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Silvio Almeida fala sobre Pachukanis

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Silvio Almeida fala sobre Pachukanis 
 
https://www.youtube.com/watch?v=TDdzRpV5Olg&list=PLHiE8QPap5vT-
4gGfjaxSzkZNcyxxQJpJ&index=8 
 
“Não há direito sem capitalismo!” 
 
Um dos pontos mais intrigantes pra quem estuda o Pachukanis e pra quem estuda 
direitos em geral é que a gente quando entra na faculdade de direito o professor logo 
vai nos apresentando as origens do direito, a história do direito e começa com o direito 
da Antiguidade, o direito dos gregos, o direito dos egípcios, mas o ponto alto do direito 
antigo é o direito romano. Se a gente começar a ler Pachukanis a gente chega na 
constrangedora situação de que talvez tenhamos aprendido muita coisa errada na 
faculdade de direito, inclusive o fato de que existiu um direito romano. E por que isso? 
Porque em Roma a sociedade era uma sociedade escravagista, ou seja, uma sociedade 
cuja reprodução econômica e economia vamos entender de uma maneira muito ampla, 
que é a reprodução das coisas materiais da vida de uma sociedade, não se dão. Você 
não tem as determinações que levariam a se estabelecer um equivalente geral das 
mercadorias e essas mesmas mercadorias seriam utilizadas como valor de uso, o que 
também necessitaria portanto de liberdade e igualdade generalizada para que se 
pudesse estabelecer a troca mercantil. O Pachukanis está dizendo isso, que o direito 
nasce enquanto uma forma social, ou seja, uma forma que tem estabilidadade, que se 
reproduz e que terá que se reproduzir na sociedade exatamente porque você tem uma 
sociedade cuja troca mercantil é generalizada, que o valor de uso é central na relação 
de troca mercantil, e que portanto você precisa estabelecer o equivalente geral entre 
os indivíduos quando da troca, então a liberdade e a igualdade tornam-se atributos que 
devem necessariamente pertencer aos indivíduos. É por isso que você tem a norma 
jurídica e do Estado que vão garantir que haja liberdade e igualdade ainda que a força, 
como o próprio Marx vai nos contar quando ele fala do processo de circulação mercantil 
no capital. Então nesse sentido é uma quimera falar de direito romano, não tem direito 
romano numa sociedade escravagista. O que a gente tem talvez sejam 
regulamentações, que toda sociedade tem, a gente tem política, nós temos regras 
sociais, mas não uma relação social que se equivalha ao direito tal como Pachukanis está 
nos contando porque pra isso era necessário que a sociedade fosse reproduzida por 
determinações que só fazem sentido quando você tem uma sociedade capitalista na sua 
plenitude, é isso que o Pachukanis vai nos falar. Nessas horas é bom lembrar o velho 
Aristóteles, que também o Marx cita muito no Capital e é sempre uma referência para 
todos nós. O Aristóteles quando ele fala do dinheiro, por exemplo, ele não fala nunca 
da economia, porque não há economia, e muito menos economia política, a gente tem 
a numismática, que é uma outra coisa, que fala das trocas e as trocas devem ser justas, 
então é a justiça das trocas. Isso vai aparecer quando o Aristóteles falar da ideia de 
reciprocidade, quando da troca, para a satisfação das necessidades dentro de uma 
sociedade, tem um aspecto relacional, é necessário que haja um equivalente geral entre 
as mercadorias pra que as trocas não sejam injustas, então o dinheiro é essencialmente, 
e pros gregos essência é a finalidade das coisas, o dinheiro tem uma finalidade. Qual a 
finalidade do dinheiro? A finalidade do dinheiro é estabelecer um padrão de 
reciprocidade ou de justiça nas trocas pra que cada um receba aquilo que é seu, aquilo 
que lhe é devido, para que não haja nem excesso nem falta. Nossa não é isso que é o 
capitalismo? Não é isso. O dinheiro não tem por finalidade apenas ser um padrão de 
justiça nas trocas. O dinheiro no capitalismo serve para colocar as mercadorias, seja qual 
for a sua natureza, dentro do processo de circulação mercantil, como valor de troca e 
não necessariamente como valor de uso. E por isso é necessário que haja também uma 
equivalente geral entre aqueles que são os trocadores de mercadoria, que no caso é o 
direito, a relação jurídica, a liberdade e a igualdade, que vai começar a ser construída, 
não a toa, pelos autores modernos com a ascensão da burguesia ao poder econômico e 
ao poder político na Europa. Não é possível fazer essa mistura histórica, como o 
Pachukanis está mostrando pra gente. O direito é um fenômeno específico e que tem 
todas as suas determinações plenas com o advento da sociedade capitalista. 
 
 
 
 
 
 
Três Pontos Sobre Pachukanis – Silvio Almeida 
 
https://www.youtube.com/watch?v=TSsu0irMtsY&list=PLHiE8QPap5vT-
4gGfjaxSzkZNcyxxQJpJ&index=9 
 
A Boitempo acaba de publicar em edição traduzida diretamente do russo, da língua 
original, a obra que considero a mais importante do pensamento jurídico marxista que 
é a Teoria Geral do Direito e Marxismo, do Pachukanis. Este livro não é apenas um dos 
livros mais importantes da história do pensamento jurídico marxista, mas eu considero 
que também é uma das obras mais importantes do marxismo e sem dúvida alguma uma 
das obras mais importantes escritas sobre a Teoria Geral do Direito. Eu diria que 
juntamente com dois outros livros de outras matizes metodológicas, filosóficas e me 
refiro aqui ao livro a Teoria do Puro Direito de Kelser e Teologia Política de Karl Schmidt, 
a teoria geral do direito e marxismo consiste no ponto alto da reflexão jurídica do século 
XX, então estamos diante aqui de um monumento, de uma obra fundamental. E sobre 
esta obra eu gostaria de destacar 3 aspectos que considero os aspectos mais relevantes 
de uma obra que deve ser lida, relida e toda vez que isto acontece ela pode apontar pra 
questões diferentes, questões novas, inquietantes sobre o direito. O primeiro aspecto 
que eu quero levantar é em relação à Revolução Teórica que a Teoria Geral do Direito e 
Marxismo representa para o pensamento jurídico. Logo no início da obra, o autor, 
Pachukanis, nos coloca diante do que é a teoria geral do direito. Pachukanis dirá que a 
teoria geral do direito é nada mais nada menos do que a articulação dos conceitos gerais 
e abstratos do direito. São aqueles conceitos, pra quem estuda direito, nós sabemos 
quais são: normas jurídicas, relação jurídica, sujeito de direito, ou seja, é em torno 
desses conceitos que se constrói o que nós chamamos de teoria geral de direito. Outro 
aspecto importante é que é em torno da teoria geral do direito que todas as disciplinas 
do direito são constituídas. Por exemplo, no direito civil nós falamos de norma jurídica 
civil, no direito penal, norma jurídica penal, relação jurídica civil, ou direito privado, 
relação jurídica penal, relação jurídica tributária. Enfim, vejam que os conceitos gerais 
de direito, os mais abstratos, são aqueles que constituem a teoria geral do direito. 
Pachukanis coloca isso em revista. A grande pergunta que ele faz é se essas teorias ou 
se a teoria geral do direito é capaz de explicar de fato um movimento que corresponde 
a algo real no campo da sociedade, se a teoria geral do direito tem um correspondente 
material, ou se nós estamos apenas falando, e portanto, fazendo, elocubrações em 
torno de conceitos abstratos. Então o que o Pachukanis quer nos dizer nessa obra é que, 
ao contrário do que muitas críticas sobre a teoria geral do direito costumam dizer, é que 
a teoria geral do direito, por mais abstrata que possa parecer, ela corresponde sim a 
uma determinação material da realidade. E com isso o Pachukanis se coloca num campo 
absolutamente novo em relação a tudo que se falou de teoria geral do direito até então. 
A primeira coisa que ele refuta são os idealismos, os idealismos que vêm, por exemplo, 
que é muito comum pra todos os juristas, os juristas sabem do que eu estou falando, é 
a concepção de que o direito é a norma ou que gira em torno da norma ou que tem a 
norma por objeto. Ele está falando aqui diretamente parao grande jurista do século XX, 
Hans Kelser e sua teoria pura do direito. Kelser, pra quem não sabe, constrói toda sua 
teoria pura do direito em torno da norma como objeto, ele quer levar o direito a status 
de ciência tendo a norma por base. O que Pachukanis nos coloca é que o direito tido 
como norma ou a partir dos conceitos abstratos não são capazes de explicar nada sobre 
o que é de fato o direito e qual a determinação material do direito, a que relação jurídica 
o direito corresponde. Mas ao mesmo tempo Pachukanis também refuta aqueles que 
dizem, e muitos inclusive no campo do socialismo, no campo da esquerda, que dizem 
que o direito na verdade não passaria de uma regulamentação autoritária e externa, 
que é uma manifestação pura do poder, ou que o direito é uma ideologia ou uma 
fantasmagoria. O que Pachukanis diz é que as abstrações do direito correspondem de 
fato a uma determinação material da sociedade. Que determinação seria essa? O que 
Pachukanis nos revela é que da mesma maneira que os conceitos da economia política 
correspondem a um movimento da sociedade capitalista, ou seja, a economia política 
só poderia surgir quando você tem a plenitude das relações sociais capitalistas, a teoria 
geral do direito também só é possível quando a sociedade capitalista encontra-se 
plenamente constituída. Aí ele faz uma revolução teórica: ele vincula a teoria geral do 
direito às relações sociais específicas do capitalismo. Tal como uma economia política 
burguesa corresponde também às relações próprias e específicas da sociedade 
capitalista. Esse é um primeiro ponto que eu acho que é fundamental, é a relação que 
Pachukanis faz entre o capitalismo, a sociedade capitalista e o surgimento de uma teia 
de conceitos que vão explicar relações que também têm um caráter material, no caso 
as relações jurídicas. O segundo aspecto concernente à teoria geral do direito e 
marxismo do Pachukanis é a questão metodológica. Pachukanis, para tratar do direito e 
para desvendar o direito, se utiliza do mesmo método que Marx criou e o mesmo 
método que Marx utiliza no Capital para estudar a constituição da economia capitalista. 
Da mesma maneira que Marx parte da noção de mercadoria como sendo a célula 
constitutiva do tecido social capitalista, ou seja, Marx busca o elemento mais básico, o 
elemento mais abstrato e que é o cerne das relações sociais do capitalismo, que é a 
mercadoria, Pachukanis faz a mesma coisa no campo do direito e ele encontra a noção 
de sujeito de direito como sendo o ponto de partida da construção da teoria geral do 
direito, ou seja, o direito corresponde-se uma relação social que tem um caráter 
específico. Vejam, não é à relação social em geral, mas é uma relação. Esta relação nós 
podemos identificar como uma relação jurídica. Então vejam que para Pachukanis o 
direito corresponde a uma relação, que é a relação entre sujeitos de direito, que são 
indivíduos que em suas relações portam dois atributos, são proprietários de dois 
atributos, que é a liberdade de dispor daquilo que lhes pertence, inclusive da sua própria 
força de trabalho, e a igualdade no momento da troca, no momento da relação. Ou seja, 
para Pachukanis o direito aparece quando da circulação mercantil, ou seja, para o 
Pachukanis a forma jurídica é equivalente, corresponde à forma mercantil. Isso tem uma 
série de implicações das mais variadas. A primeira delas é o fato de que pra nós falta a 
compreensão da relação intrínseca que há entre direito ou relação jurídica e circulação 
mercantil. E duas observações: vejam que da mesma maneira que é necessário 
estabelecer um equivalente geral entre todas as mercadorias, que é quando Marx 
teoriza sobre o valor de uso e o valor de troca...é necessário haver um equivalente geral 
entre todas as mercadorias para que a troca possa se universalizar. Mas ao mesmo 
tempo que a troca das mercadorias precisa se universalizar, as relações de troca e 
também a troca entre os indivíduos é necessário que tenha também um equivalente, os 
indivíduos devem se equivaler no momento da troca. E é por isso que, às mercadorias o 
equivalente geral seria o dinheiro, o correspondente seria aquilo que representaria 
todas as mercadorias, ao passo que o direito é o equivalente geral de todos os 
indivíduos, fazendo com que todos sejam trocadores de mercadoria no momento da 
circulação mercantil. Uma outra coisa importante é dizer que o Pachukanis quando se 
refere à circulação mercantil, ele não se refere à qualquer circulação, é a circulação que 
é determinada pelas relações sociais do capitalismo, é a circulação mercantil capitalista, 
ou seja, que é determinada pela produção mercantil, pelo trabalho assalariado. Isso é 
muito importante de dizer para que não se caia na tentação fácil de chamar o 
Pachukanis de circulacionista. Na verdade ele não está vendo só a esfera da circulação, 
a esfera da circulação é onde a troca aparece e é onde de fato aparece o direito na sua 
plenitude, ou seja, uma relação de sujeitos livres e iguais. A igualdade jurídica e a 
liberdade jurídica aparecem apenas e tão somente no momento da troca mercantil, 
coisa que não acontece, por exemplo na produção de mercadorias, onde você tem a 
hierarquia, a violência e o Pachukanis denuncia isso ao falar sobre as características 
específicas do direito. A grande lição do livro é que apenas a sociedade burguesa e 
capitalista, nas palavras do Pachukanis, é que o direito e a teoria geral do direito 
encontram todas as suas condições para o seu florescimento, para o seu nascimento. Aí 
entramos num terceiro ponto bastante importante e bastante delicado, que é sobre a 
existência de um direito socialista. Pachukanis coloca essa questão de maneira muito 
corajosa e ele vai nos dizer o seguinte: a superação dos termos impostos pela 
sociabilidade capitalista implica também na superação de todas as formas que só têm 
sentido no interior das determinações materiais dessa mesma sociedade. Portanto, a 
forma jurídica, ao corresponder à forma mercantil, estaria intrinsecamente ligada à 
esfera da circulação capitalista, que é determinada pela produção capitalista. A 
superação revolucionária dos parâmetros de sociabilidade burguesa levam 
necessariamente à superação da relação jurídica como uma relação que é própria da 
sociedade que se pretende superar. Para o Pachukanis não existe possibilidade de 
direito socialista, o direito é inapelavelmente burguês, o direito é inapelavelmente 
capitalista. Portanto com isso ele coloca um desafio para aqueles que pensam uma 
sociedade renovada, que é também pensar uma sociedade para além dos limites do 
direito. Lutar dentro dos limites do direito significa lutar ainda lutar dentro dos limites 
da reprodução da sociedade capitalista. Então os movimentos sociais, aqueles que de 
fato querem superar as mazelas do capitalismo têm que pensar numa sociedade que 
está além do direito e além das relações jurídicas. Essa é a grande lição do Pachukanis. 
E aí fica a grande lição, também uma das coisas que ele vai falar no livro é que o 
compromisso de alguém com a revolução se mede também pelo compromisso que essa 
mesma pessoa tem com o direito.

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