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VALORES E ATITUDES NO JUDÔ UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

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Revista Ensaios & Diálogos – Nº8 – janeiro/dezembro de 2015 97 
VALORES E ATITUDES NO JUDÔ: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 
SOBRE O TEMA 
 
Vicente Paulo Kannebley JUNIOR1 
 
Prof. Ms. Fernando Paulo Rosa de FREITAS2 
 
Resumo 
O objetivo desse trabalho foi verificar se as atitudes ensinadas originariamente juntamente com a prática 
do Judô ainda têm representação na atualidade e se ainda contribuem para a formação dos alunos. Por 
meio de uma pesquisa bibliográfica, esse estudo levantou aspectos como: os fundamentos filosóficos 
dessa arte marcial; a influência do Jiu-jitsu e dos sistemas religiosos (arte zen) em sua formação; e a 
revolução de costumes ocorrida no Japão, berço do Judô, a partir da abertura de seus portos ao ocidente. 
Também foram colhidas referências que indicam que o Judô, sendo bem orientado, pode ajudar o 
praticante a interagir melhor com as pessoas. Pôde-se ainda verificar que os princípios filosóficos que 
regem o Judô ainda são uma característica muito importante para essa arte marcial. Em uma perspectiva 
de ensino voltado à educação integral da pessoa, nota-se que esses princípios não deveriam ser 
esquecidos, mesmo que, atualmente, se valorize muito mais o aspecto esportivo dessa arte marcial. 
Nesse sentido, é importante que as academias que oferecem a prática do Judô encontrem um ponto de 
equilíbrio entre o ensino desses valores e as expectativas em relação aos resultados esportivos. 
Palavras-chave: Judô. Valores. Atitudes. Ética. 
 
1 Introdução 
Para Kano (2008), mestre fundador do Judô, o objetivo dessa arte marcial é tornar o corpo forte 
e saudável, mas, ao mesmo tempo, formar o caráter por meio da disciplina mental e moral. 
Considerado o pai da Educação Física japonesa, Jigoro Kano entendia o randori (treino de luta) 
como uma forma de treinamento mental muito eficiente, já que os alunos precisam da atenção e 
raciocínio para tomar decisões rápidas, utilizando-se da técnica mais apropriada para vencer o 
adversário. Isso tudo sem utilizar a força bruta, mas tão somente o esforço necessário (princípio da 
eficiência máxima da mente e do corpo). Lições que podem ser aplicadas à vida cotidiana, na qual uma 
persuasão lógica e firme vale muito mais do que o uso da coerção (KANO, 2008). 
Assim como em outras práticas e culturas, no Judô e na cultura japonesa em geral, existe um 
aspecto externo e outro mais profundo. Essas facetas são conhecidas como omote e ura. Para um 
observador leigo em lutas, por exemplo, uma técnica visível do Judô como o Kata seria uma sequência de 
técnicas combinadas com antecedência. Já para uma pessoa com conhecimento aprofundado da arte 
(especialmente sobre o ura, “o que está por trás, escondido”), um bloqueio pode ser na verdade um 
golpe ou uma maneira de colocar o adversário numa posição favorável para um contra-ataque (LOWRY, 
2011). 
Esse significado mais profundo existe em praticamente toda a cultura tradicional japonesa e 
dificulta o real entendimento do significado da prática do Judô para os ocidentais, que o percebem apenas 
em sua superficialidade, especialmente em seu aspecto esportivo – que recebe a maior parte do 
destaque nas mídias – desconhecendo os aspectos mais profundos como a disciplina, hierarquia, 
humildade, relacionamentos, bem-estar, controle da energia, entre outros. 
Outra questão de difícil compreensão para os ocidentais, especialmente para os brasileiros, é o 
aspecto religioso dessa arte-marcial. O praticante do Judô não precisa abraçá-lo como religião (xintó), 
 
1 Aluno do curso de Bacharelado em Educação Física do Claretiano Faculdade 
2 Mestre em Ciências da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho 
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mas deve adaptar o xintoísmo para poder praticar o Budô (arte marcial), para compreender os rituais e, 
também, os códigos de conduta dessa atividade. 
Para exemplificar esse conceito, podemos citar uma etiqueta oriental, a reverência. Ela faz parte 
dos hábitos japoneses desde a infância. Para os antigos samurais era um modo mais seguro de estar 
entre outros lutadores, demonstrando que não tinham más intenções. O praticante iniciante de Judô pode 
até achar que está num culto quando começa a fazer reverências e que seria suficiente um cumprimento 
com um aperto de mão. No Japão, o fato de uma pessoa fazer reverência não significa um ato religioso, 
mas uma forma de cumprimento ou reconhecimento, e tem sido assim há séculos. 
A observação dessas práticas e atitudes nasceram com o Judô e, não importa quanto este se 
modernize, se perder suas raízes filosóficas e espirituais, não será mais o Judô idealizado pelo seu 
fundador. 
 
2 Justificativa 
A partir da experiência como professor de Judô, constatamos as expectativas que alguns pais têm 
ao encaminhar seus filhos para a prática dessa arte marcial. Eles esperam que a prática do Judô ofereça 
suporte para uma formação atitudinal de seus filhos, em aspectos como a disciplina, o autocontrole e o 
respeito ao semelhante. Em sequência a essa constatação, notamos a razão para tanto durante a 
aplicação das aulas para essas crianças: muitas delas têm pouca noção em relação a essas atitudes. 
A partir dessas observações, entendemos que era importante um estudo sobre essas questões, 
inicialmente, feito a partir de uma pesquisa bibliográfica em que pudessem ser colhidas informações 
sobre as potenciais colaborações do Judô para a formação atitudinal de seus praticantes. 
 
4 Objetivo 
 O objetivo desse estudo foi identificar os valores e as atitudes presentes nos aspectos filosóficos e 
disciplinares do Judô e quais as possibilidades e contribuições de seu ensino em conjunto com os 
aspectos técnicos dessa arte marcial. 
 
5 Metodologia 
Este trabalho é de natureza qualitativa, para o qual se utilizou o método bibliográfico. Segundo 
Mattos, Rosseto Júnior e Blecher (2004, p. 18), o método da pesquisa bibliográfica “[...] procura explicar 
um problema a partir de referência teóricas e/ou revisão de literatura, de obras e documentos que se 
relacionam com o tema pesquisado”. Trata-se, portanto, de um método de pesquisa indireto. Este incluiu 
artigos colhidos em revistas especializadas, trabalhos de conclusão de curso, dissertações, teses, livros, 
além de sites e documentos eletrônicos. 
 
6 A origem do judô 
O Jiu-jitsu foi a primeira forma de autodefesa sistematizada que não previa o uso de armas. Foi 
criada por monges budistas há pelo menos 2500 anos na China, disseminando-se logo após para o Japão 
e para outros países (GURGEL, 2007). 
Na era feudal, no período medieval localizado entre o século XVII e XVIII, muitas artes marciais 
eram praticadas no Japão. Eram voltadas, especialmente, para o uso militar. Essas práticas faziam uso 
de espadas, lanças, do arco e flecha e, também, de métodos de combate sem armas (F.P.J., 2013). 
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O Jiu-jitsu era uma dessas artes marciais, na qual se permitia arremessar o oponente, bater, 
torce-lhe os membros ou imobilizá-lo. Era utilizado pelos grandes guerreiros japoneses, na época 
chamados de samurais, nas lutas corpo a corpo. Eles obedeciam e defendiam os seus senhores feudais 
até a morte. Esses exímios guerreiros tiveram de desenvolver uma forma de controlar os seus impulsos 
para enfrentar todas as dificuldades nas batalhas, inclusive a morte. Daí o árduo treinamento, não 
somente físico, mas também filosófico, a fim de promover o espírito de luta caracterizado pelo Budô, que 
é descrito como uma modalidade de treinamento físico, estético e espiritual, o caminho das artes 
marciais (F.P.J., 2013). 
 Com forte influência no budismo, o código de honra, ética e moral dos samurais, o Bushido, 
preservavaa lealdade, a obediência, o respeito e a integridade. Foi com a introdução do budismo no 
século VI, juntamente com o xintoísmo primitivo (conjunto de crenças populares, com reverência aos 
antepassados), que começou a ser reconhecida uma religião nacional no Japão. O xintoísmo é a religião 
indígena do Japão, japonesa por excelência, embora só uma parte da população se declare xintoísta. A 
grande maioria é budista, e o restante divide-se em taoísta, confucionista, cristão ou de numerosas 
novas seitas (BATH, 1998). 
Todos esses sistemas religiosos da Ásia influenciaram o Xintó, reforçando a ética e valores da 
sociedade primitiva japonesa, como a prevalência da comunidade ao indivíduo e a visão do imperador 
como o grande pai. A arte Zen, que busca a serenidade, simplicidade, fortalecimento do caráter, o 
caminho da iluminação, foi adotada rapidamente pela classe dos samurais, pois podia ser praticada em 
qualquer lugar, em silêncio, sem necessidade de grandes rituais. A arte Zen seria esse conjunto de 
religiões que influenciaram o Xintó, responsável por elevar, espiritualmente, os guerreiros (samurais). 
Através desta eles obtinham conforto, paz, sabedoria e coragem para enfrentar todas as dificuldades no 
campo de batalha. Com foco no trabalho árduo, pode-se dizer que o Zen define a identidade do samurai 
(LOWRY, 2011). 
 Com o fim do sistema feudal, a abertura dos portos japoneses em 1865 à cultura ocidental e a 
chegada das armas mais modernas, houve uma rejeição da cultura e das instituições japonesas, o que 
acabou provocando uma decadência também das artes marciais, vistas como antiquadas (GURGEL, 
2007). 
Com a revolução de costumes que ocorreu nessa época, o aprendizado das artes marciais tornou-
se disponível para poucos e com segredos que somente os que mais se destacavam tinham a 
oportunidade de adquirir. Foi com a ideia de oferecer uma arte marcial acessível à maioria das pessoas, 
sem segredos, evitando ações que pudessem ser lesivas ou prejudiciais, que um jovem professor de 
filosofia, aluno de vários mestres de Jiu-jitsu, chamado Jigoro Kano, criou, a partir dessa arte marcial, o 
Judô, em 1882. O Judô podia ser aprendido em escolas na Educação Física e era destinado à formação 
integral dos indivíduos por meio das lutas e de princípios filosóficos, uma forma de viver centrada numa 
boa utilização da energia humana (FRANCHINI; DEL VECCHIO, 2008). 
 
7 Os valores e as atitudes do judô 
Com relação à filosofia do Judô, vale a pena antes citar uma pesquisa realizada em Florianópolis 
sobre o conhecimento de antigos professores de Judô a respeito dessa questão: mais da metade dos 
professores consultados tinham pouco ou nenhum conhecimento, sendo que apenas sete conheciam dois 
princípios ou máximas do Judô, que são a máxima eficiência com o mínimo de esforço e o bem-estar e 
benefícios mútuos (SILVA; SANTOS, 2005). 
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O Judô seria a elevação de uma simples arte, ou técnica (jitsu), a um princípio de vida, ou 
caminho (do). Judô é, portanto, o caminho ou o princípio da suavidade e do conhecimento (KANO, 2008). 
O conhecimento da arte Zen, essência da filosofia do Judô, com princípios de ética e moral que enfatizam 
a disciplina e a educação. 
Quando Jigoro Kano, a partir do Jiu-jitsu, transformou uma arte voltada para a guerra em um 
instrumento educativo, ele queria um melhor uso da energia física e mental para a formação integral das 
pessoas. A filosofia do Judô foi fortemente influenciada pela filosofia de vida oriental: equilíbrio do corpo 
e da mente, respeito às pessoas mais velhas, saber perder e ganhar, conter a ansiedade, desenvolver a 
agilidade, o reflexo, o pensamento rápido, a coordenação motora, o espírito de coletividade, a amizade e 
buscar a prosperidade mútua, a eficiência no uso da energia, entre outras (ARAÚJO, 2005). 
 As duas máximas por que é composto o espírito do Judô são: Seryoku Zenyo (máxima eficiência 
com o mínimo de esforço) e Jita Kyoei (bem-estar e benefícios mútuos). No primeiro, o menor dispêndio 
de energia, necessário para aplicar a técnica. Tanto na luta como na vida devemos economizar nossos 
recursos e aplicá-los somente quando necessário e na quantidade adequada. No segundo, devemos 
lembrar de que se machucarmos nosso parceiro de luta, amanhã não teremos com quem treinar. 
Devemos, assim, tratar nosso oponente, tanto no tatame como na vida diária, como nós gostaríamos de 
ser tratados (VIRGÍLIO, 1986). 
O princípio da máxima eficiência requer ordem e harmonia entre as pessoas. Ele só pode ser 
obtido através do auxílio e da compreensão. Como resultado, temos o bem-estar e o benefício mútuo. 
No Judô a prosperidade e os benefícios mútuos são a finalidade última, e a máxima eficiência, o 
meio para atingir esse fim (KANO, 2008). 
A prática dos princípios filosóficos como “conhecer-se e dominar-se é triunfar” ou “quem teme 
perder já está vencido” é o meio para o aprimoramento do físico, do intelecto e do caráter das pessoas. 
Um dos princípios mais populares do Judô é aquele que diz que você deve usar a força do seu adversário 
contra ele próprio. Este é o princípio da não resistência: se empurrado, puxe; se puxado, empurre. Usar 
a suavidade diante da dureza para neutralizar e redirecionar a força. É o significado de JU, suavidade 
como via de ceder. Primeiro é necessário ceder para obter a vitória (VIRGÍLIO, 1986). 
Os princípios do Judô, segundo seu criador, devem ser adotados, tanto dentro como fora do dojo: 
prestar atenção ao ambiente e ao adversário; tomar a dianteira induzindo o adversário a reagir, logo 
após tomar decisão, agir sem hesitação (golpe ou contragolpe), saber quando parar após ser aplicada a 
técnica correta e, por último, não ficar vaidoso ou desanimado de acordo com o final da luta. No Judô a 
grandeza não está em ser forte, mas em usar adequadamente a força. A flexibilidade é a prova mais 
evidente da não resistência (KANO, 2008). 
 Há, ainda, outros princípios estabelecidos para o Judô, como o Shingitai: 
 Shin- espírito: respeito ao ritual e aos adversários. 
 Ghi- técnica: de defesa e de ataque aperfeiçoada com muita repetição. 
 Tai- valor do combatente: desenvolvimento das capacidades técnicas e força mental para 
se tornar um verdadeiro combatente. 
O código moral do Judô, por sua vez, consiste em amizade, autocontrole, coragem, cortesia, 
honra, modéstia, sinceridade e respeito (ALEIXO, 2001). Cada pessoa dentro de uma sociedade pode 
construir o seu próprio sistema de valores, isso irá identificá-lo e influenciará a sua conduta. O aluno do 
Judô, por sua vez, tem de se adaptar aos códigos de conduta dessa arte, senão, nunca se tornará um 
verdadeiro judoca, dentro ou fora do tatame. 
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Esses princípios e códigos filosóficos do Judô, arraigados em mais de um século de fortes 
convicções morais, podem colaborar na educação dos jovens, especialmente nesse momento de forte 
crise de valores. Um professor bem formado pode direcionar o aprendizado dos valores e atitudes 
corretos a serem utilizados dentro e fora do dojo (local onde se aprende o Judô), auxiliando os pais, que 
cada vez mais têm dificuldades em ensinar lições de moral e ética para seus filhos. 
 Para tanto, a justiça das crianças não pode ser considerada autocentrada e não se pode dizer que 
elas não agem moralmente. Elas sabem reconhecer valores como justiça, direitos, honestidade, 
generosidade e sabem diferenciá-los daqueles valores pessoais relacionados ao conforto e bem-estar 
individual. Por exemplo: sabem que bater em uma pessoa é pior que comer com as mãos; exigem 
igualdade quando o irmão dormiu na noite anterior na cama dos pais e nessa noite vão reclamar pelo seu 
direito, pelasua vez (LA TAILLE; MENIN, 2009). 
 Para desenvolvermos o juízo moral de uma criança não basta apenas ensinarmos valores de ética 
e moral da sociedade em que vivemos, pois assim estaríamos dividindo a trajetória moral da criança em 
dois momentos: aquele em que ela nada sabe da moral vigente; e aquele em que a aprendizagem moral 
já aconteceu. Longe de resumir a essa interiorização passiva de valores, o produto da moral da criança é 
a ressignificação dos valores, dos princípios e regras que lhe são apresentados (LA TAILLE, 2006). 
 O Judô bem orientado ajuda nesse processo de conhecimento do que é certo, das maneiras de 
agir e interagir com as pessoas, desenvolvendo no indivíduo habilidade de lidar com a sociedade com 
serenidade, calma, humildade, tentando resolver os problemas que lhe são apresentados, de maneira 
que o dispêndio de energia seja mínimo e, principalmente, que o bem-estar mútuo seja alcançado. 
 
8 Dificuldades para a implementação dos valores e atitudes do judô 
Como é possível observar neste estudo, a prática das artes-marciais é ancestral e teve diferentes 
significados e utilidades para as diferentes épocas e sociedades. Sendo assim, fica subentendido que nem 
todos os valores e atitudes que essas práticas trouxeram ao longo dos tempos são aplicáveis ou mesmo 
desejáveis na sociedade moderna: a ansiedade e o mal-estar que a sociedade atual sente em razão da 
falta de valores, respeito, ética, moral, e termos similares, podem trazer consigo a falsa sensação de que 
“antes, as coisas eram melhores”. 
Não é difícil ter esse sentimento quando percebemos que os alunos não respeitam mais os 
professores, que os filhos não respeitam mais os pais, que os jovens não respeitam os mais velhos e que 
quase ninguém respeita ou acredita nas classes e entidades que os governam. Mesmo com o surgimento 
de inúmeras leis que deveriam garantir a igualdade e o direito de todos, percebemos que isso nem 
sempre acontece. 
Por outro lado, não podemos nos esquecer de que muito da antiga ordem das coisas era baseada 
na subserviência de muitos, na obediência irrestrita, na escravidão imposta pela força de uns poucos. 
Assim era (e, às vezes, ainda é) na educação, na família, na cidadania. 
Logicamente que nos reportamos ao padrão das sociedades ocidentais, já que outras sociedades 
ainda vivem sob muitos códigos que consideramos hoje ultrapassados. Então, para a nossa sociedade, 
que busca um pouco de ordem em meio ao caos para o qual está marchando, qual seria a colaboração 
que a prática do Judô poderia oferecer para a educação das pessoas? 
Pelas referências consultadas pudemos perceber que a parte filosófica do Judô nem sempre 
encontra paralelo em seu aspecto esportivo atual, no qual a força física ganha cada vez mais 
importância. A lógica do esporte moderno, sob a influência de um sistema capitalista, também não 
colabora para que o Judô destaque as questões filosóficas propostas por seu criador, como combinar, por 
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exemplo, o princípio da prosperidade mútua com a necessidade de vencer, muitas vezes, a qualquer 
custo (BRACHT, 1986). 
É certo que muito do que se aplicava nas academias de Judô há pouco tempo também já não 
encontra mais espaço nas academias atuais: os objetivos das academias, as crianças, os pais, os 
professores, a sociedade, tudo mudou. Praticantes de Judô um pouco mais velhos devem ter na memória 
que a disciplina “antiga” era bem mais rígida, os professores mais severos, e as crianças, mais 
disciplinadas. 
Hoje, não é difícil ver dojos transformados em parques de recreação, com brincadeiras e até 
algazarra, algo inimaginável para os mais antigos. Para muitos dos professores atuais, essa atitude é 
algo até desejável e ajuda a manter o aluno pagante na academia, além de dar um pouco de sossego 
para os pais que já não os podem controlar. 
Em uma perspectiva educacional, porém, mais que “dar um tempo para os pais”, mais que 
garantir o pagamento da mensalidade, o ensino do Judô, assim como de outras lutas, deve se 
fundamentar em princípios e atitudes que levem o praticante a evoluir individual e socialmente. 
Em uma perspectiva educacional, o ensino do Judô ainda poderia se fundamentar nas três 
dimensões dos conteúdos pedagógicos: conceitual, procedimental e atitudinal, uma perspectiva de ensino 
estudada longamente por autores como Zabala (1998) e Darido (1999). 
Na dimensão conceitual, abrangendo aspectos históricos e conceituais como regras e normas 
para que alunos compreendam de forma mais abrangente e também de uma forma mais crítica a origem 
e a evolução do Judô. 
A dimensão procedimental é a mais enfatizada no ensino do Judô, com a suas repetições de 
golpes e randoris (lutas). 
Já a dimensão atitudinal, apesar de ser considerada por muitos professores como a mais 
importante, pois está relacionada com a disciplina, perde espaço dentro das aulas para as questões 
procedimentais. No esporte competitivo, o aprimoramento das técnicas com as repetições e os treinos de 
lutas ocupa a maior parte da aula em detrimento, principalmente, da dimensão atitudinal, que requer 
reflexão e discussão. Não adianta o professor saber da importância dessa dimensão ou imaginar que ela 
irá acontecer naturalmente (em Educação, o chamado “currículo oculto”). A ação do professor deve ser 
intencional e pode ocupar determinada parte da aula, ou mesmo ela toda, dependendo da percepção das 
necessidades de seus alunos. Essas dimensões ainda podem ser trabalhadas em conjunto, sendo que a 
integração dessas três dimensões dos conteúdos é fundamental para que o Judô possa ter suas 
características de formação integral, visando o desenvolvimento do físico do atleta e também do seu 
caráter. 
É necessário que os professores de Judô da atualidade se questionem a respeito do rumo 
estritamente competitivo e procedimental que a modalidade está tomando. É imprescindível retornarmos 
as raízes do Judô, para recuperarmos todos os seus aspectos filosóficos. Para isso, precisamos dar mais 
atenção aos conteúdos conceituais e atitudinais durante as aulas. Para que o Judô desenvolva ética e 
valores em seus praticantes, é preciso que o professor ensine abordando essas questões (RUFINO, 
2012). 
 
9 Considerações Finais 
Analisando as informações obtidas nessa pesquisa e a percepção obtida pelos muitos anos de 
prática, percebemos que a atuação dos professores de Judô tem visado muito mais o aspecto técnico e 
esportivo. Essa talvez seja a questão primeira. 
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Influenciando a questão da formação dos professores (mais para técnicos, do que para 
professores) está o direcionamento esportivo do Judô atual e a questão da sobrevivência das próprias 
academias, ou seja, seu aspecto administrativo/financeiro. Quantas academias estariam dispostas a se 
arriscar a manter um padrão de disciplina antigo a perder alguns alunos? Como seria essa linha de ensino 
e quais seriam as expectativas de seus clientes? 
Sendo assim, chega-se a conclusão de que a questão dos princípios do Judô nas academias atuais 
ainda é importante, mas é preciso encontrar um ponto de equilíbrio com outras questões, caso se queira 
manter viva essa noção de que sua prática é disciplinadora e, ao mesmo tempo, viável comercialmente. 
Pelas referências consultadas, pôde-se observar que a prática do Judô bem orientada pode 
colaborar para a formação integral das pessoas, com práticas e atitudes simples, como as sugestões que 
se seguem: 
Quadro 1: Práticas e Atitudes 
Práticas e atitudes que o professor pode 
desenvolver com os alunos 
 
Atitudes que se espera que sejam desenvolvidas 
com essas práticas 
 
O aluno deve cumprimentar o professor; estar 
atento às suas instruções;respeitar o professor e 
os seus colegas de treino; cumprimentar o sensei 
com reverência, de frente para ele. Se ele estiver 
em pé, deve fazer o cumprimento em pé, se estiver 
ajoelhado, deve fazer o cumprimento ajoelhado. 
Noção de hierarquia 
Asseio pessoal (judogui, corporal, dojo). 
 
Noções de higiene 
 
O aluno deve tratar os colegas de treino de forma 
cordial, amigável, pois eles não são adversários. Se 
um colega realmente se machucar e não for ao 
próximo treino, os outros devem saber que não 
terão com quem treinar. 
Quando estiver escutando uma informação do 
sensei, o aluno deve ficar de pé com as mãos ao 
lado do corpo; não cruzar os braços ou segurar as 
mãos atrás do corpo. 
 
 
 
 
 
 
Respeito 
Deve-se chegar no horário; não conversar durante 
as aulas e sentar de maneira correta; pedir 
permissão para o professor para entrar e sair do 
dojo, fazendo o cumprimento correto. 
Cumprimentar (revência) antes de fazer as técnicas 
e antes das lutas. 
Disciplina 
 
 
Não chamar atenção para si; estar sempre 
disponível para uma demonstração; respeitar as 
diferenças. 
 
Humildade 
 
Fonte: elaborado pelo autor 
 
Ao final deste trabalho, fica a expectativa de que estudos mais aprofundados sobre esse assunto 
se fazem necessários, especialmente, se incluírem a perspectiva dos professores e dos pais. Se foram 
encontradas referências que tratam dos aspectos filosóficos, valores e atitudes presentes no Judô, o 
mesmo não sucedeu em relação a pesquisas que dão conta de como e se os professores/técnicos tratam 
Valores e atitudes no judô: uma revisão bibliográfica sobre o tema 
 
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do ensino dos aspectos atitudinais do Judô em suas aulas/treinos. Para tanto, seria necessário um estudo 
de campo envolvendo especialmente as academias. 
O ensino dos aspectos conceituais e atitudinais parece ser preocupação mais do segmento da 
educação do que do próprio esporte. Nesse sentido, o Currículo Oficial do Estado de São Paulo pode ser 
utilizado como exemplo. Ao trazer o conteúdo Judô para os 7º anos do Ensino Fundamental, no quarto 
bimestre, assim como ocorre com os outros conteúdos, propõe seu ensino abordando os aspectos 
conceituais, atitudinais e procedimentais (SÃO PAULO, 2013). Fica, no entanto, restrito as limitações da 
escola em termos de tempo, formação do professor, infraestrutura e materiais. Sendo assim, nas escolas, 
não se espera mais que um conhecimento introdutório sobre essa arte marcial. 
Já em relação às academias, como são ensinados esses aspectos do Judô pelos 
professores/técnicos? Esse talvez seja o problema para um próximo estudo, que poderá trazer uma 
importante contribuição para o campo do bacharelado em Educação Física. 
 
10 Referências Bibliográficas 
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