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A Construção da Clínica Ampliada na Atenção Básica Resenha

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UNIVERSIDADE DO VALE DO TAQUARI - UNIVATES
 CURSOS DE ENFERMAGEM 
 SAÚDE COLETIVA I
Loline Porto Leite
 Lajeado, junho de 2020.
RESENHA
A CONSTRUÇÃO DA CLÍNICA AMPLIADA NA ATENÇÃO BÁSICA
(CUNHA, GustavoTenório. 3ªed. Editora Hucitec. São Paulo, 2010)
1 INTRODUÇÃO
O Processo de construção do Sistema Único de Saúde (SUS) iniciou-se após a proclamação da Constituição Federal de 1988 e das Leis Complementares 8.080/90 e 8.142/90 impulsionando a busca por um modelo de atuação clínica que pudesse ser implantado nos estabelecimentos de saúde estatais e conveniados, hospitalares e da Atenção Básica.
A partir da implantação da Política Nacional de Humanização (PNH) em 2003, as práticas de atenção e gestão do SUS passaram a ser revisadas e aprimoradas visando qualificar a saúde pública no Brasil e na sequência, a valorização da Clínica Ampliada na Atenção Básica com novos programas e mudanças de paradigmas.
Nesse cenário, baseado na própria experiência profissional do autor, como médico generalista, o livro “tem como proposta pensar a prática clínica na Atenção Básica, contribuindo para uma clínica ampliada capaz de prestar atenção também aos Sujeitos, incluindo no foco de atenção nós mesmos, os profissionais de saúde”.
Na primeira parte, o autor discorre sobre as diferenças entre Atenção Básica e Atenção Hospitalar, salientando o impacto que a experiência hospitalar causa na prática clínica dos profissionais de saúde e na sociedade, buscando definir os fatores que devem ser considerados para a construção de uma prática adequada no campo da Clínica Ampliada.
A segunda parte, Cunha propõe a elaboração teórica de um modelo de análise para compreender a Clínica articulada com os sujeitos: individuais e coletivos, identificando as forças internas e externas ao sujeito que atuam na singularidade de cada situação, de modo que a Clínica Ampliada possa compreender e assumir o compromisso de promover a vida.
Já no terceiro capítulo, o autor relaciona os aspectos a serem considerados na proposta de Clínica Ampliada, ponderando sobre o saber na Clínica, o conceito de filtros teóricos e considerações gerais sobre a prática da Clínica Ampliada.
E o quarto capítulo apresenta propostas de estratégias para construir a Clínica Ampliada na Atenção Básica, integrando a possibilidade de alternativas que incluem a Homeopatia, a Medicina Tradicional Chinesa (MTC) e a medicina tradicional, bem como, os métodos para aplicação, gestão e monitoramento dos resultados.
2 DO HOSPITAL PARA A ATENÇÃO BÁSICA – UM NOVO OLHAR
Ao confrontar os saberes do hospital com as demandas da Atenção Básica, o autor ressalta os limites que o hospital impõe ao profissional da saúde com as características de um atendimento ambulatorial, onde as alternativas para um tratamento eficaz estão muito além de diagnóstico e tratamento. Esses limites são determinados por vários fatores, quais sejam:
- Pela relação de poder do hospital sobre o paciente diante de uma rotina centralizada em procedimentos, exames e medicações adequados a cada doença, que vem a abalar na Atenção Básica, pois o paciente não se encontra submisso ao tratamento, como acontece no hospital e a eficácia da terapêutica somente poderá ser atingida quando o profissional conquistar a confiança e compreensão do paciente.
- Pela cultura predominante do hospital de produzir ciências, considerando o diagnóstico como tarefa mais nobre do que o tratamento. Já a Clínica Ambulatorial, necessita de novos saberes para lidar com a singularidade de cada caso, pois os indivíduos levam não só seus sintomas, como também um histórico, as circunstâncias de vida, a sua cultura, que afetando a saúde do corpo pode também afetar o tratamento, tornando-o sem efeito ou ainda agravando o quadro, caso não seja encontrado um diagnóstico e tratamento adequado as suas particularidades.
- Pelo desejo altruísta de salvar vidas influenciado pelo ambiente hospitalar, onde muitos vivem na iminência da morte, enquanto na Atenção Básica impera o desejo de viver e com isso, aumenta a complexidade da terapêutica.
- Pelo tempo de internação que define o objetivo do profissional e suas prioridades, reduzindo o tempo de convívio entre ele e o paciente, ou seja, prioriza o diagnóstico e aplica tratamento para combater a enfermidade, sem, contudo, controlar a reincidência da mesma. Na Atenção Básica, dedica-se o tempo necessário para conhecer os aspectos da vida do paciente que possam influir no tratamento.
- Pela percepção dos danos causados pelo tratamento, que muitas vezes são considerados, estatisticamente normais, dentro do hospital e enquanto na Atenção Básica, a convivência com a singularidade do paciente, individual ou coletiva, favorece a percepção dos riscos, a escolha de alternativas e o monitoramento do tratamento.
Fundamentada em vários estudos importantes e com ênfase no referencial de Campos (1997), “que propõe à Clínica a necessidade de lidar com a polaridade entre a ontologia das doenças e a singularidade dos Sujeitos”, Cunha explora o universo da Atenção Básica para construir a Clínica Ampliada, enriquecendo a leitura com vários exemplos que ilustram o cotidiano do profissional da saúde, inclusive a sua própria experiência e que evidenciam as dificuldades e os benefícios de relacionar a vida que o paciente vive com os sintomas que sente.
O autor chama a atenção para o conceito de “filtros teóricos”, dentro do referencial da Biomedicina, como ferramentas da ontologia das doenças, os algoritmos que conduz à abordagem diagnóstica, comuns em serviços de pronto atendimento e hospitalares, mas que não poderiam ser aplicados na Atenção Básica, como único parâmetro da relação clínica, onde é necessário lidar com as singularidades, individuais e coletivas do paciente, durante o processo terapêutico.
Cunha também aponta para a necessidade de uma análise crítica das formas tradicionais de Gestão em Saúde: os protocolos A Programação em Saúde e a Medicina Baseada em Evidências.
A partir de debates entre membros da equipe de atendimento básico, incluindo os Agentes Comunitários de Saúde (ACS), médicos e enfermeiros - generalistas (no qual o autor participou) e especialistas relacionados a cada tema, iniciou-se na Secretaria Municipal de Saúde de Campinas (2002/2003), a construção de uma co-Gestão em Saúde, adaptada entre a realidade singular do SUS e a teoria da Clínica Ampliada que originou a proposta do Antiprotocolo.
O antiprotocolo se caracteriza por três movimentos: diagnóstico de indicadores, a escolha dos possíveis recursos e a assimilação das diretrizes para Clínica Ampliada na Atenção Básica.
As estratégias propostas por Cunha contemplam as possibilidades de contribuição da Homeopatia e da Medicina Tradicional Chinesa (MTC) incorporadas como mais um recurso, para o profissional generalista, na construção da Clínica na Atenção Básica, além de intervenções apropriadas ao contexto da enfermidade.
Na prática, em alguns casos relatados, uma intervenção, bem-sucedida, com auxílio da Agente Comunitária de Saúde (ACS) na vida familiar do paciente, pode ser fundamental para resolver conflitos que provocaram a doença e consequentemente, minimizar ou eliminar a enfermidade. É necessária negociação para se obter resultados.
3 CONCLUSÃO
Ao discutir a prática clínica na atenção básica, o livro de Gustavo Tenório Cunha enfatiza a necessidade de renunciar aos paradigmas da clínica hospitalar para refletir e reconhecer as diferentes alternativas que poderão auxiliar o profissional da saúde a combater as enfermidades, na Atenção Básica.
O autor chama a atenção para o fato de que, ao contrário do hospital que está voltado para resultados em curto prazo, o atendimento na Clínica Ampliada se caracteriza por procedimentos que não medem prazos, pois envolvem a vida do sujeito e a influência do ambiente ao qual ele está inserido, o que pode influenciar no tratamento ou na própria enfermidade e, portanto, ações imediatas comprometem o resultado.
Sem desprezar os protocolos e guidelines tradicionais, o autor discorre sobre as práticasatuais desses protocolos que seriam obstáculos para um diálogo mais aprofundado que adentre a singularidade de cada situação, interferindo na construção e no desempenho da Clínica Ampliada e, consequentemente, na qualidade da Atenção Básica.
Evidencia-se que a experiência do autor como médico generalista e participante do processo de construção coletiva do antiprotocolo, lhe dá o conhecimento necessário para embasar as suas propostas em defesa de um serviço de saúde que seja realmente eficaz e se materialize no desempenho da Clínica Ampliada na Atenção Básica.
A leitura dessa obra contribui para estimular os profissionais da saúde a estreitar o vínculo entre o paciente e médico, de modo que só assim, poderá oferecer e garantir, aos usuários do serviço médico, um atendimento em que a qualidade e a humanização colaborem para a redução ou eliminação das enfermidades, valorizando o respeito a autonomia dos envolvidos e o trabalho do profissional de saúde.
Seria precipitado discordar com as proposições do autor sem que antes, tenha uma avaliação qualitativa e quantitativa dos resultados obtidos com a prática de tais procedimentos, nesse caso, cabe aos profissionais da saúde acolher esse desafio.

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