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LÍ N G U A B RA SI LE IR A D E SI N A IS - LI BR A S LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS - LIBRAS Clélia Maria Ignatius Nogueira Marilia Ignatius Nogueira Carneiro Beatriz Ignatius Nogueira Organizadores: João Luiz Simplício Porto LÍ N G U A B RA SI LE IR A D E SI N A IS - LI BR A S LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS - LIBRAS Clélia Maria Ignatius Nogueira Marilia Ignatius Nogueira Carneiro Beatriz Ignatius Nogueira Organizadores: João Luiz Simplício Porto NEAD - Núcleo de Educação a Distância Coordenador de EAD: Patrícia Gonçalves Oliveira Direção Geral: Carlos Fernando Barbosa Direção Acadêmica: Eber da Cunha Mendes Diretor Financeiro: Renato Gonçalves Oliveira Coordenação de Curso: Aline Carneiro Silveirol Capa e Editoração: Renata Sguissardi; Andresa G. Zam; Diego R. Pinaffo; André Morais Ficha catalográfica realizada pela bibliotecária Este livro é publicado pelo Programa de Publicações Digitais do Centro de Ensino Superior FABRA FiChA CAtAloGráFiCA - SErviço DE BiBliotECA E DoCumENtAção – FABrA N778l NOGUEIRA, Clélia Maria Ignatius Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS / Clélia Maria Ignatius Nogueira, Marilia Ignatius Nogueira Carneiro, Beatriz Ignatius Nogueira; organização João Luiz Simplício Porto. – Serra, ES: Centro de Ensino Superior Fabra, 2017. 280 p. : il.. ISBN: 978-85-92808-15-0 1. LIBRAS – Lingua Brasileira de Sinais. I. Título. II. CARNEIRO, Marilia Ignatius Nogueira. III. NOGUEIRA, Beatriz Ignatius. IV. PORTO, João Luiz Simplicio. CDD 419 AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP R ES EN TA Ç ÃOLIBRAS Clélia Maria Ignatius Nogueira; Marilia Ignatius Nogueira Carneiro; Beatriz Ignatius Nogueira Você certamente deve estar se perguntando por que estudar a Língua Brasileira de Sinais, a Libras. Afinal, esta é a língua dos surdos brasileiros e provavelmente você nem conhece ninguém surdo! Outra coisa que você provavelmente não sabe é que atualmente existem no Brasil cerca de 5.7000.000 pessoas surdas e que, segundo dados do MEC - Ministério da Educação, em 2001, existiam 50 mil estudantes surdos matriculados no Ensino Fundamental, a maioria deles em classes comuns, em escolas inclusivas. Apesar dessa grande quantidade de alunos surdos matriculados no ensino regular, poucos conseguem sucesso, principalmente por que a principal maneira de ensinar ainda é a explicação oral e daí o surdo não entende nada, por causa da dificuldade de comunicação entre professores e alunos. Este dado de 2001 é importante porque foi esta constatação que deu origem a diversas ações do Ministério da Educação do Brasil, mudando, radicalmente e para melhor, a educação do surdo brasileiro. Assim, tentando mudar essa realidade de fracasso educacional que os alunos surdos viviam, o Governo Federal adotou diversas medidas, dentre elas o Decreto Federal nº 5626 de 22 de dezembro de 2005, que tornou obrigatório o ensino de Libras - Língua Brasileira de Sinais - em todos os cursos de formação de professores e também de fonoaudiologia do Brasil, além de se constituir em disciplina optativa dos demais cursos. É por isso que você está tendo esta disciplina, que tem como objetivo proporcionar o estudo sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, bem como AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP R ES EN TA Ç ÃO refletir sobre a surdez, a cultura, as identidades surdas e a Educação de Surdos na realidade brasileira, pensando na inclusão social e educacional do surdo. A surdez pode ser caracterizada de duas maneiras distintas: seguindo o modelo médico, em que ela é vista como uma deficiência, uma limitação de natureza patológica, com a criança sendo rotulada por aquilo que não é capaz de fazer. Ao adotarmos a concepção socioantropológica da surdez, entendida agora não mais como uma patologia, mas como uma diferença linguística, a criança surda passa a ser encaradaa partir de suas possibilidades, que poderão ser mais ou menos aproveitadas em função da educação que lhe for ofertada. Assim, compreender os surdos e a surdez nesse viés educacional é fundamental para o futuro professor, pois este é o profissional que estará mais próximo da família no momento dela lidar com a educação da criança surda e, orientar esta família. Além disso, agora já pensando no surdo adulto, que pode e deve exercer sua cidadania, é importante que qualquer profissional esteja minimamente capacitado para atendê-lo. Desta forma, procuramos atender prioritariamente a três grandes objetivos: proporcionar a constituição de uma imagem positiva da surdez e dos surdos; favorecer a inclusão educacional e social do surdo e promover a difusão da Libras. Para atingir estes objetivos, este livro se organiza em três unidades. Na Unidade I, apresentaremos a Libras – Língua Brasileira de Sinais, em seus aspectos geral e sintático. A Unidade II será destinada, basicamente, à apresentação de vocabulário específico que lhe permita uma comunicação funcional com o surdo, em sua área de atuação profissional. Apresentaremos também nesta segunda unidade, os profissionais da Libras, a saber, o tradutor intérprete de Língua de Sinais (TILS) e o professor de Libras, que, de acordo com o Decreto 5626 deve ser, prioritariamente surdo. Na Unidade III trataremos de sensibilizar e conscientizar você dos aspectos sociais e antropológicos da surdez, ao discutirmos as AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP RE SE NT AÇ ÃO AP R ES EN TA Ç ÃO concepções de surdez; as diferentes filosofias educacionais, a cultura e as identidades surdas, a história da educação de surdos e ainda apresentaremos algumas leis e políticas públicas relacionadas à educação de surdos, finalizando com uma desconstrução de alguns mitos e crenças sobre a surdez e os surdos. Nas conclusões, além de fazermos uma retomada dos assuntos abordados nas unidades I, II e III, faremos uma discussão a respeito da inclusão educacional e social do surdo. Faremos estas discussões sustentadas não apenas em nossa formação acadêmica, mas particularmente, em nossa experiência de vida. Pelo nosso sobrenome, você já deve ter percebido que nós três somos parentes! É verdade. Somos mãe (Clélia) e filhas (Marília e Beatriz). A mãe é ouvinte e as filhas são surdas e nós vivenciamos um período muito difícil na vida do surdo brasileiro. Um período em que os professores não aprendiam a se comunicar com seus alunos e mais, os próprios surdos eram proibidos de usar a Libras! Esse período foi muito difícil e isso acontecia porque as pessoas, incluídas aí os professores e a família, acreditavam que aprender falar oralmente era a única forma do surdo - que naquela época era designado por deficiente auditivo – se integrar à sociedade. Atualmente, muita coisa mudou. Até a maneira de se referir aos surdos e esta experiência que nos credencia a discutir esses temas tão delicados com você. Finalizamos esta apresentação com uma frase atribuída ao surdo francês Ferdinand Berthier, que viveu no século XIX e é considerado um dos mais brilhantes exemplos de sucesso de um surdo, um dos fundadores da primeira associação de surdos, a “Societété Centrale des Sourds Muets de Paris”, que extraímos do livro de Gesser (2009): “O que importa a surdez da orelha, quando a mente ouve? A verdadeira surdez, a incurável surdez é a da mente” (FERDINAND BERTHIER, surdo francês, 1854). Abram suas mentes e bons estudos! SU M ÁR IO UNIDADE 1 LINgUAgEm, LíNgUAS ORAIS, DE SINAIS E LIbRAS 13 Introdução ...........................................................................................15 LINGUAGEM E PENSAMENTO ...........................................................17 HISTÓRIA DAS LÍNGUAS DE SINAIS E DA LIBRAS ...........................21 PARALELOS ENTRE LIBRAS E A LÍNGUA PORTUGUESA ................31 LÍNGUAS DE SINAIS E LIBRAS ..........................................................41 Os sinais são gestos? ................................................................................ 41 A língua de sinais é icônica? ..................................................................... 42 A língua de sinais tem gramática? ............................................................. 42 A língua de sinais é mímica? ..................................................................... 43 A língua de sinais é o alfabeto digital? ...................................................... 44 A língua de sinais é artificial? .................................................................... 44 A língua de sinais é universal? ................................................................... 45 As línguas de sinais são dependentes das línguas orais? ........................ 47 As línguas de sinais são exclusividade dos surdos?................................. 48 O que é um tradutor intérprete de Libras e Língua Portuguesa? .............. 49 ASPECTOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS ............................................50 Expressão Facial........................................................................................ 59 EXPRESSÃO FACIAL OU MODULAÇÃO NÃO MANUAIS EM LIBRAS......60 ASPECTOS MORFOLÓGICOS ...........................................................64 TIPOS DE FRASES EM LIBRAS ..........................................................69 TIPOS DE NEGAÇÃO ..........................................................................72 FLEXÃO DE GÊNERO .........................................................................74 TIPO DE VERBOS ...............................................................................77 CLASSIFICADORES OU DESCRIÇÃO IMAGINÁRIA ..........................83 SU M ÁR IO Classificador de Sintaxe ......................................................................... 88 mARCAÇÃO DE TEmPO VERbAL ....................................................91ASPECTOS SINTÁTICOS ....................................................................95 UNIDADE 2 CONSTRUINDO VOCAbULáRIO 105 Introdução ...........................................................................................107 Léxico de Unidades Semânticas: alfabeto, números e pronomes .....109 O alfabeto manual ..................................................................................... 109 Números ..............................................................................................112 Algarismos e Numerais .............................................................................. 112 Números quantitativos ............................................................................... 113 Números ordinais ...................................................................................... 113 PRONOMES .............................................................................................. 114 Pronomes Pessoais ................................................................................... 114 Pronomes Possessivos ............................................................................. 116 Pronomes Demonstrativos ........................................................................ 117 Léxico de Unidades Semânticas: saudações cotidianas; cores; calendário, tempo ...............................................................................117 IDENTIFICAÇÃO PESSOAL ....................................................................... 117 CALENDÁRIO ......................................................................................123 Aprendendo os sinais de Calendário ......................................................... 123 Meses ........................................................................................................ 128 LÉXICO DE UNIDADES SEMÂNTICAS: DEFICIÊNCIAS, PROFISSÕES, ESCOLA, EDUCAÇÃO E ECONOMIA .................................................138 DEFICIÊNCIAS ........................................................................................... 138 PROFISSÕES ............................................................................................ 140 SU M ÁR IO ECONOMIA ................................................................................................ 145 Nossa moeda, o Real ................................................................................ 146 Mil .............................................................................................................. 147 EDUCAÇÃO: ESCOLA – NÍVEIS DE ENSINO - ESPAÇO FÍSICO – DISCIPLINAS – MATERIAL ECOLAR ..................................................148 ESPAÇO FÍSICO DA ESCOLA ................................................................... 151 DISCIPLINAS ............................................................................................. 152 MATERIAL ESCOLAR ................................................................................ 154 PROFISSÕES ............................................................................................ 156 TRADUTOR INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS – TILS ..................157 O MERCADO DE TRABALHO PARA AS PESSOAS SURDAS ............166 Algumas ideias sobre o capitalismo .......................................................... 168 Contextualizando a surdez ........................................................................ 170 Professor de Libras: reserva de mercado para surdos? ........................... 173 UNIDADE 3 A CULTURA DO SURDO E AS POLíTICAS PúbLICAS 197 INTRODUÇÃO .....................................................................................199 CONCEPÇÕES DE SURDEZ ...............................................................203 CULTURAS E IDENTIDADES SURDAS ...............................................213 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA REFERENTE À EDUCAÇÃO DE SURDOS 226 Lei nº 7.853 de 1989 .................................................................................. 230 Declaração de Salamanca de 1994 ........................................................... 231 Lei 9.394 de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira ..... 232 Portaria MEC – nº 1.678/99 ....................................................................... 235 SU M ÁR IO Lei Federal nº 10 436, de 24 de abril de 2002 ........................................... 240 Decreto Federal nº 5.626 de 2005 ............................................................. 241 Decreto 7.611, de 2011 ............................................................................. 245 AS POLÍTICAS PÚBLICAS REFERENTES À EDUCAÇÃO DE SURDOS ........................................................................................246 Decreto 914 de 1993 ................................................................................. 248 Política Nacional de Educação Especial de 1994 ..................................... 248 Lei nº 10.172/01 – Plano Nacional de Educação ...................................... 249 Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos - 2001.................... 250 Política Nacional de Educação Especial de 2008 ..................................... 252 DESCONSTRUINDO CRENÇAS SOBRE O SURDO E A SURDEZ ........................................................................................254 CONCLUSÃO 271 REFERÊNCIAS 275 Linguagem, línguas orais, de sinais e Libras UNIDADE 1 ObjEtIvOs DE AprENDIzAgEm • Possibilitar a constituição de uma imagem positiva da surdez e do surdo; • Estabelecer a diferença entre linguagem, língua e fala; • Discutir a relação “Pensamento e Linguagem”; • Compreender a Libras em seus aspectos gerais; • Compreender a Libras em seus aspectos linguísticos; • Favorecer o processo de inclusão da pessoa surda; • Expandir o uso da Libras legitimando-a como língua oficial do Brasil. pLANO DE EstUDO Serão abordados os seguintes tópicos: • Linguagem e Pensamento • História das Línguas de Sinais e da Libras • Paralelos entre Libras e a Língua Portuguesa • Línguas de Sinais e Libras • Aspectos linguísticos da Libras Clélia Maria Ignatius Nogueira; Marilia Ignatius Nogueira Carneiro; Beatriz Ignatius Nogueira. 15 UNIDADE I - LIBRAS INTRODUÇÃO Os fortes preconceitos relacionados à surdez se sustentam na crença, praticamen- te inabalável, desde os tempos de Aristóteles e reforçada por diversos estudos ao longo dos tempos, de que a linguagem falada era essencial para o desenvolvimen- to do pensamento humano. Entretanto, estudos sobre cognição e linguagem, como os efetivados nas teorias de aprendizagem mais conhecidas, como o behaviorismo, que tem em Frederic Skinner um de seus mais importantes representantes; o construtivismo genético de Jean Piaget e o sociointeracionismo, representado por Lev Vygotsky, entre outras, além da neurociência, e de teorias marcadamente linguísticas como a abordagem gerativista, que tem em Noam Chomsky seu principal representante, mostraram que o importante para o desenvolvimento do pensamento é a comunicação e não a língua que se usa. Além disso, outros estudos indicavam que crianças surdas, filhas de pais surdos, teriam um desempenho escolar superior aos das crianças surdas, filhas de pais ouvintes, o que reforçava a premissa anterior de que para o desenvolvimento cog- nitivo o que importa é a comunicação e não o estilo que se usa. 16 UNIDADE I - LIBRAS Com esse novo direcionamento nas pesquisas sobre a relação entre o pensamento e a linguagem, além da realização de diversos estudos referentes às línguas de sinais que demonstravam que estas desempenham no desenvolvimento cognitivo e afetivo dos surdos, o mesmo papel das línguas orais para os ouvintes, além de pressões resultan- tes de movimentos de surdos, respaldados em pressupostos de direitos humanos, re- colocaram as línguas de sinais na posição de destaque na educação e inclusão social de surdos. Atualmente, as leis “daAcessibilidade” e “da Libras” garantem ao surdo o direito de ser educado em sua primeira língua, de ter atendimento jurídico, de saúde, enfim, de todos os serviços prestados pelo governo, em Libras, além das traduções de programas televisivos, de serviços bancários etc. Enfim, como a Libras é língua oficial brasileira, ela tem o mesmo status da Língua Portuguesa. Assim, nesta Unidade I, pretendemos apresentar-lhe as línguas de sinais em geral e a Libras em particular. Para isto, organizamos cinco seções. A primeira, intitulada Pensamento e Linguagem, destacará que as línguas de sinais são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo dos surdos. Na segunda seção, abordaremos a História das Línguas de Sinais, além da história dessas línguas, anunciada no título, também apresentará uma discussão sobre as diferenças conceituais entre linguagem, língua e fala. Na terceira seção, como o título indica, estabeleceremos Paralelos entre Libras e a Língua Portuguesa, a título de facilitar a compreensão 17 UNIDADE I - LIBRAS da primeira. Na quarta seção, Línguas de sinais e Libras, procuraremos descons- truir mitos e crenças sobre as línguas de sinais e da Libras. Finalizaremos, com a seção mais extensa e complexa desta Unidade I, que é o estudo dos Aspectos linguísticos da Libras. Lembre-se, os surdos “escutam com os olhos e falam com as mãos!” Vamos entender esta fascinante forma de comunicação! Bons estudos! LINgUAgEm E PENSAmENTO A relação entre pensamento e linguagem é discutida desde os tempos mais remo- tos e, desde então, existe uma forte crença de que a linguagem falada é essencial para o desenvolvimento do pensamento humano. Esse fato é reforçado por pesquisas mais recentes. No século XX, Piaget estabe- lece que a linguagem é responsável pela qualidade de nosso pensamento, pois permite sairmos do estádio das operações concretas e alcançarmos o estádio lógi- co-formal. Entretanto, antes mesmo da linguagem, para este estudioso, existe uma inteligência prática, característica do sensório-motor. Para Vygotsky, a linguagem ocupa um papel essencial na organização das funções superiores, pois exerce pa- pel fundamental no desenvolvimento cognitivo dos seres humanos. 18 UNIDADE I - LIBRAS No processo interacional verbal, o sujeito também utiliza o processo cognitivo, pois, segundo Vygotsky, a palavra por ser carregada de sentido exige que o sujeito realize operações mentais para compreendê-la, assim como para compreender as motiva- ções de uso dela [...] Por intermédio dessa forma de pensar, pode-se compreender a afirmação de que a comunicação verbal exerce papel central no processo interacio- nal (FARIA; ALVES; BATISTA; MONTEIRO, 2011, p.174). Mas por comunicação verbal devemos entender apenas a língua oral? A resposta é não. Verbal vem de verbo, que significa palavra, que, pode ser reproduzida tanto na língua oral, como na de sinais. Esta constatação de que a comunicação espaço-visual se constitui em comunicação verbal tanto quanto a oroauditiva é recente. Durante muito tempo se acreditou que a linguagem oral era a única responsável pelo funcionamento cognitivo humano e a dificuldade encontrada pelos surdos para falar foi considerada como quase impeditiva do desenvolvimento do pensamento. Além disso, como a língua de sinais por muitas décadas foi confundida com mímica, era entendida como dependente do mundo con- creto, não permitindo a compreensão de conceitos abstratos e, por conseguinte, não se acreditava em suas potencialidades para o desenvolvimento cognitivo dos surdos. Entretanto, a presença de surdos nas instituições escolares inclusivas ou espe- ciais, sendo educados em sua língua natural, tem contribuído muito para des- construir a imagem de que a surdez compromete o desenvolvimento cognitivo e linguístico do indivíduo. 19 UNIDADE I - LIBRAS O surdo pode e desenvolve suas habilidades cognitivas e linguísticas (se não tiver outro impedimento) ao lhe ser assegurado o uso da língua de sinais, em todos os âmbitos sociais em que transita. Não é a surdez que compromete o desenvolvimento do surdo, e sim a falta de acesso a uma língua (GESSER, 2009, p.76). Com o reconhecimento de que a língua de sinais desempenha para o desenvol- vimento cognitivo dos surdos o mesmo papel que a língua oral representa no dos ouvintes compreendeu-se que a surdez não torna a criança um ser que tem possi- bilidades a menos, mas com possibilidades diferentes, e não menores. O estudo dos surdos mostra que as capacidades do homem de linguagem, pensamen- to, comunicação e cultura não se desenvolvem de maneira automática, não se com- põem apenas de funções biológicas, mas também têm origem social e histórica; essas capacidades são, como assevera Sacks (1998), um presente – o mais maravilhoso dos presentes – de uma geração para outra, o que reforça a importância do grupo, da cultura surda para a construção da identidade e desenvolvimento cognitivo do surdo. Assim, possuir dificuldades em ouvir não impede o ser humano de adquirir uma língua e nem de desenvolver sua capacidade de representação, porém, faz o surdo criar uma maneira própria de se comunicar, utilizando uma língua de natureza viso-motora. As línguas de sinais, portanto, comprovam que o fato de esta não impede o surdo de adquirir uma língua e nem de desenvolver sua capacidade de representação. 20 UNIDADE I - LIBRAS Isso provavelmente envolve mecanismos mentais, diferentes dos mecanismos mentais da pessoa ouvinte. As ações negativas quanto ao uso da língua de sinais estiveram e estão, em grande medida, atreladas aos seguidores da filosofia oralista. Muitos pesquisadores têm abolido a visão exposta, ao afirmarem justamente o inverso: é o não uso da língua de sinais que atrapalha o desenvolvimento e a aprendizagem de outras línguas pelo surdo. Considerando-se que a relação do indivíduo surdo profundo com a língua oral é de outra ordem (dado que não ouvem!), a incorporação da língua de sinais é im- prescindível para assegurar condições mais propicias nas relações intra e interpes- soais que, por sua vez, constituem o funcionamento das esferas cognitivas, afetivas e sociais dos seres humanos (GESSER, 2009, p.59). Sendo a língua de sinais imprescindível para o desenvolvimento cognitivo e social do surdo, “[...] é fundamental que a criança aprenda a língua de sinais bem cedo, pois ‘pesquisas’ têm mostrado que, quando a criança surda adquire linguagem desde bem pequena, o seu desempenho escolar será equivalente ao de crianças ouvintes” (REILY, 2004, p.123). Portanto, é indispensável que a família esteja com- pletamente envolvida neste processo, que seus elementos se disponham a fazer parte da comunidade surda. Ora, mas as pesquisas apontam que cerca de 90% das crianças surdas são filhas de pais ouvintes que pouco ou nenhum conhecimento possuem acerca da surdez e da língua de sinais e que muitas vezes não resgataram a serenidade emocional 21 UNIDADE I - LIBRAS certamente abalada pelo imprevisto da chegada de uma criança surda. Disto de- corre o papel fundamental desempenhado pelo professor, que, além de ser o pro- fissional mais próximo da família neste momento, está de posse da serenidade emocional que os pais, em especial, irão demorar em adquirir. Mas, enquanto a família se dá conta das dificuldades de adaptação ao novo filho que lhes foi imposto, algo deve ser feito e rapidamente. A criança cresce e necessita da linguagem para poder se colocar no mundo, entender e se fazer entendida. Entre aí o papel da escola (MOURA, 2013, p.18). Reforçando, como o professor é, na maioria dos casos, o único profissional ao qual a família tem acesso, ele passa a ser o responsável pela orientação sobre a atuação da família em toda a vida do filho surdo, daí a necessidade de conhecer muito bem as implicações sociais da adoção do modelo bilíngue de educação dos surdos. HISTÓRIA DAS LíNgUAS DE SINAIS E DA LIbRAS“LIBRAS É LÍNGUA”. Foi este o título escolhido para a palestra apresentada por uma linguista em um evento cujo público alvo era o estudante do curso de letras. Uma pro- fessora que trabalha na área da surdez, mencionando o título, fez o seguinte comen- tário: “De novo? Achei que essa questão já estivesse resolvida!” (GESSER, 2009, p.9). Embora mais de cinquenta anos tenham passado desde que a língua de sinais é mundialmente reconhecida, do ponto de vista linguístico, como uma verdadeira 22 UNIDADE I - LIBRAS língua, no Brasil, mesmo após a promulgação da Lei Federal nº 10 436, de 24 de abril de 2002, que reconhece a Libras como língua oficial brasileira, ainda é neces- sário afirmar e reafirmar esta legitimidade. Mas por que insistir tanto nesta questão, ou seja, a de que a Libras é uma língua? Afinal, o que isto significa? Língua e linguagem é a mesma coisa? O surdo “fala” em Libras? Por linguagem, designamos o sistema abstrato, articulado, fenômeno universal, in- dependente da situação cultural, que diferencia o ser humano das demais espécies. Chamamos de língua, ao sistema abstrato, articulado utilizado por um grupo ou uma comunidade específica, por exemplo, a Língua Portuguesa. O modo particular e individualizado de exercitar a língua é o que denominamos de fala. “A fala é o exercí- cio material da língua levado a cabo por este ou aquele indivíduo pertencente a uma comunidade linguística específica” (BASTOS; CANDIOTTO, 2007, p.15). De acordo com Bastos e Candiotto (2007, p.15), a linguagem é a capacidade do ser humano de comunicar-se com os semelhantes por meio de signos. É ao mesmo tempo física, psicológica e social e é realizada sempre dentro do âmbito de uma língua, “inseparável de um contexto cultural específico, particular, de uma comu- nidade linguística”. 23 UNIDADE I - LIBRAS Considerando então só o que estabelecemos anteriormente, é possível admitir que a Libras é uma língua, porque permite que uma comunidade linguística particular, a comunidade surda, exerça sua capacidade de comunicação, e ainda mais, se a fala é o modo de um elemento de uma comunidade linguística exercitar sua língua, o surdo fala em Libras. Mas não foram considerações simplistas como as que fizemos aqui que permitiram afirmar, em bases científicas, que a Libras é uma língua sendo que este reconhe- cimento linguístico tem início com os estudos descritivos do linguista americano William Stokoe em 1960. Antes disso, as línguas de sinais não eram vistas como uma língua verdadeira, com gramática própria. No Brasil, conforme afirmamos anteriormente, os primeiros estudos sobre a Libras foram realizados na década de 1980, por Lucinda Ferreira Brito da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Tanya Mara Felipe, da Universidade Federal de Pernambuco e da FENEIS – Federação Nacional de Escolas e Instituições de Surdos, entidade representativa máxima dos surdos brasileiros. Atualmente, conta-se no Brasil com estudos sobre os aspectos gramaticais e discur- sivos da Língua Brasileira de Sinais, produzidos principalmente pela Universidade Federal de Santa Catarina, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pelo 24 UNIDADE I - LIBRAS Instituto Nacional de Educação e Integração dos Surdos (INES). Todavia, a comunicação com as mãos não teve início com os surdos e nem é exclusividade deles, pois, de acordo com Vygotsky os homens pré-históricos se comunicavam por meio de gestos e apenas quando começaram a utilizar ferramen- tas, ocupando as mãos é que começaram a utilizar a comunicação oral e, portanto, antes de utilizarem a palavra, os seres humanos utilizavam as mãos para interagir, demonstrando a naturalidade da comunicação por sinais. Podemos então dizer que o processo inverso, isto é, a passagem da língua oral para a manual foi rein- ventado pelo homem, sempre que necessário e não apenas no caso dos surdos. Você sabia que existem várias linguagens manuais criadas em diversos momentos da história da humanidade, para uso em contextos variados, tendo em vista possi- bilitar a comunicação e a interação em situações em que a fala era inviável, proibida ou impossível? Mergulhadores, por exemplo, criaram um sistema de códigos gestuais para se co- municar debaixo d água, onde a fala não é possível. Considerando os riscos de uma comunicação equivocada em circunstâncias perigosas, fica evidente o quanto essa comunicação deve ser bem assimilada durante os cursos de mergulho para garantir a segurança no meio líquido (REILY, 2004, p.113). No Brasil, Lucinda Ferreira Brito iniciou seus estudos linguísticos em 1982 sobre a Língua de Sinais dos índios Urubu-Kaapor da floresta amazônica brasileira, após um mês de convivência com os mesmos, documentando em filme sua experiência. 25 UNIDADE I - LIBRAS Lucinda Brito constatou que a mesma se tratava de uma legítima língua de sinais. O interessante de se observar, no caso dos Urubu-Kaapor, é que os ouvintes da aldeia “falam” a língua de sinais e a língua oral, evidentemente, enquanto que os surdos se restringem à língua de sinais. Assim, os ouvintes da aldeia se tornam bilíngues, enquanto os surdos se mantêm monolíngues. De acordo com Reily (2004), os indígenas do planalto americano também desen- volveram uma língua de sinais para estabelecer uma comunicação entre tribos dis- tintas, que não falavam a mesma língua, e precisavam de uma forma convencional de comunicação. Assim, desenvolveram, ao longo do tempo, um conjunto de sinais bastante eficiente, com o qual conseguiam realizar alianças e comércios. Um sistema de sinais também foi desenvolvido no período medieval por monges nos mosteiros europeus, que faziam o voto do silêncio, sendo que mesmo atu- almente, algumas comunidades de monges comunicam-se por gestos em suas atividades cotidianas no mosteiro. Veja como se concebia a função do silêncio no período monástico, segundo regras registradas por São Basílio Magno e que a palavra só poderia ser utilizada em caso de necessidade e estando as mãos ocupadas com algum trabalho, o que permite inferir que a comunicação gestual por eles utilizada era bastante eficiente. 26 UNIDADE I - LIBRAS É bom para os noviços também a prática do silêncio. Se dominam a língua, darão simultaneamente boa prova de temperança. Com o silêncio aprenderão junto dos que sabem usar da palavra, com concisão e firmeza, como convém perguntar e res- ponder a cada um. Há um tom de voz, uma palavra comedida, um tempo oportuno, uma propriedade no falar, peculiares e adequados aos que praticam a piedade. Não os aprende quem não tiver abandonado aquilo a que estiver acostumado. O silêncio traz consigo o esquecimento da vida anterior, em consequência da interrupção, e proporciona lazer para o aprendizado do bem. Assim, a não ser por questão especial atinente ao bem da própria alma, ou por inevitável necessidade de um trabalho em mãos, ou por negócio urgente, guarde-se o silêncio, excetuada, é claro, a salmodia (BASÍLIO MAGNO apud REILY, 2004, p.114). No século XVI, o médico e filósofo italiano Girolamo Cardano, utilizou a língua de sinais e escrita para ensinar seu filho, que era surdo. No mesmo século, Pedro Ponce de Leon estabeleceu um método para a educação de surdos em que combinava datilolo- gia, escrita e oralização, entretanto como na época era comum se guardar segredo dos métodos, após a morte de Ponce de Leon, seu método caiu no esquecimento. Na interface dos séculos XVI e XVII, na Espanha, Juan Pablo Bonet educava nobres surdos por intermédio de sinais, treinamento da fala e alfabeto datilológico, alcan- çando enorme sucesso, tendo sido, em razão disto, nomeado Marquês pelo Rei Henrique IV. Bonet publicou o primeiro livro que se tem notícia sobre a educação de surdos no qual expunha seu método, que, apesar de ser oralista, defendia o ensino do alfabeto manual aos surdos, o mais precocemente possível. 27 UNIDADE I - LIBRAS A línguade sinais que conhecemos hoje no Brasil, utilizada pelos surdos, teve ori- gem na sistematização realizada por religiosos franceses, desenvolvida a partir de 1760, particularmente pelo abade L´Épée, que foi o primeiro a reconhecer a neces- sidade de usar sinais como ponto de partida para o ensino. L’Épée se interessou pelos surdos quando teve de dar prosseguimento à educação religiosa de duas irmãs gêmeas surdas, que estavam sendo educadas utilizando gravuras. Decidiu mudar a metodologia utilizada anteriormente, porque achava que desta forma a compreensão das meninas ficaria restrita ao significado físico da imagem, sendo impossível transmitir por figuras o sentido mais profundo da fé. Resolveu ensinar linguagem pelos olhos, em vez de pelos ouvidos, apontando os ob- jetos com uma mão e escrevendo o nome correspondente numa lousa, com a outra. [...] logo as meninas estavam lendo e escrevendo os nomes das coisas. No entanto, esse sistema não permitia maiores avanços, porque não contemplava nenhuma gra- mática, nem sentidos abstratos, essenciais para o ensino religioso, restringindo-se à nomeação de objetos presentes, visíveis, perceptíveis pelos sentidos. [...] porém, deu-se conta de que as meninas já deveriam possuir um sistema gramatical, pois elas se comunicavam entre si com muita fluência (REILY, 2004, p.115). L´Épée aprendeu os sinais com suas alunas surdas. Também observou que os sur- dos das ruas de Paris desenvolviam uma comunicação gestual bastante satisfató- ria, levou-os para residir no convento e, com este conjunto de sinais estabelecido, 28 UNIDADE I - LIBRAS adaptou-os e acrescentou outros, desenvolvendo um método para aproximar os sinais à língua francesa, que ficou conhecido como Sinais Metódicos. Em 1775, L’Epée fundou uma escola para surdos, a primeira em seu gênero, com aulas co- letivas, na qual professores e alunos usavam os chamados sinais metódicos. A proposta educativa da escola era que os professores deveriam aprender tais sinais para se comunicarem com os surdos; eles aprendiam com os surdos e, com essa forma de comunicação, ensinavam o francês falado e escrito. Diferente de outros professores que escondiam seus métodos, L’Epée divulgava seus trabalhos em reuniões periódicas e propunha-se a discutir seus resultados. Em 1776, publicou um livro no qual divulgava suas técnicas. Neste livro, intitulado A verdadei- ra maneira de instruir surdos-mudos, em que divulgava seus sinais metódicos, as regras sintáticas e o alfabeto manual criado por Bonet. Quando faleceu, em 1789, De L’Epée havia fundado 21 escolas para surdos na Europa. O Abade Roch-Ambroise Sicard continua o trabalho de De L’Epée, inclusive complementando seu livro. Seus alunos usavam bem a escrita, e muitos deles ocuparam mais tarde o lugar de professores de outros surdos. Nesse período, alguns surdos puderam destacar- se e ocupar posições importantes na sociedade de seu tempo, além de haverem escrito vários livros falando de suas dificuldades de comunicação e dos problemas causados pela surdez. 29 UNIDADE I - LIBRAS No século XIX, o americano Thomas Hopkins Gallaudet tomou conhecimento do método de Sicard e levou um professor surdo para os Estados Unidos, começando um trabalho educacional seguindo esta metodologia. Em 1864, seu filho Edward Gallaudet funda a primeira universidade para surdos, importante instituição, que resistiu ao banimento das línguas de sinais pelo Congresso de Milão. A escolarização do surdo brasileiro teve seu início ainda no período imperial, em 1855, com a chegada do professor surdo francês E. Huet. Em 26 de setembro de 1857, foi fundado o Instituto Nacional de Surdos-Mudos, atual Instituto Nacional de Educação do Surdo (INES), que adotava a língua de sinais. Esta lín- gua de sinais que deu origem à Libras, constitui-se, naturalmente, pela interação da língua de sinais francesa (LSF), já constituída em seus aspectos gramaticais, com conjunto de sinais utilizados pelos surdos brasileiros. Assim, tanto a língua de sinais americana (ASL), quanto a Língua de sinais brasileira (Libras) foram influenciadas pela Língua de Sinais Francesa, entretanto, com o pas- sar dos tempos, cada língua adquiriu características culturais próprias de seu país e acabaram se diferenciando. Em 1870, Alexander Graham Bell inicia uma “verdadeira cruzada” contra as lín- guas de sinais, argumentando que elas não proporcionavam o desenvolvimento 30 UNIDADE I - LIBRAS intelectual dos surdos. Além disso, criticava as escolas especializadas, sob a ale- gação de que promoviam o isolamento dos surdos. Ele publicou vários artigos, defendendo suas ideias e foi fundamental para que a decisão de se proibir o uso das línguas de sinais fosse tomada no Congresso de Milão, em 1880. Em 1957, o INES proibiu oficialmente o uso das línguas de sinais nas salas de aula, entretanto, os alunos continuaram utilizando essa forma de comunicação, escon- dido dos professores e funcionários. Conta a história que a língua de sinais no Brasil sobreviveu principalmente graças a esses surdos que estudavam no INES em regime de internato. As conversas em Libras só eram possíveis longe dos olhos de professores e vigilantes, à noite, à luz de velas, embaixo das camas e das mesas, nos refeitórios, banheiros ou corredores (FENEIS, 2011, p.13). Encerramos esta breve apresentação histórica, com um resumo da história da Libras realizado por Góes e Campos (2013, p.71): Percebe-se que a história sofreu mudanças e foi muitas vezes influenciada por di- ferentes grupos em diversos momentos e contextos. Partiu-se da descoberta da comunicação natural de pessoas surdas, para tentativas de oralização com o intuito de “normalizar” os surdos, até o reconhecimento da Libras como língua de comu- nicação de pessoas surdas em nosso país. Houve a proibição da língua de sinais, o que prejudicou a evolução da educação de surdos e também o progresso de pesqui- sas e produções científicas em relação aos estudos linguísticos da língua de sinais. 31 UNIDADE I - LIBRAS Mas com o reconhecimento da Libras pela lei 10.436, emergiram possibilidades para o livre uso da língua de sinais e a criação de novos cursos e de novos e diferentes espaços de estudos linguísticos envolvendo a língua de sinais. Desses estudos, concluiu-se que a língua de sinais é uma língua com condições de proporcionar não apenas a comunicação efetiva entre os surdos como, também, a expressão de sentimentos; a composição de poesias; a discussão filosófica, enfim, um idioma completo. Porém, talvez, principalmente devido às suas características icônicas (uma representação da realidade, por ícones), e pela forte influência da lín- gua oral tanto na estrutura gramatical, quanto lexical são muitas as interpretações equivocadas sobre as línguas de sinais em geral, e sobre a Libras em particular. PARALELOS ENTRE LIbRAS E A LíNgUA PORTUgUESA Os estudos que seguiram o trabalho pioneiro de Stokoe revelaram que as línguas de sinais eram verdadeiras línguas, preenchendo em grande parte os requisitos que a linguística de então colocava para as línguas orais, por exemplo, os níveis de articulação da linguagem: fonológico, semântico, morfológico e sintático. Dito de outra forma: para poderem chegar à conclusão de que as línguas de si- nais constituem-se em um idioma, foram feitos muitos estudos, sustentados quase 32 UNIDADE I - LIBRAS sempre na parte da linguística que faz a comparação entre duas ou mais línguas, que é denominada de linguística contrastiva. A linguística contrastiva é uma parte da linguística geral, que estuda as similaridades e diferenças estruturais entre duas línguas. Essa comparação é feita nos níveis fonológico, morfológico, sintático e semântico. • Fonológico: estuda os fonemas que são a menor unidade distintiva da pa- lavra – por exemplo, na palavra fala a letra f representa o fonema /f/ (fê), se refere aos sons em uma línguaoral. • Morfológico: estudo da forma das palavras, como elas são construídas. Sua unidade mínima é o morfema que é a unidade mínima significativa. Por exemplo: estud/ei; estud/amos e estud/ante. A identidade de significado das três formas é devido ao morfema estud, que é igual nas três palavras. • Sintático: estuda como as palavras são organizadas em uma frase. Isto é, sabemos que as palavras são combinadas, segundo regras determinadas, para formar frases e orações. Por exemplo: eu estudei muito ontem. • Semântico: estuda o significado ou sentido das palavras dentro de uma organização textual (e contextual). 33 UNIDADE I - LIBRAS A Libras também possui suas unidades mínimas distintivas, os quiremas, que combina- dos, produzem unidades significativas, os sinais, que obedecem a regras para constitu- írem frases, que combinadas produzem contextos. Utilizamos aqui, propositadamente, a palavra contextos, porque a Libras é uma língua falada (cuja escrita se faz por meio do sistema Singwrittig – Escrita de Sinais) e a palavra texto remete à produção escrita. Ao se estabelecer comparações entre a Língua Portuguesa e Libras percebem-se uma série de diferenças, das quais destacamos: 1. A língua de sinais é visual-espacial e a Língua Portuguesa é oral-auditiva. 2. A língua de sinais é baseada nas experiências visuais das comunidades sur- das mediante as interações culturais surdas, enquanto a Língua Portuguesa constitui-se baseada nos sons. 3. A língua de sinais apresenta uma sintaxe espacial incluindo os chamados classificadores. A Língua Portuguesa usa uma sintaxe linear utilizando a des- crição para captar o uso de classificadores. 4. A língua de sinais utiliza a estrutura tópico-comentário, em que o objeto di- reto é posicionado à frente do sujeito. Por exemplo: Você vai ao cinema? Em Libras fica: CINEMA VOCÊ IR? Ou ainda GATO VOCÊ TEM? O mesmo é observado em sentenças afirmativas e negativas: CARRO EU TENHO. 34 UNIDADE I - LIBRAS 5. A língua de sinais utiliza a estrutura de foco, que significa destacar a parte mais importante da conversa, por meio de repetições sistemáticas. Este pro- cesso não é comum na Língua Portuguesa. 6. A língua de sinais utiliza as referências anafóricas, isto é, sobre quem se está falando, mostrando ou indicando pontos específicos no espaço, o que exclui ambiguidades que são possíveis na Língua Portuguesa. A língua de sinais usa apontamentos para indicar um referente e isso não cria ambiguidades como na Língua Portuguesa. 7. A língua de sinais não tem marcação de gênero, isto é, não tem sinais di- ferentes para feminino e masculino, enquanto que na Língua Portuguesa o gênero é marcado a ponto de ser redundante Por exemplo, na frase “A MULHER é professorA”, o feminino é utilizado diversas vezes, o que não era necessário para se entender. Por esta razão, na transcrição de um sinal para a língua portuguesa, adotamos o símbolo @. Por exemplo, por bonit@ esta- mos indicando tanto bonitO quanto bonitA, e, também o plural. 8. A língua de sinais atribui um valor gramatical às expressões faciais. As ex- pressões faciais não são essenciais na Língua Portuguesa, apesar de po- derem ser substituídas pela prosódia, que significa a pronúncia correta das palavras com acentuação ou intensidade. 35 UNIDADE I - LIBRAS 9. Coisas que são ditas na língua de sinais não são ditas usando o mesmo tipo de construção gramatical na Língua Portuguesa. Assim, às vezes uma gran- de frase em Língua Portuguesa é necessária para dizer poucas palavras em Libras e vice-versa. 10. A escrita da língua de sinais, denominada Signwriting, não é alfabética. Existem, também, muitas semelhanças entre as línguas orais e as línguas de sinais. Ao se observar as produções em línguas orais e de sinais, no nosso caso particular, entre a Língua Portuguesa e a Libras percebem-se uma série de semelhanças, das quais destacamos: • Arbitrariedade: as línguas orais são maioritariamente arbitrárias, não se de- preende a palavra simplesmente pelo sua representatividade, mas é neces- sário conhecer o seu significado. A iconicidade encontra-se presente nas línguas de sinais, mais do que nas orais, mas a sua arbitrariedade continua a ser dominante. Embora, nas línguas de sinais, alguns sinais sejam totalmente icônicos, é impossível, como nas línguas orais, depreender o significado da grande maioria dos sinais, apenas pela sua representação. • Comunidade: as línguas orais têm uma comunidade que as adquirem, como língua materna, cujo desenvolvimento se faz mediante uma comunidade de 36 UNIDADE I - LIBRAS origem, passando pela família, a escola e as associações. Todas as línguas orais têm variações linguísticas. Todas as línguas de sinais possuem estas mesmas características. • Sistema linguístico: as línguas orais são sistemas regidos por regras. O mesmo acontece com as línguas de sinais. • Produtividade: as línguas orais possuem as características da produtivida- de e da recursividade, sendo possível aos seus falantes nativos produzirem e compreenderem um número infinito de enunciados, mesmo que estes nunca tenham sido produzidos antes. Acontece o mesmo com as línguas de sinais, sendo encontradas a criatividade e produtividade nas produções, por exemplo, da Libras, pelos seus sinalizadores nativos, parecendo não haver limite criativo. • Aspectos contrastivos: as línguas orais possuem aspectos contrastivos, isto é, as unidades fonológicas do sistema de determinada língua estabe- lecem-se por oposições contrastivas, ou seja, em pares de palavras, em que a substituição de uma unidade fonológica (uma letra) por outra altera o significado da palavra (por exemplo: parra e barra). Acontece o mesmo nas línguas de sinais, sendo que em vez de unidade fonológica, muda um peque- no aspecto do sinal. 37 UNIDADE I - LIBRAS • Evolução e renovação: as línguas orais modificam-se, como no caso das palavras que caem em desuso, outras que são adquiridas, a fim de aumentar o vocabulário e ainda no caso da mudança de significado das palavras. O mesmo acontece nas línguas de sinais, a fim de responder às necessidades que a evolução sociocultural impõe. • Aquisição: a aquisição de qualquer língua oral é natural, desde que haja um ambiente propício desde nascença. Na língua de sinais acontece da mesma forma, não tendo o surdo que exercer esforço para aprender uma língua de sinais, ou necessidade de qualquer preparação especial. • Funções da linguagem: as línguas orais podem ser analisadas de acordo com as suas funções. O mesmo acontece com as línguas de sinais. As fun- ções são: a função referencial, emotiva, conotativa, fática, metalinguística e poética. • Processamento: embora usando modalidades de produção e percepção, as línguas orais e de sinais são processadas na mesma zona do cérebro. Os estudos de Stokoe (1968) mostraram que os sinais não eram apenas imagens, mas símbolos abstratos complexos, com uma complexa estrutura interior. 38 UNIDADE I - LIBRAS Stokoe (1968) estabeleceu que cada sinal era composto por três parâmetros bá- sicos: a configuração das mãos (CM); o movimento das mãos (M) e o ponto de articulação (PA) ou Locação (L), que é o lugar do espaço onde as mãos se movem. A partir da década de 1970, foram aprofundados os estudos fonológicos sobre a Língua de Sinais Americana (American Sign Language – ASL) dos quais resultou a descrição de um quarto parâmetro: a orientação (O). Um parâmetro básico ou pri- mário são componentes de uma palavra (no caso das línguas orais) ou de um sinal, que, se for alterado, altera o significado da palavra ou sinal. Esse contraste de dois itens lexicais com base em um único componente recebe, em linguística, o nome de “par mínimo”. Nas línguas orais, por exemplo, pata e rata se diferenciam significativamente pela alteração de um único fonema: a substituição do /p/ por /r/. No nível lexical, temos em LIBRAS pares mínimos comoos sinais grátis e amarelo (que se opõem quanto à CM), churrascaria e provocar (diferenciados pelo M), ter e Alemanha (quanto à L) (GESSER, 2009, p.15). As unidades mínimas podem ser produzidas simultaneamente, e a variação de uma delas pode alterar o significado do sinal. Elas não têm significado isoladamente. Um sinal é constituído por mais de uma unidade mínima, por exemplo, o sinal de “televisão” envolve, simultaneamente, configuração de mão, ponto de articulação, movimento e a orientação de mão. 39 UNIDADE I - LIBRAS TELEVISÃO A orientação das mãos (O) é importantíssima e diferencia o significado em pares mínimos que possuem CM, M e PA iguais, como ajudar e ser ajudado; eu per- guntar e me perguntar, eu responder e responder para mim etc. O parâmetro O, não apenas é utilizado na flexão de verbos, como também para a marcação de negativas como querer e não querer; gostar e não gostar etc. Alguns estudiosos consideram ainda, como parâmetros da Língua de Sinais, as- pectos não manuais, as expressões faciais e corporais que são muito utilizadas pe- los surdos para produzir informações linguísticas. No caso das línguas de sinais, as expressões faciais (movimento de cabeça, olhos, boca, sobrancelhas, bochechas) não servem apenas para complementar informações, são elementos gramaticais que compõem a estrutura da língua. 40 UNIDADE I - LIBRAS Quadros e Karnopp (2004) apresentam uma análise linguística da Língua Brasileira de Sinais. De acordo com esse estudo, alguns dos aspectos fonológicos da Língua Brasileira de Sinais são: • As línguas de sinais são visual-espaciais (ou espaço-visual), pois a informa- ção linguística é recebida pelos olhos e produzida pelas mãos. • Os elementos mínimos constituintes da língua de sinais são processados simultaneamente e não linearmente como ocorre na língua oral. • Os articuladores primários das línguas de sinais são as mãos, que se movi- mentam no espaço em frente ao corpo e articulam sinais em determinadas locações nesse espaço. Entretanto, os movimentos do corpo e da face tam- bém desempenham funções. • Um sinal pode ser articulado com uma ou duas mãos. No caso de uma mão, a articulação ocorre pela mão dominante. • Um mesmo sinal pode ser produzido pela mão esquerda ou direita. 41 UNIDADE I - LIBRAS LíNgUAS DE SINAIS E LIbRAS Na seção 2 desta Unidade, ao citarmos Gesser (2009), quando retoma a discus- são sobre a Libras ser uma língua, nossa intenção foi salientar o desconhecimen- to generalizado acerca dessa realidade linguística, tanto daqueles que convivem de perto com a surdez, quanto da sociedade ouvinte em geral. Esse desconhe- cimento está expresso em textos de Gesser (2009), Reily (2004) e Pereira et al. (2011), quando esses autores abordam mitos e crenças sobre as línguas de sinais. Acrescentamos aqui nossas reflexões, sustentadas nesses autores, e discutimos tais crenças, mitos ou simplesmente as dúvidas que ainda pairam sobre a Libras. Os sinais são gestos? Em função de suas características, os sinais podem parecer movimentos aleatórios de mãos e corpo, acompanhados por expressões faciais variadas, ou seja, seriam apenas “gestos”. De acordo com Pereira et al. (2001, p.18), essa descrição para si- nais seria equivalente a descrever uma língua oral como “ruídos” feitos com a boca. Além disso, os gestos são traços das línguas orais, acompanham as línguas orais e favorecem a comunicação. Os sinais são produzidos combinando-se, simultanea- mente, a configuração de mãos, o ponto de articulação ou localização, o movimento, a orientação das palmas das mãos e componentes não manuais, que são os parâ- metros constituintes da língua de sinais, conforme veremos na próxima unidade. 42 UNIDADE I - LIBRAS A língua de sinais é icônica? Apesar de grande parte dos sinais serem icônicos, isto é, serem parecidos com o que estão representando (o que poderia significar que a língua de sinais não seria arbitrária e resultante de convenção, como as línguas orais, em que não existe uma relação de semelhança entre a palavra e o conceito que representa), não se pode afirmar que a língua de sinais seja icônica, pois embora a relação direta, quase transparente entre um sinal e o conceito que esse representa, as modificações por eles sofridas ao longo do tempo e na combinação com outros sinais resultam em perda de iconicidade, se tornando, portanto, arbitrários. A língua de sinais tem gramática? Essa questão tem origem no fato de que, antes das pesquisas pioneiras de Stokoe na década de 1960, corroborando Sacks (1990), a língua de sinais não era vista, nem mesmo por seus usuários, como uma língua verdadeira, com gramática pró- pria. Com o reconhecimento linguístico efetivado por Stokoe, ficou comprovado que a língua de sinais possui sua gramática própria, um conjunto de regras par- tilhado por todos os seus usuários e que permite a expressão de qualquer ideia. Porém, como a língua de sinais faz uso do espaço e do corpo, destacando as 43 UNIDADE I - LIBRAS expressões faciais e, muitas vezes, adotando sinais icônicos, muitos a consideram como mímica. Ademais, como a língua de sinais não apresenta preposições, artigos, flexões e possui poucas conjunções, também é considerada uma língua limitada, empobre- cida se comparada à língua oral. Isto revela um total desconhecimento, porque pelo uso do espaço é possível expressar as mesmas relações que, por exemplo, as preposições na língua oral, ou seja, a língua de sinais utiliza recursos diferentes para expressar as mesmas ideias. Também a língua de sinais não tem limites para expressar quaisquer conceitos. A Libras tem gramática própria e se apresenta estruturada nos mesmos níveis das línguas orais, a saber: fonológico, morfológico, sintático e semântico. A língua de sinais é mímica? Para demonstrar que a língua de sinais não é mímica, foram realizadas diversas pesquisas em que as pessoas usavam gestos para demonstrar algumas palavras, sem que tivessem conhecimento da língua de sinais. A principal constatação foi a utilização de mímicas muito mais detalhadas (porque pretendiam representar o objeto) do que os sinais que as representavam. “A pantomima quer fazer com que 44 UNIDADE I - LIBRAS você veja ‘o objeto’, enquanto o sinal quer fazer com que você veja o símbolo con- vencionado para esse objeto” (GESSER, 2009, p.21). A língua de sinais é o alfabeto digital? Chegamos à outra constatação importante, a de que a língua de sinais não é o alfa- beto digital. O alfabeto digital é um recurso utilizado pelos surdos sinalizadores para soletrar manualmente as palavras (soletração e datilologia). Assim, apesar de possuir uma importante função na interação entre sinalizadores, o alfabeto digital não é uma língua, e sim apenas um código para a representação manual das letras alfabéticas. Detalhe importante: a soletração só é possível entre interlocutores alfabetizados. O alfabeto digital da Libras não é o mesmo utilizado pelos surdos-cegos, que pre- cisam pegar na mão do interlocutor para nela produzir o sinal. A língua de sinais é artificial? Outro aspecto que abordamos, e para isso recorremos a Vygotsky, foi o de que a comunicação manual é algo inerente ao ser humano e já existia entre os hominí- deos pré-históricos, sendo, portanto, natural. Dizemos que uma língua é artificial 45 UNIDADE I - LIBRAS quando é construída por um grupo de indivíduos com um objetivo específico, como o caso do Esperanto, língua criada pelo russo Ludwik Zamenhof em 1887 com o objetivo de estabelecer uma comunicação internacional fácil. De maneira seme- lhante, foi criado o Gestuno, com a intenção de ser uma língua de sinais univer- sal e que foi apresentado pela primeira vez em 1951, no Congresso Mundial da Federação Mundial dos Surdos, mas que não conseguiu aceitação plena entre os surdos por ser inventada. Logo, a língua de sinais não é artificial! A língua de sinais é universal?Com o histórico apresentado na seção 2, já mostramos que a língua de sinais não é universal, isto é, existe diferença entre as línguas de sinais utilizadas em países diferentes. No caso do Brasil, a língua brasileira de sinais é denominada Libras e é, portanto, brasileira, não podendo ser considerada como uma língua estrangeira. A Libras é considerada uma língua nativa, de falantes nativos e brasileiros, que é utili- zada em todo território nacional ao lado da língua oficial – o português – e ao lado de outras línguas também praticadas no país, como as diferentes línguas das comuni- dades indígenas. Assim, a Libras é a língua materna e constitutiva do falante surdo, estruturante do seu inconsciente e de fundamental importância para a construção da sua subjetividade e identidade. Estudos linguísticos desenvolvidos por pesquisadores brasileiros confirmam que a Libras é uma língua que, como qualquer outra, possui uma 46 UNIDADE I - LIBRAS sintaxe, uma semântica, uma morfologia e uma gramática próprias, não se tratando, absolutamente, de um conjunto de gestos, mímica ou de português sinalizado. Já comentamos, mas é importante frisar que as línguas de sinais, por comprovação científica, cumprem todas as funções de uma língua natural, mesmo assim ainda sofrem preconceito e são desvalorizadas diante das línguas orais, sendo consi- deradas como uma derivação da gestualidade espontânea, como uma mescla de pantomima e sinais icônicos. Além das características icônicas, alguns preconceitos a respeito das línguas de si- nais fortalecem a ideia de uma língua de sinais única, por exemplo, considerar que a comunicação por gestos é intuitiva e espontânea e, por conseguinte, a língua de sinais deveria ser a mesma para todos os surdos. Ora, primeiro, já mostramos que gestos e sinais são coisas diferentes. Os gestos podem ser associados à mímica e, portanto, uma comunicação intuitiva. Já os sinais são símbolos e, sendo assim, arbitrários, porém convencionados pelos seus usuários. Todavia, existe uma diferença importante entre as línguas de sinais e as orais. Quando surdos de diferentes nacionalidades se encontram, mesmo um não conhe- cendo a língua de sinais do outro, acabam se comunicando com mais facilidade que os ouvintes. 47 UNIDADE I - LIBRAS Isso se deve, de acordo com Felipe (2009, p.20), “à capacidade que as pessoas surdas têm em desenvolver e aproveitar gestos e pantomimas para a comunicação e estarem atentos às expressões faciais e corporais das pessoas”. Outra coisa que facilita essa comunicação é o fato de essas línguas terem muitos sinais que se assemelham às coisas representadas. As línguas de sinais são dependentes das línguas orais? Os linguistas que estudaram as línguas de sinais de diferentes países concluíram que embora haja semelhanças entre as línguas de sinais e as orais – os chamados “univer- sais linguísticos” –, que permitem identificá-las como línguas e não linguagens como as utilizadas pelos animais em suas comunicações, elas apresentam diferenças con- sideráveis entre si, e que essas diferenças não dependem das línguas orais utilizadas nesses países. Por exemplo: Brasil e Portugal possuem a mesma língua oral oficial, o português, mas as línguas de sinais desses países são muito diferentes. A mesma coisa acontece com os Estados Unidos e a Inglaterra. Isto significa que a língua de sinais não é subordinada à língua oral majoritária do país. As línguas de sinais são completamente independentes das línguas orais dos países em que são produzi- das. Também acontece que países diferentes usem a mesma língua de sinais, como é o caso da língua de sinais americana que é utilizada pelos Estados Unidos e Canadá. 48 UNIDADE I - LIBRAS Da mesma forma que acontece com as línguas faladas oralmente quando algumas possuem as mesmas raízes, por exemplo, o português, o espanhol e o italiano, exis- tem correspondências entre as línguas de sinais de diferentes países. A Libras e a Língua Americana de Sinais (ASL) possuem as mesmas raízes, pois são derivadas da LSF – Língua de Sinais Francesa. Além disso, nelas igualmente existem variações, assim como há regionalismos e dialetos em línguas orais. Essas variações se devem a culturas diferentes e influências diversas no sistema de ensino, por exemplo. Dessa forma, é fundamental que você se conscientize de que não é possível falar em Libras e em português ao mesmo tempo. A Libras é falada de boca fecha- da! As pessoas ouvintes, que não são fluentes em Libras, costumam misturar as duas línguas na comunicação com surdos e acabam por utilizar os sinais da língua de sinais, mas com a estrutura da Língua Portuguesa. Normalmente, o surdo não compreende essa mistura de línguas, pois a construção de sentido depende da estrutura e, portanto, da fidelidade à gramática da língua de sinais. As línguas de sinais são exclusividade dos surdos? Outro aspecto anteriormente que já nos referimos é o de que as línguas de sinais não são exclusividade dos surdos. Reily (2004) argumenta que os ouvintes que apresentam distúrbios de fala deveriam se apropriar da língua de sinais. Afinal, em 49 UNIDADE I - LIBRAS diferentes situações, sempre que existe necessidade, como no caso dos monges, dos mergulhadores ou dos índios americanos, o homem cria saídas para permitir a interação com o seu semelhante. O que é um tradutor intérprete de Libras e Língua Portuguesa? É a pessoa que, sendo fluente em Língua Brasileira de Sinais e em Língua Portuguesa, tem a capacidade de verter em tempo real (interpretação simultânea) ou com pequeno espaço de tempo (interpretação consecutiva) da Libras para o Português ou deste para a Libras. A tradução envolve a modalidade escrita de pelo menos uma das línguas envolvidas no processo. A função de traduzir/interpretar é singular, haja vista que a atuação desse profissio- nal leva-o a interagir com outros sujeitos, a manter relações interpessoais e profis- sionais que envolvem pessoas com surdez e ouvintes, sem que esteja efetivamente implicado nelas, pois sua função é unicamente a de mediador da comunicação. Assim, o tradutor e intérprete, ao mediar a comunicação entre usuários e não usu- ários da Libras, deve observar preceitos éticos no desempenho de suas funções, entendendo que não poderá interferir na relação estabelecida entre a pessoa com surdez e a outra parte, a menos que seja solicitado. 50 UNIDADE I - LIBRAS ASPECTOS LINgUíSTICOS DA LIbRAS A Libras tem sua estrutura gramatical organizada a partir de cinco parâmetros que estruturam sua formação nos diferentes níveis linguísticos: a Configuração da(s) mão(s) - (CM), o Movimento - (M), o Ponto de Articulação - (PA); a Orientação das mãos (O) e as componentes não manuais, que são as expressões faciais e corporais. Configuração de mão (CM): as configurações de mãos têm sido coletadas pelos pesquisadores nas comunidades de surdos das principais capitais brasileiras. A configuração de mão é o ponto de partida da articulação do sinal. Uma mesma configuração de mão possibilita a produção de vários sinais. Por exemplo, a con- figuração mão em “L” está presente nos sinais de “televisão”, “trabalho”, “pa- pel”, “educação”, entre outros. Ferreira-Brito (1995) propõe 46 configurações de mão. Atualmente, o dicionário digital de Língua Brasileira de Sinais organizado pela Acessibilidade Brasil (disponível em: <www.acessobrasil.org.br/libras>) apresenta 73 configurações. Exemplificamos aqui, as configurações de mão mediante as cin- co primeiras que compõem o Alfabeto Digital. A B C D E 51 UNIDADE I - LIBRAS A Libras não se resume a escrever as palavras utilizando o alfabeto digital. A escrita datilológica, que é como é denominado esse tipo de escrita, só é utilizada para no- mes próprios ou para palavras que ainda não possuem um sinal ou que não pode ser facilmente representada por um classificador icônico. Outro aspecto a se destacaré que a escrita datilológica não é a escrita de sinais, isto é, se utiliza a escrita datilo- lógica na fala, em conversas. A datilologia é uma forma de comunicação em Libras fundamentada essencialmente no alfabeto datilológico e é diferente da soletração. A soletração é feita em Libras, letra por letra, da mesma forma que na Língua Portuguesa, por exemplo, soletrando com a mão, o nome Maria (escrita ou fala) – M-a-r-i-a (soletração). M A R i A É muito aconselhável soletrar devagar, formando as palavras com nitidez. Entre as palavras soletradas, é melhor fazer uma pausa curta ou mover a mão direita para o lado esquerdo, como se estivesse empurrando a palavra já soletrada para o lado. 52 UNIDADE I - LIBRAS A datilologia difere da soletração porque não reproduz todas as letras da palavra, mas dito de maneira simplificada, soletra um resumo da palavra para agilizar a co- municação. Por exemplo, PAI, em fica datilologia P-I, sem o A. Observe os exem- plos a seguir: Soletração: PAI Datilologia: PI Soletração: VAI Datilologia: VI Nesse exemplo, o que distingue a datilologia da palavra VAI (VI) da soletração da palavra VI é o contexto em que ocorre a conversação. 53 UNIDADE I - LIBRAS Os nomes podem ser transmitidos por datilologia, quando o surdo está alfabetizado, mas a comunidade surda prefere a prática de atribuir um sinal que identifica cada pessoa. Esse sinal adjetiva características físicas da pessoa. Por isso, dois meninos chamados Jonatas, por exemplo, podem ter sinais diferentes um do outro, porque um tem uma covinha no queixo e o outro tem o cabelo encaracolado, também pode acon- tecer de dois alunos de nomes diferentes terem o sinal parecido (REILY, 2004, p.132). Movimento (M): o movimento é uma importante unidade mínima. Além de parti- cipar ativamente na produção do sinal, ele dá graça, beleza e dinamismo a essa língua. As pessoas ouvintes ao usarem a língua de sinais o fazem, normalmente, de manei- ra mais estática. Isso ocorre porque o movimento, embora seja uma parte integran- te da língua, é realizado com mais propriedade pelos surdos, que são visuais, mais fluentes em relação aos ouvintes e conhecem a língua profundamente. Sabe-se que associar à produção do sinal aspectos como o movimento e as ex- pressões não manuais não é algo simples para os ouvintes. Essa habilidade exige muita competência e fluência na língua, além de uma boa coordenação motora, domínio do movimento e orientação no espaço. Para os ouvintes, usuários de língua oral-auditiva, o domínio dessas habilida- des é algo bem complexo. Os surdos, por serem seres visuais, adquirem essas 54 UNIDADE I - LIBRAS habilidades com muito mais naturalidade e facilidade do que os ouvintes. Cabe destacar, então, que para que haja movimento é preciso haver espaço. Portanto, o movimento é indissociável do espaço. As variações do movimento servem para diferenciar itens lexicais, por exemplo, nome e verbo, para indicar a direcionalidade do verbo, por exemplo, o verbo “olhar” (e olhar para) é para indi- car variação em relação ao tempo dos verbos, por exemplo, olhe para, olhe fixo, observe, olhe por um longo tempo, olhe várias vezes. Os movimentos se diferen- ciam pela direcionalidade, tipo, maneira (tensão e velocidade) e frequência do sinal (movimentos simples ou repetidos). Quanto à direcionalidade o movimento pode ser: unidirecional (proibir e mandar); bidirecional (discutir, julgamento) e multidirecional (incomodar, pesquisar). Em re- lação ao tipo, os movimentos podem ser retilíneos (encontrar, estudar); helicoidal (macarrão, azeite); circular (brincar, preocupar), semicircular (surdo, coragem); si- nuoso (Brasil, navio) e angular (raio, difícil). Em relação à maneira, sua maneira (tensão e velocidade), por exemplo, o verbo olhar, pode ser sinalizado rapidamente para dizer que a pessoa apenas avistou ou longamente, significando que a pes- soa olhou com atenção. No caso da frequência do sinal (movimentos simples ou repetidos), isto pode ser verificado na diferença entre o substantivo e o verbo, por exemplo, cadeira e sentar. Um sinal também pode ser realizado sem movimento, 55 UNIDADE I - LIBRAS exemplos: Ajoelhar Em pé Pensar Circular Brincar Bicicleta Nadar 56 UNIDADE I - LIBRAS Semicircular Saúde Surda Coragem Helicoidal Alta Importante Unidirecional Ver Mandar Dever 57 UNIDADE I - LIBRAS Bidirecional Trabalhar Dirigir (carro) Discutir Orientação das Mãos (OM): é a direção para a qual a palma da mão aponta na produção do sinal. É possível identificar seis tipos de orientações da palma da mão em Libras: para cima, para baixo, para o corpo, para frente, para a direita e para a esquerda. Também pode ocorrer a mudança de orientação durante a execução de um sinal, por exemplo, no sinal para montanha. A orientação das mãos (O) é importantíssima e diferencia o significado em pares mínimos que possuem CM, M e PA iguais, como ajudar e ser ajudado; eu per- guntar e me perguntar, eu responder e responder para mim etc. O parâmetro 58 UNIDADE I - LIBRAS OM, não apenas é utilizado na flexão de verbos, como também para a marcação de negativas como querer e não querer; gostar e não gostar etc. Gostar: Aprender Comer 59 UNIDADE I - LIBRAS Expressão Facial A Libras conta com uma série de componentes não manuais, como a expressão facial e o movimento do corpo, que muitas vezes podem definir ou diferenciar sig- nificados entre sinais. As componentes não manuais envolvem movimento da face, dos olhos, da cabeça e do tronco. A expressão facial e a corporal podem traduzir alegria, tristeza, raiva, amor, encantamento etc., dando mais sentido à Libras e, em alguns casos, determinando o significado de um sinal. Exemplos: CALA A BOCA SILÊNCIO Os sinais são executados em Libras dentro de um espaço bem definido, denomina- do espaço de sinalização, que abrange a área delimitada pelos quadris e o topo da cabeça. É a manipulação dos sinais no espaço que estabelecem as relações gramaticais na Libras. A informação gramatical se apresenta simultaneamente com o sinal e é produzida por mecanismos espaciais que envolvem dois aspectos: a 60 UNIDADE I - LIBRAS incorporação, usada, por exemplo, para expressar localização, número, pessoa e o uso de sinais não manuais, como movimentos do corpo e expressões faciais. EXPRESSÃO FACIAL OU mODULAÇÃO NÃO mANUAIS Em LIbRAS São as componentes não manuais, particularmente as expressões faciais que esta- belecem a modulação em Libras, que seria o equivalente à entonação nas línguas orais. A Libras usa também modulações de olhar e expressões faciais e corporais para transmitir a intensidade do verbo apresentado e sua significação no contexto. Também temos as modulações de grau e de intensidade, pelas expressões fa- ciais, que podem ser consideradas gramaticais. Essas marcações são chamadas de marcações não manuais. A sinalização é sempre acompanhada pela posição da cabeça, por movimentos da cabeça, pela postura do corpo e, principalmente, pela 61 UNIDADE I - LIBRAS expressão facial, que podem indicar alegria, tristeza, raiva, amor, encantamento, entre outros sentimentos, dando mais sentido à Libras e, até mesmo determinando o significado de um sinal. Exemplos: Nervosa Brava Triste Feliz Brava Que coisa feia Que saco 62 UNIDADE I - LIBRAS Chorona Triste Mágoa Feliz Alegre Zangada O olhar também faz parte das expressões faciais, particularmente na apontação, por exemplo, aponta para o lado e o olho segue o dedo; se a apontação é para cima, os olhos também se direcionam para cima. 63 UNIDADE I - LIBRAS Orientação das mãos (O): é a direção para a qual a palma da mão aponta na pro- dução do sinal. É possível identificar seis tipos de orientações da palma da mão em Libras: para cima,
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