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INTRODUÇÃO O inevitável aconteceu. Por muito tempo, o Brasil protelou o que está escrito na sua bandeira: Ordem e Progresso! Por centenas de anos, fomos um País sujeito às posições do nosso colonizador, Portugal, mas o suor da luta e as lágrimas dos que não se renderam ao desânimo foram determinantes no sonho da República. Porém, como nada é perfeito, até hoje a luta continua. A República não garantiu a manutenção dos ideais, perdidos com o decorrer do tempo. Leis injustas, políticos corruptos, povo sem esperança, ano após ano, testemunhando desmandos sem nenhum tipo de esperança. É muito difícil para um trabalhador jantar com o seu filho arroz, feijão e ovo, enquanto na televisão empresários ganham centenas de milhões à custa de contratos firmados a partir de muita corrupção. O Compliance é quase um grito de independência, um basta no meio de uma multidão soterrada de ilegalidades, a retomada da Ordem e do Progresso! É o grito de uma voz que se recusa a se calar para a corrupção, os contratos fraudulentos e as licitações com cartas marcadas. Se isso aconteceu até aquele momento, não vai mais acontecer. Porém, para dar certo, ele precisa de pessoas dispostas e comprometidas com a verdade, a ética e a transparência. As organizações que optarem por um programa de Compliance mostrarão que, para elas também, o nome empresarial vale mais que o lucro desmedido. O Compliance chegou para separar o joio do trigo, cabendo a cada um optar pelo que achar melhor. A escolha é discricionária, mas os efeitos dela são vinculantes. Sendo assim, o objetivo deste trabalho como um todo é apresentar o Compliance para o leitor. Trata-se de um instituto relativamente novo no ordenamento brasileiro, e a sua plena compreensão é vital para a nova realidade do cenário político-econômico-jurídico brasileiro. SUMÁRIO NORMAS ANTICORRUPÇÃO, ANTISSUBORNO E COMPLIANCE PÚBLICO ......................................... 7 NORMAS ANTICORRUPÇÃO E LEI Nº 12.846/13 ............................................................................. 7 Previsão expressa de Compliance ............................................................................................ 8 Responsabilidades ..................................................................................................................... 9 Sanções ..................................................................................................................................... 11 COMPLIANCE PÚBLICO E LEI Nº 13.303/16 .................................................................................... 15 COMPLIANCE CRIMINAL E ACORDO DE LENIÊNCIA ...................................................................... 25 A IMPORTÂNCIA DO COMPLIANCE FISCAL PARA PREVENÇÃO DE FRAUDES............................. 29 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................................... 32 SÍTIOS ELETRÔNICOS ....................................................................................................................... 33 PROFESSORES-AUTORES ..................................................................................................................... 35 O combate à corrupção é o tom deste módulo, mergulhando em conceitos como Compliance Público – um tema ainda menos explorado que o privado –, Fiscal, Criminal e Acordo de Leniência. A importância de posturas profissionais e éticas será abordada, visando a uma uniformização de entendimento no sentido da aplicabilidade do Compliance em todos os setores. Serão apresentadas também as Leis nº 12.846/13 e nº 13.303/16, com foco nas suas peculiaridades. Normas anticorrupção e Lei nº 12.846/13 A Lei nº 12.846/13 surgiu em um momento de transição do nosso Brasil, no qual a sociedade percebeu que não poderia mais aceitar os desmandos dos governantes, empresários, agentes públicos e todos aqueles que gostavam de viver na ilegalidade, e o clamor chegou até as casas legislativas. É matéria delicada tratar de corrupção, pois esta, em um mundo ideal, não deveria existir. Nós já falamos de ética neste curso, e o próprio conceito, por si só, deveria estar enraizado dentro de cada indivíduo, repelindo qualquer tipo de conduta ativa ou passiva de corrupção. Porém, como a corrupção é uma realidade, o ordenamento positivo brasileiro precisava de um remédio que viesse a combater o sangramento de tal mal em nosso País. O projeto de lei começou a ser debatido no ano de 2010, entrando em vigor precisamente no dia 1º de fevereiro de 2014. O Brasil tinha firmado anteriormente compromissos, como a Convenção da ONU contra a Corrupção, no sentido de criar medidas para combater de forma incisiva a corrupção, até porque, tirando casos ambientais, existia uma lacuna quanto à responsabilidade das organizações por atos ilícitos. O Código Penal, em alguns dispositivos, tipifica condutas que devem ser ressaltadas: nos crimes contra a administração pública, temos o art. 312, que trata do peculato; o art. 316 NORMAS ANTICORRUPÇÃO, ANTISSUBORNO E COMPLIANCE PÚBLICO 8 menciona a concussão; o art. 317, a corrupção passiva; e, por fim, o art. 319 descreve a prevaricação. Já nos crimes praticados por particular contra a administração pública em geral, temos o art. 333, que fala de corrupção; e nos crimes contra a administração pública estrangeira, o Código Penal possui o art. 337-B, que prevê a corrupção em transação comercial internacional; o art. 337- C, que dispõe sobre o tráfico de influência em transação comercial internacional; e o art. 337-D, dispositivo a respeito do funcionário público estrangeiro. O nosso ordenamento pátrio possui ainda algumas leis extravagantes que merecem destaque, como a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa; a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, legislação sobre Licitações; a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que é a Lei de Tutela à Proteção do Meio Ambiente; a Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012, popularmente citada como a Lei de Lavagem de Dinheiro; e, por fim, a Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, que define Organização Criminosa. Previsão expressa de Compliance O art. 7° da Lei Anticorrupção trata de itens que serão levados em consideração na aplicação das sanções e, no seu inciso VIII, diz o seguinte: “a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica”. O inciso acima trata de Compliance. Mecanismos e procedimentos internos de integridade bem como códigos de ética são instrumentos utilizados pelo instituto para combater qualquer tipo de ilegalidade, o que inclui a corrupção. A essência do Compliance é essa, mudar a história das pessoas físicas e jurídicas, trazendo um novo tipo de pensamento, no qual a prevenção e honestidade valem mais a pena do que a esperteza e a desonestidade. Na visão de Carneiro (2016a, p. 89), nenhuma organização nasce para o insucesso, pelo contrário, cada empresa fundada, composta de sócios, diretores e funcionários, deseja prosperar! A prosperidade é válida, mas o Compliance, baseado nas suas diretrizes éticas, nos diz que não é a qualquer custo. Talvez uma empresa que implemente o Compliance demore mais a crescer do que uma que prefira o caminho da corrupção, mas a base dela será tão sólida, e as suas raízes estarão tão profundas em valores morais, éticos e legais, que dificilmente ventos causados por concorrentes ou crises econômicas irão destruir os seus sonhos. 9 Responsabilidades A responsabilização recai em ambas as pessoas, físicas e jurídicas, conforme o art. 1°: Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativae civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta Lei às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente. Apesar da divergência doutrinária de décadas a respeito de a pessoa jurídica ter responsabilidade objetiva, a norma, no seu art. 2°, elencou o seguinte: “As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não”. É evidente que a organização deve ser responsável pelos seus atos, pois, do contrário, continuaria agindo livremente e com as mesmas condutas que a levaram a praticar atos lesivos anteriormente. As sanções administrativas e civis são capazes de inibir uma conduta previamente, ou, na pior das hipóteses, reprimir a repetição de outras ações capazes de infringir leis ou lesar indivíduos e empresas. Imputar responsabilidade também aos gestores da organização – apesar de a responsabilidade da empresa ser independente da responsabilização das pessoas naturais – foi um acerto da norma. Imaginem se eles cometessem uma série de arbitrariedades e ilegalidades, mas saíssem impunes, com os seus nomes limpos, para continuarem oprimindo o bom senso e a ordem jurídica em outro ambiente de trabalho? Foi pensando nisso que o art. 3° tem o seguinte conteúdo: Art. 3º A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito. § 1º A pessoa jurídica será responsabilizada independentemente da responsabilização individual das pessoas naturais referidas no caput. § 2º Os dirigentes ou administradores somente serão responsabilizados por atos ilícitos na medida da sua culpabilidade. 10 Contudo, os dirigentes e administradores só respondem por atos ilícitos na medida da sua culpabilidade. Como exemplo: um ato ilícito é cometido pelo presidente da empresa e, segundo o estatuto social desta, só ele era competente para tomar tal decisão. O diretor de finanças, além de não tomar conhecimento do que o presidente fez, mesmo que soubesse e tivesse intenção, não teria legitimidade para tomar tal decisão na empresa. Quem, nesse caso, responderia pelo ilícito? A organização responderia, com base no art. 2°, e o presidente na medida da sua culpabilidade, com fulcro no art. 3°, caput. O diretor de finanças não seria responsabilizado (art. 3°, § 2°). Para firmar o entendimento doutrinário com base na lei, o art. 14 da norma cita: Art. 14. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa. Cabe mencionar como enriquecimento o administrador de uma sociedade anônima. De acordo com Blok (2017, p. 83): No que concerne à responsabilidade civil dos administradores das sociedades anônimas, o art. 158 da Lei Acionária preza que “o administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder (i) dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo e (ii) com violação da lei ou do estatuto”. A hipótese em foco, de infração à lei anticorrupção, enquadra-se no inciso II, que se refere à “violação da lei” em sentido amplo, de forma a abarcar toda e qualquer norma jurídica promulgada pelo Congresso Nacional, pelo poder legislativo estadual ou municipal, bem como normas infralegais validamente expedidas pelas agências reguladoras dentro de suas atribuições. Essas normas podem e devem criar deveres legais específicos e concretos e deveres legais que corporificam padrões de comportamento. No campo da Lei 12.846/13, grande parte das infrações terá essa natureza, visto que a lei anticorrupção estabelece um rol taxativo de condutas vedadas. Assim, ao autor da ação de responsabilidade proposta em face de administrador faltoso pela decisão em nome da companhia ou por seu substituto processual, caberá apenas demonstrar que uma de suas obrigações foi descumprida e que esse prejuízo causou danos e prejuízos a companhia, nessa trilha, deixando 11 ainda mais frágil a situação do administrador envolvido, a doutrina majoritária nacional e nossos egrégios tribunais posicionam-se de forma a entender que deve haver a inversão do ônus da prova, restando unicamente a ele demonstrar algum excludente de responsabilidade ou ausência de culpa. No que toca aos atos lesivos, a administração pública e das sanções, o art. 5º da lei em questão traça uma série de atos, considerados pela norma, lesivos à administração. Em suma, tais vedações concentram-se em atos contra o patrimônio público, os princípios da administração pública e os compromissos internacionais assumidos pela nação. Outro tema interessante é o que chamamos de princípio da independência de instâncias. O art. 18 diz: “Na esfera administrativa, a responsabilidade da pessoa jurídica não afasta a possibilidade de sua responsabilização na esfera judicial”. Na prática, o que isso significa? São esferas independentes. Caso não seja condenada administrativamente, poderá ser judicialmente, e tal previsão é constitucional. Sanções As sanções advindas da Lei nº 12.846/13 podem ser administrativas ou judiciais. As administrativas serão aplicadas somente quando as pessoas jurídicas forem consideradas culpadas por atos lesivos, e são as seguintes: multas e publicação extraordinária da decisão condenatória (art. 6°, I e II). É evidente que uma das piores sanções é a referente às finanças, pois ninguém, seja empresa ou indivíduo, gosta de perder dinheiro. A partir do momento em que a pena começa a pesar na área financeira da empresa ou dos seus responsáveis, somente essa terrível possibilidade vai fazê-los avaliar bem se vale a pena correr tal risco, pois são multas pesadas. Para mensurarmos o tamanho do prejuízo, vejamos o art. 6º da Lei nº 12.846/13: Art. 6º Na esfera administrativa, serão aplicadas às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes sanções: I - multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; e II - publicação extraordinária da decisão condenatória. § 1º As sanções serão aplicadas fundamentadamente, isolada ou cumulativamente, de acordo com as peculiaridades do caso concreto e com 12 a gravidade e natureza das infrações. § 2º A aplicação das sanções previstas neste artigo será precedida da manifestação jurídica elaborada pela Advocacia Pública ou pelo órgão de assistência jurídica, ou equivalente, do ente público. § 3º A aplicação das sanções previstas neste artigo não exclui, em qualquer hipótese, a obrigação da reparação integral do dano causado. § 4º Na hipótese do inciso I do caput, caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, a multaserá de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais). § 5º A publicação extraordinária da decisão condenatória ocorrerá na forma de extrato de sentença, a expensas da pessoa jurídica, em meios de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional, bem como por meio de afixação de edital, pelo prazo mínimo de 30 (trinta) dias, no próprio estabelecimento ou no local de exercício da atividade, de modo visível ao público, e no sítio eletrônico na rede mundial de computadores. Imaginem uma organização tendo de pagar 20% do seu faturamento bruto? Seria um golpe financeiro enorme; por isso, a norma legal acertou, já que o receio das consequências do ilícito, por vezes, faz-nos temer mais do que o próprio ilícito em si. Já a declaração extraordinária da decisão condenatória nada mais é do que a declaração de inidoneidade. Como uma empresa vai firmar contratos com grandes parceiros internacionais se for inidônea? Como participará de licitações? É praticamente um atestado de óbito para pessoas jurídicas essa declaração; por isso, elas precisam organizar muito bem os seus passos, e o Compliance é o passo derradeiro para um perfeito funcionamento de cada uma delas. Para corroborar essa afirmativa, transcrevemos os artigos 22 e 23 da Lei Anticorrupção brasileira: Art. 22. Fica criado no âmbito do Poder Executivo federal o Cadastro Nacional de Empresas Punidas - CNEP, que reunirá e dará publicidade às sanções aplicadas pelos órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo com base nesta Lei. § 1º Os órgãos e entidades referidos no caput deverão informar e manter atualizados, no Cnep, os dados relativos às sanções por eles aplicadas. § 2º O Cnep conterá, entre outras, as seguintes informações acerca das sanções aplicadas: I - razão social e número de inscrição da pessoa jurídica ou entidade no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ; II - tipo de 13 sanção; e III - data de aplicação e data final da vigência do efeito limitador ou impeditivo da sanção, quando for o caso. § 3º As autoridades competentes, para celebrarem acordos de leniência previstos nesta Lei, também deverão prestar e manter atualizadas no Cnep, após a efetivação do respectivo acordo, as informações acerca do acordo de leniência celebrado, salvo se esse procedimento vier a causar prejuízo às investigações e ao processo administrativo. § 4º Caso a pessoa jurídica não cumpra os termos do acordo de leniência, além das informações previstas no § 3º, deverá ser incluída no Cnep referência ao respectivo descumprimento. § 5º Os registros das sanções e acordos de leniência serão excluídos depois de decorrido o prazo previamente estabelecido no ato sancionador ou do cumprimento integral do acordo de leniência e da reparação do eventual dano causado, mediante solicitação do órgão ou entidade sancionadora. Art. 23. Os órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo deverão informar e manter atualizados, para fins de publicidade, no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas – CEIS, de caráter público, instituído no âmbito do Poder Executivo federal, os dados relativos às sanções por eles aplicadas, nos termos do disposto nos arts. 87 e 88 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993. (Lei de Licitações). Cabe dizer que, mesmo em âmbito administrativo, todos os princípios constitucionais são garantidos às partes, como o contraditório e a ampla defesa, entre outros. A apuração da responsabilidade é feita por meio do Processo Administrativo de Responsabilidade (PAR), previsto nos arts. 2°, 3° e 4° do Decreto nº 8.420/15: Art. 2º A apuração da responsabilidade administrativa de pessoa jurídica que possa resultar na aplicação das sanções previstas no art. 6º da Lei nº 12.846, de 2013, será efetuada por meio de Processo Administrativo de Responsabilização – PAR. Art. 3º A competência para a instauração e para o julgamento do PAR é da autoridade máxima da entidade em face da qual foi praticado o ato lesivo, ou, em caso de órgão da administração direta, do seu Ministro de Estado. Art. 4º A autoridade competente para instauração do PAR, ao tomar ciência da possível ocorrência de ato lesivo à administração pública federal, 14 em sede de juízo de admissibilidade e mediante despacho fundamentado, decidirá: I - pela abertura de investigação preliminar; II - pela instauração de PAR; ou III - pelo arquivamento da matéria. § 1º A investigação de que trata o inciso I do caput terá caráter sigiloso e não punitivo e será destinada à apuração de indícios de autoria e materialidade de atos lesivos à administração pública federal. [...] (grifamos) O Compliance é tão importante que, se durante o PAR a pessoa jurídica apresentar documentos referentes à existência de um programa de integridade, a comissão deve examinar tais documentos e, dependendo da análise, pode até incidir na dosimetria das sanções a serem aplicadas. No que se refere às sanções decorrentes do processo judicial, temos o art. 19 da Lei nº 12.846/13, com a seguinte redação: Art. 19. Em razão da prática de atos previstos no art. 5º desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras: I - perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; II - suspensão ou interdição parcial de suas atividades; III - dissolução compulsória da pessoa jurídica; IV - proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos. (grifamos) Basta uma leitura atenta para perceber a gravidade das sanções. Perdimento de bens, suspensão de atividades ou até mesmo ser dissolvida compulsoriamente, como uma organização pode conviver com tais possibilidades? Vale a pena perder um trabalho construído ao longo dos anos somente para obter vantagens indevidas? Por fim, de acordo com o art. 7° da Lei nº 12.846/13, no caso da responsabilização administrativa, serão levados em consideração na aplicação das sanções: gravidade da infração, a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; a consumação ou não da infração; o grau de lesão ou perigo de lesão; o efeito negativo produzido pela infração; a situação econômica do infrator; a 15 cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações; a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica; o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou a entidade pública lesados. A lei é rigorosa, mas basta vontade de obedecer e se adequar que os benefícios do cumprimento da legislação serão bem mais prazerosos do que as penalidades da desobediência. Compliance Público e Lei nº 13.303/16 A realidade fática em que vivemos, sobretudo com a exposição midiática das operações policiais que desvelam grandes escândalos de corrupção, por exemplo, a operação Lava-Jato deixa clara a necessidade de reavaliar as ações do Poder Público que visam a combater a corrupção no plano normativo e fático. Alguns países como a Inglaterra e os EUA vêm ao longo dos anos investindo em novos modelos de gestão estratégicada informação e em programas governamentais voltados a minimizar a corrupção no seio das estruturas corporativas (DUBOIS, 2012, p. 19 e ss.). Apesar de o índice de corrupção ainda estar longe do ideal, as experiências bem-sucedidas – por exemplo, o instrumento regulatório que contém o sistema de orientações para que a empresa adote como forma de integração de valores e de práticas estratégicas para a sua melhor organização, visando principalmente à incorporação de princípios fundamentais para a efetivação da sua função no meio social. Todas as regras de qualquer código de conduta empresarial estão intimamente relacionadas com práticas éticas na condução negocial de qualquer natureza. Uma corporação empresarial que tenha um efetivo código de conduta, aliás, uma exigência já em várias políticas internacionais como em várias legislações locais, como forma de combate à corrupção, está fortalecida, principalmente pela transparência, confiabilidade e segurança de como atua no mercado – no ambiente privado desses países inspirou o Poder Público a se inspirar nesses modelos privados e trazê-los para a esfera pública, fazendo nascer o chamado Compliance Público (GARCÍA, 2011, p. 414 e ss.). Inicialmente, pode causar estranheza associar o Compliance com a Administração Pública enquanto destinatária de tais normas, pois teoricamente, esse instituto teria nascido para adequar as sociedades (empresas) privadas à conformidade legislativa vigente. Ocorre que essa visão é equivocada, pois o Poder Público não só deve submeter-se à legislação em comento, como deve dar o exemplo de boa-fé, legalidade e boa governança. A corrupção vem assolando o mundo moderno, em especial o Brasil. Esse cenário vem exigindo uma mudança comportamental por parte das empresas, e não poderia ser diferente com o Poder Público. Nesse sentido, nasceram no Brasil as normas antissuborno e anticorrupção, e no caso específico das “estatais”, a Lei nº 13.303 editada no ano de 2016, dispondo sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e das suas subsidiárias, abrangendo todas as empresas que pertençam à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, que explorem 16 atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União, ou seja, de prestação de serviços públicos essenciais. Ademais, tais medidas visam a evitar, detectar e sanar qualquer tipo de desvio, seja um ato ilícito, fraudes ou simplesmente irregularidades administrativas que estejam em desconformidade com o novo modelo de combate à corrupção e ao suborno. É bem verdade que a Constituição da República de 1988 já trazia expressamente no seu art. 37 os princípios que regem a Administração Pública, isto é, a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência (este último incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998). Além desses, outros princípios também influenciavam direta ou indiretamente o Poder Público, por exemplo, a ética, a transparência e a integridade. Não foi à toa que o Sistema de Gestão de Compliance também é chamado de Programa de Integridade. Diante de tais elementos e por ser algo relativamente novo no País, doravante passaremos a chamar apenas de Compliance Público, que além de já ser considerada uma realidade para o setor público em todo o Brasil, deve consolidar-se em todas as esferas e órgãos federais, estaduais e municipais, sobretudo com a publicação do novo diploma legislativo. Dessa forma, desde já, delimitamos o tema, deixando claro que o foco do presente tópico é exatamente o Compliance Público, isto é, a abordagem da Lei nº 13.303/16, motivo pelo qual a partir de agora focaremos apenas nesse diploma legal. O artigo primeiro da referida lei estabelece a amplitude da norma que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e das suas subsidiárias, abrangendo toda e qualquer empresa pública e sociedade de economia mista da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União, ou seja, de prestação de serviços públicos. Nos seus §§ 5º e 6º, o legislador afirmou que também se submetem ao regime previsto nesta Lei a empresa pública e a sociedade de economia mista que participem de consórcio, conforme disposto no art. 279 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, na condição de operadora e, ainda, a de propósito específico, que seja controlada por empresa pública ou sociedade de economia mista abrangidas no caput. O § 1º traz exceções: § 1º O Título I desta Lei, exceto o disposto nos arts. 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 11, 12 e 27, não se aplica à empresa pública e à sociedade de economia mista que tiver, em conjunto com suas respectivas subsidiárias, no exercício social anterior, receita operacional bruta inferior a R$ 90.000.000,00 (noventa milhões de reais). 17 O § 3º ainda ressalta que os Poderes Executivos poderão editar atos que estabeleçam regras de governança destinadas às suas respectivas empresas públicas e sociedades de economia mista que se enquadrem na hipótese do § 1º. Além disso, o § 4º diz que: “A não edição dos atos de que trata o § 3º no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a partir da publicação desta Lei submete as respectivas empresas públicas e sociedades de economia mista às regras de governança previstas no Título I desta Lei”. A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003, foi ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006.1 A finalidade da presente Convenção é promover e fortalecer as medidas para prevenir e combater mais eficaz e eficientemente a corrupção; promover, facilitar e apoiar a cooperação internacional e a assistência técnica na prevenção e na luta contra a corrupção, incluída a recuperação de ativos; e promover a integridade, a obrigação de render contas e a devida gestão dos assuntos e dos bens públicos. O art. 5º, que trata das políticas e práticas de prevenção da corrupção, determina que cada Estado formulará, aplicará ou manterá em vigor políticas coordenadas e eficazes contra a corrupção que promovam a participação da sociedade e reflitam os princípios do Estado de Direito, a devida gestão dos assuntos e bens públicos, a integridade, a transparência e a obrigação de render contas. O art. 8º do diploma aborda a implementação de Códigos de Conduta para servidores públicos, que visam a combater preventivamente a corrupção, por meio do desenvolvimento institucional de princípios relacionados à integridade, à honestidade e à responsabilidade do agente estatal. É importante frisar que a orientação da Convenção em comento nada mais é do que a determinação de que o setor público crie mecanismos eficazes de controle interno. Dito de outra forma, é um sistema realmente capaz de garantir a legalidade e a transparência na função pública, principalmente no que concerne à contratação por parte da Administração. Da mesma forma, a Convenção Interamericana contra a Corrupção de 29 de março de 1996, foi ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 4.410, de 7 de outubro de 2002. Os propósitos da Convenção são: promover e fortalecer o desenvolvimento, por cada um dos Estados Partes, dos mecanismos necessários para prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção; e promover, facilitar e regular a cooperação entre os Estados Partes a fim de assegurar a eficácia das medidas e ações adotadas para prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção no exercício das funções públicas, bem como os atos de corrupção especificamentevinculados ao seu exercício – lembrando que, em 27 de dezembro de 2016, foi editado o Decreto nº 8.945, que regulamenta, no âmbito da União, a Lei nº 13.303/16. 1 Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003. 18 Carneiro (2016a, p. 91) afirma: No que se refere à boa governança no setor público, ao longo de décadas presenciamos escândalos que culminaram com diversas formas, mas em todos eles o dinheiro público foi o principal alvo. A História mundial fez com que diversos países passassem a se preocupar com aspectos relacionados à governança. Nesse contexto, várias Organizações Internacionais entraram em cena com o objetivo de promover a Boa Governança, como por exemplo, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). No Brasil, ainda que tardiamente, o interesse pelo tema surgiu com mais intensidade sobre o setor privado. Em 2001, foi publicada a Lei nº 10.303, de 31 de outubro de 2001, que alterou a Lei nº 6.404, 15, de dezembro de 1976, que dispõe sobre as sociedades por ações, buscando reduzir riscos ao investidor minoritário e garantir a sua participação no controle da empresa. Da mesma forma, em 2002, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou recomendações sobre governança. No mesmo período, no âmbito internacional, foi publicado em 2001 pela International Federation of Accountants (IFAC) textos sobre boa governança no setor público. Em 2003, pela Australian National Audit Office, o guia de melhores práticas para a governança no setor público, ratificando os princípios dispostos pelo diploma anterior da IFAC, acrescentando a liderança, o compromisso e a integração. Contudo, percebeu-se que o interesse pela governança corporativa tinha de partir do próprio setor público em que foram detectados diversos “ralos de corrupção”. Dessa forma, tanto no setor público quanto no privado, passaram a existir iniciativas de melhoria da governança. A ideia de governança pública originou-se da governança corporativa (corporate governance). Segundo a OCDE, a governança corporativa é definida como o conjunto de relações entre a administração de uma empresa, o seu conselho de administração, os seus acionistas e outras partes interessadas. Significa dizer que é um conjunto de práticas que têm por objetivo regular a administração e o controle das instituições. A lei brasileira em comento trouxe como um dos seus pilares, normas sobre a boa governança por parte da Administração Pública em todas as esferas de Governo: federal, estadual e municipal. Como já visto, a expressão governança deriva do termo governo, e pode ter várias interpretações, dependendo do enfoque que lhe é dado. Dessa forma, deixamos consignado, desde já, que adotamos o contexto de governança, como observância das normas de boa conduta para a Administração Pública, bem como o respeito às medidas adotadas pelas leis para governar o País em questão dentro de uma política ética e de combate à corrupção, ao suborno e às irregularidades administrativas. Entre as principais características para se alcançar a ideia de boa governança podemos citar, como exemplo, a transparência, a integridade, a equidade, a responsabilidade dos gestores e da alta administração e, sobretudo, a transparência e a prestação de contas. 19 Nesse sentido, a lei, no § 7º do art. 1º, afirmou que na participação em sociedade empresarial em que a empresa pública, a sociedade de economia mista e as suas subsidiárias não detenham o controle acionário, estas deverão adotar, no dever de fiscalizar, práticas de governança e controle proporcionais à relevância, à materialidade e aos riscos do negócio do qual são partícipes, considerando, para esse fim: I - documentos e informações estratégicos do negócio e demais relatórios e informações produzidos por força de acordo de acionistas e de Lei considerados essenciais para a defesa de seus interesses na sociedade empresarial investida; II - relatório de execução do orçamento e de realização de investimentos programados pela sociedade, inclusive quanto ao alinhamento dos custos orçados e dos realizados com os custos de mercado; III - informe sobre execução da política de transações com partes relacionadas; IV - análise das condições de alavancagem financeira da sociedade; V - avaliação de inversões financeiras e de processos relevantes de alienação de bens móveis e imóveis da sociedade; VI - relatório de risco das contratações para execução de obras, fornecimento de bens e prestação de serviços relevantes para os interesses da investidora; VII - informe sobre execução de projetos relevantes para os interesses da investidora; VIII - relatório de cumprimento, nos negócios da sociedade, de condicionantes socioambientais estabelecidas pelos órgãos ambientais; IX - avaliação das necessidades de novos aportes na sociedade e dos possíveis riscos de redução da rentabilidade esperada do negócio; X - qualquer outro relatório, documento ou informação produzido pela sociedade empresarial investida considerado relevante para o cumprimento do comando constante do caput. Segundo os conceitos de governança corporativa estabelecidos pelo PSC/IFAC, temos os seguintes princípios de governança corporativa no do setor público: a) Transparência – serve para garantir que as partes interessadas possam ter confiança na tomada de decisões e nas ações das entidades do setor público, na gestão das suas atividades e nos gestores. b) Integridade – baseia-se na honestidade (retidão) e objetividade, e elevados padrões de decência e probidade na gestão dos fundos públicos e dos assuntos de uma entidade. É dependente da eficácia da estrutura do controle e dos padrões de profissionalismo. 20 c) Accountability – é o processo por meio do qual as entidades e os gestores públicos são responsabilizados pelas próprias decisões e ações, incluindo o trato com os recursos públicos e todos os aspectos de desempenho, e submetem-se ao exame minucioso de um controle externo.2 Em apertada síntese, podemos afirmar que Governança no Setor Público diz respeito a um conjunto de mecanismos práticos de controle que envolve temas afetos à liderança, estratégia e informação com o objetivo de executar as quatro etapas: a) identificar as questões sensíveis; b) tratar os dados (informações) obtidos; c) redimensionar o sistema corrigindo as falhas e implementando os modelos pendentes; d) monitoramento periódico. As quatro fases elencadas visam à adequação dos instrumentos para a concretização de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade. Por fim, podemos dizer que a governança no setor público deve ser analisada sob algumas perspectivas que otimizarão o campo de observação e que vão proporcionar a eficácia no cumprimento das etapas a serem seguidas: a) a sociedade (destinatário) e Estado (agente); b) federalização – a implementação do Compliance Público carece de ser adaptado de acordo com a realidade dos entes federativos; c) órgãos estruturantes e entidades envolvidas no processo de gestão. A Lei nº 13.303/16 também chamada de Estatuto das Estatais (§ 4º do seu art. 9º) traz uma única vez no seu texto a expressão Compliance ao determinar que o estatuto social deverá prever a possibilidade de que a área de Compliance se reporte diretamente ao Conselho de Administração em situações em que se suspeite do envolvimento do diretor-presidente em irregularidades ou quando este se furtar à obrigação de adotar medidas necessárias em relação à situação a ele relatada. A principal função do Compliance é a de “garantir que a própria pessoa jurídica atinja a sua função social, mantenha intactas a sua imagem e confiabilidade egaranta a própria sobrevida com a necessária honra e dignidade”.3 Vale lembrar que as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as suas subsidiárias, apesar de serem classificadas com estatais, são pessoas jurídicas de direito privado. Dessa forma, em virtude do disposto no art. 173 da Constituição da República de 1988 todas as entidades privadas que explorem atividade econômica devem ter o mesmo tratamento. Por isso, as estatais, com muito mais razão, devem estar inseridas nas práticas de Compliance e auditoria interna. 2 Disponível em: <https://www.ifac.org>. Acesso em: 10 nov. 2016. 3 PLETI, Ricardo Padovini; FREITAS, Paulo César de. A pessoa jurídica de direito privado como titular de direitos fundamentais e a obrigatoriedade de implementação dos sistemas de “compliance” pelo ordenamento jurídico brasileiro. In: MACEI, Demetrius Nichele; BENACCHIO, Marcelo; RIBEIRO, Maria de Fátima (Coords.). XXIV Encontro Nacional do CONPEDI – UFS. Direito empresarial. Direito, Constituição e cidadania: contribuições para os objetivos de desenvolvimento do milênio. p. 6 e ss. Florianópolis: CONPEDI, 2015. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/publicacoes/ c178h0tg/o9e87870/OS7Xu83I7c851IGQ>. Acesso: 10 nov. 2016. 21 Com já dito anteriormente, em 27 de dezembro de 2016, foi editado o Decreto nº 8.945, que regulamenta, no âmbito da União, a Lei nº 13.303/16. Esse decreto traz definições que se mostram relevantes: I - Empresa Estatal – entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, cuja maioria do capital votante pertença direta ou indiretamente à União; II - Empresa Pública – empresa estatal cuja maioria do capital votante pertença diretamente à União e cujo capital social seja constituído de recursos provenientes exclusivamente do setor público; III - Sociedade de Economia Mista – empresa estatal cuja maioria das ações com direito a voto pertença diretamente à União e cujo capital social admite a participação do setor privado; IV - Subsidiária – empresa estatal cuja maioria das ações com direito a voto pertença direta ou indiretamente a empresa pública ou a sociedade de economia mista. Incluem-se nesse item as subsidiárias integrais e as demais sociedades em que a empresa estatal detenha o controle acionário majoritário, inclusive as sociedades de propósito específico; V - Conglomerado Estatal – conjunto de empresas estatais formado por uma empresa pública ou uma sociedade de economia mista e as suas respectivas subsidiárias; VI - Sociedade Privada – entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e cuja maioria do capital votante não pertença direta ou indiretamente à União, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município; VII - Administradores – membros do Conselho de Administração e da Diretoria da empresa estatal. O Decreto nº 8.945/16 regulamenta também o tratamento diferenciado para empresas estatais de menor porte. Vejamos os artigos correlatos: Art. 51. A empresa estatal de menor porte terá tratamento diferenciado apenas quanto aos itens previstos neste Capítulo. § 1º Considera-se empresa de menor porte aquela que tiver apurado receita operacional bruta inferior a R$ 90.000.000,00 (noventa milhões de reais) com base na última demonstração contábil anual aprovada pela assembleia geral. § 2º Para fins da definição como empresa estatal de menor porte, o valor da receita operacional bruta: 22 I - das subsidiárias será considerado para definição do enquadramento da controladora; e II - da controladora e das demais subsidiárias não será considerado para definição da classificação de cada subsidiária. § 3º A empresa estatal de menor porte que apurar, nos termos dos § 1º e § 2º, receita operacional bruta igual ou superior a R$ 90.000.000,00 (noventa milhões de reais) terá o tratamento diferenciado cancelado e deverá promover os ajustes necessários no prazo de até um ano, contado do primeiro dia útil do ano imediatamente posterior ao do exercício social em que houver excedido aquele limite. A Lei nº 13.303/16 se preocupou também com uma das principais formas de desvio de verbas públicas, ou seja, a dispensa e a inexigibilidade de licitação. O art. 28 da Lei nº 13.303/16 se preocupou em prever que: Art. 28. Os contratos com terceiros destinados à prestação de serviços às empresas públicas e às sociedades de economia mista, inclusive de engenharia e de publicidade, à aquisição e à locação de bens, à alienação de bens e ativos integrantes do respectivo patrimônio ou à execução de obras a serem integradas a esse patrimônio, bem como à implementação de ônus real sobre tais bens, serão precedidos de licitação nos termos desta Lei, ressalvadas as hipóteses previstas nos arts. 29 e 30. Da mesma forma, o art. 71 do Decreto nº 8.945/16, que regulamenta a referida lei, tratou do tema da seguinte forma: Art. 71. O regime de licitação e contratação da Lei nº 13.303, de 2016, é autoaplicável, exceto quanto a: I - procedimentos auxiliares das licitações, de que tratam os art. 63 a art. 67 da Lei nº 13.303, de 2016; II - procedimento de manifestação de interesse privado para o recebimento de propostas e projetos de empreendimentos, de que trata o § 4º do art. 31 da Lei nº 13.303, de 2016; III - etapa de lances exclusivamente eletrônica, de que trata o § 4º da art. 32 da Lei nº 13.303, de 2016; IV - preparação das licitações com matriz de riscos, de que trata o inciso X do caput do art. 42 da Lei nº 13.303, de 2016; 23 V - observância da política de transações com partes relacionadas, a ser elaborada, de que trata o inciso V do caput do art. 32 da Lei nº 13.303, de 2016; e VI - disponibilização na internet do conteúdo informacional requerido nos art. 32, § 3º, art. 39, art. 40 e art. 48 da Lei nº 13.303, de 2016. § 1º A empresa estatal deverá editar regulamento interno de licitações e contratos até o dia 30 de junho de 2018, que deverá dispor sobre o estabelecido nos incisos do caput, os níveis de alçada decisória e a tomada de decisão, preferencialmente de forma colegiada, e ser aprovado pelo Conselho de Administração da empresa, se houver, ou pela assembleia geral. § 2º É permitida a utilização da legislação anterior para os procedimentos licitatórios e contratos iniciados ou celebrados até a edição do regulamento interno referido no § 1º ou até o dia 30 de junho de 2018, o que ocorrer primeiro. Outra questão relevante introduzida pela Lei nº 13.303 e pelo Decreto nº 8.945, ambos de 2016, diz respeito à observância de requisitos mínimos de transparência, um dos pilares do Compliance: I - elaboração de carta anual, subscrita pelos membros do Conselho de Administração, com a explicitação dos compromissos de consecução de objetivos de políticas públicas pela empresa estatal e por suas subsidiárias, em atendimento ao interesse coletivo ou ao imperativo de segurança nacional que justificou a autorização de sua criação, com a definição clara dos recursos a serem empregados para esse fim e dos impactos econômico- financeiros da consecução desses objetivos, mensuráveis por meio de indicadores objetivos;4 II - adequação do objeto social, estabelecido no estatuto social, às atividades autorizadas na lei de criação; III - divulgação tempestiva e atualizada de informações relevantes, em especial aquelas relativas a atividades desenvolvidas, estrutura de controle, fatores de risco, dados econômico-financeiros, comentários dos administradores sobre desempenho, políticas e práticas de governança corporativa e descrição da composição e da remuneração da administração. Para fins de cumprimento do disposto nos itens I e III, a empresa estatal 4 O interesse público da empresa estatal,respeitadas as razões que motivaram a autorização legislativa, manifesta-se por meio do alinhamento entre os seus objetivos e aqueles de políticas públicas, na forma explicitada na carta anual a que se refere o item I. 24 deverá elaborar carta anual única conforme modelo disponibilizado no sítio eletrônico do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão; IV - elaboração e divulgação de política de divulgação de informações, em conformidade com a legislação em vigor e com as melhores práticas; V - elaboração de política de distribuição de dividendos, à luz do interesse público que justificou a criação da empresa estatal; VI - divulgação, em notas explicativas às demonstrações financeiras, dos dados operacionais e financeiros das atividades relacionadas à consecução dos fins de interesse coletivo ou de imperativo de segurança nacional que justificou a criação da empresa estatal; VII - elaboração e divulgação da política de transações com partes relacionadas, que abranja também as operações com a União e com as demais empresas estatais, em conformidade com os requisitos de competitividade, conformidade, transparência, equidade e comutatividade, que deverá ser revista, no mínimo, anualmente e aprovada pelo Conselho de Administração; VIII - ampla divulgação, ao público em geral, de carta anual de governança corporativa, que consolide em um único documento escrito, em linguagem clara e direta, as informações de que trata o inciso III; IX - divulgação anual de relatório integrado ou de sustentabilidade; e X - divulgação, em local de fácil acesso ao público em geral, dos Relatórios Anuais de Atividades de Auditoria Interna – RAINT, assegurada a proteção das informações sigilosas e das informações pessoais, nos termos do art. 6o, caput, inciso III, da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Os documentos resultantes do cumprimento dos requisitos de transparência constantes dos itens I a X anteriormente expostos deverão ser divulgados no sítio eletrônico da empresa de forma permanente e cumulativa. 25 O decreto regulamentador da Lei nº 13.303/16 determina, ainda, que as obrigações5 e responsabilidades que a empresa estatal6 assuma em condições distintas às do setor em que atua deverão: I - estar claramente definidas em lei ou regulamento e estarem previstas em contrato, convênio ou ajuste celebrado com o ente público competente para estabelecê-las, observada a ampla publicidade desses instrumentos; e II - ter seu custo e suas receitas discriminados e divulgados de forma transparente, inclusive no plano contábil. Com base no exposto, apesar de não esgotarmos a análise de todo o texto da Lei nº 13.303/16, já foi possível perceber a preocupação do legislador em importar os mecanismos de controle das empresas privadas para o setor público. É bem verdade que a lei chega com certo atraso, mas antes tarde do que nunca. Compliance Criminal e acordo de leniência Com o conceito geral de Compliance já fixado, como podemos definir o Compliance Criminal? Em termos gerais, seria a implementação de políticas e métodos capazes de identificar ilícitos penais, mas buscando principalmente a prevenção. Partindo dessa premissa, cabe lembrar um conceito doutrinário básico de direito penal, assim enxergaremos o ponto exato de aplicação do instituto. O direito penal e processual penal tipificam condutas puníveis e o processo para investigação, respectivamente. Em sendo assim, antes de tudo, precisamos descobrir o que é o iter criminis, ou caminho do crime, para depois aplicar praticamente em casos concretos. A doutrina majoritária coloca o iter criminis com quatro fases: 1ª Fase do iter criminis – cogitação A cogitação é o surgimento da ideia. Todo plano começa com a ideia, e com o crime não poderia ser diferente. Na cogitação, o sujeito imagina a situação delituosa e, na sua própria mente, elabora o que deveria ser feito. Tal fase não é punível. 5 Além das obrigações aqui contidas, as empresas estatais com registro na CVM sujeitam-se ao regime de informações e às regras de divulgação estabelecidas por essa autarquia. 6 As subsidiárias poderão cumprir as exigências estabelecidas por esse decreto por meio de compartilhamento de custos, estruturas, políticas e mecanismos de divulgação com a sua controladora. 26 2ª Fase do iter criminis – preparação A preparação é o início da caminhada prática do crime. Por exemplo: o sujeito deseja cometer um homicídio e, para isso, compra uma arma de fogo. Esta fase também não é punível; caso tenha cometido algum outro tipo de delito na compra da arma responderá por ele, mas não por homicídio caso a sua conduta pare na fase de preparação. 3ª Fase do iter criminis – execução A partir desta fase, a conduta passa a ser punível. Na execução, temos o desenvolvimento prático do delito, ou seja, pegando o exemplo dado anteriormente, o sujeito atira em direção da vítima. 4ª Fase do iter criminis – consumação Outra corrente coloca uma 5ª fase, o exaurimento, mas aqui ficaremos fincados nas quatro fases. A consumação seria a finalização da prática delituosa; no caso em questão, o sujeito atirou e matou a pessoa. A partir de tal conceituação, como aplicamos o iter criminis no bojo do Compliance criminal? É simples, só transferimos os conceitos para a área prática da organização. Digamos que a área de Compliance descobre, a partir de lista solicitada pela alta direção ao financeiro, a compra de 10 computadores. Com o levantamento das empresas que apresentaram orçamento, percebe-se que a de menor preço não possui Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) e, na sua carta de intenções, informa que não poderá emitir nota fiscal nem informar a procedência das máquinas. O responsável pelo setor financeiro troca e-mails com essa empresa, alegando que não vê problema algum e que, dentro de alguns dias, vai dar a confirmação para prosseguimento do pedido. Ao perceber a possibilidade do delito, o Compliance Officer informa a alta direção a respeito das tratativas. O departamento financeiro, por meio dos seus representantes, já tinha cometido algum delito financeiro, receptação ou algo do gênero? Não, porque, dentro do iter criminis, eles tinham cogitado a ideia e estavam começando a preparação, duas primeiras fases, mas não chegaram à fase de execução, a primeira punível do caminho criminoso. Imaginem em um caso assim se não fosse uma empresa com um Compliance atuante, o que aconteceria? Por isso, Compliance significa investimento, pois a organização não está gastando dinheiro com um bom programa, mas, sim, garantindo a continuidade dos seus serviços e a manutenção do seu nome empresarial. As boas práticas da corporação, o que inclui respeito à legislação nacional e internacional e aos princípios éticos e internos da empresa, procuram garantir a possibilidade de enxergar mais rapidamente a possibilidade de a organização cometer algum tipo de delito. Porém, nem sempre a empresa possui uma equipe de Compliance, ou até mesmo a alta direção pode optar por práticas contrárias às sugeridas pelo setor, o que pode, sim, levar a organização e os seus gestores a praticarem atos contrários à lei. 27 No sistema jurídico americano, é comum observarmos agentes ativos ou partícipes de crimes firmando acordos para a diminuição de pena ou até mesmo imunidade. Em nosso ordenamento, não funciona exatamente como lá, mas temos um instituto elencado na Lei nº 12.846/13 denominado de acordo de leniência. Previsto nos arts. 16 e 17 da norma, o acordo de leniência é uma benesse dada a alguém que não merecia, mas, visando a um bem maior, é firmado para que a justiça seja feita como um todo. É melhor que todos os agentes de uma operação criminosa sejam presos, e que um deles tenha uma pena menor,do que somente um cumpra a sua pena com a sociedade e os demais fiquem livres. É uma decisão difícil, mas necessária em certos momentos. Para uma melhor compreensão do tema, podem-se destacar os seguintes pontos: 1º) Quem pode celebrar o acordo de leniência? De acordo com o art. 16, caput, da Lei nº 12.846/13, somente a autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública. A título de ilustração, a Procuradoria-Geral da República pode firmar acordo com a organização, sendo que esta promete delatar todas as irregularidades nas quais esteja envolvida, como pagamento de propinas, falsificação de documentos, compra de votos, entre outros. 2º) Quem pode beneficiar-se dessa previsão legal? A pessoa jurídica responsável pela prática de atos previstos na própria lei, mas deve colaborar efetivamente com as investigações e o processo administrativo. Vejamos o que dizem os incisos e o § 1º do art. 16: I - a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e II - a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração. § 1º O acordo de que trata o caput somente poderá ser celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: I - a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito; II - a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo; III - a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento. 28 3º) Como funcionam as sanções e a reparação do dano? De acordo com o § 2º do art. 16, a celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no inciso II do art. 6º e no inciso IV do art. 19 e reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável. O acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado, sendo que o próprio acordo estipulará as condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo. 4º) Quais são os efeitos do acordo de leniência? Com base nos §§ 5º a 8º, os efeitos do acordo de leniência serão estendidos às pessoas jurídicas que integram o mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que firmem o acordo em conjunto, respeitadas as condições nele estabelecidas. A proposta de acordo de leniência somente se tornará pública depois da efetivação do respectivo acordo, salvo no interesse das investigações e do processo administrativo. É salutar mencionar a observação de Blok (2017, p. 89) no seguinte sentido: Importante é a ressalva trazida por Magalhães “apesar de parecer um acordo tentador à primeira vista, é preciso observar que não há qualquer benefício previsto para as pessoas físicas que cometem o ilícito tipificado”. Em suma, sem dúvidas, o advento da lei é motivo de comemoração na luta contra a corrupção. Mesmo diante de claras omissões legislativas que colocam em xeque a credibilidade desta, o advento da lei é importante passo para a efetivação dos acordos firmados em âmbito internacional. A aplicação das sanções previstas pela lei para as pessoas jurídicas, cumulativamente às sanções para as pessoas naturais, indubitavelmente, garante segurança jurídica, a qual é devida pelo Estado no exercício da persecutio criminis. Não obstante, é importante destacar que a vasta previsão de sanções, bem como a independência de instâncias punitivas, poderá ensejar efeitos penais ainda mais gravosos que aqueles ali previstos. Em relação à corrupção, a legislação estrangeira e alienígena, via de regra, é semelhante à brasileira, incluindo a responsabilidade administrativa objetiva, advertindo a empresa para que fiscalize seu funcionário ou parceiro. Isso ocorre porque, se o funcionário ou o parceiro praticam algum ato de corrupção que beneficia a companhia, ela responderá judicialmente, sendo interessante que a responsabilidade seja delegada à empresa, que fica responsável pela prevenção de tais atos. Nessa trilham, advém dos institutos fundamentais no combate à corrupção: a delação premiada e o conselho de controle de atividades financeiras (COAF). Este último é fundamental por permitir a identificação e o rastreamento de dinheiro oriundo do crime organizado, algo mais efetivo do que a prisão 29 dos líderes do crime organizado, pois esses podem ser substituídos. Em relação à delação premiada, considera-se válida a concessão de benefícios a quem se dispõe a colaborar com a investigação do crime. No entanto, seria necessário que os benefícios no âmbito administrativo fossem ampliados à esfera penal na Lei 12.846, para manter o estímulo à delação premiada. Nesse particular, a investigação e aplicação de sanções cabem exclusivamente à CGU. É de suma importância dizer que não importará reconhecimento da prática do ato ilícito investigado a proposta de acordo de leniência rejeitada, e, em caso de descumprimento do acordo de leniência, a pessoa jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de três anos contados do conhecimento pela administração pública do referido descumprimento. A importância do Compliance fiscal para prevenção de fraudes O entendimento correto das suas obrigações fiscais é essencial para o crescimento das organizações, já que o Fisco pode exigir o que lhe é devido e, dependendo dos valores, inviabilizar a continuação da empresa. A pior maneira de se administrar é não agir de acordo com as legislações vigentes ou não se adequar às mesmas. Por isso, um bom programa de Compliance pode equacionar e orientar as diretrizes para um bom funcionamento empresarial. A crise na qual o Brasil está mergulhado é evidente, e os reflexos na economia também. É possível observar empresas endividadas e encerrando as atividades, a oferta de imóveis comerciais superando a procura, desemprego em alta, mas o que isso gera para o Governo? Menos empresas gera menos arrecadação e empregos. Ou seja, diminuindo a arrecadação, o Governo perde poder de investimento e ainda aumenta os gastos, como no pagamento de auxílio desemprego, por exemplo. O momento atual, apesar de crítico, não é insuperável. O País já passou por outras crises antes, mas agora tanto a iniciativa pública quanto a privada possuem um instrumento de ajuda, justamente o Compliance. A organização e os membros da alta direção podem, com inteligência, elevar o patamar e abraçar um mercado carente de credibilidade. Para isso, o Compliance fiscal é essencial. Um bom programa de Compliance é capaz de identificar divergências entre o que se paga e o que deveria ser pago, adequando a organização antes que esta sofra sanções administrativas, judiciais e pecuniárias, pois talvez ela possa pagar a diferença de tributos e continuar normalmente a sua operação, mas uma multa acabaria com o seu caixa, levando-a à falência. 30 Dentro desse panorama, podemos destacar os programas de Compliance Fiscal e a gestão do Compliance Fiscal. Batista (2016) cita o seguinte: É indiscutível o importante papel que estes mecanismos agregam às organizações privadas. Seja pelas investigações, realizadas por meio de Auditoria Independente, de eventuais riscos tributários, evitando a instalação e propagação de evasões fiscais. Pelo trabalho realizado pela Consultoria Tributária, que, por meio das revisões preventivas tributárias, aponta e adéqua procedimentos contábeis/fiscais irregulares, levantando e habilitando eventuais créditos tributários. Bem como, por realizar planejamentos tributários legais e adequados a cada tipo de empresa, visando a redução da carga tributária e consequente economia fiscal. Diantedo exposto acima, é medida de inteira eficiência e qualidade a implantação dos Programas de Compliance Fiscal, já que o Governo vem se aprimorando em questões tributárias e fiscais, criando complexas legislações tributárias e procedimentos fiscais a serem adotados pelos contribuintes, dificultando e causando incontáveis controvérsias às empresas por falta de atenção e compreensão a estes preceitos legais. A gestão do Compliance Fiscal, por meio da Auditoria Independente e da Consultoria Tributária, possui capacidade e eficiência para minimizar riscos fiscais, prevenindo instauração de processos administrativos e contendas judiciais desfavoráveis às empresas por ausência de conhecimento e compreensão das matérias tributárias. É ainda capaz, em determinados casos, de perceber resultados financeiros além daqueles referentes a reduções legalmente das cargas fiscais visando uma economia tributária, como por exemplo, levantamento e habilitação de créditos fiscais, o que asseguram sempre uma alta qualidade da saúde financeira da organização. Sem contar no quanto uma empresa que possui estes mecanismos de Compliance se torna atrativa aos olhos de investidores e contratantes, devido à confiança e transparência impostas pela gestão destas ferramentas.7 7 BATISTA, André Lemos. Compliance fiscal e a consequente qualidade da saúde financeira das empresas. BLB Brasil. 26 dez. 2016. Disponível em: <http://www.blbbrasil.com.br/artigos/compliance-fiscal>. Acesso em: 19 jul. 17. 31 De acordo com a Carneiro (2016b): Desde a vigência da Constituição de 1988, já foram editadas mais de trezentas mil leis tributárias, e se considerarmos também todos os atos administrativos normativos editados pela Receita Federal do Brasil e demais Fazendas estaduais e municipais, somam mais de três milhões de normas tributárias. Essa quantidade alarmante, associada à velocidade com que são alteradas, torna bastante difícil a tarefa de se adequar à legislação fiscal. Assim, a revisão das informações antes de serem declaradas ao Fisco, bem como a observância precisa de toda a legislação em vigor, é indispensável para garantir a boa administração da “empresa”, evitando, de forma eficaz e lícita, possíveis penalidades fiscais que podem atingir o patrimônio da sociedade e até mesmo, em alguns casos, o patrimônio pessoal dos sócios. Vale dizer que, a regra do Direito Empresarial que limita a responsabilidade patrimonial da sociedade até o limite do capital integralizado não se aplica de forma absoluta no Direito Tributário, o que pode trazer grandes transtornos.8 O Compliance Tributário é de suma importância, pois ele é capaz de identificar se as operações da organização estão seguindo o que prediz a legislação, e, com isso, evitar pesados autos de infração e as suas penalidades. 8 CARNEIRO, Claudio e SANTOS JR, Milton de Castro. Compliance e Boa Governança (Pública e Privada). Curitiba: Juruá. 2018. 32 BIBLIOGRAFIA BATISTA, André Lemos. Compliance fiscal e a consequente qualidade da saúde financeira das empresas. BLB Brasil. 26 dez. 2016. Disponível em: <http://www.blbbrasil.com.br/artigos/ compliance-fiscal>. Acesso em: 19 jul. 17. BLOK, Marcella. Compliance e governança corporativa: atualizado de acordo com a Lei Anticorrupção Brasileira (Lei 12.846) e o Decreto-Lei 8.421/2015. 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Acesso em: 26 jul. 2017. 35 PROFESSORES-AUTORES Claudio Carneiro Bezerra Pinto Coelho é pós-doutor pela Universidade Nova de Lisboa (Portugal), doutor em Direito público e evolução social, e mestre em Direito fiscal. Professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), é também coordenador do curso de Planejamento tributário e Processo tributário estratégico da FGV; coordenador do curso de Compliance Avançado da FGV; integra a equipe de coordenação do LLM em Compliance da FGV; professor do curso de doutorado da Universidade Autônoma de Lisboa; professor do curso de mestrado da UniFG/BA; professor da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj) e professor de diversos cursos de pós-graduação das principais instituições do País. Além disso, é autor de várias obras jurídicas no Brasil e no exterior; membro do Grupo de Pesquisa da União Europeia sobre Análise Econômica do Direito, Boa Governança e Jurisdição Constitucional; palestrante e conferencista. Sócio-fundador do escritório Claudio Carneiro Advogados Associados, advogado especializado em Compliance e Direito fiscal; consultor e auditor líder de Compliance e Antissuborno certificado pela Itália; vice-presidente da Ethic & Compliance International Institute com sede em Portugal; presidente da Comissão de Compliance e Governança do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB); membro da Comissão Antissuborno ABNT/CEE-278; membro da Comissão de Governança das Organizações ABNT/CCE-309; conselheiro da Comissão de Compliance e Governança da Associação Comercial do Rio de Janeiro; presidente da Comissão de Direito à Educação da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Rio de Janeiro (OAB/RJ); conselheiro da OAB/RJ; conselheiro da Conselho Empresarial de Governança e Compliance da Associação Comercial do RJ; membro da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/RJ e presidente da 57ª Subseção da OAB/RJ (Triênio 2016-2018). Contato: professorclaudiocarneiro@gmail.com e www.claudiocarneiro.com.br Nosso Canal no Youtube: https://www.youtube.com/channel/ UCguWCJ7WiyAWH1VSQMQ2-uA 36 Milton de Castro Santos Junior é pós-graduado em Direito privado, bacharel em Direito; bacharel em Teologia; auditor líder pela ABNT e especialista em Compliance, com diversos cursos na área, entre eles o de Compliance Avançado ministrado pelo IBC. Além disso, é professor de Compliance e Antissuborno da Escola Superior de Advocacia da 57ª Subseção da OAB/RJ e professor do Curso de Compliance Avançado ministrado na FGV Rio. Advogado empresarial há 13 anos, é auditor líder de Compliance; procurador da 57ª Subseção da OAB/RJ; membro de Comissão de Compliance e Antissuborno da 57ª Subseção da OAB/RJ, e membro da Comissão de Direito à Educação da OAB/RJ. É também revisor de obras jurídicas, sócio-fundador da empresa R. F. Store, sócio-fundador da empresa Dolce Carta e sócio- fundador da empresa Sr. Mordida. Contato: miltonmcsj@hotmail.com
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