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Álvaro Vieira Pinto 
 
SETE LIÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO DE ADULTOS 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
Introdução, 9 
1º tema: Conceito de educação, 29 
2º tema: Forma e conteúdo da educação, 41 
3º tema: As concepções ingênuas e críticas da educação, 59 
4º tema: Educação infantil e educação de adultos, 69 
5º tema: Estudo particular do problema da educação de adultos, 79 
6º tema: O problema da alfabetização, 91 
7º tema: A formação do educador, 106 
 
INTRODUÇÃO 
 
Meu primeiro contato direto com a obra de Álvaro Vieira Pinto se deu no 
início de 1972 quando, perambulando por livrarias do centro de São Paulo, 
encontrei, numa banca de livros com 50% de desconto, a obra Ciência e 
existência: problemas filosóficos da pesquisa científica (Rio, Paz & Terra, 
1969). A leitura do índice me indicava que o texto tratava de assuntos que 
me interessavam vivamente. Adquiri o livro, certo de ter feito duplamente 
um bom negócio: comprara um livro valioso e pela metade do preço. Cerca 
de um mês depois, retornei à mesma livraria e encontrei a mesma obra numa 
banca de ofertas a 25% do preço de capa. 
No segundo semestre daquele mesmo ano de 1972, indiquei alguns 
capítulos do livro como texto de apoio a uma unidade da disciplina 
"Problemas da Educação I" que comecei a ministrar no Programa de Pós-
Graduação em Filosofia da Educação em São Paulo e Piracicaba. A partir 
daí o livro passou a ser indicado pelos alunos que eram professores em 
diferentes instituições de ensino superior. A obra voltou a ser 
comercializada pelo preço normal, acabando por se esgotar. Após 
relutâncias da Editora, a insistência de pedidos levou-a a lançar a segunda 
edição. 
Narro esse episódio porque as vicissitudes da referida obra espelham, de 
uma certa maneira, as vicissitudes pelas quais passou seu autor. Na verdade, 
ao que eu saiba, Ciência e existência é o único livro de Vieira Pinto lançado 
por uma editora comercial. A época em que entrei em contato com esse livro 
eu já dispunha de algumas informações sobre seu autor. Sabia que ele havia 
sido Diretor do ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), que havia 
desempenhado importante papel na mobilização político-social do início da 
década de 60, que provocara o seu exílio em decorrência do golpe militar 
de 1964. Conhecia também algumas referências e comentários à sua obra, 
como por exemplo a de Antônio Paim, para citar uma apreciação 
desfavorável, e a de Paulo Freire, para citar uma apreciação favorável. Paim, 
em História das idéias filosóficas no Brasil, a despeito das ressalvas e 
objeções, resultantes, a meu ver, do fato de que se coloca numa posição 
filosófico-ideológica oposta àquela em que se situa A. V. Pinto, nem por 
isso deixa de reconhecer o lugar proeminente que Vieira Pinto ocupa no 
âmbito do pensamento filosófico brasileiro. Já Paulo Freire, em diversas 
passagens de Educação como prática da liberdade, registra a influência e 
ressalta a importância da obra de Álvaro Vieira Pinto, a quem ele chama de 
"mestre brasileiro". 
Apesar das informações de que dispunha, persistia em mim uma grande 
curiosidade a respeito daquele polêmico pensador que era apresentado, na 
quarta capa do livro Ciência e existência, como sendo, na opinião de muitos, 
"o primeiro universalmente importante filósofo brasileiro". Quem era ele? 
Como se tinha tornado filósofo? O que tinha sido feito dele? Onde estaria 
ele e o que estaria fazendo? 
A oportunidade para responder a essas indagações surgiu em 1977, quando 
fui informado que o Professor Álvaro V. Pinto estava morando no Rio de 
Janeiro. Consegui, então, visitá-lo em companhia de três colegas, a época 
minhas colaboradoras na Universidade Federal de São Carlos. Essa visita 
nos causou um forte impacto. Impressionou-nos a determinação com que o 
professor (assim costumamos chamá-lo) se dedicava a um trabalho 
intelectual anônimo, solitário, porém sistemático. Eram vários livros cujos 
manuscritos já estavam prontos, constituindo um considerável número de 
volumes. 
Soubemos, então, que o professor Vieira Pinto partiu para o exílio em 
setembro de 1964. Passou um ano na Iugoslávia, vivendo amargamente a 
experiência de exilado. Transferiu-se, depois, para o Chile, onde produziu 
vários trabalhos, entre eles Ciência e existência, publicado no Brasil em 
1969, e Sete lições sobre educação de adultos, que só agora temos a 
satisfação de apresentar ao público brasileiro. As saudades do Brasil, 
contudo, precipitaram sua volta, o que ocorreu em fins de 1968, portanto no 
período mais negro da ditadura militar, quando desabou sobre o país o 
famigerado AI-5. V. Pinto se recolheu em seu apartamento, onde se dedicou 
exclusivamente à incansável tarefa de redigir os manuscritos de um 
conjunto de obras até agora inéditas. 
Em julho de 1981 retornei à sua casa, agora munido de um gravador. Minha 
intenção era colher um depoimento para a “ANDE — Revista da 
Associação Nacional de Educação". A esta altura a anistia tinha tornado 
possível a regularização da sua situação. Ele obtivera a aposentadoria pela 
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que absorvera a Faculdade 
Nacional de Filosofia onde Vieira Pinto havia obtido, por concurso, a 
cadeira de História da Filosofia. As precárias condições de saúde do 
professor, o cansaço, o pouco tempo de que dispus não permitiram a 
realização de uma entrevista estruturada, acabada. Considero, porém, 
importante transcrevê-la tal como foi possível obtê-la, não só pelas 
informações que contém, mas principalmente porque constitui um 
documento de quem resistiu de forma peculiar ao arbítrio e sobreviveu a 
ele. O professor Álvaro e Dona Maria estão lá bem vivos. Ele, revelando 
um ar de superior indiferença, própria dos intelectuais que atingiram a 
maturidade, quando afirma que, se tinha alguma contribuição a dar, já a 
tinha dado. Mas não se furta a discorrer com lucidez e firmeza sobre os 
temas a respeito dos quais é solicitado a se manifestar. Ela, recordando com 
entusiasmo seu trabalho no ISEB, do qual foi a primeira funcionária, 
responsabilizando-se pelos serviços de secretaria. Foi lá que ela conheceu 
Vieira Pinto, com quem - afirma agora amorosamente - ela implicava 
porque era quem mais lhe dava trabalho; aparecia freqüentemente com 
longos manuscritos para ela datilografar. Mas envolve-se com o mesmo 
entusiasmo nas tarefas do presente, datilografando os manuscritos e se 
propondo a registrar os "insights" do marido para eventuais publicações 
posteriores. 
Segue, pois, a transcrição da entrevista que se desenrolou de maneira 
informal, sem questões prévias ou roteiro preestabelecido. Não se pretendeu 
discutir as idéias do autor; o objetivo foi reconstituir, na medida do possível, 
a sua trajetória intelectual. 
Dermeval Saviani - O senhor poderia falar um pouco sobre sua vida, sua 
formação intelectual? 
Álvaro Vieira Pinto - Minha origem é de um rapaz de classe média pobre, 
que teve necessidade de trabalhar logo cedo. Fui aluno do colégio dos 
jesuítas, o Santo Inácio no Rio de Janeiro. Naquele tempo, os exames eram 
feitos no Pedro II, para passar de um ano para outro no colégio. Quando 
terminei os estudos no Colégio Santo Inácio fiquei um ano disponível, sem 
poder entrar na faculdade, pois era muito jovem. Tinha decidido estudar 
medicina. Minha família morou algum tempo em São Paulo onde fiquei um 
ano, mas sem estudar nada de ciências. Foi um ano importante, porque foi 
um ano de formação literária e filosófica. Muito moço, com 14 anos, foi 
quando vim para o Rio de Janeiro, fazer o concurso vestibular para a 
Faculdade Nacional de Medicina. Passei em penúltimo lugar na turma e 
depois fui ser um dos primeiros alunos, porque eu não tinha formação 
nenhuma preparatória para aquele concurso: em São Paulo estudei muito e 
fiz relações com alguns intelectuais que naquele tempo estavam saindo da 
agitação do período da Semana de Arte Moderna.Eu já os peguei quando 
eles se reuniam todas as semanas, todas as noites, todos os dias quase, no 
café do Largo do Ouvidor, se não me engano, em São Paulo. Segui a carreira 
médica com muita dificuldade, porque logo depois meu pai teve um 
fracasso econômico e fiquei sem apoio, tendo que trabalhar para sustentar a 
família. Perdi minha mãe nesse período e ficamos quatro irmãos. Ficamos 
sem apoio e sem condições de fazer alguma coisa. Comecei a dar aulas num 
colégio de freiras, aulas de filosofia, de física, curso primário. Apesar disso 
ia fazendo aos poucos os meus estudos de medicina muito mal, para 
terminar o 5º. e 6º. anos e me formar. Quando me formei, tentei fazer 
Clínica, justamente em São Paulo, em Aparecida, mas não tive sucesso 
nenhum e não havia a menor condição para isso. Meu consultório era num 
quarto de hotel. Voltei para o Rio e aqui, com apoio de um amigo que me 
apresentou ao Álvaro Osório de Almeida, que naquele tempo estava com 
grande fama, porque estava fazendo pesquisas sobre o câncer, e trabalhos 
submetendo pacientes a pressões atmosféricas elevadas, com câmaras 
especiais. Fiquei trabalhando nisso, mas os resultados foram nulos. Assim 
trabalhei 16 anos, mas já nesse tempo com a minha inclinação filosófica, eu 
estava dando aulas também na Faculdade de Filosofia, que tinha sido 
fundada no Distrito Federal naquele tempo, mas logo depois essa faculdade 
fechou e criou-se a Faculdade Nacional de Filosofia, para onde eu passei na 
qualidade de professor adjunto. Comecei a dar cursos sobre lógica 
matemática, mas um ano depois veio a guerra, houve a vaga na cadeira de 
História da Filosofia por causa de uma mudança de professores que saíram 
porque eram alemães e eu era o único assistente na cadeira de Filosofia, 
sendo então nomeado professor substituto em História da Filosofia. 
Saviani — Mas o senhor não tinha feito curso de Filosofia... 
Vieira Pinto - Não tinha feito nenhum curso de Filosofia, tinha apenas 
estudado muito, em livros todos eles de orientação tomista evidentemente, 
porque fiz o curso que havia no Colégio Santo Inácio, com a duração de um 
ano de Filosofia, coisa que era uma novidade naquela época. Depois de 
quatro anos na Faculdade Nacional de Filosofia, pude então ir à Europa 
onde fui estudar na Sorbonne, o tempo suficiente para ver e sentir o 
ambiente filosófico de Paris. 
Saviani — Isso foi em que época? 
Vieira Pinto Isso foi em 1949. 
Saviani — O senhor ficou quantos anos na França? 
Vieira Pinto — Na França fiquei quase um ano estudando; aí eu já tinha em 
mente o tema da minha tese, para defesa da cátedra na Faculdade de 
Filosofia na volta. Foi a tese sobre a cosmologia de Platão. Dei duas 
conferências sobre essa tese lá em Paris que foi discutida, muito comentada. 
Recolhi material e com isso fiz o meu trabalho aqui no Brasil para 
apresentá-lo na Faculdade. Afinal, fui aprovado e nomeado para a 
Faculdade de Filosofia. Logo depois terminou o meu trabalho no laboratório 
de Biologia, porque o laboratório foi transformado em instituição privada, 
com o que não concordei. Fiquei então na Faculdade como professor, mas 
aí não mais de Lógica e sim de História da Filosofia, onde permaneci vários 
anos. 
Saviani - O seu estudo na Europa foi só na França ou em algum outro país 
mais? 
Vieira Pinto Não. Visitei outros países: Itália, Espanha, Portugal, mas 
estudo só na França. 
Saviani — E os seus conhecimentos de línguas? 
Vieira Pinto - Bom, isso aí foi um pouco inclinação natural que eu tive 
sempre pelas línguas e fui aprendendo com a leitura, não tive professor 
particular, fui aprendendo quase que sozinho, decorando palavras e 
aprendendo textos, exceto o grego que aprendi com um rapaz ex-
seminarista que sabia muito bem o grego e que me deu aulas, uma vez por 
semana, durante 2 anos. 
Saviani - No Colégio Santo Inácio o senhor não estudava línguas? 
Vieira Pinto - Só inglês e francês e foi mesmo a única base que tive, porque 
eu estudava seriamente e a prova está que só com aquele estudo pude me 
preparar para o trabalho de leitura e conversação em inglês e francês. O 
alemão foi por acaso. Estudei sozinho lendo gramáticas e livros de textos. 
O russo, eu tive por professor um começo de ensino com um velho oficial 
de marinha, refugiado, que me dava aulas gratuitamente e depois sozinho 
com dicionários e textos fui aos poucos me desenvolvendo. 
Saviani — Mais uma coisa sobre as línguas. E o latim o senhor estudou no 
Colégio Santo Inácio? 
Vieira Pinto — Sim, o latim estudei no Colégio Santo Inácio. Era um bom 
estudo. 
Saviani — O senhor então domina o latim, o grego, o francês, o inglês, o 
alemão, o russo, o espanhol e o italiano? 
Vieira Pinto — Sim. Tenho conhecimentos suficientes desses idiomas. Mais 
tarde aprendi um pouco de sérvio-croata, quando estive no exílio na 
Iugoslávia, mas isso foi uma coisa efêmera, pois sabia que não precisava 
mais daquele estudo. Estudei para ler o jornal daquele país para saber as, 
notícias da nossa terra. 
Saviani — O senhor fez curso de Matemática? 
Vieira Pinto - Sim. Fiz o curso de matemática superior, porque tinha um 
amigo, que depois foi meu colega de faculdade, hoje falecido, que me 
incentivou para fazer o curso de matemática. Era professor de mecânica 
superior. Fiz o curso na Universidade do Distrito Federal, que então existia. 
Mas o curso tinha dois alunos só, eu e um repetente. No meio do ano 
encerrou-se o curso, pois a escola fechou. As aulas eram dadas em um café. 
Mas com professores da melhor qualidade, homens de grande valor, 2 ou 3 
só. Fiquei num dilema, pois precisava da matemática para entender o 
problema do raio-X. Como eu usava muito o raio-X no tratamento de 
doentes e de animais, eu precisava conhecer bem a física corpuscular e daí 
a necessidade que tive de me fazer competente também nessas questões. 
Saviani - E a Física, o senhor chegou a fazer algum curso regular dentro da 
própria Medicina? 
Vieira Pinto - Dentro da Medicina não. O curso de Física foi feito 
juntamente com o curso de Matemática. 
Saviani — Então o senhor estudou Matemática e Física na época em que o 
senhor trabalhava no laboratório? 
Vieira Pinto — Sim, no laboratório de Biologia. 
Saviani — O laboratório pertencia ao hospital? 
Vieira Pinto — Não, não pertencia ao hospital, apenas funcionava lá. 
Saviani — O senhor era assistente no laboratório e também médico no 
hospital? 
Vieira Pinto - O laboratório também era um hospital, porque tínhamos uma 
parte de pesquisa e outra de enfermaria. 
Saviani - Paramos quando o senhor, voltando da Europa, assumiu a cadeira 
de História da Filosofia. 
Vieira Pinto — Eu já era professor adjunto na Faculdade quando saí com 
uma licença especial para ir à Europa estudar. Fui, fiquei um tempo, voltei 
e reassumi a cadeira de História da Filosofia. 
Saviani — Isto já era 1951? 
Vieira Pinto — Sim, pois foi em 1951 que fiz o concurso e fui aprovado e 
nomeado professor catedrático. 
Saviani — Como professor de História da Filosofia qual era a orientação 
filosófica que o senhor desenvolvia nos cursos? 
Vieira Pinto — Era uma orientação exclusivamente pragmática, quer dizer, 
eu dava o curso seguindo os manuais da filosofia comum, idealista, mas 
sempre num nível superior e elevado, desenvolvia cronologicamente o 
pensamento. Porque eram 3 anos de filosofia grega, medieval, moderna e 
contemporânea. Isso tinha que ser dado em condições precárias, eu não 
tinha assistente algum. Mais tarde um ex-aluno tornou-se meu assistente, 
José Américo Pessanha, que dividiu comigo um pouco as atividades. Depois 
entra outro período, que é o do aparecimento do ISEB, e o convite casual 
que recebi de Roland Corbisier, para ser professor de Filosofia no ISEB. 
Isto em 1955. Com a entrada para o ISEB fui mudando aos poucos de 
orientação, fui tomando uma orientação mais objetivista, menos idealista e 
deixando de lado toda aquela forma clássicade ensinar História da 
Filosofia, que era puramente repetir o que o outro disse. Passei a fazer uma 
exposição sobre o autor e depois a crítica, o que me dava oportunidade de 
alargar mais o meu campo de pensamento, embora sem jamais ter chegado 
a impor a ninguém qualquer idéia extremista, ou qualquer idéia que julgava 
tal, que fosse considerada indevida num currículo de Filosofia. Na 
Faculdade de Filosofia jamais saí da linha puramente ortodoxa do ensino da 
Filosofia; o que fazia era seguir os autores, naturalmente que se o autor 
dissesse alguma coisa com a qual eu não concordava tinha que dizer o 
mesmo, porque a minha obrigação era ensinar, não o que eu pensava, mas 
o que os outros pensavam. Então eu tinha que repetir, resumir, repetir e 
depois fazer alguma crítica, mas muito pouco elaborada, porque senão eu 
perderia muito tempo na crítica e acabava não podendo adiantar a matéria. 
Saviani — O senhor assumiu a perspectiva existencialista? 
Vieira Pinto - Realmente, nessa época, como estava numa transição rápida, 
eu assumi muitas das posições existencialistas que não conhecia até então, 
e assim tive oportunidade de sentir o que havia de verdade nelas, não apenas 
no sistema que apresentavam, mas nos conceitos que se podiam aproveitar 
e procurava formular por mim novas maneiras de expor certas idéias de 
ordem humanista, de ordem historicista e nacionalista; e acabou sendo o 
oposto do próprio existencialismo, mas que tinha tirado do existencialismo, 
no sentido de que via a realidade do homem passando por aquela situação e 
chegando a outras conclusões. Depois, quando fecharam o ISEB, fui para o 
exílio. 
Saviani - Sobre o ISEB, o senhor chegou a tomar conhecimento de alguns 
estudos posteriores a respeito do ISEB quando estava no exílio? 
Vieira Pinto - Não, não cheguei. 
Saviani - Nem do Nelson Werneck Sodré? 
Vieira Pinto — Não. 
Saviani — E o exílio na Iugoslávia? 
Vieira Pinto — Fui para a Iugoslávia e lá fiquei um ano totalmente inativo, 
sem poder dar aula, pois conhecia muito mal a língua. Depois de um ano fui 
para o Chile, por sugestão de Paulo Freire. Ele conseguiu arranjar alguma 
coisa que eu pudesse fazer e de fato recebi convite para fazer conferências, 
organizadas por professores do Ministério da Educação juntamente com o 
Paulo Freire. 
Saviani - Esse curso de conferências que o senhor preparou sobre educação 
em 1966, o senhor se lembra dos itens? 
Vieira Pinto - Educação, origem, base, finalidade, significado, técnicas, 
recursos, meios, como a realidade é modificada pela educação, todo 
problema geral da educação para adultos, para professores que educavam 
adultos, analfabetos, homens do campo geralmente. Dei conferências 
também para professores. Eram cursos extras de verão. 
 Saviani — O senhor ficou quanto tempo no Chile? 
Vieira Pinto — Fiquei quase três anos no Chile, em fins de 68 voltei. 
Saviani — O trabalho principal que o senhor fez no Chile, foram esses 
cursos? 
Vieira Pinto — Esses cursos e ao mesmo tempo também tinha conseguido 
que um amigo brasileiro que trabalhava no CELADE (Centro Latino-
Americano de Demografia) me apresentasse à Diretora que me deu trabalho 
de tradução de alguns pequenos panfletos. Depois a Diretora resolveu me 
contratar a fim de escrever um livro sobre Demografia para o CELADE. Eu 
não sabia o que fazer porque não sabia nada sobre Demografia, mas acabei 
estudando e escrevi um livro sobre o pensamento crítico em Demografia, 
que dois anos depois o CELADE mandou editar, mas que não teve entrada 
no Brasil. Está difundido na América toda, menos no Brasil. 
Saviani — Foi editado só em espanhol? 
Vieira Pinto — Sim, só em espanhol. 
Saviani — E o senhor não tem exemplares desse livro? 
Vieira Pinto — Tenho ainda dois exemplares. Você já viu o livro? 
Saviani — Ainda não vi. 
Vieira Pinto — Escrevi o livro em 8 meses. Considero um livro de grande 
importância para o meu pensamento; é um livro de grande significação. 
Saviani - Gostaria de ler esse livro. 
Vieira Pinto — Tenho apenas 2 exemplares. No CELADE talvez haja ainda 
outros, deve haver. No México foi muito lido, teve muita repercussão, foi 
muito procurado. Quando acabei esse livro, no ano seguinte a Diretora do 
CELADE me deu outro contrato para fazer outro livro. Aí é que eu escrevi 
o livro sobre Ciência e existência que não interessava ao CELADE publicar. 
Publiquei-o quando voltei ao Brasil, pela Editora Paz & Terra. E agora fico 
só com o que tenho guardado para publicar, mas é muita coisa! Tenho um 
livro sobre Tecnologia, que é muito grande, vários volumes para abranger a 
matéria toda. Tenho pronto um livro sobre a Filosofia Primeira; outro com 
o título A educação para um país oprimido. Tenho outro sobre os roteiros 
do curso de Educação de Adultos feito no Chile. Considerações éticas para 
um povo oprimido, livro sobre a ética que considero de grande valor no meu 
pensamento, porque não se dá à ética a importância que ela tem e centralizo 
um grande número de questões em torno de problemas éticos. Daí, 
desenvolvi um livro que trata exatamente da ética, mas da ética concreta, da 
ética real, de um País como o nosso, não é ética abstrata dos valores, das 
teorias, ou noções abstratas do dever, obediência, finalidade, nada disso. A 
ética real que funciona no mundo. A sociologia do povo subdesenvolvido é 
outro livro que tenho pronto. Cada livro tem 3 ou 4 volumes. A crítica da 
existência é outro livro que está guardado, um volume só, incompleto, pois 
não pude continuar escrevendo o que desejava porque estava cansado. 
Saviani — Esse foi o último livro? 
Vieira Pinto — É o último e talvez o primeiro, porque eu comecei 
escrevendo o texto quando estava na Iugoslávia. Nada de maior a dizer, 
nada de maior a esperar a não ser que não se percam, que vocês jovens 
professores cuidem de procurar um dia talvez publicar essas coisas se 
merecerem. 
Saviani — Uma questão ainda que desperta alguma curiosidade é sobre 
aquele seu livro a respeito da Questão da Universidade. 
Vieira Pinto — Sei, aquele livro foi uma conferência que fiz em Belo 
Horizonte e depois a diretoria da antiga UNE me pediu para publicar. 
 
Como se vê, trata-se de um intelectual que se caracteriza, praticamente, pelo 
autodidatismo. Não nos apressemos, entretanto, a ver nesse fato um 
indicador de uma suposta pouca importância da escola na formação dos 
intelectuais. Lembremo-nos, conforme está registrado na entrevista, que V. 
Pinto estudou no Colégio Santo Inácio, dos jesuítas, que era, à época, um 
dos melhores do Rio de Janeiro, além de ter feito os exames no Colégio 
Pedro II. É, pois, pelo menos plausível a suposição de que o autodidatismo 
produziu bons frutos porque se desenvolveu sobre a base de uma sólida 
formação geral propiciada pela escolarização fundamental. De qualquer 
forma, não é possível ignorar a importância educacional de Álvaro Vieira 
Pinto. De um lado, porque é um testemunho do modo como eram formados 
os intelectuais brasileiros até início dos anos 50. De outro lado, porque 
exerceu importante influência na formação e no trabalho de outros 
intelectuais. Entretanto, é preciso registrar, além disso, que o professor 
Álvaro Vieira Pinto se preocupou explicitamente com a questão 
pedagógica. Essa preocupação fica evidenciada no depoimento obtido pela 
professora Betty Oliveira, em 13/03/82, cuja transcrição é reproduzida a 
seguir. 
 
Betty — O senhor poderia resumir a sua visão sobre educação? 
Vieira Pinto — O caminho que o professor escolheu para aprender foi 
ensinar. No ato do ensino ele se defronta com as verdadeiras dificuldades, 
obstáculos reais, concretos, que precisa superar. Nessa situação ele aprende. 
No meu livro sobre tecnologia trato da teoria da comunicação que contribui 
para a análise desse processo. Fiz a crítica da cibernética encontrando 
algumas noções que, se não são originais, precisam ser consideradas 
fundamentais.Por exemplo: é indispensável o caráter de encontro de 
consciências no ato da aprendizagem, porque a educação é uma transmissão 
de uma consciência a outra, de alguma coisa que um já possui e o outro 
ainda não. A teoria dialética do conhecimento é fundamentalmente 
cibernética, no sentido dialético da palavra. Não a cibernética empírica que 
é essa aí que se faz. Não se trata da entrega de um embrulho de uma pessoa 
para outra, mas de possibilitar uma modificação no modo como essa outra 
pessoa, que é o aluno, está capacitado para receber embrulhos. Na 
pedagogia, o princípio é a teoria da recepção do sabido, porque é preciso 
que se modifique a outra consciência. Isso tem muita importância porque 
permite estudar a educação do ponto de vista cibernético, não material, 
como se costuma fazer (quer dizer, só com dados estatísticos, com método 
e técnicas, etc.), mas avaliando o resultado pela transformação que a 
educação imprime à consciência do aluno. Se ela não fizer isso, de nada 
adianta seu esforço. Um dos graves erros na pedagogia alienada é esse. É 
avaliar o resultado da prática educacional pela devolução do embrulho, sem 
compreender que isso não é educação. A educação implica uma 
modificação de personalidade e é por isso que é difícil de se aprender, 
porque ela modifica a personalidade do educador ao mesmo tempo que vai 
modificando a do aluno. Desse modo, a educação é eminentemente 
ameaçadora. Ela consiste em abalar a segurança, a firmeza do professor, sua 
consciência professoral (que teme perder o estabelecido, que é o seu forte 
no plano da prática empírica) para se flexionar de acordo com as 
circunstâncias. A resistência do aluno ao aprendizado é um fator de 
modificação da consciência do educador, e não uma obstinação, uma 
incompetência. Mostrar e trazer a educação para o domínio da cibernética é 
uma imposição causada por duas ordens de fatores: 1) as massas educadas 
cada vez maiores; 2) e ao mesmo tempo a mecanização dos processos 
pedagógicos. Se o educador não se preparar, não terá condições para 
introduzir o verdadeiro fator, decisivo, no ato educativo, que é o papel da 
consciência. Fica prisioneiro do que a cibernética chama de hard-ware (todo 
o material, toda a parte mecânica, instrumental). É evidente que o professor 
não pode transmitir flexibilidade ao seu ensino se não a possui ele próprio 
na sua formação e na sua prática. Não escrevi nenhum livro de pedagogia, 
embora tenha muitas observações a fazer sobre ela. 
Betty - Em outra ocasião o senhor falou sobre "pedagogia filosófica". Em 
que consiste? 
Vieira Pinto — Para construção de uma pedagogia filosófica é preciso 
reunir dados ou elementos provenientes de quatro setores do saber: 1) da 
teoria do pensamento (dialética); 2) da organização dos atos do 
conhecimento em seus diversos pontos; 3) do estudo fisiológico ideal da 
psicologia; 4) da teoria do desenvolvimento humano, essencialmente 
histórico, marcado pelas diferentes culturas e civilizações. Esses aspectos 
que abordei fazem parte do material para um livro sobre pedagogia que 
pensei em escrever. A política, a técnica, a ciência, têm que ser consideradas 
na pedagogia, na teoria da pedagogia, para poder unificar e ao mesmo tempo 
inspirar a verdade pedagógica nos diversos campos em que ela se desdobra. 
O grande defeito que encontro nos educadores é principalmente o de 
procurar uma pedagogia pronta, quando não existe essa pedagogia pronta. 
E se existisse seria imprestável. A pedagogia nasce (aí teria que se dizer em 
grego paidos agogos, que é o ato, o verbo paida-gogen, isto é, como é 
preciso saber, como conduzir a criança à escola) no tempo da escravidão 
antiga, onde o escravo era o educador que tinha que ser educado com o 
próprio ato de tratar as crianças que lhe eram confiadas. Atualmente, de uma 
certa maneira, isso tem que ser feito, pelo educador, mas com uma 
consciência científica. É isso que falta compreender. A educação é um ato 
intransitive quer dizer, o educador não pode transformar a outrem que não 
esteja se transformando no próprio trabalho de ensinar. Por isso é que ele, 
ao ensinar, ele aprende. 
Betty – O senhor poderia explicitar melhor a sua frase: "A resistência do 
aluno ao aprendizado é um fator de modificação da consciência do educador 
e não uma obstinação, uma incompetência"? 
Vieira Pinto — O que quero dizer é que não há uma rigidez, não há um a 
priori em educação. É o caso de repetir com Leibniz, quando corrigiu 
Aristóteles, "exceto a própria educação". Este é o único a priori que existe. 
Isso serve de aforismo. (Isso corresponde a pequenos enunciados de 
verdade que o educador emite a propósito de um determinado ponto que 
serve para condensar o pensamento exposto, de maneira mais geral, na aula 
ou no livro. O aforismo é sempre uma verdade condensada. Ao mesmo 
tempo é simbólica. De modo que há o risco das interpretações errôneas. Isto 
é preciso evitar.) 
A prática pedagógica é contraditória. É duplamente contraditória porque ela 
supõe que quem ensina sabe, quando não sabe e quem aprende não sabe, 
quando, na verdade, sabe. Essa é a contradição da pedagogia. Os erros que 
o educador comete só criticamente podem ser chamados de erros, e tem que 
se verificar até que ponto é ele o autor desses erros, É preciso entrar aí toda 
a teoria de Bacon sobre os eidola (tribus, specus, fori e teatri). Os ídolos são 
os erros que os homens fazem. Todas essas condições interferem no ato da 
educação. Têm que ser depuradas. Mas só a dialética consegue. É o que 
Bacon não podia fazer. Toda a minha idéia consiste em criar uma teoria da 
educação que não seja teórica, no sentido em que fica desfigurada como 
teoria, e sim corrigida pela prática da aula, pelo próprio ato de ensinar. E 
por outro lado que seja uma prática que não se confunda com um mero 
exercício, porque tem que valer como compreensão teórica. Dessa forma a 
teoria responde às dúvidas da prática. Sem essas dúvidas não haveria teoria. 
A teoria seria uma coisa sem maior significado, estéril. Essa relação entre 
teoria e prática é outro aforismo muito importante. O professor deve praticar 
a organização crítica de sua aula, em todos os aspectos. Por conseguinte, 
precisa buscar os fundamentos, os pressupostos para cada coisa que faz e 
também respostas para todas as objeções. É uma justificativa, um ato de 
buscar os fundamentos, continuamente, do seu fazer. Aí é que entra o papel 
da teoria da abstração. Um aluno traz consigo todos os problemas que só 
são dele (enquanto educando) porque ele está se formando. Quero mostrar 
aqui a identidade de educação e formação. Como ele está se formando, tem 
aqueles problemas que são dele; porque está se formando para ser ele 
mesmo e não outra pessoa. Logo, na fase de educação é que se dá a fase de 
formação. É um crescimento que tem dois aspectos: o aluno cresce como 
aluno porque aprende e com isso se forma. Quer dizer, o adulto educando é 
aquele que aprendeu o conjunto de conhecimentos que o formaram. É a 
noção de formação ligada à de educação. 
Seria importante agora tratar do aforismo sobre o papel da escola que é uma 
coisa fundamental, muito complexa, para o qual a filosofia tem muito a 
contribuir. A escola é o meio que o aluno vai viver como aluno. É preciso 
aí estudar a relação entre os aspectos peculiares desse meio — a escola — 
com os demais. A escola representa a sociedade do aluno para o educador 
crítico, para o qual a sociedade representa a escola do educador. Quer dizer, 
a escola é um ambiente e, ao mesmo tempo, um processo. E como tal precisa 
ser entendida dinamicamente. 
O ato de ensinar apresenta muitos obstáculos. Tudo vai depender de como 
se considera esses obstáculos. Podem ser de natureza material (falta de 
dinheiro, por exemplo) ou de outro tipo de natureza, como uma 
incompreensão de um colega para outro. Isso também são formas de 
obstáculos. Pode-se dizer que a pedagogiareproduz a sociologia; que não 
há problema pedagógico que não seja sociológico, e vice-versa. Toda 
transformação sociológica é fonte de modificações pedagógicas. Eu 
gostaria de tratar desse assunto unindo ao máximo a sociologia dialética 
com a pedagogia. É necessário levar também em conta a evolução do 
conteúdo da ciência. 
A pedagogia não se torna científica por vontade do pesquisador ou do 
educador, mas quando as condições da prática social permitem uma 
determinada explicação do ensino tornar-se científica. A ciência tem sua 
evolução própria e a pedagogia tem que se adaptar a essa evolução, mas de 
uma perspectiva crítica que permita estabelecer o jogo de contradições. 
Existe a ciência que também é uma forma de consciência e tem influência 
decisiva para construir a representação do objeto ou da atividade. É preciso 
também dar o máximo valor à noção de finalidade. Não há teoria da 
educação sem teoria da finalidade da educação. 
É preciso que o êxito de uma determinada atitude pedagógica não se 
transforme em obstáculo ao prosseguimento do curso da própria educação. 
Os métodos bem sucedidos, como o do Paulo Freire, podem acabar se 
tornando um quisto, uma coisa que impede o prosseguimento do seu próprio 
desenvolvimento. 
Penso que a afirmação de Vieira Pinto "não escrevi nenhum livro de 
pedagogia, embora tenha muitas observações a fazer sobre ela", decorre do 
fato de que as Sete lições sobre educação de adultos foram aulas-
conferências que ele proferiu no Chile em 1966. Os textos que escreveu 
então, ele os redigiu como roteiros das aulas que ministrou. No seu entender, 
um livro exigiria maior desenvolvimento e aprofundamento. Entretanto, 
Betty e eu o convencemos a publicar os referidos roteiros na forma original. 
E isto não apenas pelas importantes contribuições que este pequeno livro 
contém, e que reputamos ser de grande utilidade para os educadores 
brasileiros de hoje, mas também como testemunho de um trabalho que vem 
se desenvolvendo já há muitos anos e que permanece vivo e atuante. 
Hoje, quando diversos estudos já surgiram reconstituindo o momento 
histórico em que A. V. Pinto se configurou como um intelectual militante, 
pode-se fazer reparos a conceitos por ele emitidos e, mesmo, ao conjunto 
do seu pensamento filosófico. É impossível, porém, não reconhecer a sua 
importância e a envergadura intelectual de um trabalho desenvolvido em 
condições bastante adversas. 
Após as considerações feitas, penso ter ficado claro o sentido da afirmação 
que fiz no início desta Introdução, quando disse que as vicissitudes da obra 
Ciência e existência espelham as vicissitudes pelas quais passou seu autor. 
Com efeito, assim como a referida obra correu o risco de cair no 
esquecimento, mas se impôs, tornando obrigatória a sua reedição, assim 
também seu autor, que parecia já ter-se retirado do cenário cultural 
brasileiro, resistiu e retorna agora através da presente obra. 
A publicação deste livro é, pois, ao mesmo tempo uma contribuição à 
cultura brasileira e uma homenagem a um dos intelectuais que mais se 
empenhou na consolidação da referida cultura. 
A presente Introdução pretendeu trazer alguns subsídios que facilitassem ao 
leitor situar as Sete lições sobre educação de adultos no contexto da vida e 
da obra do autor. Espero ter atingido esse objetivo. 
Dermeval Saviani São Paulo, abril de 1982 
 
1º. TEMA: CONCEITO DE EDUCAÇÃO 
 
Que é a educação? 
Deixaremos de lado as numerosas definições eruditas, que não vamos 
mencionar, nem podemos discutir e consideraremos a educação em seus 
dois significados: restrito e amplo. 
Em significado restrito, o da pedagogia clássica, convencional, 
sistematizada, refere-se a educação às fases infantil e juvenil da vida do ser 
humano. Não se deve, no entanto, reduzi-la a esses limites. Seria um erro 
lógico, filosófico e sociológico. 
Em sentido amplo (e autêntico) a educação diz respeito à existência humana 
em toda a sua duração e em todos os seus aspectos. Desta maneira deve-se 
justificar lógica e sociologicamente o problema da educação de adultos. 
Daqui sai a verdadeira definição de educação. 
A educação é o processo pelo qual a sociedade forma seus membros à sua 
imagem e em função de seus interesses. 
Por conseqüência, educação é formação (Bildung) do homem pela 
sociedade, ou seja, o processo pelo qual a sociedade atua constantemente 
sobre o desenvolvimento do ser humano no intento de integrá-lo no modo 
de ser social vigente e de conduzi-lo a aceitar e buscar os fins coletivos. 
 
Caráter histórico-antropológico da educação 
 
Partindo da definição exposta, podemos explicitar os caracteres da 
educação: 
a) A educação é um processo, portanto é o decorrer de um fenômeno (a 
formação do homem) no tempo, ou seja, é um fato histórico. Todavia, é 
histórico em duplo sentido: primeiro, no sentido de que representa a própria 
história individual de cada ser humano; segundo, no sentido de que está 
vinculada à fase vivida pela comunidade em sua contínua evolução. Sendo 
um processo, desde logo se vê que não pode ser racionalmente interpretada 
com os instrumentos da lógica formal, mas somente com as categorias da 
lógica dialética. 
b) A educação é um fato existencial. Refere-se ao modo como (por si 
mesmo e pelas ações exteriores que sofre) o homem se faz ser homem. A 
educação configura o homem em toda sua realidade. Pode-se dizer (em 
outra versão da definição) que é o processo pelo qual o homem adquire sua 
essência (real, social, não metafísica). É o processo constitutivo do ser 
humano. 
c) A educação é um fato social. Refere-se à sociedade como um todo. É 
determinada pelo interesse que move a comunidade a integrar todos os seus 
membros â forma social vigente (relações econômicas, instituições, usos, 
ciências, atividades, etc.). É o procedimento pelo qual a sociedade se 
reproduz a si mesma ao longo de sua duração temporal. Contudo, neste 
processo de auto-reprodução está contida, desde logo, uma contradição: a 
sociedade desejaria fazer-se no tempo futuro o mais igual possível a si 
mesma; porém, a dinâmica da educação atua em sentido oposto, uma vez 
que engendra necessariamente o progresso social, isto é, a diferenciação do 
futuro em relação ao presente. Daí deriva o duplo aspecto do fato social da 
educação: incorporação dos indivíduos ao estado existente (a intenção de 
perpetuidade, de conservação, de invariabilidade, inércia pedagógica, 
estabilidade educacional) e progresso, isto é, necessidade de ruptura do 
equilíbrio presente, de adiantamento, de criação do novo. Esta contradição 
pertence à própria essência da educação dada sua natureza histórico-
antropológica. Por ser contraditória é que a educação é instrumental (no 
sentido em que a consciência crítica emprega este qualificativo). Quando se 
verifica a simultaneidade consciente de incorporação e progresso, tem-se a 
educação em sua forma integrada, isto é, a plena realização da natureza 
humana. 
d) A educação é um fenômeno cultural. Não somente os conhecimentos, 
experiências, usos, crenças, valores, etc. a transmitir ao indivíduo, mas 
também os métodos utilizados pela totalidade social para exercer sua ação 
educativa são parte do fundo cultural da comunidade e dependem do grau 
de seu desenvolvimento. Em outras palavras, a educação é a transmissão 
integrada da cultura em todos os seus aspectos, segundo os moldes e pelos 
meios que a própria cultura existente possibilita. O método pedagógico é 
função da cultura existente. O saber é o conjunto dos dados da cultura que 
se têm tornado socialmente conscientes e que a sociedade é capaz de 
expressar pela linguagem. Nas sociedades iletradas não existe saber 
graficamente conservado pela escrita, contudo, há transmissão do saber pela 
prática social, pela via oral e, portanto, há educação. 
e) Nas sociedades altamente desenvolvidas, com divisões internas em 
classes opostas,a educação não pode conectar na formação uniforme de 
todos os seus membros, porque: por um lado, é excessivo o número de dados 
a transmitir; e, por outro, não há interesse nem possibilidade e formar 
indivíduos iguais, mas se busca manter a desigualdade social presente. Por 
isso, em tais sociedades, a educação pelo saber letrado é sempre privilégio 
de um grupo ou dá-se, no sentido que se segue: 
— somente este grupo tem assegurado o direito (real, concreto) de saber 
(p. ex., alfabetização); 
— somente membros desse grupo se especializam na tarefa de educar; 
— somente e se o grupo tem o direito e o poder de legislar sobre a 
educação, ou seja, de definir aquilo em que deva consistir a educação 
institucionalizada, escolarizada. É conseqüência, essa minoria unicamente 
reconhecerá com educação a deste último tipo. Todo o restante do saber não 
letrado, e as demais formas de cultura que a sociedade transmite a seus 
outros membros, é considerado incultura e ausência de educação. 
f) A educação se desenvolve sobre o fundamento do processo econômico 
da sociedade. Porque é ele que: 
— determina as possibilidades e as condições de cada fase cultural; 
— determina a distribuição das probabilidades educacionais na sociedade, 
em virtude do papel que atribui a cada indivíduo dentro da comunidade; 
— proporciona os meios materiais para a execução do trabalho 
educacional, sua extensão e sua profundidade; 
— dita os fins gerais da educação, que determina em uma dada 
comunidade serão formados indivíduos de níveis culturais distintos, de 
acordo com sua posição no trabalho comum (na sociedade fechada, 
dividida) ou se todos devem ter as mesmas oportunidades e possibilidades 
de aprender (sociedades democráticas). 
g) A educação é uma atividade teleológica. A formação do indivíduo 
sempre visa a um fim. Está sempre "dirigida para". No sentido geral esse 
fim é a conversão do educando em membro útil da comunidade. No sentido 
restrito, formar, escolar, é a preparação de diferentes tipos de indivíduos 
para executar as tarefas específicas da vida comunitária (daí a divisão da 
instrução em graus, em carreiras, etc.). O que determina os fins da educação 
são os interesses do grupo que detêm o comando social. 
h) A educação é uma modalidade de trabalho social. Para compreendê-la é 
necessário utilizar as categorias histórico-antropológicas dialéticas, que 
definem o conceito de "trabalho". A educação é parte do trabalho social 
porque: 
- trata de formar os membros da comunidade para o desempenho de uma 
função de trabalho no âmbito da atividade total; 
- o educador é um trabalhador (reconhecido como tal); 
- no caso especial da educação de adultos, dirige-se a outro trabalhador, a 
quem tenciona transmitir conhecimentos que lhe permitam elevar-se em sua 
condição de trabalhador. 
i) A educação é um fato de ordem consciente. É determinada pelo grau 
alcançado pela consciência social e objetiva suscitar no educando a 
consciência de si e do mundo. É a formação da autoconsciência social ao 
longo do tempo em todos os indivíduos que compõem a comunidade. Parte 
da inconsciência cultural (educação primitiva, iletrada) e atravessa 
múltiplas etapas de consciência crescente de si e da realidade objetiva 
(mediante o saber adquirido, a cultura, a ciência, etc.) até chegar à plena 
autoconsciência. Esta será a etapa em que todos os indivíduos alcançam 
igualmente o máximo de consciência crítica de si e de seu mundo permitida 
pelo estado de adiantamento do processo da realidade (máxima consciência 
historicamente possível). 
j) A educação é um processo exponencial, isto é, multiplica-se por si mesma 
com sua própria realização. Quanto mais educado, mais necessita o homem 
educar-se e, portanto exige mais educação. Como esta não está jamais 
acabada, uma vez adquirido o conhecimento existente (educação 
transmissiva) ingressa-se na fase criadora do saber (educação inventiva). 
k) A educação é por essência concreta. Pode ser concebida a priori, mas o 
que a define é sua realização objetiva, concreta. Esta realização depende das 
situações históricas objetivas, das forças sociais presentes, de seu conflito, 
dos interesses em causa, da extensão das massas privadas de conhecimento, 
etc. Por isso, toda discussão abstrata sobre educação é inútil e prejudicial, 
trazendo em seu bojo sempre um estratagema da consciência dominante 
para justificar-se e deixar de cumprir seus deveres culturais para com o 
povo. 
I) A educação é por natureza contraditória, pois implica simultaneamente 
conservação (dos dados do saber adquirido) e criação, ou seja, crítica, 
negação e substituição do saber existente. Somente desta maneira é 
profícua, pois do contrário seria a repetição eterna do saber considerado 
definitivo e a anulação de toda possibilidade de criação do novo e do 
progresso da cultura. 
 
Historicidade da educação 
 
A historicidade pertence à essência da educação. Não se confunde com a 
temporalidade (que é o fato de haver tido um passado), porém se define por 
sua essencial transitividade (o fato de haver futuro). Por isso, a história da 
educação favorece a compreensão do processo educacional; é 
indispensável, mas não a esgota. Porque o exercício da tarefa educativa 
conduz à sua própria modificação, ao desenvolvimento de abertura para o 
futuro, ao adiantamento do processo como um todo. Por isso, todo 
"programa de educação" é por natureza, inconcluso e, até se poderia dizer, 
irrealizável, pois sua própria execução altera a qualidade dos elementos que 
o compõem (o aluno, o professor, os métodos, as finalidades, etc.) e 
determina a necessidade de um segundo programa, mais perfeito, mais 
adiantado. A educação é histórica não porque se executa no tempo, mas 
porque é um processo de formação do homem para o novo da cultura, do 
trabalho, de sua autoconsciência. A educação como acontecimento humano 
é histórica não somente porque cada homem é educado em um determinado 
momento do tempo histórico geral - aquele em que lhe cabe viver 
(historicidade extrínseca) — mas porque o processo de sua educação, 
compreendido como o desenvolvimento de sua existência, é sua própria 
história pessoal (historicidade intrínseca). 
 
Dependência do conceito de "homem" 
 
A educação é necessariamente intencional. Não se pode pretender formar 
um homem sem um prévio conceito ideal de homem. Este modelo, contudo, 
é um dado de consciência e, portanto pertence à consciência de alguém; 
concretamente, de alguém que está num dado tempo, num espaço, em 
definida posição social. De acordo com a natureza (posição, interesse, fins) 
da consciência que comanda o processo educacional, tal será o tipo social 
de educação. Nas formas elementares de consciência (sociedades 
aristocráticas ou oligárquicas) o grupo dominante acredita que cabe a ele 
ditar a seu gosto o processo educativo, porque acredita também que o 
educando é um ser que não possui ainda consciência e por isso necessita 
recebê-la pela educação. Nas formas superiores de consciência 
(autoconsciência) o legislador, assim como o educador, sabe que se enfrenta 
com uma outra consciência e que seu papel consiste em trazê-la ao 
conhecimento dos interesses gerais da sociedade mediante um permanente 
diálogo entre consciências. Na forma elementar, ingênua, a educação é 
considerada como o procedimento de transformação do não-homem em 
homem. Na forma superior, crítica, a educação se concebe como um diálogo 
entre dois homens, na verdade entre dois educadores. Daí que a educação 
seja uma forma particular de responsabilidade da ação entre os homens. 
 
Fundamentos sociais do conceito de educação 
 
Excetuando a etapa primitiva, todos os tipos de sociedade têm produzido 
um conceito de educação, que naturalmente reflita as peculiaridades de sua 
estrutura e os interesses de seus grupos dirigentes. Por isso, não é possível 
conceber em abstraio um "modelo" de educaçãoe pretender levá-lo à 
prática. A educação real tem sido sempre a educação que era possível em 
determinada formação histórico-social, dada a etapa em que se encontrava 
o processo de seu desenvolvimento (qualidade e quantidade das forças de 
trabalho, adiantamentos técnicos, natureza e fins dos objetos produzidos, 
etc.). Todo o empenho de uma sociedade subdesenvolvida num esforço de 
crescimento, como a nossa, deve consistir em desenvolver seus 
fundamentos materiais para que sobre estes se possa edificar uma educação 
mais adiantada, que reverterá em maior desenvolvimento destes mesmos 
fundamentos. 
 
 
 
 
 
A educação como fenômeno da cultura 
 
A educação pertence à cultura em dois sentidos: 
— primeiramente, no sentido de que o mesmo conceito de educação é um 
dos produtos ideológicos da cultura. Como tal reflete e resume a totalidade 
cultural que o enuncia; 
— em segundo lugar, a educação pertence ao campo cultural por ser o 
processo produtor (e transmissor) da cultura. 
Por conseqüência a educação é a cultura simultaneamente como feita 
(porém não como acabada) no educador que a transmite, e como fazendo-
se no educando, que a recebe (refazendo-a), por conseguinte, capacitando-
se a se tornar o agente da ampliação dela. 
Esta é uma indicação sumária. Há necessidade de um debate mais amplo 
sobre o tema da "cultura", sobre as noções ingênuas e críticas de "cultura". 
O analfabeto não é um ignorante, não é um inculto, mas apenas o portador 
de formas pré-letradas de cultura (as quais coexistem às vezes com uma 
nascente consciência crítica de seu estado, de seu papel social, de seu 
trabalho). 
 
A educação como possibilidade humana 
 
A espécie e a extensão da educação distribuída por uma sociedade a seus 
membros são função de seu estado de desenvolvimento material e cultural. 
Este é que determina as possibilidades da educação tanto em qualidade 
(conteúdo e métodos) como em quantidade (a quem e a quantos será 
distribuída). 
Do ponto de vista do indivíduo, as probabilidades de receber educação 
diferenciada e de recebê-la em determinado grau dependem de sua posição 
no contexto social, da natureza de seu trabalho e do valor atribuído a este 
pelos interesses da consciência social dominante. 
Para que aumentem as possibilidades individuais de educação, e para que 
se tornem universais, é necessário que mude o ponto de vista dominante 
sobre o valor do homem na sociedade, o que só ocorrerá pela mudança de 
valoração atribuída ao trabalho. Quando o trabalho manual deixar de ser um 
estigma e se converter em simples diferenciação do trabalho social geral, a 
educação institucionalizada perderá o caráter de privilégio e será um direito 
concretamente igual para todos. 
Nas sociedades divididas as possibilidades do indivíduo de receber 
educação institucionalizada dependem: 
a) do grau de desenvolvimento geral de tal sociedade, que determina a 
necessidade de incorporação de seus membros a formas superiores de 
cultura para o fim de executar tipos mais complexos e mais produtivos de 
trabalho; 
b) consciência de si, de seus grupos dirigentes, que os conduz a criar seu 
"modelo" de homem e a nutrir a exigência de incorporação de maior número 
de indivíduos às formas letradas do saber; 
c) atribuído a cada indivíduo ou que a cada indivíduo cumpre no todo social, 
de onde deriva sua capacidade de pressão coletiva (associado a outros da 
mesma condição) sobre o centro de decisão social, no sentido de que lhes 
seja distribuída educação em graus sempre mais elevados; 
d) daí, a importância dos movimentos de educação conjunta de grandes 
grupos sociais (campanhas de alfabetização) pois determinam o fenômeno 
histórico da passagem da quantidade à qualidade. De fato, a exigência de 
muitos (educandos) se converte em exigência de mais e de melhor 
educação. 
 
A educação como função social permanente 
 
a) A educação é apenas o aspecto prático, ativo, da convivência social. Na 
sociedade todos educam a todos permanentemente. Como o indivíduo não 
vive isolado, sua educação é contínua. Mais particularmente, considerando-
se apenas a transmissão dos conhecimentos compendiados, a educação 
também é permanente, pois o grupo dominante tem todo interesse em 
reproduzir-se nas gerações sucessivas, o que faz transmitindo às novas 
gerações seu estilo de vida, seu saber, seus hábitos, seus valores, etc. Não 
existe sociedade sem educação, ainda que nas formas primitivas possa faltar 
a educação formalizada, institucionalizada (que aí é representada pelos ritos 
sociais). Por conseqüência, nenhum membro da comunidade é 
absolutamente ignorante, do contrário não poderia viver. 
b) A sociedade está continuamente equipando seus membros com 
conhecimentos e atitudes que permitem a sobrevivência do grupo humano. 
O equívoco das concepções instrumentalistas da educação (J. Dewey, 
behaviorismo em geral) está em proceder segundo uma perspectiva 
individualista, acreditando que o motor da educação está no interesse do 
indivíduo de adaptar-se ao meio social, aprendendo as respostas úteis aos 
desafios do ambiente, adquirindo o saber como um instrumento que lhe 
permitirá resolver os problemas criados para si pelas experiências com que 
haverá de enfrentar-se. Esta é uma concepção que supõe que a sociedade é 
naturalmente hostil ao homem e que esse terá de preparar-se para defender-
se, o que faz por meio da educação (sociedade onde impera a competência 
desenfreada e a luta de todos contra todos). 
Na verdade, o motor da educação está no interesse da sociedade em 
aproveitar para seus fins coletivos (sempre estabelecidos, nas sociedades 
divididas, pelas camadas dirigentes) a força do trabalho de cada um de seus 
membros (sua capacidade criadora). Por isso, a educação não é uma 
conquista do indivíduo (o que seria dar-lhe um fundamento ou princípio 
subjetivo), mas uma função da sociedade e como tal sempre dependente de 
seu grau de desenvolvimento. Onde há sociedade há educação: logo, esta é 
permanente. 
A educação é um processo histórico de criação do homem para a sociedade 
e simultaneamente de modificação da sociedade para benefício do homem 
a) O homem é por essência um ser inacabado, pois se constitui a si mesmo 
ao longo de sua existência social. A sociedade configura todas as 
experiências individuais do homem, transmite-lhe resumidamente todos os 
conhecimentos adquiridos no passado do grupo, e recolhe as contribuições 
que o poder criador de cada indivíduo engendra e que oferece à sua 
comunidade. Neste sentido, a sociedade cria o homem para si. 
b) Mas, sendo o homem um ser livre e criador (por suas faculdades 
intelectuais) de cultura, as criações que produz, as inovações técnicas, 
artísticas, as idéias originais que descobre são incorporadas à cultura geral 
do grupo e logo transmitidas a outros indivíduos (da mesma ou das gerações 
seguintes) que não as descobriram. Vão ser parte da educação desses novos 
membros da sociedade, e deste modo o saber e a cultura se desenvolvem e 
a educação se revela como um processo expansivo incessante. O homem, 
educado pela sociedade, modifica esta mesma sociedade como resultado da 
própria educação que tem recebido dela. Nisso consiste o progresso social, 
no processo de auto-geração da cultura. 
c) Verifica-se assim que a sociedade desempenha um papel de mediação 
entre os homens no processo de criação e transmissão da cultura, no qual 
consiste a educação. Entre o educador e o educando se interpõe a sociedade, 
que, de uma parte constitui o educador (e o institucionaliza) para educar, e 
de outra, pressiona o educando para educar-se. Mas essa transmissão da 
cultura pela educação, justamente porque supõe a mediação (dialética) da 
sociedade, na realidade, pelo trabalho concreto dos homens, não é 
mecânica, e por isso o saber não se comunica inalterado de um indivíduo ao 
outro. Ao contrário, na passagem de um ao outro, altera-se,torna-se maior 
pela contribuição da criação intelectual do educador, recebida pela 
sociedade e considerada por ela como um acréscimo indispensável para ser 
comunicado ao educando. 
 
2º. TEMA: FORMA E CONTEÚDO DA EDUCAÇÃO 
 
Diferença entre conteúdo e forma da educação 
a) O que constitui o conteúdo da Educação comporta duas respostas 
distintas: 
a.1) Segundo o conceito ingênuo (o mais comum), o conteúdo da Educação 
está definido pela totalidade dos conhecimentos que se transmitem do 
professor ao aluno. São as disciplinas, o currículo do curso, aquele que 
enche as lições e são objeto da aprendizagem, 
A Pedagogia convencional, oficial (alienada), concentra toda sua atenção 
na discussão deste conteúdo, com a intenção de o fazer mais adequado mais 
funcional possível para cada fase da vida do educando, de modo a escolher 
como assunto a transmitir somente aquele que será desejável para a 
formação da criança, do adolescente, do universitário. Percebe-se, desde 
logo, que esta escolha (na qual se resume todo o trabalho dos pedagogos de 
gabinete) terá que ser ditada pelas concepções (estas mesmas dependentes 
dos interesses) do pedagogo em relação ao tipo de homem que convém 
formar mediante a educação. 
É aqui onde se coloca o grande problema, a divergência (de larga 
repercussão histórica) entre educação "humanista" e educação 
"tecnológica". O que se decide, com isto, é o conceito que o pedagogo tem 
da natureza do homem, de seu papel na sociedade, em última análise, do 
conceito de sociedade para a qual deve preparar o educando. O debate 
persiste até hoje, agora com marcada preponderância dos defensores da 
educação "técnica", "educação para o mundo de amanhã", etc. 
Mostrar o vício de ingenuidade que afeta toda esta discussão: não existe a 
diferenciação em tela, quando se parte do conceito crítico unitário do 
"homem" e de sua realidade num mundo em processo de desenvolvimento, 
com o qual está indissoluvelmente ligado. 
Porém a origem deste vício está na própria deficiência da noção ingênua de 
"conteúdo" da educação (tal como acima exposto). 
É que: 
Em primeiro lugar, a educação, como temos mostrado, não deve se reduzir 
à transmissão escolar dos conhecimentos. 
Em segundo lugar, o conteúdo da educação não está constituído somente 
pela "matéria" do ensino, por aquilo que se ensina, mas incorpora a 
totalidade das condições objetivas que concretamente pertencem ao ato 
educacional; assim, são parte do conteúdo da educação: o professor, o 
aluno, ambos com todas suas condições sociais e pessoais, as instalações da 
escola, os livros e materiais didáticos, as condições locais da escola, etc. 
Não aceitar este ponto de vista, é deliberadamente se colocar à margem do 
mundo real, e raciocinar sobre uma reduzida e arbitrária abstração (a 
"matéria" do ensino). 
Em terceiro lugar, o conteúdo da educação está submetido ao processo em 
que ela consiste, não se pode considerá-lo como um volume estático, 
delimitado de conhecimentos como se fora uma carga a ser transportada de 
um lugar a outro, porém é algo dinâmico, é fundamentalmente histórico por 
isso não tem contornos definidos, é variável, não se repete e só se realiza 
parcialmente em cada ato educativo pois cada aluno absorve diferentemente 
a matéria de ensino distribuída à classe comum. 
Em quarto lugar, o conteúdo não pode ser considerado desligado da forma. 
Ora, o conceito ingênuo do "conteúdo" o destaca da "forma" e pretende 
tratá-lo por si mesmo à parte, valorizá-lo em sua significação e utilidade 
intrínseca. 
Em conseqüência, vê-se que é necessário alcançar o conceito crítico do 
conteúdo da educação. 
a.2) 0 conceito crítico do conteúdo envolve a totalidade do processo 
educativo, a qual está sempre presente em cada ato pedagógico (em uma 
lição, por exemplo). Não está constituído somente por "aquilo que" se 
ensina, mas igualmente por aquilo "que" ensina, "aquilo que" é ensinado, 
com todo o complexo de suas condições pessoais, pelas circunstâncias reais 
dentro das quais se desenvolve o processo educacional. Unicamente nos 
graus mais elementares, a "matéria" do ensino se apresenta com qualidade 
de fixação e de limitação, ainda que relativa. Ao passar a planos mais 
elevados do saber, o ensino se torna cada vez mais objeto da compreensão 
pessoal do professor, do autor de livros de texto, do legislador, etc. 
O conteúdo da educação — tal como a forma —, tem caráter eminentemente 
social e, portanto, histórico. É definido para cada fase e para cada situação 
da evolução de uma comunidade. Por conseguinte, deve atender 
primordialmente aos interesses da sociedade. Se esta é democrática, os 
interesses dominantes têm que ser os do povo, e se consideramos um país 
em esforço de crescimento, tem que ser o de suas populações que anseiam 
por modificar sua existência. 
A discussão propriamente pedagógica sobre a conveniência desta ou 
daquela "matéria" em um currículo escolar não pode se fazer abstratamente, 
nem estar sujeita aos preconceitos do pedagogo. Deve refletir os objetivos 
gerais mais prementes da sociedade como um todo, o que significa os 
interesses das grandes massas e não os de uma elite letrada e afortunada. O 
conteúdo da educação é "popular" por excelência. Só deixa de sê-lo de fato 
em condições de alienação cultural (praticamente dominantes nas 
sociedades subdesenvolvidas). 
O conteúdo da educação não é um adorno do espírito, mas um "instrumento 
de realização do homem" dentro de seu ambiente social. Daí a denúncia do 
exibicionismo cultural, ingenuidades típicas das elites que a si mesmas se 
denominam "cultas", dos países atrasados. 
b) O que constitui a forma da Educação? 
Igualmente duas respostas distintas: 
b.1) Segundo o conceito ingênuo, a forma da educação são os 
procedimentos pedagógicos, o método (com todos seus implementos 
técnicos) de acordo com o qual é administrado o ensino. É a maneira de 
transmitir o conhecimento. 
Neste aspecto, a forma adquire importância capital na pedagogia corrente, 
porque neste campo é onde se travam de preferência os debates ociosos que 
caracterizam a pedagogia ingênua. A forma é entendida aqui como realidade 
à parte, destacada do conteúdo. Daí a tendência a concentrar a atenção sobre 
a melhoria dos procedimentos da técnica pe¬dagógica, como se isso 
representasse o essencial no progresso do ensino. 
Esta orientação se faz sentir especialmente no que se refere à Educação de 
Adultos, muito particularmente no problema da alfabetização. O afã 
(ingênuo) de buscar o "melhor" método de produzir a "melhor" cartilha é 
típico desta consciência. 
b.2) Existe, evidentemente, um problema de forma, de método, de 
transmissão do saber. Porém não deve ser entendido ingenuamente e sim de 
maneira crítica. 
Para começar, é necessário compreender que forma e conteúdo são apenas 
aspectos — distintos, mas unidos — de uma mesma realidade, que é o ato 
educacional como um todo concretamente indivisível e só analiticamente 
separável - as partes. Por isso, estão interrelacionados e se condicionam um 
ao outro. São aspectos e não componentes autônomos. 
Em segundo lugar, a forma da educação é função de seus fins sociais. Tem 
que ser em cada caso aquela que se adapta ao conteúdo, isto é, à condição 
do educando, suas possibilidades imediatas de ascensão cultural, Ê empírica 
e segue apenas a regra de ser a melhor possível para aquele a quem é dada 
a educação, no sentido de ser a mais adequada para fazê-lo subir de sua 
condição humana presente para outra melhor, imediatamente e 
concretamente possível. A forma da educação tem que ser aquela que 
permita a grandes camadas da população passarem à etapa imediatamente 
seguinte em seu processo de desenvolvimento. 
É inútil decretar, in-abstrato, que a educação escolarizada deve ser 
obrigatória, universal e gratuita. A sociedade não está capacitada para 
realizá-la concretamente dessa maneira. A formada educação, incluindo 
sua extensão e distribuição, deve tender para esse ideal, porém não se 
institucionalizar desde agora desse modo, como se já existissem as 
condições para tanto. Faltando estas, a forma social da educação tem que 
ser ditada pelo grau de adiantamento do processo de desenvolvimento. 
 
 
Relação de interdependência entre forma e conteúdo 
 
Já temos indicado a relação mútua entre estes aspectos da Educação. Esta, 
como realização concreta em um Processo objetivo, é um todo no qual 
conteúdo e forma se distinguem e se opõem apenas como fatores. Só se 
diferenciam pela análise conceitual à luz da qual aparecem como opostos, 
porém se identificam na constituição de um ato real único. 
Conteúdo e forma da educação significam mais que a simples coexistência 
e justaposição dos fatores. Representam uma unidade real, isto é, a 
dependência recíproca de um ao outro. Assim, o conteúdo determina a 
forma da educação na qual é ministrada, porém esta por sua vez determina 
a possibilidade da variação do conteúdo, aumentando-o, em um processo 
sem fim. A execução formal da transmissão de certo conteúdo instrutivo 
possibilita a abertura desse mesmo conteúdo para se incluir em algo mais, 
como adiantamento e progresso do saber. 
Por isso, o método educacional - em particular, o método de alfabetização 
— tem que ser definido como dependência de seu conteúdo (e significado) 
social, ou seja, o elemento humano ao qual vai ser aplicado, de quem o deve 
executar, dos recursos econômicos existentes, das condições concretas nas 
quais será levado à prática. Fora disso, é apenas obra imaginativa (cartilhas, 
campanhas de alfabetização, etc.), é pensamento em abstrato, é projeto no 
vácuo social. 
 
Quatro questões primordiais: 
A quem educar? Quem educa? Com que fins? Por que meios? 
Nestas questões, resume-se todo o processo educacional em sua essencial 
inter-relação de conteúdo e forma. Todo projeto pedagógico tem que as 
considerar, compreendendo o seguinte: 
Constituem uma unidade, são aspectos de uma só totalidade. 
Não se pode resolver quaisquer delas sem que esta solução influa sobre as 
demais. 
A atenção conjunta de todas elas não quer dizer uniformidade, senão, 
simplesmente reconhecimento de sua interconexão. 
É a sociedade, como fundamento e agente, quem, em última análise, as 
resolve, em função da consciência de si possui (esta, por sua vez, na 
dependência de seu estado de desenvolvimento). 
A questão "A quem educar?" se refere ao lado principal do conteúdo 
humano da educação (o outro lado é o educador). A resposta a esta pergunta 
é proporcionada peia sociedade como um todo. A sociedade onde imperam 
desigualdades nas oportunidades, pela força de seu estado presente de 
desenvolvimento e de seus interesses, está continuamente procedendo a um 
julgamento de seus elementos humanos, destinando uns à educação 
sistematizada, escolarizada, erudita; e outros à educação informal, livre, não 
letrada. 
Ainda entre os que recebem educação escolar (e universitária) a distribuição 
das oportunidades e favores deriva do jogo de influências sociais que fazem 
uns mais afortunados que outros. 
A idéia do direito igual para todos de receber educação escolar começa por 
ser exigência de visionários políticos e sociais e só passa a ser uma demanda 
da consciência geral quando se dão as condições objetivas que 
fundamentam esse intento. 
A exigência de educação para um maior número (e por fim para todos) só 
chega a ser irresistível quando parte da própria massa que começa a recebê-
la. Porque de agora em diante se constitui em fato político. Não é mais o 
projeto bem intencionado de alguns pedagogos generosos. 
É necessário distinguir entre o ponto de vista ingênuo e o crítico na resposta 
a esta pergunta. A consciência ingênua, ainda que não o declare, não deseja 
que todos sejam instruídos. A consciência crítica, ao contrário, compreende 
que todos devem ser instruídos e hão de sê-lo. Porém fica no engano de 
acreditar que possa fazê-lo de imediato, por isso é dócil aos estímulos da 
realidade. Sabe que só é possível forçar a realidade com auxílio dela mesma, 
ou seja, que só é possível fazer a educação total do povo pela ação da fração 
deste que se vai educando. Daí que a consciência crítica seja imediatamente 
realista, não utópica. 
À pergunta "Quem educa?" responde-se: a fração ilustrada da sociedade, 
nas pessoas de seus professores, para tal, devidamente preparados. A função 
de educar é um atributo da elite social. Deriva de seu status de possuidora 
do saber e da cultura. 
Nas sociedades onde não há oportunidades e o poder econômico se acha 
concentrado, a função de educar é delegada a um pequeno grupo de 
indivíduos instruídos e deles se espera que sirvam aos objetivos de tal 
sociedade. O educador é concebido sempre como um funcionário, um 
servidor e não como portador de uma consciência. Daí a necessidade de 
despertar nos educadores o sentimento de dignidade e autonomia, sendo 
esta concebida não como desligamento do solo social e sim como poder de 
escolha pessoal, crítica, livre das forças sociais a que se identifica. 
A preparação do educador é permanente e não se confunde com a aquisição 
de um tesouro de conhecimentos que lhe cabe transmitir a seus discípulos. 
É um fato humano que se produz pelo encontro de consciências livres, a dos 
educadores entre si e os destes com os educandos. 
O educador deve ser o portador da consciência mais avançada de seu meio 
(conjuntamente com o filósofo, o sociólogo). Necessita possuir antes de 
tudo a noção crítica de seu papel, isto é, refletir sobre o significado de sua 
missão profissional, sobre as circunstâncias que a determinam e a 
influenciam, e sobre as finalidades de sua ação. 
A questão "Com que finalidade?" é respondida diversamente de acordo com 
o ponto de vista do educador ou do legislador. 
A finalidade da educação está implícita no conteúdo e na forma como é 
executada. É próprio da consciência crítica fazer clara a finalidade que 
concebe para o processo educativo, enquanto a consciência ingênua, porque 
devem muitas vezes proceder de má fé (contra os interesses populares), 
oculta ou dissimula as finalidades da educação sob os mais diversos e sutis 
disfarces. 
A finalidade da educação tem que ser nacional em sua plena significação. 
Deve visar à transformação da nação, se é atrasada, em país progressista, no 
mesmo plano das comunidades nacionais mais desenvolvidas. 
A educação tem que ser popular, por sua origem, por seu fim e por seu 
conteúdo. O país é atrasado em virtude do modo de vida de suas massas 
(não de suas elites). Por isso, a transformação da existência do povo é o que 
constitui a substância da mudança na realidade da nação. 
Para ser popular, a educação tem que ser uma possibilidade igual para todos, 
em qualidade e quantidade. Por isso, a alfabetização é apenas o início de um 
processo educacional que de direito deve sempre visar aos graus mais altos 
do saber. 
A finalidade da educação não se limita à comunicação do saber formal, 
científico, técnico, artístico, etc. Esta comunicação é indispensável, está 
claro, porém o que se intenta por meio dela é a mudança da condição 
humana do indivíduo que adquire o saber. Por isso, a educação é 
substantiva, altera o ser do homem. A não ser assim, seria apenas adjetiva, 
mero ornamento da inteligência. O homem que adquire o saber, passa a ver 
o mundo e a si mesmo deste outro ponto de vista. Por isso se torna um 
elemento transformador de seu mundo. Esta é a finalidade essencial da 
educação. Tal é a razão de que todo movimento educacional tenha 
conseqüências sociais e políticas. 
A questão "Por que meios?" se refere fundamentalmente ao método e, 
acessoriamente, às circunstâncias materiais nas quais se cumpre o processo 
educacional. Tudo aquilo que influi executivamente no trabalho 
educacional, deste Ponto de vista é educador.Devemos acentuar a importância das condições materiais (instalações e 
prédio da escola), em duplo sentido: por seu efeito psicológico e por sua 
significação sociológica. Neste último sentido, a escola representa a 
primeira revelação à criança de seu status social (a escola rica, a escola 
pobre), porque é no edifício escolar que pela primeira vez a criança toma 
contato com a capacidade da sociedade de atendê-la. A escola é o primeiro 
"produto" social que está feito exclusivamente para ela. 
A questão do método é decisiva. Não vamos debatê-la neste momento. 
Basta assinalar que possui dois aspectos: o técnico e o ideológico. É 
importante distingui-los bem, pois o educador freqüentemente procura 
encobrir com roupagens técnicas os interesses que não deseja discutir. 
Existe, está claro, um problema muito sério de técnica pedagógica, desde a 
alfabetização até a organização dos currículos universitários, porém o que 
desejamos advertir é que toda solução técnica de um problema pedagógico 
contém uma atitude ideológica. 
Não se deve superestimar a significação do método, como faz a consciência 
ingênua. Não é admissível considerá-la como a única realidade do processo 
educacional, até o ponto de admitir que as virtudes de um determinado 
método podem suprir as deficiências dos demais fatores. Isso seria a 
artificialização do método. 
 
Caráter ideológico da educação 
 
Temos ressaltado várias vezes o caráter ideológico da educação. Aqui 
desejamos apenas deixar explícito que esse caráter, sendo dado pela 
consciência social, traz a marca de sua origem, isto é, em termos concretos, 
refere-se à consciência de alguém. É um dos modos do pensar social, porém 
se expressa pela consciência dos indivíduos que se ocupam desta questão, 
que são indivíduos vivos, dotados de condições materiais e intelectuais, com 
interesses confessados e implícitos, com desejos e intenções, etc. 
A discussão completa deste assunto só pode ser feita depois de se estudar o 
problema da consciência geral, sua forma coletiva e individual, suas 
modalidades (ingênua e crítica), etc. 
Por ora, desejamos estabelecer que não há educação sem idéia da educação. 
Nas sociedades primitivas, de educação não institucionalizada, esta idéia é 
inconsciente e se cumpre mediante os ritos sociais. Nas sociedades 
civilizadas, esta idéia pode continuar implícita ou alcançar o nível da plena 
consciência (ingênua ou crítica), na mentalidade dos educadores e 
legisladores educacionais. 
A idéia da educação (implícita ou explícita) dirige o processo educacional. 
Por isto é que este tem caráter ideológico. Daqui esta tese fundamental: Não 
há educação sem teoria da educação (implícita ou explícita). 
Igualmente, por isso é que constitui um processo social (histórico-
antropológico) e não um processo material. São objetivos tanto um como o 
outro processo, porém as leis, os momentos do primeiro são ditados pela 
consciência humana, enquanto as leis e fatos do segundo são independentes 
da consciência do homem. 
A educação é um fenômeno social total. Para atendê-la é indispensável 
empregar a categoria de totalidade. Significa que não se pode interpretá-la 
(nem planejá-la) se não se tem em vista todo o conjunto de valores reais 
(sociais) que sobre ela influem e dos efeitos gerais que dela resultam sobre 
os demais aspectos da realidade social. A educação é parte de um conjunto 
de interações e de interconexões recíprocas e não pode ser dissociada dele, 
tratada isoladamente. É parte de um todo, porém este todo sendo um 
processo, só a noção de totalidade permite compreender a inter-relação de 
cada parte com as demais, pois não se trata de um todo estático, e sim de 
uma realidade total em movimento, na qual a alteração de qualquer 
elemento influi sobre todos os demais. A noção de totalidade introduz uma 
nova percepção de fatos sociais, como são as campanhas de alfabetizado e 
de educação de adultos. Porque coloca estes fatos à luz do princípio de 
totalidade e mostra como repercutem necessariamente sobre todos os 
aspectos da sociedade, ao mesmo tempo que as mudanças ocorridas nos 
demais campos, como efeito daquelas campanhas, revertem sobre a 
compreensão, a valoração e o curso destas mesmas campanhas. 
A alienação educacional como característica da atividade pedagógica do 
país em vias de desenvolvimento. 
Que é a alienação? Em sua expressão mais geral, filosófica, é um conceito 
que define a condição de um ser que se encontra privado de sua essência, 
ou porque se encontre separado dela ou porque ela não se realiza 
completamente, perfeitamente em tal ser. Este é o aspecto antropológico do 
conceito de alienação. 
Em sentido mais restrito, histórico, social, a alienação se refere ao estado 
do indivíduo, ou da comunidade, que não retira de si mesma, de seus 
fundamentos objetivos, os motivos, os determinantes (as matrizes) com que 
constitui sua consciência, e sim os recebe passivamente de fora, de outros 
indivíduos ou comunidades (para os quais são válidos), e se comporta de 
acordo com esses motivos e determinantes como se fossem seus. Neste 
sentido é que o indivíduo ou a comunidade perdem sua essência. O homem 
perde sua dignidade de ser livre, a sociedade perde suas características de 
autonomia, de capacidade criadora de si, material e culturalmente. A 
essência que exibem não é a sua, é emprestada, quase sempre imposta a eles 
por outro indivíduo ou sociedade mais forte que os submete. Assim, a 
essência de tais seres está deslocada, eles são estranhos (alheios) a ela, ao 
que deveriam ser, perdem por isso a condição, a dignidade antropológica, 
existencial, de sujeitos de si, tornando-se objetos de outro. 
A consciência alienada não se sente ligada à sua realidade autêntica (a seu 
ser nacional), à sua condição na sociedade, e sim se comporta como 
indiferente à sua realidade ou alheio a ela, e se transporta em pensamento a 
um mundo que não é o seu, ao qual passa a pertencer, adotando suas 
atitudes, seu estilo de vida, seus valores, etc. É a transferência imaginária 
do indivíduo para um mundo alheio, no qual vai buscar inspiração para seus 
atos e suas idéias desprezando o autêntico fundamento de sua realidade (que 
lhe parece pobre, feia, atrasada, suja, enferma, etc.). Pretende modificar sua 
realidade com o auxílio de idéias e procedimentos que não foram induzidos 
do seu próprio mundo e sim importados de realidades sociais e culturais 
alheias. 
A alienação é um fato social objetivo e se refere à consciência toda (por isso 
é um fenômeno total). O indivíduo alienado repele totalmente sua inserção 
em seus fundamentos histórico-nacionais e pretende resolver os problemas 
de sua sociedade, de seu mundo (em particular o problema da educação) por 
meio de critérios e métodos que não foram extraídos de sua realidade, e sim 
recebidos de fora, venerados justamente por ter esta origem. Vê-se assim 
que a consciência alienada se impermeabiliza à sua realidade objetiva Entre 
os dados de sua alienação figura evidentemente o desconhecimento da 
mesma alienação e a repulsa a aceitar esta acusação. 
A alienação é característica da pedagogia nos países em vias de 
desenvolvimento. Tratando-se de países economicamente dependentes de 
um centro poderoso e também culturalmente dependentes desse centro, é 
natural que sua consciência social comum seja do tipo ingênuo e por isto 
sua visão de si mesmos e do mundo não se origina de sua realidade, e sim é 
parte da dominação cultural que recebem dos centros dominantes. Não 
possuem óptica própria, vendo-se a si mesmos e a toda a realidade com 
olhos alheios. 
Somente quando se inicia o processo de tomada de consciência por uma 
sociedade, surge a possibilidade da denúncia da alienação cultural da qual 
se encontra imbuída. 
A pedagogia é naturalmente um dos campos prediletos de exercício da 
consciência alienada. Os pedagogos desta espécie não buscam extrair de sua

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