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Resumo da AP2 de Cultura Brasileira – Aristóteles Muniz “A Moderna Tradição Brasileira, por Renato Ortiz” O Silêncio & Cultura e Sociedade No capítulo denominado "O silêncio", Ortiz procura mostrar como a questão da identidade se encontra relacionada ao problema da cultura popular e à questão do Estado, já que falar em cultura brasileira é discutir os destinos políticos do país. Duas tradições guiaram o pensamento intelectual sobre o nacional-popular. A primeira está relacionada aos estudos e preocupações folclóricas tomadas enquanto manifestações culturais das classes populares. Este pensamento está associado à questão nacional na medida em que as tradições populares encarnam o que seria o espírito de um povo. A descoberta das manifestações da cultura popular permitiria a identificação e a construção da identidade nacional. A segunda tradição liga a cultura popular à questão política. A cultura se transforma em ação política junto às classes populares. Diferentes grupos ideológicos procuraram criar, através da cultura popular, uma consciência crítica dos problemas sociais, visando a constituição do povo-nação. Tanto a versão tradicional quanto a versão politizadora relacionam cultura popular com expressão da nação, no primeiro caso cuidando em preservá-la, no segundo, utilizando-a como base da transformação social. A questão nacional tem sido assim o denominador comum de todos os autores, independentemente das -diferentes posições adotadas. Do Estado Novo, passando pelo ISEB, pelos CPCs e pelo método de alfabetização de Paulo Freire, os intelectuais estiveram sempre discutindo a construção de uma identidade nacional. E enquanto este tem sido o eixo do debate intelectual, houve um grande silêncio sobre a constituição de uma cultura de massa, assim como sobre o relacionamento entre a produção cultural e o mercado. Nos anos 60 o eixo do debate entre os intelectuais ainda era a questão nacional, então acrescida de uma nova dimensão - a luta contra o autoritarismo. Nesse período o Estado passou a ser visto como campo de luta ideológica, e, sob a influência do pensamento de Gramsci, os intelectuais se auto-identificam como agentes da luta antiautoritária. Enquanto isso, a consolidação de uma cultura de mercado no país passou despercebida ao ,debate intelectual. Podemos discordar aqui e ali, podemos lembrar de um ou outro autor que tenha escrito sobre a indústria cultural, mas, como tendência, creio que Ortiz está correto. Concordando com sua observaç4o sobre um certo silêncio, eu apenas complementaria suas reflexões lembrando que a cultura de massa não era discutida também porque o conceito de massas não tinha a menor receptividade. Existiam, sim, classes sociais. O conceito de "massas" era considerado como ideologicamente comprometido com uma perspectiva teórica da "direita". Não se dispunha assim de instrumental teórico para ver e refletir o que estava acontecendo, ou melhor, o instrumental te6rico em uso não permitia ver uma indústria cultural que se organizava para o mercado, para um público que não se diferenciava segundo as cisões de classe. Para realizar sua análise sobre a sociedade brasileira, Ortiz lança mão da produção teórica e historiográfica referente à Europa e aos Estados Unidos da América. É com este quadro de referência que ele vai montar seu esquema interpretativo. A chave de sua análise gira em torno dos conceitos de periferia e autonomização. Vamos começar pelo último. Retomando a análise de Benjamin sobre a arte e a vida parisiense, Ortiz observa que a vida intelectual européia teria seguido um padrão onde ocorre: 1. a autonomização de determinadas esferas - arte, literatura; e 2. o surgimento de um pólo de produção orientado Para a mercantilização da cultura. O exemplo mais claro de autonomização estaria na literatura, que passa a recusar o determinismo político e se constitui como uma prática específica. "Este processo de autonomização implica a configuração de um espaço institucionalizado, com regras próprias, cuja reivindicação principal é de ordem estética." Assim, a criação de um campo específico é uma das chaves que permitiriam reconhecer os sinais da modernidade. A outra noção central é a de periferia. Tomando Florestan Fernandes como referência, Ortiz vai assumir a perspectiva de que "a burguesia não possui na periferia o papel civilizador que desempenhou na Europa". Nos países de periferia, e conseqüentemente no Brasil, houve uma defasagem entre os níveis de modernidade, "defasagem entre modernização aparente e a realidade". O conceito de modernismo "antecipa" uma realidade que de fato não estaria acontecendo. E neste sentido "a noção de modernidade está 'fora do lugar' na medida em que o Modernismo ocorre no Brasil sem modernização" (p. 32). Haveria então uma "inadequação de certos conceitos aos tempos em que são enunciados". Apoiando-se na análise de Berman sobre São Petersburgo, Ortiz vai considerar que o modernismo de países periféricos "é forçado a se construir sobre fantasmas e sonhos de modernidade" (p. 34). Como nos países de periferia o desejo de modernidade se antecipa à realidade, a modernidade passa a estar ligada à construção da identidade nacional. Assim se configura a concepção de que só seremos modernos se formos nacionais, idéia que no Brasil toma forma em meados dos anos 20 e que guia todas as tentativas de construção da nação através da cultura ou da atuação do Estado. Ortiz complementa esta sua primeira abordagem do tema do, livro observando que no Brasil a modernidade acabou sendo assumida como um valor em si, sem ser questionada. De outro lado, se "idéias fora de lugar" são projetos, todas as idéias estiveram fora de lugar por algum tempo. Todas as utopias, no sentido de Mannheim, são idéias "fora de lugar", ou melhor, fora de tempo, já que, creio, a metáfora temporal preenche melhor esta imagem. Em que situações a modernidade foi projeto e ,depois se tornou realidade, em que situações ela só se realizou em parte ou não se realizou? No caso do Brasil, a modernidade enquanto projeto de industrialização parece ser a versão vencedora, embora também tenhamos tido outros projetos de modernidade: Alberto Torres propunha um Brasil agrícola, rural e moderno, isto durante a Primeira República. Se a versão vencedora acabou sendo mesmo aquela que implementa a industrialização, ou melhor, a urbanização, como padrão de modernidade, cabe perguntar: como e por que os intelectuais nos anos 60 não refletiram sobre ela exatamente quando uma de suas faces nos chegava através da indústria cultural? Talvez seja o compromisso entre modernidade e construção de identidade nacional o que tenha impedido os intelectuais de ver os aspectos da modernidade que ultrapassavam o espaço social da nação. Mas não se sabia que o capitalismo é transacional? A partir do esquema interpretativo que destaca os conceitos de autonomização e periferia, Ortiz se lança à análise do material histórico referente às origens das atividades vinculadas à cultura popular de massa. Os capítulos "Cultura e sociedade" e "Memória e sociedade" mostram a precariedade da indústria cultural em seus prim6rdios. O rádio, o cinema, as publicações (jornais, revistas, livros), a televisão, as agências de publicidade merecem a atenção do autor. Vale ressaltar a quantidade de teses, livros e artigos utilizados e citados no livro, o que envolve um louvável esforço de democratização da informação. Estas informações são utilizadas para comprovar a incipiência da indústria cultural e de um mercado de bens simbólicos nos anos 40 e 50 no país. É interessante observar as -datas de publicação dos textos que analisam os meios de comunicação e a indústria cultural. “A Invenção do Nordeste e Outras Artes, por Durval Muniz” “O Nordeste é um recorte regional muito recente para ter qualquer tradição”. Por quê? Nas 317 páginas de “A invenção do Nordeste e Outras Artes” (Cortez Editora,1999. São Paulo), livro basilar para compreensão e interpretação da produção artística e cultural realizada ao longo do século XX sobre a região se questiona tantas definições. Por que se aceita e venera com tanta intensidade o Nordeste da seca, dos santos beatos, dos tipos festeiros, do batuque do maracatu e cadência do pífano? Por que o Nordeste aceitou tão facilmente a carapuça regionalista? São muitas as perguntas, muitas as dúvidas e desafios também. No resumo a seguir, o pesquisador discute as muitas feições que o Nordeste tem assumido ao longo dos tempos. A conferir Estamos diante de um livro denso, rico de idéias, uma abordagem interessante sobre o surgimento da região Nordeste na “Paisagem Imaginária” do País no final da primeira década do século XX em substituição a antiga divisão regional do país entre norte e sul; porém, uma região fundada na “Saudade e na Tradição”. O pesquisador e historiador Durval Muniz de Albuquerque Júnior, é doutor em História pela Unicamp e titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Seu texto analisa de forma poética (o eu-lirico do autor aflora magistralmente no enredo em alguns momentos) e científica (pelo rigor da analogia e do método utilizado para mostrar-nos a fantasiosa simbologia criada para este espaço) a evolução de uma região do Brasil, situando-a no conjunto dos mecanismos constitutivos de um projeto de bases culturais e sociais diversificadas. O autor busca compreender o conteúdo e as modalidades da ação dessas bases culturais, as especificidades dos agentes, os princípios norteadores de sua intervenção, analisando as determinações mais amplas da regionalização e diversificação dessa cultura. O trabalho apresenta-se organizado em três partes. No primeiro capítulo, o autor reconstrói, a partir do estudo ”Geografia em Ruínas” (P.39), o desenvolvimento histórico que nos possibilitara a compreensão de toda essa montagem do mosaico do espaço Centro Sul e o Antigo Norte. Inicialmente, é abordado a eminência de um novo regionalismo, onde se busca enfatizar as mudanças significativas ocorridas nestes espaços nos idos do século XX. De um lado o Centro Sul despontando como centro cultural notável e também centro glamoroso e financeiro do país, com transformações substanciais em todos os âmbitos; do outro, o Antigo Norte, por sua vez, vivenciando também essas mudanças; porém, com a sinonímia da pouca expressividade cultural (não que a região fosse desprovida de cultura; pelo contrário, era riquíssima em todos os aspectos, só que, todos os investimentos e atenções estavam voltados para o Centro Sul), da dependência e submissão. Porém, é plausível destacar também que, pela primeira vez será discutido a questão do espaço; embora se perceba, um olhar diferente e até depreciador, dependendo do espaço. Vale salientar que, essa idéia de discutir a importância do espaço social passa a ter um significado maior a partir da primeira guerra mundial. Ora, a política desencadeada na Europa sempre refletiu em nosso país; diga-se passagem, com muita intensidade. Portanto, a primeira guerra mundial será o anúncio oficial da digladiação dos países europeus economicamente fortalecidos em busca de espaços. Pois, o capital industrial se expandia e precisava urgentemente apropriar- se de espaços para o escoamento dessa produção e conseqüentemente dominá-los. Neste sentido, será inventado o Nordeste que, terá a mesma função destes espaços “conquistados” pelos capitalistas europeus dominantes. Só que tem um detalhe, no nosso caso será em relação ao Centro Sul. No que tange a questão da importância do espaço Nacional Brasileiro, vejamos o que afirma o autor, quando é analisado o espaço do Norte e do Sul: “seja na imprensa do Sul, seja nos trabalhos intelectuais que adotam os paradigmas naturalistas, seja no próprio discurso da seca, o Norte aparece como uma área inferior do país pelas próprias condições naturais (...)” (P. 69). Portanto conclui-se o capítulo tocando na questão do fator natural (clima) e o étnico (raça). E além do mais, é dentro dessa vertente que, será moldada a região Nordeste que irá substituir “a antiga divisão regional do país entre Norte e Sul”. No segundo capítulo, Durval Muniz procede com a analogia da questão regionalista; desta vez dando ênfase ao espaço no aspecto cultural e político. Grosso modo, o espaço em epígrafe será o nordestino que a partir de então, irá romper com essa dualidade Norte/Sul. Na análise do espaço nordestino, observa-se que, o plano cultural será mais enfatizado do que o político; embora, não descartemos esse último, pois, o texto deixa transparecer que aquele discurso disperso de outrora da classe dominante da região, agora tem outra conotação: prima em mostrar as rupturas e desigualdades existentes em relação ao Centro Sul. No entanto, os flagelos da seca e da miséria fortalecem esse discurso, causando até mesmo impacto no plano nacional. Quanto à abordagem cultural, ela é mais incisiva; pois, através das análises sociológicas e antropológicas da região frente ao naturalismo, observa-se a preocupação de vários estudiosos em mostrar e explicar as fissuras sociais existentes naquele espaço. Dentro desse contexto, o autor é brilhante quando afirma que “é o saber sociológico, preocupado com as questões sociais e culturais, que vai assumindo um papel de suma importância na definição de uma identidade para o brasileiro e para o Brasil, bem como na definição de suas regiões e de seus tipos regionais” (P.93). Nessa prosa gostosa, chegamos aos “Territórios da Revolta” que será o objeto de estudo do terceiro capítulo do trabalho de Muniz. Nesse capítulo é analisado o conjunto de idéias de Nordeste, gestada por vários escritores e artistas que comungavam e até militava em partidos de esquerda. Para o autor, o trabalho desses intelectuais define-se como um serviço de reconstrução da região Nordeste. Como ele mesmo é enfático em dizer: “a imagem e o texto do Nordeste passam a ser elaborados a partir de uma estratégia que visava denunciar a miséria de suas camadas populares, as injustiças sociais a que estavam submetidas e, ao mesmo tempo, resgatar as práticas e discursos de revolta popular ocorridos neste espaço (...) as terríveis imagens do presente servem de ponto de partida para a construção de uma miragem futura (...)” (184). Desse modo, a nosso ver, o trabalho do professor Durval Muniz, como instrumento de análise e alerta de uma região marginalizada pelos donos do poder, pode ser incluído dentro de uma perspectiva redentora e valorativa da cultura e do espaço nordestino. Como ele mesmo afirma que, “o Nordeste é uma produção imagético-discursivo formada a partir de uma sensibilidade cada vez mais especifica, gestada historicamente, em relação a uma dada área do país. E é tal a consistência desta formulação discursiva e imagética que dificulta, até hoje, a produção de um nova configuração de ‘verdades’ sobre este espaço” (p.49)
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