1.369). Será ela gratuita ou onerosa. Se
onerosa, diz o art. 1.370 do Código Civil, “estipularão as partes se o pagamento será feito
de uma só vez, ou parceladamente”. O solarium ou canon superficiário é a importância
paga periodicamente, ou de uma só vez, pelo concessionário ao concedente, na superfície
remunerada.
Surge, em consequência da superfície, uma propriedade resolúvel (art. 1.359). No caso
de efetuar o superficiário um negócio jurídico que tenha por objeto o direito de superfície,
ou no de sucessão mortis causa, o adquirente recebe-o subordinado à condição resolutiva 9.
Controverte-se na doutrina sobre a possibilidade da constituição da superfície por
usucapião. Em tese, tal possibilidade existe, uma vez comprovados os requisitos deste,
observando-se que nada impede a modificação do caráter originário da posse, quando,
acompanhando a mudança da vontade, sobrevém igualmente uma nova causa possessionis,
ocorrendo então a inversão do ânimo da posse. Registre-se que o Código Civil português
consigna, no art. 1.528, que “o direito de superfície pode ser constituído por contrato,
testamento ou usucapião, e pode resultar da alienação de obra ou árvores já existentes,
separadamente da propriedade do solo”.
A maior dificuldade, que praticamente inviabiliza a sua ocorrência, concerne à
usucapião extraordinária, uma vez que, se determinada pessoa exerce a posse de certa
edificação com o animus rem sibi habendi, desde que satisfeitos os demais requisitos da
usucapião adquirirá necessariamente o domínio do trato de terra sobre o qual assenta dita
edificação, tornando-se, dessa maneira, proprietário do todo, não se caracterizando
logicamente uma propriedade separada, superficiária, mantida sobre o solo de outrem.
Pode, no entanto, dar-se a aquisição do aludido direito pela usucapião ordinária, na
hipótese, por exemplo, de sua concessão ter sido feita anteriormente a non domino. Nesse
caso, o concessionário adquire o direito de superfície contra o senhor do solo, desde que
haja conservado a posse na qualidade de superficiário pelo tempo necessário, demonstrando
ser portador de boa-fé.
Menciona-se também a possibilidade de se configurar a usucapião quando a concessão
do direito de construir foi feita por instrumento particular, permanecendo a edificação ou
plantação na posse do adquirente pelo prazo legal; e, ainda,no caso de uma edificação,
relativamente à qual se tenham operado os efeitos da acessão, em que o possuidor da
edificação, com animus domini, passe a pagar, pelo prazo suficiente à consumação da
prescrição aquisitiva, um salário, que implica evidentemente o reconhecimento do domínio
do trato de terra sobre o qual está a edificação, aperfeiçoando-se, assim, a aquisição pelo
usucapiente, da edificação, pousada sobre o solo de outrem 10.
3. Transferência do direito de superfície
Dispõe o art. 1.372 do Código Civil:
“O direito de superfície pode transferir-se a terceiros e, por morte do superficiário,
aos seus herdeiros.
Parágrafo único. Não poderá ser estipulado pelo concedente, a nenhum título,
qualquer pagamento pela transferência”.
A proibição imposta ao proprietário do solo de cobrar qualquer taxa ou retribuição pela
transferência do direito de superfície incide ipso iure, independentemente de previsão no
contrato.
Ao contrário do que sucede no caso da enfiteuse, em que o proprietário ou senhorio
recebe o laudêmio toda vez que se transfere, a título oneroso, o domínio útil da coisa, e que
é representado por uma percentagem sobre o preço da venda, não se pode estipular, no caso
da superfície, a qualquer título, nenhum pagamento pela transferência.
Tal orientação se amolda à tendência universal de se eliminar qualquer cobrança, por
parte dos proprietários de imóveis, quando da transferência a terceiros de direitos reais
constituídos sobre os mesmos. O Código Civil italiano e o português anteriores (dos anos de
1865 e 1867, respectivamente) já haviam eliminado os laudêmios, lutuosas e outras
prestações análogas que, nas enfiteuses mais antigas, nas quais os resquícios do feudalismo
se faziam mais evidentes, representavam uma espécie de homenagem ao senhor feudal pelo
consentimento deste na transferência onerosa da enfiteuse que o vassalo fizesse a terceiro
(laudemium) ou na transmissão de um feudo aos herdeiros do vassalo que falecera
(“lutuosa”), pois, como assinala JOSÉ GUILHERME BRAGA TEIXEIRA 11, com tal consentimento o
senhor feudal, titular do domínio direto, abria mão do seu direito de prelação e da
consolidação do domínio do imóvel na sua pessoa.
O art. 1.373 do Código Civil confere o “direito de preferência, em igualdade de
condições”, no caso de alienação, seja do imóvel ou da superfície, ao superficiário ou ao
proprietário, respectivamente. O aludido dispositivo estabelece, assim, o direito de
preferência recíproco sobre os direitos reais, em benefício de ambos os titulares dos
direitos objeto da avença.
Desse modo, se o proprietário concedente resolver alienar o imóvel, o superficiário terá
preferência na aquisição. Se, por outro lado, este último optar por alienar o direito real de
superfície, deverá respeitar a preferência instituída em favor do primeiro, sempre em
igualdade de condições para ambas as partes.
Em se tratando de direito patrimonial de caráter privado, a preferência na aquisição
pode ser objeto de transação ou renúncia, sendo lícito consignar esta última no instrumento
de constituição 12.
4. Extinção do direito de superfície
Embora várias legislações, como foi dito, permitam seja a superfície constituída por
tempo indeterminado, o Código Civil brasileiro de 2002 só admite a sua contratação por
tempo determinado (art. 1.369). Extingue-se, portanto, o direito de superfície com o advento
do termo estabelecido no contrato.
Dispõe o art. 1.374 do Código Civil que, “antes do termo final, resolver-se-á a
concessão se o superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para que foi
concedida”.
Se, por exemplo, foi concedido o direito de construir um edifício e o superficiário
simplesmente o aluga para estacionamento, sem que haja sinais de início da obra, configura-
se o desvio de finalidade contratual, que pode ensejar a extinção da concessão, se nenhum
motivo justo for apresentado para a prática do ato faltoso. Pode, por exemplo, a demora
justificar-se pela dificuldade na aprovação da planta ou por outro motivo imperioso. Não
havendo, cabe a retomada do imóvel.
O dispositivo em tela objetiva evitar burla aos termos estabelecidos na avença e ofensa
ao princípio da boa-fé objetiva, que deve ser observado e respeitado durante todo o período
de execução do contrato (CC, art. 422). É defesa, portanto, a alteração unilateral. Qualquer
modificação posterior da destinação da utilização do solo deve ser realizada de comum
acordo com o proprietário, denominado concedente ou fundieiro, por termo aditivo,
observando-se as mesmas formalidades exigidas anteriormente: escritura pública,
devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.
Prescreve o art. 1.375 do Código Civil, por sua vez, que, “extinta a concessão, o
proprietário passará a ter a propriedade plena sobre o terreno, construção ou plantação,
independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado o contrário”.
O proprietário concedente tem, desse modo, a expectativa de receber a coisa com a obra
ou plantação.
Extinta a concessão, a construção ou a plantação incorporam-se ao solo em definitivo,
retornando ao princípio superficies solo cedit. Tendo em vista que a superfície importa em
desmembramento da propriedade, a extinção dela implica o remembramento, que opera em
favor do dominus soli 13.
Têm os interessados a faculdade de ajustar o que melhor lhes convenha, no caso de ficar
extinta a superfície. O art. 1.375 supratranscrito tem, portanto, caráter supletivo, aplicando-
se na falta de estipulação contrária. Nada impede que se convencione o pagamento de
indenização pelo dono do terreno ao superficiário, considerando-se que este devolve o
terreno em regra valorizado.
O art. 1.376 do Código Civil prevê outro modo de extinção da concessão superficiária: a
desapropriação. Neste caso, “a indenização cabe ao proprietário e ao superficiário, no
valor correspondente ao direito real de cada um ”. Destarte, o dono do terreno recebe o
equivalente ao seu valor, enquanto o superficiário é indenizado pela construção ou
plantação.
Outros modos de extinção do direito de superfície são previstos nas legislações de
outros países, como: a) renúncia do superficiário; b) confusão, quando na mesma pessoa
reúnem-se as condições de proprietário do solo e da superfície; c) resolução, em virtude do
descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo superficiário; d) resilição
bilateral; e) prescrição; f) perecimento do objeto; g) não conclusão da construção ou
plantação, pelo superficiário, no prazo estabelecido; h) inviabilidade da construção ou
plantação, ou destruição de uma ou outra; i) falta de pagamento das prestações periódicas,
quando adotada esta modalidade de remuneração 14.
O descumprimento das obrigações e encargos impostos ao superficiário necessita ser
comprovado em juízo, para que ocorra a resolução por culpa deste. Devem eles estar
previstos e devidamente delimitados no contrato, para que possam regular as relações dele
originadas.

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