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Fatores socias e históricos da EJA no Brasil A história da Educação de Jovens e Adultos - EJA apresenta muitas variações ao longo do tempo, demonstrando estar estreitamente ligada às transformações sociais, econômicas e políticas que caracterizaram os diferentes momentos históricos do país. Se olharmos para a educação brasileira, desde o período colonial, podemos perceber que ela tinha um caráter específico direcionado às crianças, mas indígenas adultos foram também submetidos a uma intensa ação cultural e educacional. A Companhia Missionária de Jesus tinha a função básica de catequizar (iniciação à fé) e alfabetizar na língua portuguesa os indígenas que viviam na colônia brasileira. Com a saída dos jesuítas do Brasil em 1759, a educação de adultos entra em colapso e fica sob a responsabilidade do Império, a organização e o emprego da educação. A identidade da educação brasileira foi sendo marcada então, pelo o elitismo que restringia a educação às classes mais abastadas. Dessa forma, a história da educação brasileira foi sendo demarcada por uma situação peculiar que era o conhecimento formal monopolizado pelas classes dominantes. A partir do Ato Constitucional de 1834, ficou sob a responsabilidade das províncias a instrução primaria e secundária de todas as pessoas, mas que foi designada especialmente para jovens e adultos. É importante ressaltar que a educação de jovens e adultos era carregada de um princípio missionário e caridoso, “Era preciso ‘iluminar’ as mentes que viviam nas trevas da ignorância para que houvesse progresso” (STEPHANOU; BASTOS (orgs), 2005, p. 261). A alfabetização de jovens e adultos deixa de ser um direito para ser um ato de solidariedade. Em 1879, a Reforma Leôncio de Carvalho caracterizava o analfabeto como dependente e incompetente. Posteriormente em 1881, a Lei Saraiva colabora com a idéia da Reforma de Leôncio de Carvalho restringindo o voto às pessoas alfabetizadas. Rui Barbosa, em 1882, postula que “os analfabetos são considerados, assim, como crianças, incapazes de pensar por si próprios”. Instala-se uma grande onda de preconceito e exclusão da pessoa analfabeta. Sob estas discussões a constituição republicana foi construindo-se e em 1891, o que era ruim ficou ainda pior, o voto foi restrito à pessoas letradas e com posses, uma pequena minoria. Agora estava garantida na lei a discriminação e exclusão da pessoa analfabeta. Com o início do século XX houve uma grande mobilização social que pretendia exterminar o analfabetismo. Começou-se assim, a culpar as pessoas analfabetas da situação de subdesenvolvimento do Brasil. Desde a Revolução de 1930, as mudanças políticas e econômicas permitiram o início da consolidação de um sistema público de educação elementar no país. A Constituição Federal de 1934 estabeleceu a criação de um Plano Nacional de Educação, que indicava pela primeira vez a educação de adultos como dever do Estado, incluindo em suas normas a oferta do ensino primário integral, gratuito e de freqüência obrigatória, extensiva para adultos. A década de 1940 foi marcada por algumas iniciativas políticas e pedagógicas que ampliaram a educação de jovens e adultos. Em 1947, o Ministério de Educação e Cultura promoveu a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos – CEAA. A campanha possuía duas estratégias: os planos de ação extensiva (alfabetização de grande parte da população) e os planos de ação em profundidade (capacitação profissional e atuação junto à comunidade). O objetivo não era apenas alfabetizar, mas aprofundar o trabalho educativo. Em 1952 foi criada a Campanha Nacional de Educação Rural – CNER. Caracterizou-se, no período de 1952 a 1956, como uma das instituições promotoras do processo de desenvolvimento de comunidades no meio rural brasileiro. Contava com um corpo de profissionais de áreas diversas como agronomia, veterinária, medicina, economia doméstica e assistência social, entre outras, que realizavam trabalho de desenvolvimento comunitário junto às populações da zona rural. Ainda nos anos de 1950, foi realizada a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo – CNEA, que marcou uma nova etapa nas discussões sobre a educação de adultos. Seus organizadores compreendiam que a simples ação alfabetizadora era insuficiente, devendo dar prioridade à educação de crianças e jovens. A CNEA, em 1961, passou por dificuldades financeiras, diminuindo suas atividades e em 1963 foi extinta, juntamente com as outras campanhas até então existentes. O fim da década de 50 e início da década de 60 foi marcado por uma grande mobilização social em torno da educação de adultos. Podemos citar vários movimentos sociais criados nesse período, tais como: “Movimento de Educação de Base” (1961- CNBB), Movimento de Cultura Popular do Recife (1961), Centros Populares de Cultura (UNE), Campanha de Pé no chão Também se Aprende (Prefeitura de Natal). Esses programas, através da influência da pedagogia freiriana, identificavam o analfabetismo não como a causa da situação de pobreza, mas como efeito de uma sociedade injusta e não-igualitária. Esses movimentos, procuravam reconhecer e valorizar o saber e a cultura popular, considerando assim, a pessoa não alfabetizada uma produtora de conhecimento. Com a grande repercussão desses movimentos de alfabetização popular, Paulo Freire foi indicado para elaborar o Plano Nacional de Alfabetização junto ao Ministério da Educação. No entanto, com o Golpe Militar em 31 de março de 1964, esse plano foi interrompido. O governo militar, então, criou o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), em 1967, com o objetivo de alfabetizar funcionalmente e promover uma educação continuada. Com esse programa a alfabetização ficou restrita à apreensão da habilidade de ler e escrever, sem haver a compreensão contextualizada dos signos. Por fim, o Mobral foi extinto em 1985, com a chegada da Nova República, e seu final foi marcado por denúncias sobre desvios de recursos financeiros, culminando numa CPI (Comissão Parlamentar de Investigação). Muitas pessoas que se alfabetizaram pelo Mobral acabaram desaprendendo a ler e escrever. A nova constituição de 1988, prevê que todas as pessoas tenham acesso à educação, sendo reforçada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9394/96 de 20 de dezembro de 1996. De acordo com a LDB, é determinado que o Plano Nacional de Educação seja elaborado em concordância com a Declaração Mundial de Educação para Todos, e com base na LDB, foi constituída a Educação de Jovens e Adultos como modalidade de ensino através da resolução CNB/CEB Nº 1, de 5 de julho de 2000, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Ressalta-se ainda o direito a jovens e adultos à educação adequada às suas necessidades peculiares de estudo, e ao poder público fica o dever de oferecer esta educação de forma gratuita a partir de cursos e exames supletivos. Com o fim do Mobral em 1985, surgiram outros programas de alfabetização em seu lugar como a Fundação Educar, que estava vinculada especificamente ao Ministério da Educação. O seu papel era de supervisionar e acompanhar, junto às constituições e secretarias, o investimento dos recursos transferidos para a execução de seus programas. No entanto, em 1990, com o Governo Collor, a Fundação Educar foi extinta sem ser criado nenhum outro projeto em seu lugar. A partir daí então, começou a ausência do governo federal nos projetos de alfabetização Em 1998, surge o Pronera (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária), com o objetivo de atender às populações situadas nas áreas de assentamento. Este programa estava vinculado essencialmente ao Incra, universidades e movimentos sociais. Em 2003, o governo federal lançou o Programa Brasil Alfabetizado, que no início tinha característica de mais uma campanha, com ênfase no trabalho voluntário, prevendo erradicar o analfabetismo em 4 anos, tendo uma atuação sobre 20 milhões de pessoas. Assim, chegamos ao século XXI com uma alta taxa de pessoas que não têm o domínio sobre a leitura,a escrita e as operações matemáticas básicas, tendo: quase 20 milhões de analfabetos considerados absolutos e passam de 30 milhões os considerados analfabetos funcionais, que chegaram a frequentar uma escola, mas por falta de uso de leitura e da escrita, retornaram à posição anterior. Chega, ainda, à casa dos 70 milhões os brasileiros acima dos 15 anos que não atingiram o nível mínimo de escolarização obrigatório pela constituição, ou seja, o ensino fundamental. Somam-se a esses os neo analfabetos que, mesmo freqüentando a escola, não conseguem atingir o domínio da leitura e da escrita (STEPHANOU; BASTOS, 2005, p. 273). A função social da escola no processo de alfabetização da EJA O retorno ao espaço escolar dessas pessoas é um desafio a ser vencido pelos educadores, pois são indivíduos marcados por diferentes situações escolares desfavoráveis, onde para muitos a escola é algo remoto que ficou para trás, embora o desejo de aprender a ler e escrever tenha permanecido. Dessa forma, o processo ensino-aprendizagem, implicará em grande empenho dos professores, construindo na sala de aula um espaço de conversa (oralidade) e, sobretudo de escrita, reconstruindo a imagem de escola que vive na memória de cada um, ou seja, aquela escola do autoritarismo, do silêncio, dos castigos, punições e também da cópia e decoreba onde o professor tinha voz única e os alunos plena obediência. Mas, deve-se levar em consideração que essa “escola acolhedora” não deve ser o total oposto da escola da memória de todos, onde uma só se copiava e a outra só se conversa (MOLL 2004). A superação destas heterogeneidades é condição necessária para um projeto educativo eficaz e possível na alfabetização dos jovens e adultos. Nessa perspectiva deve-se ter a consciência de que estes homens e mulheres não são “tabulas rasas” e sim pessoas com muitas experiências sociais, culturais e afetivas, que lhe permitem a construção e acúmulo de saberes em diferentes áreas epistemológicas. Numa perspectiva freiriana (1983), as palavras estão cravejadas de mundo e significações produzidas no universo individual e social. Então, aproximações pedagógicas (alfabetização) podem começar pela escuta do mundo no qual estes homens e mulheres estão inseridos, onde a linguagem falada é a representação do mundo no qual estamos imersos, sendo ponto de partida e ligação entre o universo da oralidade e do universo da linguagem escrita. Nesta perspectiva, o projeto de docência foi desenvolvido trabalhando com o tema “Ler e Escrever com Histórias do Cotidiano”. Com essa prática pedagógica, o professor da EJA, além de valorizar o acúmulo de experiências adquiridas antes da escola, pode contribuir para a produção de materiais específicos que, colocados em circulação, favorecerão outros grupos em processo de alfabetização, considerando que há uma grande dificuldade em encontrar material didático especializado que esteja de acordo com a realidade dos sujeitos dessa modalidade de ensino. Diante disso, percebe-se que, ser professor da EJA implica em disposição para aproximações que transitam entre os saberes constituídos e legitimados no campo das ciências, da cultura e das artes e saberes vivenciados e legitimados no reencontro com o espaço escolar, possibilitando o equilíbrio entre os dois. Faz-se necessário também, uma postura sensível para a escuta cotidiana como também para a ampliação de novos olhares. Assim, nas palavras de Fiori, apud Moll (2004) “talvez este seja o sentido mais exato da alfabetização: aprender a dizer sua vida, como autor é como testemunho de sua história, isto é, biografar-se, existenciar-se, historicizar-se”. Contribuições de Paulo Freire para a EJA O Método Paulo Freire não se detém na mera alfabetização tradicional, baseada principalmente no uso da cartilha, que ele rejeita categoricamente no aprendizado da leitura e da escrita. O educador defende e incentiva o posicionamento do adulto não alfabetizado no meio social e político em que ele vive, ou seja, no seu contexto real. O domínio das letras e das palavras é um instrumento para que o adulto alfabetizado elabore sua consciência política, conquistando um ponto de vista integral do saber e do universo que habita. O ideal de Paulo Freire brotou justamente do ambiente no qual ele foi criado; nascido no Recife, ele conhecia bem a realidade do Nordeste do país, e foi durante os anos 50 que ele elaborou seu método. Na metodologia de Freire o mestre se posiciona ao lado de seus aprendizes para que juntos possam organizar as atividades desenvolvidas nas classes, todas baseadas no debate de temáticas sócio-políticas, inerentes ao contexto vivenciado por eles. Assim, seu método não age apenas no circuito educativo, mas também na economia, na política e nas demais esferas da vida em sociedade. Sua criação, conhecida como método de educação libertadora, passa por três estágios. O primeiro é o da investigação, durante o qual mestre e aprendiz discutem vocábulos e questões que têm maior importância na existência do aluno, no interior do grupo no qual ele vive. A segunda etapa é a da tematização – este é o instante de conscientização em relação ao mundo, por meio da avaliação dos sentidos sociais assumidos por temáticas e palavras. O terceiro momento é o da problematização, quando o professor provoca e motiva seus estudantes a transcenderem o ponto de vista mítico e desprovido de críticas do universo que ele habita, para que possam atingir a fundamental tomada de consciência. O educador aconselha que sua corrente pedagógica seja praticada em cinco fases. Primeiro, uma avaliação das condições linguísticas dos alunos, sempre com a aceitação da linguagem de cada um; segundo, a seleção de determinados vocábulos, conforme sua importância fonética, o nível de dificuldades e seu papel sócio-cultural e político para o grupo em questão; no terceiro momento privilegia-se a elaboração de contextos vivenciais típicos da comunidade abordada, para que os alunos aprendam a analisar criticamente as questões levantadas no contexto em que vivem. A quarta etapa se resume à elaboração de fichas que atuam como roteiros para as discussões, sem que elas necessariamente sejam adotadas enquanto preceitos inflexíveis; a quinta fase consiste, enfim, na produção de cartões com palavras que deverão ser decompostas em grupos fonéticos congruentes com os vocábulos criadores. Referência Bibliográfica · http://www.unioeste.br/cursos/cascavel/pedagogia/eventos/2007/Simp%C3%B3sio%20Academico%202007/Trabalhos%20Completos/Pratica/PDF/46%20Prat.%20Marijane%20II.pdf · http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/38/art05_38.pdf · http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v18n67/a11v1867 · https://www.infoescola.com/pedagogia/metodo-de-educacao-libertadora/