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VERTENTE MODERADA DA ESCOLA DO DIREITO LIVRE

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NOTA DE AULA SOBRE A VERTENTE 
MODERADA DA ESCOLA DO DIREITO 
LIVRE 
 
Gustavo Tavares Cavalcanti Liberato 
 
 
 
François Gény (1861-1959) 
 
CRIAÇÃO DO DIREITO PRAETER LEGEM E PLURALISMO DAS FONTES DO DIREITO 
 
Neste quadro de ideias surgirão os movimentos que serão reconduzidos à 
Escola do Direito Livre como vertente moderada (Livre Indagação Científica) ou 
extremada (Direito Justo), ora procurando utilizar os fatores da realidade social 
como instrumentos de contextualização e complementação do direito positivo, 
ora exacerbando essa influência a ponto de se defender, inclusive, a 
interpretação “contra legem” como forma de se realizar o Direito Livre. 
 
No que toca à primeira hipótese aventada como desdobramento da 
Escola do Direito Livre, encontram-se as divisas da Livre Pesquisa do Direito, 
da Livre Investigação Científica, da Livre Indagação, etc. Por todas elas, vale a 
lembrança do vigoroso pensamento de FRANÇOIS GÉNY apresentado, pela 
primeira vez, em 1899 no seu “Méthode d’Interpretation et Sources en Droit 
Privé Positif”. 
 
 Gustavo Tavares Cavalcanti Liberato, Advogado, Mestre em Direito Constitucional pela 
Universidade de Fortaleza – UNIFOR e Professor de Hermenêutica Jurídica, Direito 
Constitucional, e Biodireito nesta instituição. Professor de Hermenêutica Jurídica da Faculdade 
Ari de Sá. E-mail: gustavoliberato.adv@gmail.com.br. 
 
 
 
Destarte, primeiramente buscar-se-ia a solução para o caso concreto nos 
textos positivos, aos quais deveriam ser aplicados os métodos hermenêuticos 
disponíveis (literal, sistemático, histórico-evolutivo, lógico, teleológico, etc.). 
Uma vez persistindo a carência de solução, passar-se-ia ao costume. Em 
último caso, guardada esta gradação, o magistrado seria investido, por um 
momento, dos poderes criativos atribuídos às assembléias, devendo observar, 
entretanto, o procedimento seguro da livre investigação científica. Sobre esta 
livre investigação, GÉNY assinala: 
 
Por eso el trabajo que incumbe al juez me ha parecido poder 
calificarle: libre investigación científica; investigación libre, toda vez 
que aquí se sustrae a la acción própria de una autoridad positiva; 
investigación científica, al proprio tiempo, porque no puede encontrar 
bases sólidas más que en los elementos objetivos que sólo la ciencia 
puede revelar (1925, p. 524, grifos do original). 
 
Em cada fase analisada encontram-se fontes do Direito para GÉNY. Na 
primeira, têm-se as normas positivadas, às quais se aplica (como não poderia 
deixar de ser) o rico instrumental hermenêutico. Em seguida, tem-se o 
costume, o Direito Consuetudinário. Enfim, chega-se ao momento de maior 
discrição do magistrado, quando deverá ter por fontes orientadoras a 
Autoridade e a Tradição. A Autoridade nada mais é do que o conjunto das 
opiniões e soluções dadas por pessoas ou corporações competentes, cuja 
coerência sirva de paradigma para a decisão judicial. Assim são a 
Jurisprudência e a Doutrina. Sobre a Tradição, como diz este autor: “Y cuando 
esa autoridad está revestida de un sello de antigüedad que le da a la vez el 
prestigio y la veneración de un origen remoto, se convierte en uma Tradición. 
Entre Tradición y Autoridad propriamente dicha (moderna) no existe, salvo 
circunstancias particulares, una diferencia de naturaleza, sino solamente de 
duración; [...]” (1925, p. 444, grifo do original). 
 
Analisando a metodologia adotada pela vertente moderada da Escola do 
Direito Livre, MARIA DA CONCEIÇÃO FERREIRA MAGALHÃES a apresenta da 
seguinte forma: 
 
Como o juiz não pode deixar de julgar num caso concreto, quando as 
fontes acima descritas são ainda insuficientes para formar o seu 
convencimento, mergulhará ele na tarefa de livre investigação 
científica: ‘Investigação livre, uma vez que se subtrai à ação própria 
de uma autoridade positiva; investigação científica, ao mesmo tempo, 
porque só encontrará bases sólidas, nos elementos objetivos que 
somente a ciência lhe pode revelar’. E estes elementos objetivos a 
que Gény aludia eram a natureza das coisas, a razão, a consciência 
e a analogia. A livre investigação científica a que se referia Gény, não 
indicava uma liberdade absoluta ao intérprete - cingia-se ela àqueles 
elementos objetivos revelados pela ciência. A natureza das coisas 
assenta sobre a noção de equilíbrio que deve estar presente nas 
relações sociais, razão pela qual se há de penetrar nos fenômenos 
sociais para descobrir as leis de sua harmonia e os princípios que 
eles requerem; a justiça e utilidade geral seriam os objetivos diretores 
da razão e consciência do intérprete; a analogia funda-se no princípio 
da igualdade jurídica, segundo o qual as mesmas situações de fato 
reclamam as mesmas sanções jurídicas (1989, p. 59). 
 
 
 
Convém registrar que, na atualidade, dificilmente aceitar-se-iam os 
elementos da “razão” e da “consciência” (a exigir o manejo da “justiça” e da 
“utilidade geral”) como sendo critérios puramente objetivos para o método 
científico, pelo que restariam, assim, a “natureza das coisas” e a “analogia” 
como dotados de maior grau de objetividade, e, portanto, de utilidade para o 
escopo da metodologia apresentada. 
 
A partir dessas considerações, pode-se ilustrar o procedimento descrito 
por GÉNY para a Vertente Moderada da Escola do Direito Livre como: 
 
 
 
Deve-se insistir, ainda, que FRANÇOIS GÉNY jamais compactuou com a 
utilização de seu método como forma de substituição indiscriminada do Poder 
Legislativo, mas, de fato, sempre defendeu a sua utilização como forma de 
solucionar a incômoda situação das lacunas no Direito, inaugurando, assim, um 
pluralismo racional de suas fontes. 
 
Em suas próprias palavras, GÉNY desautoriza toda interpretação que, a 
pretexto de complementar o ordenamento jurídico, pretenda subverte-lo, 
condenando a interpretação Contra Legem: 
 
A mayor abundamiento, mis explicaciones anteriores implican que 
nunca la libre investigación científica se fundó en proponer reglas 
contrarias a las nascidas de la ley o de la costumbre, toda vez que yo 
no he dado acceso en mi sistema a la investigación independiente del 
 
 
intérprete, más que para suplir a las fuentes formales o para llenar las 
lagunas (1925, p. 638). 
 
O artigo 4º da LICC (LINDB), dando seguimento à adoção deste 
pensamento por CLÓVIS BEVILÁQUA registra que: “Quando a lei for omissa, o juiz 
decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais 
de direito”. Com efeito, diz CLÓVIS (1980, p.52): 
 
Assim, o intérprete, esclarecendo, iluminando, alargando o 
pensamento da lei, torna-se um fator de evolução jurídica. É certo 
que a sua ação é limitada pelo próprio édito da lei, e se este se 
recusa a aceitar as modificações sociais, o intérprete nada mais tem 
a fazer, senão esperar que o legislador retome a sua empresa 
atrasada, e, enquanto esse momento não chega, pedir à razão 
jurídica lhe revele a norma a seguir. Para que a sua decisão traduza, 
de fato, o direito imanente às relações sociais, é necessário que o 
intérprete seja dotado de um critério seguro, de um senso jurídico 
apurado e de um largo preparo intelectual, não somente nas 
disciplinas propriamente jurídicas, mas ainda em todas as ciências 
que se ocupam com o homem e com a sociedade, desde a psicologia 
até a história, a economia e a sociologia. A lei escrita e ainda a 
codificação, se restringem, não fazem desaparecer as outras fontes 
naturais do direito. Se este tem na lei a sua forma principal, 
continuará sempre a revelar-se, nas absolutas deficiências dela e do 
costume, pela jurisprudência e pela doutrina, às quais compete extrair 
da lei todas as suas conseqüências possíveis, e quando, apesar dos 
seus esforços, a lei se mostra incapaz de dirigir o movimento social, 
completá-la, descobrindo o direito, que está no equilíbrio dos 
fenômenos sociais, porém ainda não deles claramente desprendido. 
 
Como caso ilustrativo e atualdesta metodologia (veja-se o uso do 
elemento teleológico combinado com o uso da analogia legis na superação da 
lacuna) pode ser apontado o MI 712-PA relatado pelo Min. EROS ROBERTO 
GRAU e julgado em 25/10/2007, o qual versou sobre o direito de greve dos 
servidores públicos: 
 
EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. ART. 5º, LXXI DA 
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. CONCESSÃO DE EFETIVIDADE À 
NORMA VEICULADA PELO ARTIGO 37, INCISO VII, DA 
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. LEGITIMIDADE ATIVA DE ENTIDADE 
SINDICAL. GREVE DOS TRABALHADORES EM GERAL [ART. 9º 
DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N. 
7.783/89 À GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO ATÉ QUE 
SOBREVENHA LEI REGULAMENTADORA. PARÂMETROS 
CONCERNENTES AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE PELOS 
SERVIDORES PÚBLICOS DEFINIDOS POR ESTA CORTE. 
CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO. GREVE NO SERVIÇO 
PÚBLICO. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO ANTERIOR 
QUANTO À SUBSTÂNCIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO. 
PREVALÊNCIA DO INTERESSE SOCIAL. INSUBSSISTÊNCIA DO 
ARGUMENTO SEGUNDO O QUAL DAR-SE-IA OFENSA À 
INDEPENDÊNCIA E HARMONIA ENTRE OS PODERES [ART. 2O 
DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL] E À SEPARAÇÃO DOS 
PODERES [art. 60, § 4o, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL]. 
INCUMBE AO PODER JUDICIÁRIO PRODUZIR A NORMA 
SUFICIENTE PARA TORNAR VIÁVEL O EXERCÍCIO DO DIREITO 
DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS, CONSAGRADO NO 
ARTIGO 37, VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 
 
 
 
1. O acesso de entidades de classe à via do mandado de injunção 
coletivo é processualmente admissível, desde que legalmente 
constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano. 2. A 
Constituição do Brasil reconhece expressamente possam os 
servidores públicos civis exercer o direito de greve --- artigo 37, inciso 
VII. A Lei n. 7.783/89 dispõe sobre o exercício do direito de greve dos 
trabalhadores em geral, afirmado pelo artigo 9º da Constituição do 
Brasil. Ato normativo de início inaplicável aos servidores públicos 
civis. 3. O preceito veiculado pelo artigo 37, inciso VII, da CB/88 exige 
a edição de ato normativo que integre sua eficácia. Reclama-se, para 
fins de plena incidência do preceito, atuação legislativa que dê 
concreção ao comando positivado no texto da Constituição. 4. 
Reconhecimento, por esta Corte, em diversas oportunidades, de 
omissão do Congresso Nacional no que respeita ao dever, que lhe 
incumbe, de dar concreção ao preceito constitucional. Precedentes. 
5. Diante de mora legislativa, cumpre ao Supremo Tribunal Federal 
decidir no sentido de suprir omissão dessa ordem. Esta Corte não se 
presta, quando se trate da apreciação de mandados de injunção, a 
emitir decisões desnutridas de eficácia. 6. A greve, poder de fato, é a 
arma mais eficaz de que dispõem os trabalhadores visando à 
conquista de melhores condições de vida. Sua auto-aplicabilidade é 
inquestionável; trata-se de direito fundamental de caráter 
instrumental. 7. A Constituição, ao dispor sobre os trabalhadores em 
geral, não prevê limitação do direito de greve: a eles compete decidir 
sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam 
por meio dela defender. Por isso a lei não pode restringi-lo, senão 
protegê-lo, sendo constitucionalmente admissíveis todos os tipos de 
greve. 8. Na relação estatutária do emprego público não se manifesta 
tensão entre trabalho e capital, tal como se realiza no campo da 
exploração da atividade econômica pelos particulares. Neste, o 
exercício do poder de fato, a greve, coloca em risco os interesses 
egoísticos do sujeito detentor de capital – indivíduo ou empresa – 
que, em face dela, suporta, em tese, potencial ou efetivamente 
redução de sua capacidade de acumulação de capital. Verifica-se, 
então, oposição direta entre os interesses dos trabalhadores e os 
interesses dos capitalistas. Como a greve pode conduzir à diminuição 
de ganhos do titular de capital, os trabalhadores podem em tese vir a 
obter, efetiva ou potencialmente, algumas vantagens mercê do seu 
exercício. O mesmo não se dá na relação estatutária, no âmbito da 
qual, em tese, aos interesses dos trabalhadores não correspondem, 
antagonicamente, interesses individuais, senão o interesse social. A 
greve no serviço público não compromete, diretamente, interesses 
egoísticos do detentor de capital, mas sim os interesses dos cidadãos 
que necessitam da prestação do serviço público. 9. A norma 
veiculada pelo artigo 37, VII, da Constituição do Brasil reclama 
regulamentação, a fim de que seja adequadamente assegurada a 
coesão social. 10. A regulamentação do exercício do direito de greve 
pelos servidores públicos há de ser peculiar, mesmo porque ‘serviços 
ou atividades essenciais’ e ‘necessidades inadiáveis da coletividade’ 
não se superpõem a ‘serviços públicos’; e vice-versa. 11. Daí porque 
não deve ser aplicado ao exercício do direito de greve no âmbito da 
Administração tão-somente o disposto na Lei n. 7.783/89. A esta 
Corte impõe-se traçar os parâmetros atinentes a esse exercício. 12. 
O que deve ser regulado, na hipótese dos autos, é a coerência entre 
o exercício do direito de greve pelo servidor público e as condições 
necessárias à coesão e interdependência social, que a prestação 
continuada dos serviços públicos assegura. 13. O argumento de que 
a Corte estaria então a legislar – o que se afiguraria inconcebível, por 
ferir a independência e harmonia entre os poderes [art. 2o da 
 
 
Constituição do Brasil] e a separação dos poderes [art. 60, § 4o, III] – 
é insubsistente. 14. O Poder Judiciário está vinculado pelo dever-
poder de, no mandado de injunção, formular supletivamente a norma 
regulamentadora de que carece o ordenamento jurídico. 15. No 
mandado de injunção o Poder Judiciário não define norma de 
decisão, mas enuncia o texto normativo que faltava para, no caso, 
tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores públicos. 
16. Mandado de injunção julgado procedente, para remover o 
obstáculo decorrente da omissão legislativa e, supletivamente, tornar 
viável o exercício do direito consagrado no artigo 37, VII, da 
Constituição do Brasil. 
 
Mas será que não se faz espaço para ir mais adiante? É a premissa de 
que parte a Vertente Extremada da Escola do Direito Livre, analisada a seguir.

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