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Línguas de herança - Ronice quadros

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Línguas de herança
Línguas de herança são as línguas que, em um contexto sociocultural, 
são dominantes diferentes da usada na comunidade em geral. A palavra 
“herança” remete à ideia de tradição herdada, assim como a ideia de patri-
mônio, que remete à relação familiar. As línguas que a pessoa adquire em 
casa com seus pais, diferentes da língua usada de forma massiva no país, 
configuram línguas de herança. Isso é o que normalmente acontece com 
as famílias de imigrantes e de indígenas. Os pais que ainda preservam sua 
língua nativa e a usam em casa passam a sua língua para seus filhos, embora 
essa língua não seja falada por outras pessoas na comunidade onde estejam 
inseridos. De certa forma, essa herança pode estar sendo passada por uma 
comunidade em que a família esteja inserida. Assim, língua de herança está 
diretamente relacionada linguística e culturalmente aos usos de uma lín-
gua por pessoas de um grupo social específico dentro de um grupo social 
maior. Essa língua não é a mesma da comunidade dominante, “dominante” 
no sentido de ter o maior número de pessoas utilizando uma língua com 
abrangência e número de falantes muito maior do que as línguas usadas em 
comunidades locais inseridas em determinado país. 
Muitas vezes, a língua de herança passa a ser uma língua secundária, 
mesmo sendo a primeira língua (L1) de seus falantes, diante da língua mas-
sivamente usada na comunidade em geral, a língua primária, que pode ser 
até uma segunda língua (L2). Língua primária é entendida aqui como a lín-
gua mais usada no dia a dia, enquanto a língua secundária é empregada ape-
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nas em contextos muito restritos. Nesses contextos, muitas vezes, portanto, 
a L1, primeira língua, a língua de herança, pode ser a língua secundária, e a 
L2, a segunda língua, a língua usada na comunidade mais abrangente, pode 
passar a ocupar o estatuto de língua primária. 
A variação entre a transmissão da língua de herança é muito grande. 
Há vários fatores que podem determinar que uma criança seja bilíngue 
nativa em duas L1, a língua de herança e a da comunidade em geral, ou ter 
diferentes níveis de proficiência em uma ou outra língua. Os fatores envol-
vem atitudes em relação às línguas, quantidade de exposição às línguas, 
níveis de interação nas línguas, as políticas linguísticas instauradas no país 
em que as duas línguas sejam usadas, ambientes linguísticos que podem 
favorecer ou comprometer o desenvolvimento bilíngue e assim por diante. 
Boon (2014) traz a definição de Draper e Hicks (2000) para os alunos 
de línguas de herança que abre a discussão para esses falantes como estando 
expostos a outra língua fora de casa:
Aquele que esteve ou está exposto a uma língua que não é o inglês fora do 
contexto formal. Isso frequentemente refere alguém com uma língua que 
também foi exposto de forma profunda a outra língua. Outros termos 
que são usados para essas pessoas podem incluir “falante nativo”, “bilín-
gue” e “herdeiros”. Enquanto esses termos são frequentemente usados de 
forma intercambiável, eles podem ter interpretações bastante diferentes.1 
(DRAPER; HICKS, 2000, p. 19, tradução nossa).
Esses termos são realmente flutuantes, pois refletem diferentes expe-
riências que caracterizaram muitas formas de ser bilíngue. No caso de falan-
tes de língua de herança, os termos “falante nativo”, “bilíngue” e “herdei-
ros de uma língua” tomam diferentes formas e refletem possibilidades que 
variam em termos de fluência nas línguas. As experiências individuais em 
determinadas comunidades estabelecem os usos das línguas em suas dife-
rentes modalidades. 
1 Original: “…someone who has had exposure to a non-English language outside the formal education 
system. It most often refers to someone with a home background in the language, but may refer to 
anyone who has had in-depth exposure to another language. Other terms used to describe this popu-
lation include “native speaker”, “bilingual” and “home background.” While these terms are often used 
interchangeably, they can have very different interpretations” (DRAPER; HICKS, 2000, p. 19).
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Benmamoun, Montrul e Polinksy (2013a, p. 132) afirmam que o 
termo “falante de herança” se refere, em geral, a uma segunda geração de 
imigrantes que vivem em contextos bilíngues. No Brasil, quaisquer línguas, 
além da língua portuguesa brasileira usada em diferentes comunidades, 
podem ser consideradas línguas de herança. Isso significa que línguas de 
imigrantes, grupos étnicos e línguas de sinais podem ser consideradas lín-
guas de herança, pois sua relação com o português configura uma situação 
bilíngue. A língua portuguesa falada no Brasil é a língua usada em diferentes 
mídias e considerada a língua oficial utilizada nas escolas públicas brasilei-
ras, conforme estabelecido constitucionalmente. Entretanto, as línguas de 
sinais, as línguas de fronteira, as línguas de imigrantes japoneses, alemães, 
italianos, poloneses e assim por diante, bem como os diferentes grupos 
indígenas falantes de mais de 180 línguas distintas, são usadas apenas nas 
comunidades locais (às vezes, apenas na própria família) e estão em um 
ambiente que favorece o uso massivo do português. Os falantes e/ou sina-
lizantes de língua de herança, portanto, estão imersos em uma sociedade 
que usa uma língua diferente da língua utilizada em casa. A escola tem um 
impacto grande na vida desses indivíduos, pois eles têm aulas em uma língua 
que não é a língua que usam em casa, em contraste com seus colegas, que 
usam a mesma língua em casa e na escola. O tipo de exposição à língua 
que usam em casa também é diferente, como apontado por Benmamoun, 
Montrul e Polinsky (2010), pois, se estivessem em um ambiente no qual essa 
língua fosse amplamente usada, seu uso seria mais abrangente do que o uso 
estabelecido apenas na unidade familiar. 
Similarmente, nos Estados Unidos, as línguas de imigrantes, assim 
como as línguas étnicas (FISHMAN, 2001) e as línguas de sinais, são con-
sideradas línguas de herança nos contextos bilíngues em que o inglês con-
figura a língua majoritária. Nesse contexto, os “falantes de herança” podem 
ser competentes em sua L2, mas não serem tão competentes em sua L1. 
Logo, em tais cenários, a L1 pode tornar-se a língua secundária, enquanto 
a L2, a língua primária (BENMAMOUN; MONTRUL; POLINSKY, 2013a). 
Isso significa que, no dia a dia, a língua da escola é usada mais intensamente 
e com muitas pessoas; diferente da língua de herança, que é usada apenas 
em casa com os pais. 
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Os falantes e sinalizantes considerados bilíngues, por fazerem parte 
de grupos étnicos, comunidades indígenas, comunidades de fronteiras e 
comunidades de surdos, normalmente são considerados usuários de lín-
guas minoritárias e apresentam uma variação considerável na proficiência 
de suas primeiras línguas. Alguns apresentam fluência de falantes e sinali-
zantes nativos, e outros podem chegar a níveis de fluência que permitem 
apenas compreender a língua, mas não produzi-la. Por exemplo, o caso já 
mencionado na Introdução deste livro: em colônias de alemães no interior 
do Rio Grande do Sul, é muito comum ter famílias que falam o alemão 
em casa, mas os filhos, apesar de entenderem, respondem e conversam em 
português. Todavia, em outras cidades em que há um projeto de educação 
bilíngue municipal, as crianças são bilíngues nativas de alemão e português. 
 Cho, G., Cho, K. S. e Tse (1997), em um estudo com crianças imi-
grantes da Coreia nos Estados Unidos, verificaram que crianças que saem 
de seu país ainda muito novas, acompanhando sua família para viver 
em outro lugar, apesar de os pais continuarem usando a língua de origem, 
tendem a usar a língua do novo país, por se sentirem mais confortáveis. 
A tendência é de chegarem no período da adolescência usando exclusiva-
mente a língua falada no novo país.De certa forma, isso é o que também observamos em algumas crian-
ças e adultos codas, filhos ouvintes de pais surdos, para quem o português 
passa a ser a língua de preferência, especialmente quando não têm muitas 
oportunidades de convivência com a comunidade surda. Por exemplo, é o 
caso de uma das crianças de nosso estudo longitudinal do Núcleo de Aqui-
sição de Línguas de Sinais – NALS – da Universidade Federal de Santa Cata-
rina, o Edu (1;0-4;1). Edu é um menino que é ouvinte nascido em uma famí-
lia de pais surdos. Os pais usam Libras para conversarem com ele e entre o 
casal. Ambos os pais são bilíngues, ou seja, usam Libras e língua portuguesa, 
normalmente na modalidade escrita. O pai não usa o português falado, mas 
a mãe articula o português oralmente, quando o contexto favorece o uso do 
português em ambientes monolíngues. O Edu teve um comportamento dife-
rente nas sessões interagindo com o pai e naquelas interagindo com a mãe. 
Ele sempre usou o português falado tanto com o pai quanto com a mãe, mas, 
com o pai, ele apresentou mais ocorrências de sobreposição de sentenças em 
português com sinais de Libras. Com a mãe, ele praticamente só falava em 
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português, embora a mãe não usasse fala para interagir com ele. A mãe fazia 
sinais, compreendia o que Edu falava em português e respondia em sinais. 
O Edu simplesmente continuava falando em português. Percebeu-se que, 
ao longo de seu desenvolvimento, essa prática tornou-se mais consistente. 
Não temos dados de Edu depois dos 4 anos de idade, mas provavelmente ele 
usa português de forma bem mais fluente do que Libras. Contudo, temos 
o Igor (2;1-3;9), que faz parte do mesmo banco de dados, filho ouvinte de 
pai surdo e mãe ouvinte, fluente em Libras. A mãe de Igor usava Libras 
para incluir o pai nas conversas do dia a dia. O Igor foi sensível a isso e 
progressivamente começou a usar mais Libras nas sessões com seu pai. Por 
volta dos 3 anos de idade, a produção em Libras de Igor era bastante con-
sistente com o pai, havendo sobreposição de palavras do português. Com 
a mãe, ele usava português e, eventualmente, produzia sinais sobrepostos 
para deixar a conversa mais clara. Isso mostra o quanto Igor fazia uso das 
duas línguas para potencializar a comunicação. Da mesma forma que com 
Edu, não temos dados de Igor depois dos 4 anos de idade, mas sabemos que 
os pais se separaram e que Igor praticamente não usa mais Libras, agora na 
fase da adolescência. 
Dispomos também de dados de adultos codas, filhos de pais surdos, 
que apresentam diferentes níveis de proficiência em Libras, dados do Inven-
tário de Libras, constituído na Universidade Federal de Santa Catarina. 
Alguns codas são até profissionais tradutores e intérpretes de Libras e portu-
guês, apresentando competência linguística, cultural e técnica para atuarem 
profissionalmente usando as duas línguas. Eles transitam nas línguas como 
falantes e sinalizantes nativos, além de possuírem conhecimento profundo 
em termos linguísticos e sociolinguísticos que permitem a realização das 
tarefas de tradução ou interpretação de forma exemplar. Em contrapartida, 
há também codas adultos que são fluentes em Libras, demonstrando um 
conhecimento gramatical aprofundado, mas com um vocabulário empobre-
cido, pois o uso da língua está restrito ao contexto familiar, o que reflete o 
que foi apontado anteriormente: o uso familiar acaba sendo mais restrito 
quando não se constitui como parte de usos de uma comunidade maior. 
Outros têm menos fluência ainda em Libras, pois usam português com seus 
pais surdos, assim como observado em famílias de imigrantes. Esses são 
exemplos que mostram o quanto falantes e sinalizantes de língua de herança 
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variam quanto à fluência em sua L1. A variação na fluência da língua de 
herança é muito grande. Alguns são bilíngues balanceados, ou seja, usam as 
duas línguas como línguas nativas, de forma fluente em diferentes contextos 
linguísticos. Entretanto, outros acabam tendo muita dificuldade de usar a 
língua de sinais, pois ela passa a ser uma língua secundária, devido a seu uso 
restrito ao ambiente familiar.
Conforme apontado por Benmamoun, Montrul e Polinsky (2010), 
os caminhos que determinam o grau de fluência da língua adquirida em 
casa podem variar de muitas formas, mas todos os falantes de herança têm 
em comum a transição que acontece da língua usada em casa para a língua 
usada na nação (na escola e em vários outros espaços, bem como na mídia e 
nas ruas da cidade onde moram). Os autores falam em bilinguismo “assimé-
trico”, que não é observado em contextos nos quais a primeira língua é a lín-
gua majoritária, e a segunda língua, uma língua minoritária ou estrangeira. 
Essa assimetria se configura exatamente pelos contextos em que a criança é 
exposta às línguas. Se a exposição à língua de herança acontece somente em 
casa, com os pais, e a criança vai para a escola da língua usada pela comuni-
dade, a tendência é de haver essa assimetria na constituição desse ser bilín-
gue, o que pode determinar que sua língua de herança fique “adormecida”.
Como apresentado por Benmamoun, Montrul e Polinksy (2013a), 
os falantes de herança podem trazer evidências para a discussão teórica 
sobre a natureza da linguagem (como a linguagem se organiza e como ela é 
adquirida). Chomsky (1986) levantou uma questão central que esses autores 
remetem ao analisar a linguagem de falantes de herança, apesar da língua 
dominante que adquirem: o que sabemos quando sabemos uma língua? 
Temos intuições sobre o que um falante nativo sabe sobre a língua, mas 
esses autores trazem outra questão: o que exatamente um falante nativo 
sabe? Como apresentado por eles, há um consenso sobre a diferença entre 
um falante nativo e um não nativo quanto ao conhecimento de uma língua 
ou mais de uma língua em contextos bilíngues. Esses falantes e sinalizantes 
nativos adquiriram uma língua (ou línguas) nos estágios iniciais do processo 
de aquisição da linguagem em contextos de aquisição natural (diferente-
mente de falantes de L2). Isso é o que acontece com falantes de herança. Eles 
adquirem uma língua em casa em paralelo a uma língua na comunidade 
(p. ex., espanhol em casa e português na escola e demais locais).
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Dorian (1981) apresenta o termo “semifalantes” para se referir aos 
falantes de língua de herança. Montrul (2002) e Polinsky (2006) fazem refe-
rência ao processo de “aquisição incompleta” desses falantes, quando ana-
lisam a competência linguística que os constitui. Benmamoun, Montrul e 
Polinksy (2013b) introduzem o termo “gramática divergente” para se referir 
ao conhecimento linguístico que os falantes de herança detêm perante as 
línguas de herança. Todos esses termos estão sendo usados para especificar 
um subgrupo de falantes de herança que acabam não tendo fluência em sua 
primeira língua, devido aos fatores externos que impõem outra língua que 
é mais acessível a esses falantes de forma irrestrita. No contexto deste livro, 
consideramos que a língua de herança pode ficar adormecida, pois facil-
mente pode ser “acordada” em algum momento da vida, quando há oportu-
nidade de revitalizar a língua adquirida em casa. 
Os estudos linguísticos têm focado esse subgrupo de falantes de lín-
gua de herança que representam um caso comum de bilinguismo, com uma 
das línguas tornando-se mais fraca, ou seja, os falantes bilíngues em que 
as línguas se apresentam de forma “desbalanceada”. O foco nesse grupo se 
justifica, pois é um caso diferenciado de bilinguismo que não se enqua-
dra como falantes de duas L1, nem como falantes de uma L2. Falantes de 
duas L1 são os bilíngues simultâneos que crescem adquirindo duas línguas 
ao mesmo tempo, apresentando competência nativa nas duas línguas. Os 
falantes de L2 aprenderam a segunda língua em momentos diferentesda 
vida, normalmente, em ambientes mais formais, de sala de aula. Estudos 
sobre os falantes de língua de herança que não são falantes de duas L1 e 
nem apresentam o mesmo tipo de desenvolvimento de aprendizes de L2 
podem trazer evidências interessantes sobre o conhecimento da linguagem 
e contribuir para os estudos da linguagem humana, pois esses falantes usam 
uma língua que não foi sua língua primária (usada em casa, como L1), em 
função da utilização massiva da língua secundária, que se torna a língua 
de uso proeminente entre eles (BENMAMOUN; MONTRUL; POLINKSY, 
2013a). Todavia, de certa forma, o fato de nos depararmos com esse tipo 
de contexto impõe a necessidade de debatermos a questão da “pobreza de 
estímulos”, discutida por pesquisadores da área da aquisição da linguagem 
no campo da psicolinguística (CHOMSKY, 1972, 1986). Seria de se espe-
rar que esse ambiente linguístico fosse suficiente para o estabelecimento da 
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competência nativa de um falante, mesmo em contextos restritos de uso da 
língua. Isso torna esse fenômeno interessante do ponto de vista linguístico, 
pois parece trazer evidências da competência linguística que não aparece na 
performance propriamente dita desses falantes, por exemplo pesquisas de 
Polinksy (2008) entre outros estudos.
Benmamoun, Montrul e Polinsky (2010) trazem uma questão cru-
cial sobre os falantes de língua de herança, a determinação do que significa 
efetivamente ser falante nativo e quais as condições necessárias para desen-
volver a competência que caracteriza tal falante. Essa questão tem impacto 
direto no ensino de línguas. Nesse sentido, acreditamos que realmente essas 
línguas ficam adormecidas, pois os relatos sobre o ensino de línguas para 
falantes de línguas de herança evidenciam que “facilmente” eles retomam 
suas línguas de origem (VALDÉS, 2001, 2014).
Os sinalizantes de língua de herança, assim como os demais falantes 
de língua de herança, podem estar em diferentes níveis de um contínuo que 
apresenta uma gama de estados de proficiência de línguas. No sentido de Sil-
va-Corvalán (1991) para bilíngues em geral, parece haver um contínuo que 
envolve uma gama de possibilidades até o estado de fluência equivalente em 
duas línguas. Em todos esses níveis, as pessoas bilíngues continuam sendo 
bilíngues, mas com diferentes níveis de proficiência. Esse modelo percebe o 
fluxo das línguas em uma pessoa bilíngue. Segundo Boon (2014), parece claro 
que falantes de língua de herança possam ser descritos como bilíngues nesse 
contínuo de mais balanceados em duas línguas até os que apresentam a L1 ou 
a L2 como línguas mais ou menos fortes. Esse bilíngue apresenta uma diver-
sidade no contínuo que pode ser comparada a diferentes pontos na gama de 
proficiências possíveis em diferentes níveis do estado bilíngue.
Assim, o modelo contínuo do bilíngue como um modelo de represen-
tação de níveis de proficiência do falante inclui os falantes e os sinalizan-
tes de línguas de herança como bilíngues, assim como apontado por Boon 
(2014). Nesse sentido, a gramática divergente dos falantes e dos sinalizantes 
de línguas de herança faz parte da língua da comunidade de alguma forma.
No caso dos falantes e dos sinalizantes codas, discutiremos alguns 
casos com diferentes níveis de fluência nas línguas de sinais, conforme ilus-
trado anteriormente, procurando identificar alguns dos aspectos levantados 
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por Boon e Polinsky (2014), no sentido de compreender a situação especí-
fica desses sinalizantes de uma língua de herança que se apresenta em uma 
modalidade diferente da língua falada, ou seja, uma língua de sinais. Por-
tanto, além de ser uma língua de herança, é uma língua em outra moda-
lidade. Preston (1994) observou em suas entrevistas que havia codas que 
sabiam língua de sinais, assim como seus pais, e outros que não conseguiam 
se expressar nessa língua, apesar de terem crescido com pais surdos. As 
experiências desses codas são diferentes e se traduzem na forma como essas 
línguas se apresentam em suas vidas. Tais experiências envolvem uma com-
plexidade de fatores que vão influenciar as formas e a fluência desses codas 
em sua primeira língua. Entre elas, as relações entre os surdos e os ouvintes, 
os papéis e as funções das línguas na sociedade, as formas como os pais surdos 
conversam com seus filhos, as interações com os surdos e com os ouvintes, as 
formas como os avós, que normalmente são ouvintes, interagem com as lín-
guas e com seus filhos surdos e netos ouvintes ou surdos, e assim por diante. 
Todos esses aspectos estão expressos por formas semióticas de significar, além 
de passarem pela semiótica das próprias línguas, e são captados pelos falantes 
e sinalizantes de língua de herança. Assim, vamos discutir sobre as comunida-
des de línguas de herança para procurar compreender alguns aspectos dessa 
complexidade concreta que está presente na vida desses filhos de pais que 
usam outra língua.
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