Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
DIFICULDADES E DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM AULA 3 Profª Simone Silva 2 CONVERSA INICIAL Olá, prezado aluno! Nesta aula, será estudada a disgrafia. Trata-se de um transtorno de aprendizagem que afeta o modo como a criança – com inteligência média ou acima da média – recebe, processa e até expressa determinadas informações que serão utilizadas por toda a vida. Normalmente, esse transtorno afeta a capacidade de desenvolver habilidades básicas em leitura, escrita ou matemática. Nesse sentido, será apresentado o que significa disgrafia, ou seja, sua definição, como ela se dá, o significado da palavra, bem como de seu prefixo e sufixo. Serão entendidas as causas do surgimento desse distúrbio e também suas características e manifestações. Por fim, serão estudadas as intervenções possíveis, considerando, principalmente, as possibilidades dentro do ambiente escolar e da sala de aula. Bons estudos! TEMA 1 – DISGRAFIA Muitas pessoas confundem os distúrbios de aprendizagem, misturando informações referentes à dislexia com informações referentes à disgrafia. Apesar de existir a possibilidade de surgir acompanhada da dislexia ou da discalculia, a disgrafia é um transtorno distinto destas. A disgrafia é, em si, um transtorno de dificuldade motora, ou seja, dificuldade em processos de escrita por meio de qualquer material. A criança apresenta dificuldades com os traçados, por exemplo, quando tenta reproduzir um texto escrito pelo professor no quadro e não consegue, porque só de mudar o olhar da lousa para o caderno, ela já não sabe exatamente o que pretendia reproduzir. Entre outras situações, a criança que apresenta disgrafia costuma relatar dor no braço, uma vez que emprega uma força exagerada na escrita. Esse esforço, geralmente, é uma compensação para a insegurança que a domina no momento de escrever ou replicar determinado traçado. Essa dificuldade de executar o que planejou ou até mesmo de planejar o traçado acontece por conta de uma disfunção no lobo pré-frontal do cérebro. Segundo Zorzi (2004), “as alterações na referida área produzem a síndrome 3 disexecutiva com prejuízo da atenção e da iniciativa, déficits no processo de planejamento e antecipação” e, ainda, causam dificuldades nas abstrações. A dificuldade da criança em visualizar e reproduzir leva ao estágio da distração, ou seja, ela precisa repetir o processo várias vezes, mas encontra dificuldade em todas elas, e isso dificulta a sua abstração, isto é, a formação do conceito no seu consciente. Sendo assim, a criança levará muito mais tempo que seu colega para copiar o mesmo conteúdo, além de não conseguir organizar a forma como dispõe as informações no papel, não conseguindo estabelecer uma escrita uniforme. É comum observar na criança com disgrafia a presença de diferentes formas de escrever a mesma letra ao longo da frase ou do texto. É comum que essa criança também não consiga reconhecer o que ela própria escreveu. Isso porque, conforme Pennington (1991), a região posterior do hemisfério cerebral direito desempenha uma função cognitiva espacial e qualquer alteração nessa área leva à síndrome de disfunção hemisférica direita, com sintomas de déficit visuoespacial, discalculia e também a disgrafia. Lembrando que esses distúrbios podem se somar no mesmo indivíduo ou não. TEMA 2 – DEFINIÇÃO A disgrafia, em seu sentido etimológico, deriva dos conceitos “dis” (desvio) + “grafia” (escrita), ou seja, é “uma perturbação de tipo funcional que afeta a qualidade da escrita do sujeito, no que se refere ao seu traçado ou à grafia” (Torres; Fernández, 2001, p. 127). Normalmente, a criança com disgrafia não consegue seguir uma norma ou padrão em sua escrita, apresentando, como aponta a Associação Portuguesa de Pessoas com Dificuldades de Aprendizagem Específicas (APPDAE), uma “caligrafia deficiente, com letras pouco diferenciadas, mal elaboradas e mal proporcionadas”, ou, como é mais conhecida, a chamada letra feia. Essa APPDAE é uma entidade portuguesa que desenvolve vários estudos relacionados a assuntos de dificuldades específicas. Em suas definições, o documento faz referência à “letra feia”, mas também aos problemas ortográficos que se manifestam porque a criança não consegue traçar com fidelidade as características de cada letra e de cada palavra. É importante destacar que a criança em processo de aprendizagem da escrita, normalmente, apresenta dificuldades no traçado das letras. Entretanto, 4 é preciso atentar para a evolução do processo, observando se o tempo de transcrição para o papel está muito curto, se há desatenção ou se realmente existe um caso de disgrafia a ser identificado e diagnosticado. De modo geral, o diagnóstico só é possível e seguro quando a criança é observada após o período de alfabetização, por volta dos sete anos de idade, pois espera-se que ela já conheça todas as letras e tenha o domínio do lápis, ou seja, uma coordenação motora mais firme e ampla. Esse diagnóstico, inclusive, precisa acontecer por meio da avaliação de uma equipe multidisciplinar e nunca deve se basear apenas na opinião do professor ou da família. TEMA 3 – CAUSAS Estudar as causas da disgrafia é uma tarefa complexa, isso porque os fatores que levam ou podem levar a uma escrita alterada são muitos. Torres e Fernández (2001) agrupam as causas da disgrafia em três grupos: as maturativas, as caracteriais e também as pedagógicas. 3.1 Causas maturativas As causas de origem maturativa estão relacionadas com perturbações de lateralidade e da eficiência psicomotora, ou seja, estão relacionadas com o equilíbrio e a motricidade da criança. Normalmente, o desenvolvimento motor apresentado pelas crianças com disgrafia é inferior à idade cronológica delas. Elas são desajeitadas do ponto de vista motor, apresentando uma escrita irregular em todos os aspectos: na pressão utilizada para escrever, na velocidade da escrita e na regularidade do traçado. Essas limitações motoras ou mesmo o atraso no desenvolvimento motor podem ser observados em outras atividades também. Um exemplo é uma criança de 10 anos (em idade cronológica) que ainda apresenta grandes dificuldades para amarrar um tênis ou fechar um botão, o que é comum para crianças de 6 anos. 3.2 Causas caracteriais As causas de origem caracteriais, por sua vez, estão associadas a fatores de personalidade, os quais, por consequência, podem determinar o aspecto do grafismo da criança, ou seja, se ele é estável ou instável, se é rápido ou lento, 5 por exemplo. As causas de origem caracteriais estão ligadas, ainda, a fatores psicoafetivos, isso porque a criança revela ou reflete na sua escrita como está o seu estado ou tensão emocional. É comum encontrar crianças em condições extremas: ou muito agitadas ou muito tranquilas. O ambiente da escola e também o familiar interferem diretamente na condição emocional apresentada pela criança. Outra informação importante é que o distúrbio da disgrafia pode vir acompanhado do Transtorno do Déficit de Atenção (TDAH), tornando ainda mais delicada a situação e exigindo do professor atenção redobrada no tratamento ofertado a essa criança. É fundamental, portanto, que o professor e a equipe pedagógica, em trabalho conjunto com a família da criança, submetam a criança a avaliação de uma equipe multidisciplinar. A realização dessa investigação é essencial para evitar “achismos” e também para que todas as pessoas envolvidas com a criança, seja família, seja professor, recebam orientações sobre como estabelecer um relacionamento saudável que não transforme a experiência escolar em abusiva e traumatizante. 3.3 Causas pedagógicas A disgrafia pode ser gerada por conta das causas pedagógicas. Normalmente ela acontece em situações de instrução e ensino rígido e inflexível. A criança podedesenvolver também uma insegurança durante o processo de mudança na escrita das letras (de imprensa para letra manuscrita), ou seja, a criança aprende as letras inicialmente em uma única forma, geralmente a versão maiúscula da letra de forma, e, no avançar do desenvolvimento educacional e de alfabetização, ela passa a aprender a letra manuscrita e a versão minúscula. A criança pode manifestar dificuldade para apreender as informações ou mesmo compreendê-las em uma condução mais severa dos estudos por parte dos pais ou do professor, o que pode desencadear o transtorno, levando a criança a estabelecer ênfase excessiva na qualidade das letras ou mesmo a busca por uma rapidez desnecessária na escrita. A criança ainda pode confundir as formas ao longo dessa escrita, misturando letras maiúsculas e minúsculas. Ainda sobre as causas da disgrafia, Cinel (2003) apresenta cinco grupos de causas promotoras da disgrafia. São eles: 6 • Distúrbios na motricidade ampla e fina, que estão relacionados à falta de coordenação entre a intenção e realização da criança, ou seja, ela se propõe a fazer, mas as perturbações no domínio do corpo não permitem que ela cumpra exatamente o que intentou; • Distúrbios na coordenação visuomotora, ou seja, situações em que a criança apresenta dificuldade de acompanhar visualmente os movimentos dos membros superiores e/ou inferiores; • Deficiência na organização temperoespacial, que está relacionada à dificuldade dessa criança de entender e associar noções de direita e esquerda, frente, atrás e lado e ainda a ideia de antes e depois; • Problemas na lateralidade e direção. Nesse caso, a relação é com a dominância manual da criança; • Erros pedagógicos causados pelo desconhecimento desse problema ou mesmo por estratégias erradas adotadas pelo docente, gerando falhas no processo de ensino. É válido ressaltar que as ações pedagógicas precisam ser revisadas com frequência, porque as falhas cometidas dentro do ambiente da sala de aula geram prejuízos imensuráveis para a criança, especialmente aquela com distúrbios ou transtornos de aprendizagem. TEMA 4 – CARACTERIZAÇÃO São muitas as características que podem indicar a presença da disgrafia. Nesse sentido, existe um amplo trabalho de muitos autores que sugerem características comuns às crianças com essa condição. A presença de apenas um ou dois comportamentos da lista que será apresentada a seguir não é suficiente para caracterizar a existência do referido transtorno. É preciso um conjunto grande dessas condições para que se justifique a disgrafia ou a investigação dela. Entre os elementos, estão os seguintes: • A macrografia ou a micrografia, ou seja, a letra excessivamente grande ou muito pequena; • Distorção das letras, inclinando-as, simplificando-as ao ponto de ficarem irreconhecíveis; 7 • Traçado forte, capaz de vincar o papel e até rasgá-lo, ou muito suave, quase imperceptível; • Grafismo trêmulo, irregular, com variações na grafia das palavras e das letras; • Escrita rápida demais ou muito lenta; • Espaçamento irregular das palavras ou mesmo das letras, por vezes, a ponto de parecerem desligadas, ou tão próximas que chegam a estar sobrepostas ou ilegíveis; • Excesso de erros e borrões que impedem a leitura por uma terceira pessoa (existem situações que a própria criança sabe o que tentou escrever e em outras nem ela sabe o que escreveu); • Texto desorganizado ao longo da folha; • Utilização errada do instrumento de escrita. Observar todos esses elementos e comportamentos é fundamental para identificar a criança com disgrafia e auxiliá-la na superação desses desafios. TEMA 5 – INTERVENÇÃO A intervenção do professor em sala de aula para ajudar a criança com disgrafia é muito bem-vinda, mas também é bastante desafiadora. A primeira providência que o educador deve tomar ao identificar esse transtorno é estabelecer com a criança uma boa relação de amizade, confiança e cumplicidade. Só assim ela conseguirá perceber o quão importante é a presença e o apoio desse professor. É importante saber e sentir, também, quando e como ajudar a criança, buscando sempre elogiá-la por todo o esforço dedicado na superação dessa dificuldade. A criança com problemas como a disgrafia também se desinteressa com facilidade dos estudos, e a percepção e intervenção do professor nesses momentos também é muito eficaz, pois é ele quem vai observar a necessidade de alteração nos processos de ensino, buscando sempre estimular essa criança e devolver-lhe o prazer em estudar. Pontualmente nos casos de disgrafia, estratégias de reforço para o desenvolvimento e aprimoramento da caligrafia da criança são fundamentais. Nesse aspecto, a dosagem exige precisão, ou a criança pode se irritar a ponto 8 de desistir de escrever. Sobre a reeducação do grafismo, Camargo (2008) afirma que ela está relacionada a três fatores principalmente: • O desenvolvimento psicomotor a partir do treinamento de aspectos relacionados com postura, controle corporal, representação mental do movimento necessário para realizar o traço, percepção espaçotemporal, lateralização, coordenação visuomotora e ainda dissociação de movimentos. A sugestão da prática de um esporte ou o pedido de ajuda para esse aluno apagar a lousa ou distribuir materiais em sala de aula e até o incentivo à prática de um instrumento musical são algumas das estratégias mais comumente utilizadas para promover esse desenvolvimento psicomotor; • O desenvolvimento do grafismo especificamente que deve despertar no educador a preocupação com o aperfeiçoamento das habilidades relacionadas à escrita, ajudando o aluno a distinguir as atividades pictográficas, como modelagem, pintura e desenho, daquelas escriptográficas, a escrita propriamente dita, sendo essa escrita aquela que utiliza lápis e papel, já que hoje é possível a escrita de outras formas, como a digitação, por exemplo; • As especificidades do grafismo da criança, corrigindo erros como a forma, o tamanho e também a inclinação das letras. Considerando o texto de forma generalizada, a preocupação fica em ajudar o aluno a não inclinar excessivamente a folha e se manter dentro das margens e das linhas ao longo da escrita. Um dos segredos para o sucesso das ações propostas aqui é a busca do entrosamento entre o professor regente daquela criança com os demais professores que a atendem, como os professores de artes e educação física, por exemplo. Esse esforço conjunto costuma trazer bons resultados no desenvolvimento da criança com disgrafia. Torres e Fernández (2001) apresentam também técnicas de relaxamento global e segmentadas capazes de ajudar a criança a reduzir os níveis de ansiedade e estresse, além de melhorar a autoestima e diminuir também a frustração. Essas atividades são muito importantes porque, via de regra, as crianças com disgrafia são tímidas e apresentam uma tranquilidade que, na verdade, disfarça a falta de motivação e interesse pela escola, além de 9 possuírem baixos níveis de autoestima e autoconceito. Sendo assim, toda e qualquer iniciativa de ajuda, corretamente aplicada, é sempre bem-vinda. NA PRÁTICA A Associação Portuguesa de Pessoas com Dificuldades de Aprendizagem Específicas (APPDAE) afirma que o número de alunos com distúrbios ou dificuldades de aprendizagem está em crescimento e cerca de 5 a 10% das crianças em idade escolar sofrem com alguma ou algumas dessas dificuldades. Dentro do grupo das Necessidades Educativas Especiais (NEE), as Dificuldades de Aprendizagem (DA) representam 48% desse total, explica Coelho (2011). Sendo assim, a realidade do professor em sala de aula é desafiadora. É praticamente inevitável que desafios desse porte se estabeleçam ao longo da vida profissional daqueles que escolheram a docência. FINALIZANDO Chegamos ao final desta aula sobre adisgrafia, compreendendo que a dificuldade motora pode influenciar por completo o comportamento da criança que possui esse distúrbio. Entendemos que existem várias causas para o surgimento da disgrafia e que o atendimento e tratamento dessa criança exigem dedicação, observação e investigação por parte de equipe multidisciplinar. Por fim, conhecemos várias formas possíveis de intervenção que o professor regente e toda a equipe pedagógica podem aplicar e garantir a motivação do aluno para garantir sua aprendizagem, uma vez que a dificuldade de escrita é bastante desmotivadora. 10 REFERÊNCIAS CIASCA. S. M. Distúrbios e dificuldades de aprendizagem: questão de nomenclatura. In: CIASCA, S. M. (Org.) Distúrbios de aprendizagem: proposta de avaliação interdisciplinar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. CINEL, N. C. B. Disgrafia – prováveis causas dos distúrbios e estratégias para a correção da escrita, Revista do Professor, v. 19, n. 74, p. 19-25, 2003. COELHO, D. T. Dislexia, disgrafia, disortografia e discalculia. Braga, Portugal: CIEC. Disponível em: <http://www.ciec- uminho.org/documentos/ebooks/2307/pdfs/8%20Inf%C3%A2ncia%20e%20Incl us%C3%A3o/Dislexia.pdf>. Acesso em: 04 dez. 2019. TORRES, R.; FERNÁNDEZ, P. Dislexia, disortografia e disgrafia. Amadora: McGrawHill, 2001. ZORZI, J. L. Consciência fonológica, fases de construção da escrita de sequência de apropriação da ortografia do português. In: MARCHESAN, I.; ZORZI, J. L. (Org.). Anuário Cefac De Fonoaudiologia. Rio de Janeiro: Revinter, 2000. p. 91-118.
Compartilhar