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VERTENTE EXTREMADA DIR LIVRE

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NOTA DE AULA SOBRE A 
VERTENTE EXTREMADA DA 
ESCOLA DO DIREITO LIVRE 
 
 
Gustavo Tavares Cavalcanti Liberato 
 
 
 
 
Hermann Kantorowicz (1877-1940) 
 
CRIAÇÃO DO DIREITO CONTRA LEGEM 
 
Relativamente à segunda posição (a Vertente Extremada da Escola do 
Direito Livre), vê-se, como marco, a obra de HERMANN KANTOROWICZ intitulada 
“La Lucha por La Ciencia del Derecho”, vinda a público em 1906 e fundada na 
ideia de que o Direito Livre conteria o Direito Natural, o qual apresentaria a 
característica de possuir um conteúdo variável, condicionado histórica e 
individualmente. Assim, o Direito Livre apresentar-se-ia como um Direito 
Natural de conteúdo variável, independente do direito estatal e que serviria de 
fundamento de validade deste último; logo, tudo o que contrastasse consigo 
deveria ser invalidado ou revogado pelo juiz em atenção ao Direito Livre 
(KANTOROWICZ, 1949, pp. 333 e 334). 
 
 
 Gustavo Tavares Cavalcanti Liberato, Advogado, Mestre em Direito Constitucional pela 
Universidade de Fortaleza – UNIFOR e Professor de Hermenêutica Jurídica, Direito 
Constitucional, e Biodireito nesta instituição. Professor de Hermenêutica Jurídica da Faculdade 
Ari de Sá. E-mail: gustavoliberato.adv@gmail.com.br. 
 
 
 
 
A busca pela devida compreensão acerca do viria a ser e como se 
formaria o “Direito Livre” de KANTOROWICZ conduziria o hermeneuta à 
consideração de distintos círculos de vida social e de diversas épocas culturais 
como sendo responsáveis pelo conteúdo presente e sua constante 
transformação. Essa formação social do Direito Livre, para KANTOROWICZ, 
evidenciar-se-ia a partir da percepção de que o povo conheceria, de fato, as 
bases do Direito Livre, isto é, as bases de comportamento socialmente 
desejado ou esperado; no entanto, apenas por uma ficção é que o povo 
conheceria o direito estatal, cuja legitimidade estaria diretamente ligada à 
coincidência com as premissas do Direito Livre (1949, pp. 335 e 336). 
 
O estudioso do Direito em geral (e do Direito Livre em particular) seria 
desafiado não apenas em sua racionalidade para compreender e aplicar o 
Direito – por meio do conhecimento científico – mas também em sua 
espontaneidade, em seu voluntarismo (e a ciência, tal qual o Direito, também 
dependeria da vontade), como única forma de captar a “plasticidade emotiva” 
do Direito Livre, a qual seria peça-chave para o trato das lacunas no Direito e 
precisa adequação do direito estatal àquele (KANTOROWICZ, 1949, p. 337). 
 
 
 
 
 
Um dos traços mais marcantes dessa construção de KANTOROWICZ diz 
respeito ao fato de denunciar um traço real, mas que por vezes se procura 
ocultar. Com efeito, a noção mais superficial acerca do funcionamento do 
sistema judiciário pode levar a crer em uma metodologia puramente subsuntiva 
(como fazia crer a Exegese), o que termina por escamotear o que de fato se 
passa, por vezes inconscientemente, no ato decisório do magistrado. 
 
Destaca ele que ao invés de se construir a Fundamentação para que ela 
conduza à Decisão, o que de fato ocorre é, primeiro, a tomada da Decisão 
para, depois, buscar-se a Fundamentação que a justifique e legitime – observe-
se a semelhança com o processo decisório que se encontrará mais adiante na 
Tópica Jurídica. Assim, sustenta: 
 
La interpretación extensiva o analógica en un caso, y la textual o 
restrictiva en el outro, no se inspira en la ley y en la lógica, sino en el 
Derecho libre y en la voluntad, sea en la voluntad de conseguir el 
resultado deseado, sea en la de esquivar el indeseable 
(KANTOROWICZ, 1949, p. 346). 
 
Para tanto, inclusive, constrói KANTOROWICZ (1949, p. 363-364)o conjunto 
de suas 4 Diretrizes Interpretativas, as quais se apresentam compostas de 
modo a levar, quanto possível, à sua 4ª proposição, como se pode ver abaixo: 
 
Partimos del principio de que la jurisdición es principalmente, y debe 
seguir siéndolo, misión del Estado. Por ello exigimos que el juez, 
obligado por su juramento, resuelva el caso com arreglo al texto 
unívoco de la ley. El juez, puede y debe prescindir de la ley, en 
primer lugar, si le parece que la ley no le ofrece una decisión 
carente de dudas; en segundo lugar, si no le parece verosímil con 
arreglo a su libre y concienzuda convicción que el Poder estatal 
existente en el momento del fallo habría dictado la resolución 
que la ley reclama. En ambos casos dictará el juez la sentencia 
que según su convicción el actual Poder de Estado habría 
decretado, si hubiese pensado en el caso de autos. Si el juez no 
fuese capaz de formarse tamaña convicción, se inspirará en el 
Derecho libre. Finalmente, en casos desesperadamente 
complicados o dudosos sólo en el aspecto cuantitativo (p. ej: 
indemnización de daños inmateriales), el juez resolverá y debe 
resolver arbitrariamente. Las partes tendrán la facultad en todo 
proceso civil de liberar al juez mediante su mutuo acuerdo de la 
observancia de cualquier norma juridica estatal. 
 
Ora, relativamente à Adjudicação Compulsória de Imóvel, em 11 de 
janeiro de 2003, entrou em vigor o Novo Código Civil, o qual, nos artigos 463, § 
único; 1225, VII; 1417 e 1418 apontam para a existência de um Direito Real à 
Adjudicação apenas se houver o registro do referido Contrato Preliminar 
no CRI. Dizem os artigos: 
 
Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do 
disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula 
de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a 
celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive. 
Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao 
registro competente. 
 
 
 
Art. 1.225. São direitos reais: 
[...] 
VII - o direito do promitente comprador do imóvel; 
 
Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não 
pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou 
particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, 
adquire o promitente comprador direito real à aquisição do 
imóvel. 
 
Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir 
do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste 
forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, 
conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, 
requerer ao juiz a adjudicação do imóvel. 
 
A despeito disso a jurisprudência já havia enfrentado a situação com 
resultados bastante mais interessantes, conforme entendimento firmado no 
STJ acerca da construção jurisprudencial dos requisitos para a Adjudicação 
Compulsória de imóvel objeto de Contrato Preliminar de Compra e Venda, 
posteriormente confirmados pela Súmula 239 (de 30/08/2000) do STJ quais 
sejam: 
 
I – Contrato Preliminar firmado em caráter irrevogável e irretratável 
(com previsão expressa de adjudicação compulsória). 
 
II – Quitação Total do Preço. 
 
III – Inocorrência de Interesses de Terceiros. 
 
Com efeito, diz a súmula 239: “O direito à adjudicação compulsória 
não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no 
cartório de imóveis”. 
 
Vê-se, então, a formação de um conflito entre a Súmula 239 do STJ (de 
2000) e CC/02 (entrado em vigor em 2003). Qual regulação prevaleceu? A 
Súmula, uma vez que se mostrava mais avançada no enfrentamento das 
situações-problema do que o próprio CC, levando a uma interpretação 
que conduz, virtualmente, à contrariedade da lei. Tal entendimento resta 
confirmado pelos Enunciados 30 e 95 da Iª Jornada de Direito Civil do 
CJF/STJ: 
 
30 – A disposição do parágrafo único do art. 463 do novo Código 
Civil deve ser interpretada como fator de eficácia perante 
terceiros. 
 
95 – O direito à adjudicação compulsória (art. 1418, do novo 
Código Civil), quando exercido em face do promitente vendedor, 
não se condiciona ao registro da promessa de compra e venda 
no cartório de registro imobiliário. 
 
Outro exemplo gira em torno da literalidade do art. 70, I do CPC, o qualdispõe: 
 
Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória: 
 
 
I – ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo 
domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o 
direito que da evicção Ihe resulta; 
 
Ora, dessa redação já se defendeu o sentido de que, caso a 
denunciação não ocorresse, direito não haveria para o evicto contra o 
alienante. Em clara evolução, viu-se surgir a tese da Ação Autônoma de 
Evicção apenas para a cobrança do preço pago (mas sem direito às verbas 
complementares da Evicção [arts. 450, 451, 452, 453, CC]), como forma de se 
evitar o enriquecimento sem causa do alienante. Em novo avanço, fez-se 
presente – já desde antes do novo Código Civil – a tese da perda, apenas, da 
possibilidade expedita para o direito de regresso nos próprios autos da 
ação reivindicatória, cabendo ao Evicto manejar a Ação Autônoma de 
Evicção para cobrar o preço pago acrescido das verbas complementares 
da Evicção. A esse respeito, veja-se o REsp. nº 22.148-5-SP, julgado em 
16/12/1993 e relatado pelo Min. WALDEMAR ZVEITER: 
 
Ementa 
PROCESSUAL CIVIL - DENUNCIAÇÃO DA LIDE - DIREITO DE 
REGRESSO. 
I – A jurisprudência do STJ é no sentido de que a não 
denunciação da lide não acarreta a perda da pretensão 
regressiva, mas apenas ficará o Réu, que poderia denunciar e 
não denunciou, privado da imediata obtenção de Título 
Executivo contra o obrigado regressivamente. Daí resulta que as 
cautelas que o legislador houve por bem inserir pertinem tão-so 
com o direito de regresso, mas não priva a parte de propor ação 
autônoma contra quem eventualmente lhe tenha lesado. 
II – recurso não conhecido. 
 
O mesmo se pode dizer da criação da figura do Cheque pré-datado e da 
Súmula 370 do STJ, a qual, apesar do quanto disposto no art. 32 da Lei nº 
7.357/85: 
 
Art . 32. O cheque é pagável à vista. Considera-se não-escrita 
qualquer menção em contrário, 
 
dispõe: 
 
Súmula 370, STJ – Caracteriza Dano Moral a apresentação 
antecipada de cheque pré-datado, 
 
em claro reconhecimento da validade da contratação ali realizada quanto 
ao termo inicial da exigibilidade da obrigação, o que finda por alterar a 
natureza jurídica do cheque de “Ordem de pagamento à Vista” para 
“Título de Crédito Impróprio”.

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