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FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 1 Cooper para Totós A ideia de fazer esta sebenta partiu da necessidade de estudar para a 2º fase do exame de BMC. A meros 5 dias antes do exame da 2ª fase, e com pouco tempo para estudar, resolvi arriscar, e pedi ajuda. Alguns colegas meus ajudaram e estou grato, por hoje, na véspera do exame, termos reunido todo o material. Sem eles este projecto não teria sido possível num tão curto espaço de tempo. Fica aqui o agradecimento pela excelente e rigorosa colaboração dos meus colegas: Maria Maia (Capítulo 7), que mesmo sem necessitar de estudar, uma vez que não iria repetir o exame, resolveu ajudar. O mesmo se passou com o Miguel Guia (Capítulos 12 e 17), que se voluntariou de seguida para ajudar, sem pretender estudar. Quanto ao Ricardo Vale de Andrade (Capítulos 10 e 16), ao Marcos Mesquita (Capítulo 11), e à Sónia Cavaco (Capítulo 13), deixo aqui os agradecimentos sinceros pela colaboração. Espero que esta sebenta vos ajude, e se no futuro desejarem melhorá-lha, contactem-me por favor: fredericobarreto@campus.ul.pt Frederico Crisóstomo Barreto 1 de Março de 2009 mailto:fredericobarreto@campus.ul.pt FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 1 Índice Capítulo 1 – Visão geral sobre as células ................................................................................. 10 Origem e evolução das células ............................................................................................ 10 A primeira célula ............................................................................................................. 10 Evolução do Metabolismo ............................................................................................... 11 Procariótas Actuais .......................................................................................................... 11 Eucariótas Actuais ........................................................................................................... 12 A origem dos eucariótas .................................................................................................. 12 Desenvolvimento de Organismos Multicelulares ............................................................. 12 Células como modelos experimentais ................................................................................. 13 E.coli ............................................................................................................................... 13 Leveduras........................................................................................................................ 13 Caenorhabditis elegans ................................................................................................... 13 Drosophila melanogaster ................................................................................................ 13 Vertebrados .................................................................................................................... 14 Capítulo 2 – Composição das células ....................................................................................... 15 As moléculas das células ..................................................................................................... 15 Glícidos ........................................................................................................................... 15 Lípidos ............................................................................................................................ 15 Ácidos Nucleicos ............................................................................................................. 15 Proteínas ......................................................................................................................... 18 Membranas celulares .......................................................................................................... 18 Lípidos Membranares ...................................................................................................... 18 Proteínas membranares .................................................................................................. 19 Transporte através de membranas celulares ................................................................... 19 Proteomics: Análise de Proteínas celulares a larga-escala .................................................... 19 Identificação de proteínas celulares ................................................................................ 20 FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 2 Análise global da localização proteica .............................................................................. 20 Interacções proteicas ...................................................................................................... 20 Capítulo 4 – Fundamentos da Biologia Molecular .................................................................... 21 Hereditariedade, Genes e DNA ............................................................................................ 21 Genes e Cromossomas .................................................................................................... 21 Genes e Enzimas ............................................................................................................. 21 Identificação de DNA como o Material Genético ............................................................. 21 Estrutura do DNA ............................................................................................................ 22 Replicação do DNA .......................................................................................................... 23 Expressão da Informação Genética...................................................................................... 25 Colinearidade de Genes e Proteínas ................................................................................ 25 O papel do mRNA ............................................................................................................ 25 DNA recombinante.............................................................................................................. 27 Enzimas de restrição ....................................................................................................... 27 Formação de moléculas de DNA recombinante ............................................................... 28 Vectores de DNA recombinante ...................................................................................... 30 Sequenciação de DNA ..................................................................................................... 31 Expressão de genes clonados .......................................................................................... 33 Detecção de Ácidos Nucleicos e Proteínas ........................................................................... 34 Amplificação de DNA por PCR .......................................................................................... 34 Hibridação de ácidos nucleicos ........................................................................................ 34 Anticorpos como sondas para proteínas .......................................................................... 37 Função de Genes em Eucariótas .......................................................................................... 39 Transferência Genética em Plantas e Animais ..................................................................39 Mutagénese de DNAs clonados ....................................................................................... 44 Introdução de Mutações em genes celulares ................................................................... 44 Interferindo com a Expressão Genética Celular................................................................ 44 FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 3 Capítulo 5 – Organização e Sequências dos Genomas Celulares .............................................. 45 A Complexidade dos Genomas Eucariotas ........................................................................... 45 Intrões e Exões ................................................................................................................ 45 Sequências de DNA Repetitivas ....................................................................................... 46 Duplicação de Genes e Pseudogenes ............................................................................... 47 Composição dos Genomas de Eucariótas ......................................................................... 47 Cromossomas e Cromatina.................................................................................................. 48 Cromatina ....................................................................................................................... 48 Centrómeros ................................................................................................................... 50 Telómeros ....................................................................................................................... 50 Sequências de Genoma Completos ..................................................................................... 51 O Genoma Humano - Experiência .................................................................................... 51 Capítulo 6 – Replicação, Manutenção, e Rearranjos no DNA Genómico ................................... 53 Replicação do DNA .............................................................................................................. 53 DNA polimerases ............................................................................................................. 53 Forquilha de Replicação .................................................................................................. 54 Fidelidade da Replicação ................................................................................................. 58 Origens e Iniciação da Replicação .................................................................................... 60 Telómeros e Telomerase: Manutenção das extremidades de cromossomas .................... 60 Reparação de DNA .............................................................................................................. 63 Reversão directa de danos a DNA .................................................................................... 64 Reparação por excisão .................................................................................................... 64 Síntese de DNA translesão ............................................................................................... 64 Reparação Recombinacional ........................................................................................... 64 Recombinação entre Sequências Homólogas de DNA .......................................................... 64 Modelos de Recombinação Homóloga............................................................................. 64 Enzimas Envolvidas na Recombinação Homóloga ............................................................ 64 FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 4 Rearranjos de DNA .............................................................................................................. 64 Recombinação Site-Specific ............................................................................................. 65 Transposição através de Intermediários de DNA .............................................................. 65 Transposição através de Intermediários de RNA .............................................................. 66 Amplificação Génica ........................................................................................................ 67 Capítulo 7 - Processamento e Síntese de RNA ......................................................................... 68 Transcrição em procariotas ................................................................................................. 68 RNA polimerase e Transcrição ......................................................................................... 68 Repressores e controlo negativo da transcrição ............................................................... 71 Controlo positivo da transcrição ...................................................................................... 72 RNA polimerases eucariótas e Factores de transcrição ........................................................ 72 RNA polimerases eucariotas ............................................................................................ 72 Factores de transcrição e Início da transcrição pela RNA polimerase II............................. 73 Transcrição pela RNA polimerase I e III ............................................................................ 73 Regulação da transcrição em Eucariotas .............................................................................. 73 Sequências Cis-acting reguladoras: Promotores e Enhancers ........................................... 73 Estrutura e funcionamento de Activadores da Transcrição .............................................. 75 Repressores eucariótas ................................................................................................... 75 Relação da estrutura da cromatina com a transcrição...................................................... 76 Regulação da transcrição por RNAs não codificantes ....................................................... 78 Metilação do DNA ........................................................................................................... 78 Processamento de RNA e turnover ...................................................................................... 79 Processamento de mRNA em Eucariótas ......................................................................... 79 Mecanismos de Splicing .................................................................................................. 80 Splicing Alternativo (Alternative splicing)......................................................................... 82 Edição de RNA ................................................................................................................. 82 Degradação de RNA ........................................................................................................ 83 FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 5 Capítulo 8 – Síntese, processamento e regulação proteica ...................................................... 84 Tradução do mRNA ............................................................................................................. 84 RNAs de transferência ..................................................................................................... 84 O Ribossoma ................................................................................................................... 85 Organização do mRNAe início da tradução ..................................................................... 85 Processo de Tradução ..................................................................................................... 86 Regulação da Tradução ................................................................................................... 87 Dobragem Proteica e Processamento .................................................................................. 88 Chaperonas e Dobragem Proteica ................................................................................... 89 Enzimas que catalisam a Dobragem Proteica ................................................................... 89 Clivagem Proteica ............................................................................................................ 89 Glicolização ..................................................................................................................... 90 Ligação de Lípidos ........................................................................................................... 91 Capítulo 10 – Encaminhamento e transporte de proteínas ...................................................... 92 O retículo endoplasmático .................................................................................................. 92 O retículo endoplasmático e a secrecção de proteínas .................................................... 92 Encaminhamento de proteínas para o Retículo Endoplasmático ...................................... 92 Inserção de proteína na membrana do Retículo Endoplasmático ..................................... 94 Inserção de uma proteína na membrana do RE com uma sequência-sinal clivável e uma única stop-transfer sequence .......................................................................................... 94 Inserção de uma proteína na membrana do RE com uma sequência-sinal interna à sequência (e, portanto, não-clivável) ............................................................................... 94 Inserção de uma proteína na membrana do RE com múltiplas stop-transfer sequences (domínios transmembranares) ........................................................................................ 95 Folding e Processamento proteico no Retículo Endoplasmático ....................................... 95 Controlo de Qualidade no Retículo Endoplasmático ........................................................ 96 O retículo endoplasmático liso e a síntese de lípidos ....................................................... 96 Exportação de Lípidos e Proteínas a partir do Retículo Endoplasmático ........................... 97 O Aparelho de Golgi ............................................................................................................ 98 FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 6 Organização do Golgi ...................................................................................................... 98 Glicosilação de proteínas no Golgi ................................................................................... 98 Metabolismo dos lípidos e dos polissacarídeos no Golgi .................................................. 99 Encaminhamento e exportação das proteínas a partir do Golgi ....................................... 99 O mecanismo do transporte de vesículas .......................................................................... 100 A experimentação e a compreensão dos mecanismos do transporte de vesículas ......... 100 Selectividade do Cargo, Proteínas Coat e Destacamento de Vesículas ........................... 100 Fusão de Vesículas ........................................................................................................ 101 Lisossomas ........................................................................................................................ 101 Hidrolases ácidas próprias dos lisossomas ..................................................................... 101 Endocitose e formação do lisossoma ............................................................................. 102 Fagocitose e Autofagia .................................................................................................. 102 Capítulo 11 – Bioenergética e Metabolismo ..................................................................... 103 Mitocôndrias ..................................................................................................................... 103 Organização e Função das Mitocôndrias ........................................................................ 103 O Sistema Genético das Mitocôndrias ........................................................................... 103 Importação de Proteínas e Montagem de Mitocôndrias ................................................ 104 Peroxissomas .................................................................................................................... 107 Funções dos Peroxissomas ............................................................................................ 107 Construção de Peroxissomas ......................................................................................... 107 Capítulo 12 – O citoesqueleto e o movimento celular ........................................................... 108 Estrutura e Organização dos filamentos de actina ............................................................. 108 Montagem e Desmontagem dos Filamentos de Actina .................................................. 108 Organização dos filamentos de Actina ........................................................................... 108 Associação com a Membrana Plasmática....................................................................... 109 Projecções da Superfície Celular .................................................................................... 109 Actina, Miosina e Movimento Celular ................................................................................ 109 FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 7 Filamentos Intermédios .................................................................................................... 110 Proteínas dos Filamentos Intermédios ........................................................................... 110 Montagem dos Filamentos Intermédios ........................................................................ 110 Organização Intracelular dos Filamentos Intermédios ................................................... 110 Epidermólise Bulhosa Simples ....................................................................................... 111 Microtúbulos .................................................................................................................... 111 Estrutura e organização Dinâmica dos Microtúbulos ..................................................... 111 Organização Intracelular dos Microtúbulos ................................................................... 111 Drogas que Afectam a Estabilidade dos Microtúbulos ................................................... 111 Motores Microtubulares e Movimento ............................................................................. 112 Cílios e Flagelos ............................................................................................................. 112 Resumo das Funções ............................................................................................................. 112 Capítulo 13 – Membrana Plasmática ..................................................................................... 113 Transportede pequenas moléculas ................................................................................... 113 Medicina Molecular: Fibrose Cística (FC) ....................................................................... 113 Endocitose ........................................................................................................................ 114 Fagocitose ..................................................................................................................... 114 Endocitose Mediada por Receptor................................................................................. 115 Key Experiment: O Receptor de LDL .............................................................................. 116 Tráfego de Proteínas na Endocitose............................................................................... 118 Capítulo 15 – Sinalização Celular ........................................................................................... 120 Moléculas Sinalizadoras e os seus receptores .................................................................... 120 Modos de sinalização célula-célula ................................................................................ 120 Hormonas esteróides e a Superfamília dos receptores nucleares................................... 122 Neurotransmissores ...................................................................................................... 122 Hormonas Peptídicas e Factores de crescimento ........................................................... 123 Funções dos Receptores da Superfície Celular ................................................................... 123 FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 8 Receptores Acoplados a Proteínas G ............................................................................. 123 Receptores associados a tirosina-cinases ....................................................................... 124 Receptores de citocinas, e Tirosinas cinases não receptoras .......................................... 125 Receptores ligados a outros tipos de enzimas................................................................ 125 Vias de transmissão de sinais intracelulares ...................................................................... 125 A via do cAMP: Mensageiros Secundários e Fosforilação de Proteínas ........................... 125 GMP cíclico ................................................................................................................... 126 Fosfolípidos e CA2+ ........................................................................................................ 126 Vias da MAP cinase ....................................................................................................... 126 Capítulo 16 – O ciclo celular .................................................................................................. 128 O ciclo celular da célula eucariota ..................................................................................... 128 Fases do ciclo celular ..................................................................................................... 128 Regulação do Ciclo Celular por Sinais de Crescimento e Sinais Extracelulares ................ 129 Checkpoints do ciclo celular .......................................................................................... 130 Restringindo a replicação do DNA a uma única vez por ciclo .......................................... 130 Reguladores da progressão do ciclo celular ....................................................................... 131 Proteínas-cinases e regulação do ciclo celular ............................................................... 131 Famílias de Ciclinas e Cinases dependentes de ciclinas .................................................. 132 Factores de crescimento e regulação das Cdk’s da fase G1 ............................................ 133 Checkpoints de verificação de erros no DNA.................................................................. 133 Capítulo 17 – Morte e Renovação Celular .............................................................................. 134 Morte Celular Programada ................................................................................................ 134 Eventos Durante a Apoptose (Fig 17.1) .......................................................................... 134 Fagocitose de Células e Fragmentos de Células Apoptóticas (Fig 17.2) ........................... 134 Caspases ....................................................................................................................... 135 Reguladores Centrais da Apoptose: A família Bcl-2 ........................................................ 135 Vias Sinalizadoras que regulam a apoptose ................................................................... 136 FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 9 Células Estaminais e a Manutenção de Tecidos Adultos..................................................... 137 Proliferação de Células Diferenciadas ............................................................................ 137 Células Estaminais ......................................................................................................... 137 Aplicações Médicas de Células Estaminais Adultas ........................................................ 137 Células Estaminais Embionárias e Clonagem Terapêutica .............................................. 137 Transferência Nuclear Somática .................................................................................... 137 FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 10 Capítulo 1 – Visão geral sobre as células Origem e evolução das células As células dividem-se em duas classes principais: células procarióticas (que não têm envelope nuclear), e células eucariotas que têm um núcleo que separa o material genético do citoplasma. Em geral os procariotas são menores e mais simples que os eucariotas, o seu genoma é menos complexo, e não contêm organelos citoplasmáticos ou citoesqueleto. Mas ambos os tipos de células governam as suas vidas com base em mecanismos moleculares semelhantes. A primeira célula Na base do aparecimento de vida está uma teoria que postula que a formação espontânea de moléculas orgânicas conduziu à posterior formação de macromoléculas. Uma característica crucial das macromoléculas que deram origem à vida terá sido a capacidade de auto- replicação, pois só uma macromolécula capaz de direccionar a síntese de novas cópias de si mesma seria capaz de direccionar a reprodução e posterior evolução. As moléculas com a capacidade de auto-replicação são os ácidos nucleicos, cujas cadeias servem de moldes para a síntese da nova macromolécula, através do emparelhamento específico de nucleótidos complementares. Estudos descobriram as capacidades catalíticas do RNA, que consegue direccionar a síntese de uma nova cadeia de RNA através de uma cadeia molde. Consequentemente, o RNA é considerado o sistema genético inicial (RNA world). Interacções entre RNA e aminoácidos (aa) deram origem ao código genético actual, e o DNA substituiu o RNA como material genético. Auto-Replicação de RNA A primeira célula gerou-se supostamente pelo enclausuramento de RNA auto-replicante numa membrana composta de fosfolípidos, que são os componentes básicos de das membranas biológicas, como as membranas plasmáticas dos procariótas e eucariótas. Oque permite aos fosfolípidos formar membranas é que eles são moléculas anfipáticas, ou seja, uma porção da molécula é solúvel e água e a outra não. Os fosfolípidos têm longas cadeias de carbono e hidrogénio insolúveis em água (hidrofóbicas), juntas a cabeças de fosfato solúveis em água (hidrofílicas). Quando em meio aquoso, os fosfolípidos agregam-se espontaneamente numa bicamada, em que os grupos fosfato estão em contacto com a água, e as cadeias de carbono e hidrogénio no interior em contacto umas com as outras. Esta bicamada forma uma barreira FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 11 estável entre dois compartimentos aquosos - por exemplo o interior e o exterior de uma célula. Enclausuramento de RNA Auto-Replicante numa membrana de fosfolípidos Evolução do Metabolismo As células necessitaram de desenvolver os seus próprios mecanismos de geração de energia e síntese de moléculas necessárias à replicação. Todas as células usam adenosina 5’-trifosfato (ATP) como fonte de energia para conduzir a síntese de constituintes celulares e outras actividades que implicam o gasto de energia, como o movimento celular. Os mecanismos para geração de ATP surgiram em 3 fases, a glicólise, a fotossíntese, e o metabolismo oxidativo. A glicólise é um mecanismo pelo qual a energia em moléculas orgânicas pré-formadas poderia ser convertido em ATP, que poderia ser depois usado como fonte energética para conduzir outras reacções metabólicas. O desenvolvimento da fotossíntese foi o passo evolucionário seguinte, permitindo à célula colher energia da luz solar, tornando-a independente da utilização de moléculas orgânicas pré-formadas. O uso de H2O em reacções fotossintéticas produz O2, e foi este mecanismo o responsável por tornar a atmosfera terrestre abundante em O2, que consequentemente alterou o ambiente em que as células habitavam, levando ao desenvolvimento do metabolismo oxidativo. Como o O2 é uma molécula muito reactiva, providenciou um mecanismo de geração de energia a partir de moléculas orgânicas muito mais eficiente que a simples glicólise anaeróbica. Procariótas Actuais Os procariótas actuais dividem-se em dois grupos: archeabacteria (algumas vivem em ambientes extremos) e eubacteria, as formas comuns de bactérias da actualidade. Os procariótas mais complexos são as cianobactérias, as quais desenvolveram inicialmente a fotossíntese. A estrutura típica de uma célula procarióta é ilustrada pela E.coli, uma habitante do trato intestinal humano: é rodeada por uma parede celular rígida (porosa), abaixo da qual existe uma membrana plasmática, na qual uma bicamada fosfolipídica está associada a proteínas. O FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 12 seu DNA é uma molécula circular no nucleóide, não sendo separada do citoplasma, como nos eucariótas. O seu citoplasma abunda em ribossomas (locais da síntese proteica). Eucariótas Actuais Todas são envolvidas por uma membrana plasmática e contêm ribossomas, mas são maiores e mais complexas, sendo o seu organelo mais proeminente o núcleo (local de síntese de RNA e replicação de DNA; a tradução dá-se em ribossomas, no citoplasma). Contêm outros organelos no citoplasma, que ao compartimentalizarem as diferentes actividades metabólicas da célula as tornam muito mais eficientes. As mitocôndrias (onde se dá o metabolismo oxidativo e produção de ATP) e os cloroplastos têm papéis fundamentais no metabolismo energético. Os lisossomas e peroxissomas são compartimentos metabólicos especializados na digestão de macromoléculas e reacções oxidativas, respectivamente. O retículo endoplasmático (processa e transporta proteínas e sintetiza lípidos) e o aparelho de Golgi (matura proteínas e sintetiza lípidos) dedicam-se à distribuição e transporte de proteínas destinadas à secreção, incorporação na membrana plasmática e lisossomas. As células eucariótas ainda têm uma rede de filamentos proteicos que se estende no citoplasma, o citoesqueleto, que dá estrutura à célula, determinando o seu formato, e organização geral do seu citoplasma, sendo também responsável pelo movimento celular e transporte e posicionamento de organelos numa célula. A origem dos eucariótas Um passo crucial na evolução das células eucarióticas foi a aquisição de organelos, que lhes permitiu tornarem-se mais complexas. Estes organelos surgiram supostamente por endossimbiose (uma célula a viver dentro de outra), em que células procariótas viviam nas células que deram origem às eucariótas. Esta hipótese é bem suportada por estudos de mitocôndrias e cloroplastos, que se pensam ter evoluído de eubacterias a viver em células maiores, pois tanto as mitocôndrias como os cloroplastos contêm o seu próprio DNA, que codifica alguns dos seus componentes. Assim, pensa-se que as mitocôndrias surgiram de eubacterias aeróbias. Desenvolvimento de Organismos Multicelulares Os seres multicelulares evoluíram de seres unicelulares que formavam agregados multicelulares. Por exemplo, alguns tipos de células de algas associam-se umas às outras para formar colónias multicelulares. A progressiva especialização celular levou à transição de agregados coloniais a seres multicelulares. O corpo humano é composto por mais de 200 tipos de células diferentes, que são considerados componentes de 5 tipos principais de tecido: epitelial (cobrem as superfícies do corpo e órgãos internos), conjuntivo (osso, cartilagem, tecido adiposo), sanguíneo (contém glóbulos vermelhos e brancos), nervoso (neurónios) e muscular (produção de força – movimento). FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 13 Células como modelos experimentais Porque as propriedades fundamentais das células têm sido conservadas durante a evolução, os princípios básicos retirados de experiências com uma célula geralmente são aplicáveis a outras. E.coli Os procariótas são os seres de eleição para o estudo de aspectos fundamentais da bioquímica e da biologia molecular, devido à sua simplicidade, quando comparados a outros seres. A E.coli é a espécie de bactéria mais estudada, pois é relativamente simples, e fácil de propagar e estudar em laboratório. O seu pequeno genoma (4.6 milhões de pb e 4300 genes), aliado à sua rápida proliferação laboratorial, confere-lhe vantagens na análise genética. Além disso, uma população clone de E.coli, na qual todas as células derivam da mesma célula original, pode ser facilmente isolada num meio de cultura com agar, permitindo tornar a escolha de espécies resistentes a antibióticos rápida e fácil. As misturas de nutrientes na qual a E.coli se divide mais rapidamente (20 minutos) inclui glicose, sais, compostos orgânicos (aa, vitaminas e precursores de ácidos nucleicos). Também pode ser cultivada num meio mais pobre, contendo apenas amónia e glicose, sendo contudo o crescimento mais lento. Leveduras As leveduras, os eucariotas mais simples, têm vantagens experimentais semelhantes à E.coli, sendo o modelo da biologia celular dos eucariontes. A espécie mais estudada é a s.cerevisiae, contendo um genoma com aproximadamente 6000 genes. Apesar da sua simplicidade, exibe as características típicas das células eucariótas: núcleo rodeado por uma membrana nuclear, DNA organizado em cromossomas, e o citoplasma contém citoesqueleto e organelos. Em condições óptimas dividem-se a cada 2 horas, sendo ideais para manipulações genéticas semelhantes àquelas realizadas em bactérias. Caenorhabditis elegans As leveduras unicelulares são modelosmuito importantes para o estudo de células eucariótas, mas a compreensão de seres multicelulares requer o uso de plantas ou de animais, organismos mais complexos. A c.elegans permite o estudo do desenvolvimento animal e da diferenciação celular. O seu genoma é bem maior e mais complexo do que o de eucariontes unicelulares mas bem mais simples e manuseável que o da maioria dos outros animais, sendo facilmente sujeitado a manipulação genética. Os indivíduos adultos são compostos por apenas 959 células somáticas, e entre 1000 e 2000 células da linha germinativa. Drosophila melanogaster Esta mosca da fruta tem sido um modelo crucial no estudo da biologia do desenvolvimento, e apesar de conter mais pb no seu genoma, contém menos genes que a c.elegans, sendo também fácil de manter e reproduzir laboratorialmente (tem um ciclo reprodutivo curto – duas semanas). A análise genética realizada na Drosophila permitiu a identificação de inúmeros genes que controlam o desenvolvimento e a diferenciação. FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 14 Vertebrados Os animais mais complexos são os vertebrados, que incluem os humanos, mamíferos, entre outros. O genoma humano tem aproximadamente 3 mil milhões de pb, contém 20 000 a 25 000 genes, e mais de 200 tipos diferentes de células especializadas. Esta complexidade torna os vertebrados difíceis de estudar do ponto de vista da biologia molecular. Uma abordagem para o estudo de seres humanos e outros mamíferos é o crescimento de células isoladas em cultura, onde podem ser manipuladas, sob condições laboratoriais. O uso de células em cultura permitiu elucidar os mecanismos da replicação de DNA, expressão genética, síntese proteica, processamento, e divisão celular. Além do mais, as propriedades de algumas células altamente especializadas (neurónios, células musculares), tornam-nas modelos importantes para o estudo de aspectos particulares da biologia celular. Por exemplo, os neurónios são excelentes modelos para o estudo do transporte de iões através da membrana. Entre os mamíferos, o rato é o modelo mais adequado para análise genética, que é facilitada pela disponibilidade do seu genoma completo. A adequação do rato como modelo para o desenvolvimento humano é indicada não só pela semelhança entre os genomas humano e do rato, como também pelo facto de mutações em genes homólogos provocarem o desenvolvimento de defeitos em ambas as espécies. FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 15 Capítulo 2 – Composição das células As moléculas das células As células são compostas por água (muito abundante), iões inorgânicos e moléculas orgânicas (substâncias que contêm carbono e hidrogénio). A interacção entre a água e os outros constituintes celulares é de grande importância, e como a água é uma molécula polar (atómos de hidrogénio têm uma carga ligeiramente positiva e os de oxigénio uma ligeiramente negativa), pode formar pontes de hidrogénio com outras moléculas de água, bem como interagir com iões carregados positiva ou negativamente. Assim, iões e moléculas polares dissolvem-se em água (hidrofílicas), e as moléculas apolares são pouco solúveis em água (hidrofóbicas), tendendo assim a minimizar o seu contacto com a água, associando-se umas com as outras. Os iões inorgânicos celulares (sódio, potássio, cloro, cálcio, magnésio, fosfato, bicarbonato), estão envolvidos em aspectos metabólicos. Os compostos orgânicos dividem-se em 4 classes moleculares: glícidos, lípidos, proteínas e ácidos nucleicos. As proteínas, ácidos nucleicos, e a maioria dos glícidos (polissacáridos) são macromoléculas formadas pela polimerização (junção) de vários precursores moleculares: aminoácidos (aa), nucleótidos e monossacáridos, respectivamente. Glícidos Incluem açúcares simples (monossacáridos), bem como polissacáridos. Os monossacáridos (como a glicose) são os principais nutrientes de uma célula, e a sua degradação é a fonte de energia celular e de precursores para a biossíntese de componentes celulares. Os polissacáridos são a forma de armazenamento de açúcares e formam os componentes estruturais das células, servindo também como marcadores em processos de reconhecimento celular. Lípidos São os principais componentes das membranas celulares, sendo também uma forma de armazenamento energético muito importante, além de funcionarem como moléculas sinalizadoras e hormonas esteróides (estrogénios, testosterona, etc). Ácidos Nucleicos Os ácidos nucleicos – DNA e RNA – são as molécula de armazenamento de informação da célula. O DNA tem como função servir de material genético, sendo que nãos eucariontes se localiza no núcleo. Existem diferentes tipos de RNA: mRNA (mensageiro), que transporta informação do DNA para os ribossomas, servindo como molde para a síntese proteica; o rRNA e o tRNA estão envolvidos na síntese proteica. O RNA além de transportar informação, é capaz de catalizar algumas reacções químicas (de síntese proteica e processamento de RNA). O RNA e o DNA são polímeros de nucleótidos, que consistem em bases: purinas (dois anéis), como a Adenina (A) e a Guanina (G); ou pirimidinas (um anel), como a Citosina (C), a Timina (T) e o Uracilo (U). FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 16 O DNA consiste em duas purinas (A e G), e duas pirimidinas (C e T). O RNA contém Uracilo em vez de Timina, como no DNA. Componentes dos Ácidos Nucleicos As bases (purinas e pirimidinas) estão ligadas a glícidos, no caso do DNA – desoxirribose; no caso do RNA – ribose, formando assim nucleósidos. Os nucleósidos ligam-se a um ou mais grupos fosfato no carbono 5’, formando os nucleótidos. FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 17 A polimerização de nucleótidos para formar ácidos nucleicos envolve a formação de ligações fosfodiéster, entre o fosfato 5’ de um nucleótido e o grupo hidroxilo 3’ de outro. Oligonucleótidos são pequenos polímeros de nucleótidos, enquanto que os maiores polímeros se chamam polinucleótidos. Os polinucleótidos são sempre sintetizados de 5’->3’, com a adição de um nucleótido livre na extremidade 3’ da cadeia em crescimento (ligação ao grupo hidroxilo). Assim, por convenção, as sequências de bases escrevem-se no sentido 5’->3’. A informação está contida no DNA e no RNA através da ordem das bases (A, T, G, C e U) na cadeia de polinucleótidos. O DNA é uma molécula de dupla cadeia, cujas duas cadeias de polinucleótidos “correm” em sentidos opostos. As bases ficam no interior da molécula, e as duas cadeias são juntas por pontes de hidrogénio entre bases complementares: A emparelha com T (A Ξ T) por 3 pontes, e G emparelha com C (G = C) por duas pontes. Esta complementaridade de bases permite que uma cadeia de DNA ou RNA sirva de molde para a síntese da cadeia complementar. A informação carregada no DNA e no RNA direcciona, entre outras coisas, a síntese de proteínas específicas, que controlam as actividades celulares. Os nucleótidos também participam noutros processos celulares. Por exemplo, o ATP (adenosina 5’-trifosfato), que é um nucleótido, é a principal forma de energia química das células, existindo também outros nucleótidos com estas funções. Além disso, alguns nucleótidos (como o cAMP) são importantes moléculas intracelulares sinalizadoras. A diferença entre uma ribose e uma desoxirriboseé no carbono 2’ sendo que a ribose a este carbono tem ligado um grupo hidroxilo (HO) enquanto a desoxirribose tem apenas ligado um hidrogénio (H). O grupo fosfato dos nucleótidos tem tendência a reagir com o HO do carbono 2’ atacando-o. Ora quando isto acontece a molécula de RNA torna-se instável e é degradada. Como o DNA não tem o grupo hidroxilo este não reage com o grupo fosfato e por isso esta molécula é mais estável. É por esta razão que a nossa informação genética é codificada por DNA e não por RNA (Exame 1º Fase, 2008/2009). FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 18 Proteínas As proteínas executam as tarefas implícitas pela informação genética, sendo as macromoléculas mais diversas, e realizando uma grande variedade de funções: componentes estruturais das células, transporte e armazenamento de pequenas moléculas (hemoglobina armazena O2), transmissão de informações entre células (hormonas), e defesa imunológica (anticorpos). A sua propriedade fundamental é a capacidade de actuarem como enzimas, que catalizam praticamente todas as reacções químicas dos sistemas biológicos. São polímeros de 20 tipos de aa, que se distinguem pelas diferenças nas cadeias laterais. Os aa são ligados por ligações peptídicas, entre o grupo α-amina de um aa e o grupo α-carboxilo de outro aa. Os polipéptidos são cadeias lineares de centenas ou milhares de aa, que têm duas extremidades: N-terminus, ou terminal amina; C-terminus, ou terminal carboxilo. Os polipéptidos são sintetizados do N-terminus para o C-terminus, e a sequência de aa num polipéptido é escrita na mesma ordem. Cada proteína consiste numa sequência de aa específica, que define a estrutura de uma proteína. A conformação tridimensional de uma proteína corresponde ao seu estádio termodinâmico mais estável, que depende das interacções entre os diferentes aa. Logo, a sequência de DNA que dá origem à proteína também determina a sua estrutura. Membranas celulares A estrutura e função das células depende em muito das membranas, que para além de separarem os ambientes intracelular do extracelular, definem compartimentos internos nas células eucariótas, delimitando o núcleo e os organelos celulares. As membranas biológicas são bicamadas de fosfolípidos associadas a proteínas, que são responsáveis por diversas funções especializadas: receptores de sinais externos; transporte selectivo de moléculas através da membrana; transporte de electrões de fosforilação oxidativa. Além disso, as proteínas membranares controlam as interacções entre as células de seres multicelulares. Lípidos Membranares Os constituintes essenciais das membranas celulares são os fosfolípidos, que são moléculas anfipáticas, que consistem de duas cadeias hidrofóbicas de ácidos gordos ligadas a uma extremidade polar hidrofílica que contém um grupo fosfato. Como as cadeias de ácidos gordos são pouco solúveis em água, os fosfolípidos tendem a formar bicamadas em meio aquoso (efeito entrópico e ligações Van der Waals), gerando uma barreira estável entre dois compartimentos aquosos. As bicamadas lipídicas funcionam como fluidos bi-dimensionais, nos quais moléculas individuais (lípidos e proteínas), podem rodar e mover-se em direcções laterais. Esta fluidez é uma característica crucial das membranas, e depende da temperatura e da composição da lipídica da membrana. Por exemplo, as interacções entre cadeias curtas de ácidos gordos são mais fracas que entre cadeias longas, logo membranas com ácidos gordos curtos são menos rígidas e mantêm-se fluidas a temperaturas mais baixas. Lípidos compostos por cadeias insaturadas também aumentam a fluidez da membrana, pois a presença de ligações duplas dificulta o “empacotamento” dos lípidos. FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 19 O colesterol possui anéis de hidrocarbonetos que são rígidos, e interagem com as cadeias de ácidos gordos dos outros lípidos, diminuindo a mobilidade dos ácidos gordos, tornando a membrana mais rígida. Por outro lado , a inserção do colesterol interfere com as interacções entre as cadeis de ácidos gordos, mantendo a fluidez a baixas temperaturas. Assim, o colesterol funciona como um tampão de fluidez da membrana. Proteínas membranares As proteínas são os constituintes principais das membranas celulares, estando inseridas numa bicamada lipídica, segundo o modelo do mosaico fluido. As proteínas dividem-se em duas classes principais: proteínas intrínsecas (inseridas directamente na bicamada), e proteínas extrínsecas (associadas indirectamente à membrana, geralmente interagindo com proteínas intrínsecas). A maioria das proteínas intrínsecas são transmembranares, pois cruzam a bicamada lipídica, tendo porções expostas a ambos os lados da membrana. As porções transmembranares são geralmente α-hélices, formadas por resíduos apolares, que interagem com a porção hidrofóbica da membrana. A membrana pode também ser atravessada por uma estrutura em β-barril. As proteínas transmembranares são moléculas anfipáticas, pelo que as suas porções hidrofílicas estão expostas ao ambiente aquoso. As proteínas também podem ser ancoradas a membranas por lípidos ligados covalentemente a cadeias polipeptídicas, e as diferentes modificações lipídicas ditam a que face da membrana as proteínas ficam ancoradas. Transporte através de membranas celulares Apenas pequenas moléculas sem carga (H2O, O2 e CO2) se conseguem difundir livremente através das membranas. Moléculas maiores, mesmo que apolares (glicose) não conseguem difundir-se livremente pela membrana, bem como iões. Assim, é necessário que a passagem destas moléculas e iões seja mediada por proteínas transmembranares, que podem assim, determinar a permeabilidade selectiva de membranas celulares. Há duas classes de proteínas transportadoras: canais proteicos, que formam poros através da membrana, permitindo a livre passagem de moléculas com tamanho apropriado, podendo ser selectivamente abertos ou fechados; proteínas carregadoras, que se ligam selectivamente e transportam moléculas específicas, como a glicose. Quando o movimento das moléculas é a favor do gradiente, o transporte é denominado difusão passiva. Quando o transporte é contra gradiente e é acoplado à hidrólise de uma fonte energética, o processo denomina-se transporte activo. Proteomics: Análise de Proteínas celulares a larga-escala Genomics é a análise sistemática de genomas celulares. Proteomics é o estudo em larga escala das proteínas celulares. Proteome é a identificação e quantificação de todas as proteínas expressas numa célula, bem como a identificação das suas redes de interacção. FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 20 Identificação de proteínas celulares O nº de espécies diferentes de proteínas de uma célula é maior que o número de genes, pois um gene pode corresponder a mais do que uma proteína, devido a fenómenos de splicing alternativo e de modificações proteicas. O primeiro método desenvolvido para estudos de proteomics é a electroforese em gel de proteínas, que pode separar centenas de proteínas. A espectofotometria de massa é outro método, que permite identificar proteínas, separadas por electroforese ou não. Análise global da localização proteica Organelos subcelulares isolados podem ser analisados por espectofotometria de massa, para determinar os seus constituintes proteicos. Grande porção das proteínas das leveduras pode ser marcada por proteínas fluorescentes verdes para estudos globais dasua localização. Interacções proteicas Várias abordagens a larga-escala têm sido aplicadas para identificar interacções entre proteínas e complexos, com o objectivo de elucidar as redes complexas das interacções proteicas que regulam o comportamento celular. FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 21 Capítulo 4 – Fundamentos da Biologia Molecular Hereditariedade, Genes e DNA A propriedade mais fundamental de todos os seres vivos é a sua capacidade para se reproduzirem. Todos os organismos herdam a informação genética, que especifica a sua estrutura e função, dos seus pais. Todas as células derivam de células preexistentes, por isso o material genético tem que ser replicado e passado das células pais para a descendência a cada divisão genética. Genes e Cromossomas Cada característica de um ser é determinada por um par de factores herdados, que se chamam genes. Uma cópia de um gene (alelo) que especifica uma característica é herdada de cada progenitor. Quando mais de que um alelo diferente está presente num ser, aquele que se manifesta é dito alelo dominante, e o outro recessivo. O genótipo é a composição genética de um organismo, enquanto o fenótipo são as características observáveis, que resultam da expressão dos genes de um organismo. Os genes são transportados pelos cromossomas, sendo que a maioria dos animais e plantas apresentam duas cópias de cada cromossoma: são diplóides. Durante a formação das células da linha germinativa, dá-se a meiose (tipo de divisão celular), na qual apenas um cromossoma do par de cromossomas é transmitido à descendência. Assim, o oócito e o espermatozóide são haplóides, contendo apenas uma cópia de cada cromossoma. A união destas duas células haplóides durante a fecundação cria um novo ser diplóide, contendo agora cada par de cromossomas, derivado um do pai e outro da mãe. O comportamento dos pares de cromossomas é semelhante ao dos genes, levando à conclusão que os genes são transportados pelos cromossomas. Genes e Enzimas Um gene especifica a sequência de aa de uma cadeia polipeptídica. Identificação de DNA como o Material Genético Os cromossomas são compostos por DNA e proteínas. A experiência que ditou inicialmente que o DNA seria o material genético e não as proteínas deriva de estudos com a bactéria que causa a pneumonia, pneumococcus. A estirpe patogénica do pneumococcus é envolvida por uma cápsula de polissacáridos que protege as bactérias de um ataque por parte do sistema imunitário do hospedeiro. A estirpe encapsulada é a estirpe S (“smooth”) e a estirpe mutante que perdeu a capacidade de gerar a cápsula é a estirpe R (“rough”), que não tendo cápsula, não é patogénica quando inoculada em ratos. Experimentalmente verificou-se que, ratos inoculados com bactérias R mais bactérias S mortas por calor desenvolviam pneumonia e morriam. Quando extraídas bactérias dos ratos mortos, verificavam-se que estas eram da estirpe S. Denotou-se que extractos de bactérias S eram também capazes de converter a bactéria R para uma bactéria S. Assim, uma substância no extracto da bactéria S eram responsável pela indução da transformação genética de uma bactéria R (não patogénica) para uma S (patogénica). FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 22 Transferência da informação genética pelo DNA Outra experiências vieram demonstrar que era o DNA, e não proteínas o material genético. Foi provada que a actividade do extracto transformador (como no caso dos pneumococcus) era abolida quando se procedia a digestão enzimática de DNA e não de proteínas. Foi também demonstrado que quando um vírus (bacteriófago) infecta uma célula, é necessário que o DNA viral entre na bactéria, e não o proteína viral, de forma a que o vírus se replique. Além disto, é o DNA viral que se transmite às partículas virais descendentes. Estrutura do DNA A molécula de DNA é uma hélice que dá uma volta a cada 3,4 nm, sendo que a cada volta existem 10 bases. Esta dupla hélice possui um “backbone” (coluna) de açúcar e fosfato do lado de fora, contendo na porção interna bases, orientadas para formarem pontes de hidrogénio entre as purinas e as pirimidinas de cadeias opostas. Para justificar que A emparelha com T e G com C, estão os resultados de experiências que demonstram que a quantidade de adenina é sempre igual à de timina, e que a quantidade de guanina é sempre igual à de citosina. Assim, devido a esta complementaridade de bases, as duas cadeias de DNA são complementares. Logo, cada cadeia contém a informação necessária para especificar a sequência das bases da outra. FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 23 A estrutura do DNA Replicação do DNA As duas cadeias de DNA podem-se separar e servir como moldes para a síntese de novas cadeias complementares, cuja sequência seria ditada pelo emparelhamento específico de bases complementares. Este processo denomina-se replicação semiconservativa, pois cada cadeia de DNA pai é conservada, constituindo metade da nova cadeia sintetizada (apenas metade da dupla hélice é sintetizada, sendo a outra herdada). FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 24 Replicação semi-conservativa do DNA A experiência por detrás da teoria da replicação semiconservativa foi realizada marcando o DNA com isótopos de diferentes densidades. E.coli foram cultivadas durante várias gerações num meio contendo o isótopo de azoto pesado (15N) no lugar do isótopo normal de azoto leve (14N). O DNA destas bactérias continha, consequentemente, 15N e era mais pesado que o das bactérias cultivadas num meio com 14N. Depois as bactérias seriam transportadas de volta para o meio contendo 14N e cresceriam durante apenas uma geração adicional. O DNA extraído destas bactérias e analisado por ultracentrifugação numa solução com CsCl formaria bandas segundo as densidades das moléculas de DNA. O DNA da bactéria transferida do meio com 15N para o meio com 14N durante uma geração gerava bandas com uma densidade intermédia entre a densidade do DNA de 15N e o DNA de 14N, indicando que esta densidade representa uma molécula híbrida com uma cadeia leve e outra pesada. FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 25 A capacidade do DNA servir como molde da sua própria replicação foi demonstrada pois, a DNA polimerase (enzima da E.coli) consegue catalisar a replicação de DNA in vitro, apenas na presença de um molde de DNA, ao incorporar directamente os nucleótidos numa molécula de DNA complementar. Demonstração experimental da replicação semi-conservativa Expressão da Informação Genética Os genes determinam a estrutura das proteínas, que são responsáveis por direccionar o metabolismo celular, funcionando como enzimas. As proteínas são polímeros de 20 aa diferentes, cuja sequência determina a sua função e estrutura. Colinearidade de Genes e Proteínas A ordem dos nucleótidos no DNA especifica a ordem dos aa numa proteína. Mutações num gene correspondem a alterações no DNA, que podem resultar na adição ou delecção de nucleótidos, que poderiam levam à alteração da sequência de aa da proteína codificada pelo gene em questão. O papel do mRNA Apesar da sequência de nucleótidos no DNA especificara ordem dos aa nas proteínas, não é o próprio DNA que intervém directamente na síntese proteica. Como nos eucariontes, o DNA se encontra no núcleo e a síntese proteica se dá no citosol, terá que existir outra molécula que transporte a informação genética para os locais de síntese (ribossomas). Assim, o mRNA é o intermediário da síntese proteica, sendo sintetizado a partir de um molde de DNA. FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 26 O RNA difere do DNA, pois: é constituído por uma cadeia simples (o DNA é uma cadeia dupla); o seu componente glicídico é a ribose e não a desoxirribose (no carbono 2’ de uma ribose liga-se o grupo OH (hidroxilo) e de uma desoxirribose um H); e a sua base pirimidínica Uracilo (U) substituí a Timina (T) do DNA. Como o RNA se localiza principalmente no citoplasma, aparece como sendo o intermediário lógico da passagem de informação do DNA para os ribossomas. Com estes dados surgiu o dogma central: DNA → RNA → Proteínas. As moléculas de RNA são sintetizadas a partir de um molde de DNA (transcrição) e as proteínas são sintetizadas de moldes de RNA (tradução). As moléculas de RNA que servem como moldes para a síntese proteica chamam-se de mRNAs: RNAs mensageiros. São transcritos pela enzima RNA polimerase, que catalisa a síntese de RNA a partir de um molde de DNA. Existem mais 2 tipos de RNA importantes para a síntese proteica: RNA ribossomal (rRNA) que é um componente dos ribossomas e o RNA de transferência (tRNA) que serve como molécula adaptadora dos aminoácidos ao longo do mRNA. Código Genético Devido à não complementaridade entre os aminoácidos e o mRNA, existem tRNAs que servem de adaptadores durante a tradução. Cada aminoácido diferente é ligado, por uma enzima específica, ao tRNA apropriado. O emparelhamento entre as bases de mRNA e tRNA dirige o aminoácido que lhe está ligado para o local correcto do molde de mRNA. A partir de sequências das quatro bases nucleotídicas do DNA - adenina (A), timina (T), citosina (C) e guanina (G) - é possível formar exactamente 64 palavras código de três letras diferentes, tripletos ou codões, pois 43=64. Estes tripletos são a unidade da mensagem genética que vai codificar a ordenação de séries de aminoácidos que caracterizam diversas proteínas. Das 64 palavras possíveis, 3 são sinais de paragem (codões STOP), indicando se chegou ao fim do código de uma proteína. Os restantes tripletos codificam os 20 aminoácidos, por isso mais que um tripleto pode codificar o mesmo aminoácido (degenerescência do código genético). A leitura dos nucleótidos começa num local fixo, gerando um quadro de leitura (reading frame), que é o conjunto sucessivo de 3 bases que FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 27 forma codões sucessivos. Uma alteração no quadro de leitura (frameshift) causa a mudança da sequência de codões, de uma mesma cadeia de DNA. No caso de mutações por adição ou remoção de 1 ou 2 nucleótidos, esta causa uma mudança no quadro de leitura, fazendo com que todos os aa subsequentes sejam alterados. Adições ou remoções de 3 nucleótidos alteram apenas um aa, sendo que o quadro de leitura do resto do gene se mantém normal. O código genético tem características muito importantes: Universalidade, que postula uma linguagem comum a praticamente todas as células. As excepções existem em certos protozoários e no DNA mitocondrial. Redundância ou degenerescência do código genético, é o resultado da existência de 61 codões a indicar a síntese de proteínas, e apenas existirem 20 aa diferentes. Assim, vários codões codificam o mesmo aa. Não ambiguidade, o mesmo codão não codifica aa diferentes. Pouca especificidade do 3º codão, vários codões que sintetizam o mesmo aa têm o 3º codão igual, pelo que o 3º codão é menos específico, e o 1º é o mais específico. O tripleto AUG tem duas funções, codificando a metionina e representando o codão de iniciação da tradução (síntese proteica). Os tripletos UAA, UAG e UGA são codões de finalização, não codificando aa, e sinalizando o fim da síntese proteica. Vírus de RNA e Transcrição Reversa Certos vírus contém RNA em vez de DNA, como material genético. Apesar de alguns replicarem directamente o seu RNA através do RNA original, este mecanismo não era utilizado por certos vírus animais (vírus de RNA tumorais), que eram capazes de causar cancro às células animais infectadas. Apesar de conterem RNA como material genético, a sua replicação exige a síntese de DNA, o DNA provírus, a partir de um molde de DNA. Esta capacidade de sintetizar DNA a partir de um molde de RNA denomina-se transcrição reversa, e parte da actividade da enzima transcriptase reversa. A transcriptase reversa também existe noutras células, permitindo a transposição de uma sequência de DNA de uma cromossoma para outro, e o estudo do mRNA de células, permitindo o estudo das transcrições que nelas ocorrem. DNA recombinante Até à década de 1970 parecia impossível o isolamento e manipulação de genes. Este obstáculo foi superado pelo desenvolvimento da tecnologia de DNA recombinante, que possibilitou aos cientistas isolar, sequenciar e manipular genes individuais. Enzimas de restrição O primeiro passo no desenvolvimento da tecnologia de DNA recombinante foi a caracterização de enzimas de restrição, que clivam o DNA em sequências específicas. São o “bisturi” que FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 28 permite cortar o DNA, fazendo parte do grupo das nucleases, enzimas responsáveis por clivar as ligações fosfodiéster entre nucleótidos adjacentes. Estas enzimas foram identificadas em bactérias, onde servem como método de defesa contra a entrada de DNA estranho (provindo de vírus, etc) na célula. As enzimas de restrição reconhecem de 4 a 8 pb, sendo estas sequências específicas, que originam fragmentos de DNA. Porque é que o DNA da bactéria não é digerido pelas suas próprias endonucleases (enzimas de restrição)? As enzimas de restrição não funcionam sozinhas numa bactéria, trabalhando em conjunto com enzimas que modificam o DNA bacteriano, tornando-o irreconhecível pelas endonucleases. Este sistema permite que apenas DNA estranho-não modificado seja digerido por endonucleases. Os fragmentos gerados pela clivagem de uma endonuclease podem ser separados, identificados e purificados numa electroforese de DNA em gel, consoante o comportamento dos fragmentos de DNA num campo eléctrico. O gel pode ser de agarose ou poliacrilamida, sendo fundido na presença de um tampão. A solução é deitada num molde e deixada solidificar, formando uma matriz cuja densidade depende da agarose. Ao ser aplicado um campo eléctrico através do gel, o DNA carregado negativamente (grupos fosfato) migra em direcção ao ânodo, o eléctrodo positivo. A velocidade de migração depende: tamanho da molécula, concentração de agarose, intensidade do campo eléctrico. O gel funciona como um filtro, retardando o movimento das moléculas maiores. Para a separação de moléculas leves, usa-se um gel com maior concentração de agarose. Para se visualizar o gel de agarose utiliza-se o corante brometo de etídio, que possui grupos químicos que se intercalam com as bases do DNA, sendo que o corante ligado ao DNA fluoresce com mais intensidade que o corante livre, quando irradiado com UV. À área do gel perpendicular ao poço denomina-se pista. Os fragmentos de DNA com o mesmo tamanho migram a mesma distância gerando bandas. Os locais de restrição para diferentesendonucleases de restrição gera mapas de restrição de moléculas de DNA. Formação de moléculas de DNA recombinante A estratégia básica de clonagem molecular é a inserção de um fragmento de DNA de interesse (ex: segmento de DNA humano) numa molécula de DNA (vector) que seja capaz de se replicar numa célula hospedeira. O resultado é uma molécula recombinante ou clone molecular, composto pelo pedaço de DNA de interesse ligado ao DNA do vector. A replicação apropriada da molécula recombinante no hospedeiro permite obter grandes quantidades do DNA de interesse. O plasmídeo é um exemplo de um vector, sendo uma molécula de DNA circular que se replica de forma independente, sem estar associada a DNA cromossomal numa bactéria. Plasmídeos recombinantes transportando o DNA de interesse podem ser introduzidos em E.coli, onde se podem replicar, gerando milhões de cópias do DNA plasmídeo. O DNA destes plasmídeos pode então ser isolado, constituindo uma fonte enorme de moléculas recombinantes que contêm um fragmento de DNA humano clonado. O fragmento pode isolado do resto do vector através de enzimas de restrição, permitindo a análise e manipulação de um fragmento de DNA humano puro. FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 29 Junção de moléculas de DNA FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 30 Os fragmentos de DNA gerados para criar moléculas recombinantes são normalmente digeridos por enzimas de restrição. Estas clivam nos locais de restrição deixando extremidades com cadeias simples soltas, que se podem associar umas com as outras por complementaridade de bases, sendo que as ligações entre nucleótidos adjacentes são catalisadas por DNA ligases. Assim, dois fragmentos de DNA digeridos pela mesma endonuclease pode ser ligados criando uma molécula de DNA recombinante. Em certos casos, podem-se sintetizar DNA “linkers” (oligonucleótidos, que contêm os locais de restrição), e adicioná-los às extremidades do DNA de interesse, e posteriormente inseri-lo no vector. Vectores de DNA recombinante Os vectores são moléculas de DNA que têm como função transportar o DNA de interesse para a célula hospedeira. As características mais importantes de um vector de clonagem são: Origem de replicação (ORI), que permite que o vector (molécula de DNA recombinante), se mantenha na célula e seja transmitida à descendência, ao permitir a sua replicação. Marca de selecção - a maioria dos vectores possui um gene que confere resistência a um antibiótico. Assim, apenas as bactérias que possuem o DNA recombinante sobrevivem quando crescidas em presença desse antibiótico. Local de policlonagem (MCS): pequena sequência de DNA que contém locais de corte únicos para várias enzimas de restrição. É neste local que é introduzido o fragmento de DNA que se pretende clonar. Promotor: presente apenas em vectores de expressão (sintetizam proteínas recombinantes) e localizado a montante (antes) do local de policlonagem. A maquinaria de transcrição genética identifica a sequência do promotor e transcreve a partir desse local. FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 31 Clonagem através de vectores plasmídicos Sequenciação de DNA A sequenciação é uma técnica que permite: inferir a sequência de aa sintetizados por um gene específico, ao sabermos a sequência de nucleótidos desse gene; estudar as propriedades de sequencias de DNA que regulam a expressão do gene. Processo de sequenciação 1. Desnaturação do DNA a sequenciar 2. Incubação do DNA com um primer (sequência de DNA complementar essencial para começar a replicação do DNA), na presença de DNA polimerase e dos quatro desoxinucleótidos (dATP, dCTP, dTTP, e dCTP), um dos quais é radioactivo. FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 32 3. O produto desta reacção é depois dividido por quatro tubos, a cada um dos quais se junta um didesoxiribonucleosido-trifosfato (ddATP, ddCTP, ddTTP, e ddCTP), que são nucleótidos modificados, desprovidos de grupo hidroxilo no carbono 3’, e, portanto, impedem o alongamento das cadeias de DNA em que são incorporados. 4. Como em cada tubo existem milhões de moléculas de DNA, originam-se fragmentos de diversos tamanhos consoante a posição de cada nucleótido na sequência original. 5. O DNA de cada tubo é desnaturado e colocado num gel de acrilamida com ureia (para evitar a renaturação do DNA durante a electroforese). 6. No final, o gel é seco e autoradiografado. 7. Os nucleótidos radioactivos incorporados dão origem a uma série de bandas que indicam o tamanho dos fragmentos de DNA produzidos em cada tubo de reacção. 8. Ao contrário dos géis de agarose, os géis de acrilamida permitem resolver moléculas de DNA cujo comprimento difere apenas num nucleótido. 9. Como a síntese de DNA ocorre de 5’ para 3’, os fragmentos menores resultam de uma incorporação do dNTP mais próxima da extremidade 5’. 10. Em consequência, a leitura do gel de baixo para cima indica a sequência de nucleótidos da cadeia 5’-3’. Para iniciar a reacção de sequenciação é necessário um primer, logo o DNA desconhecido tem de ser “enquadrado” numa sequência conhecida, para a qual o primer será complementar. FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 33 Sequênciação de DNA automática A sequenciação automática permite acelerar e mecanizar a maior parte do processo de análise dos resultados. Os diferentes produtos de reacção (G; A; T; C) têm incorporados nucleótidos fluorescentes em vez de nucleótidos radioactivos, cada um deles com uma cor diferente, num total de 4 cores. A leitura do sinal fluorescente é feita por um scanner apropriado que, estando acoplado ao aparelho de electroforese, faz a leitura directamente do gel enquanto a electroforese decorre. A leitura é feita em simultâneo com a migração dos fragmentos através do gel: sempre que no local do scanner passa uma banda que fluoresce numa cor é representado um pico no gráfico dos resultados e o software atribui-lhe a letra correspondente à cor detectada. Expressão de genes clonados Muitas proteínas de interesse estão presentes nas células apenas em pequenas quantidades, não podendo ser purificadas por métodos convencionais. Assim, a criação de vectores de expressão (permitem a síntese de proteínas), veio colmatar esta dificuldade. O cDNA de interesse é clonado num vector de expressão que contém as sequências de expressão que permiter a transcrição de tradução do gene de interesse em células bacterianas. Por vezes o vector é inserido em eucariontes, de forma a assegurar uma correcta maturação proteica, uma vez que os procariontes não têm os organelos necessários (RE e Golgi). FML 2008/09 Biologia Molecular da Célula – Cooper, 4th Edition Autores: BARRETO, Frederico; MAIA, Maria; ANDRADE, Ricardo Vale de; MESQUITA, Marcos; GUIA, Miguel Filipe; CAVACO, Sónia 34 Detecção de Ácidos Nucleicos e Proteínas Amplificação de DNA por PCR A clonagem molecular de DNA permite o isolamento de grandes quantidades do DNA de interesse, sendo contudo necessária a existência de seres onde inserir os vectores para que estes sejam clonados. A técnica de PCR (polymerase chain reaction) apresenta-se como um
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