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CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO LÓGICO-MATEMÁTICO ELZA LIMA DE SOUZA MANSANO 1º Ed. | Julho | 2013 Impressão em São Paulo - SP Catalogação elaborada por Glaucy dos Santos Silva - CRB8/6353 CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO LÓGICO-MATEMÁTICO Coordenação Geral Nelson Boni Coordenação de Projetos Leandro Lousada Professor Responsável Elza Lima de Souza Mansano Revisão Ortográfica Vanessa Almeida Coordenadora Pedagógica de Cursos EAD Eleonora Altruda de Faria Projeto Gráfico, Diagramação e Capa Janine Lopes 1ª EDIÇÃO: ABRIL DE 2012 Impressão em São Paulo/SP Copyright © EaD Know How 2012 Nenhuma parte desta públicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição. M286c Mansano, Elza Lima de Souza. Construção do conhecimento lógico-matemático. / Elza Lima de Souza Mansano. – São Paulo : Know How, 2012. 247 p. : 21 cm. Inclui bibliografia Lógica. 2. Lógica simbólica e matemática. 3. Número. I. Título. CDD – 511.3 APRESENTAÇÃO “O principal objetivo da educação é criar homens capa- zes de fazer coisas novas não simplesmente de repetir o que outras gerações fizeram. Homens criativos, inventi- vos, descobridores.” Piaget Parabéns! É uma grande satisfação poder disponibilizar o livro-texto da disciplina CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO LÓGICO-MATEMÁTICO, elaborado especialmente para este curso, baseado no seu perfil e nas necessidades da sua formação. A finalidade deste material é disponibilizar aos alunos do EAD conceitos, fundamentos, reflexões e exercícios referentes aos principais temas da Educa- ção. Você terá a oportunidade de apropriar-se do co- nhecimento referente às questões ligadas à CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO LÓGICO-MATEMÁTICO, onde serão abor- dadas as seguintes Unidades de Ensino: O estudo da natureza do conhecimento lógico-matemático e do seu processo de construção pelo estudante; A psicogênese da construção do número e suas implicações didático- -pedagógicas; As diferentes representações do número; As estruturas lógico-matemáticas, o desenvolvimento moral e a cooperação; Os espaços, as formas, as medidas e o tratamento das informações; A função do desenho na representação do espaço e das quantidades; tecno- logia digital e o jogo na organização da ação educativa. Nesta perspectiva de trabalho, suscitamos a impor- tância da Matemática na fundamentação piagetiana. Par- tindo da premissa que o conhecimento implica ações e operações e que não estão prontas e acabadas, mas que precisa ser continuamente construídas e reformuladas. Para que isso seja perceptível, a cada unidade você será desafiado a realizar atividades que aproximem a te- oria às situações do dia a dia, possibilitando, desta for- ma, que você perceba a importância da Matemática em situações práticas. Mediante essa abordagem pautada na contribuição de grandes teóricos matemáticos, a elaboração das uni- dades foi pensada, sem perder a essência teoria e prática. Assim, estamos constantemente atualizando e aperfeiçoando este material, e você pode nos auxiliar, encaminhando sugestões e apontando melhorias, via monitor, tutor ou professor. Desde já, agradecemos a sua colaboração. Torna-se necessário lembrar que a sua passagem por esta disciplina será também acompanhada pelo Sis- tema de Ensino EaD, seja por correio postal, fax, telefo- ne, e-mail ou Ambiente Virtual de Aprendizagem. Recomenda-se que você entre em contato conosco quando surgir alguma dúvida ou dificuldade. Participe dos bate-papos (chats) marcados e envie suas dúvidas pelo Tira-Dúvidas. Toda equipe estará à disposição para atendê-lo. Seu desenvolvimento intelectual e profissional passará a ser o nosso maior objetivo e ideal a ser alcançado. Acredite no seu sucesso, assuma uma postura de dedicação e empenho, seja persistente na busca pelo seu aperfeiçoamento pessoal e profissional e tenha bons momentos de estudo! Equipe Know-How. CARTA DO PROFESSOR PLANO DE ESTUDOS UNIDADE 1: O estudo da natureza do conhecimento lógico-matemático e do seu processo de construção pelo estudante. UNIDADE 2: A psicogênese da construção do número e suas implicações didático-pedagógicas. UNIDADE 3: As diferentes representações do número. UNIDADE 4: As estruturas lógico-matemáticas, o desenvolvimento moral e a cooperação. 9 11 17 55 95 119 SUMÁRIO UNIDADE 5: Os espaços, as formas, as medidas e o tratamento das informações. A função do desenho na representação do espaço e das quantidades. UNIDADE 6: Tecnologia digital e o jogo na organização da ação educativa. REFERÊNCIAS 161 189 219 9 CARTA DO PROFESSOR Caro aluno, É com muita satisfação que apresentamos este ma- terial, pois significa a colheita exitosa de quase quarenta anos de trabalho e dedicação na área de educação. Ao organizar esse trabalho tivemos como propó- sito oferecer elementos de reflexão teórica, para você, com intuito de aperfeiçoamento e que realmente possa transpor para sua prática pedagógica. Considerando que o conhecimento matemático não se constitui em conjuntos de fatos a serem memo- rizados, que aprender números é mais do que contar, é nesta perspectiva que os encorajamos a explorar gran- des variedades de ideias e conceitos matemáticos, não apenas aqueles relacionados ao número, mas à mate- mática como todo. Como princípio, meio e fim. Pois, segundo Auguste Comte, toda a educação científica que não se inicia com a Matemática é, naturalmente, imper- feita na sua base. Que a nossa caminhada seja de grande crescimen- to e que o processo de desequilíbrio aconteça, para que você possa retomar os conceitos adquiridos, transfor- mando-os e aprimorando-os. 10 Sucesso, e não se esqueça: “A Matemática, quando a compreendemos bem, possui não somente a verdade, mas também a suprema beleza.” Bertrand Russel. Seja bem-vindo! 11 PLANO DE ESTUDOS EMENTA Construindo o conhecimento lógico-matemático: o estudo da natureza do conhecimento lógico-matemá- tico e do seu processo de construção pelo estudante; Introdução à Teoria Epistemológica Genética; O estu- do da natureza do conhecimento lógico-matemático e o processo de construção pela criança; A psicogênese da construção do número e suas implicações didático- pedagógicas; As diferentes representações do número; Histórico da evolução do sistema de numeração; Prin- cípios básicos da notação posicional; As estruturas lógi- co-matemáticas, o desenvolvimento moral e a coopera- ção. Os espaços, as formas, as medidas e o tratamento das informações; A função do desenho na representa- ção do espaço e das quantidades; Tecnologia digital e o jogo na organização da ação educativa. COMPETÊNCIAS ■ Conhecer a história do número e como se dá a cons- trução pelo estudante; 12 ■ Identificar conceitos e fundamentos do conhecimen- to lógico-matemático e sua construção pela criança; ■ Entender que a matemática desempenha papel deci- sivo, pois permite resolver problemas da vida cotidiana, sendo base para a construção de conhecimento em ou- tras áreas; ■ Reconhecer a sistemática do aspecto quantitativo e qualitativo do ponto de vista do conhecimento e estabe- lecer relação entre eles usando para isto o conhecimen- to aritmético, geométrico, estatísticos, dentre outros; ■ Estabelecer conexão entre a matemática, as outras áreas de conhecimento, comunicando-se, ou seja, fa- zendo uso da linguagem oral estabelecendo relações entre diferentes representações matemáticas. HABILIDADES ■ Refletir sobre novas formas do ensino de matemática; ■ Refletir sobre os conceitos e características dos con- teúdos que serão ensinados e filtrar o que é primordial para o ensino da matemática; ■ Criar mecanismos de superação das dificuldades de aprendizagem articulando para isso, matemática com as outras áreas de conhecimento; ■ Atuar criticamente na construção do conhecimento ma- temático de forma eficaz e prazerosa, desmistificando-a; 13 ■ Conceituar e identificar as basesteóricas, que subsi- diam o conhecimento matemático. CARGA HORÁRIA 30 horas. “... O estudo da gramática não faz poetas. O estudo da harmonia não faz compositores. O estudo da psi- cologia não faz pessoas equilibradas. O estudo das "ciências da educação" não faz educadores. Educa- dores não podem ser produzidos. Educadores nas- cem. O que se pode fazer é ajudá-los a nascer. Para isso eu falo e escrevo: para que eles tenham coragem de nascer... " Rubem Alves 17 UNIDADE 1 CONSTRUINDO O CONHECIMENTO LÓGICO-MATEMÁTICO: O ESTUDO DA NATUREZA DO CONHECIMENTO LÓGICO-MATEMÁTICO E DO SEU PROCESSO DE CONSTRUÇÃO PELO ESTUDANTE 19 1 INTRODUÇÃO À TEORIA EPISTEMOLÓGICA GENÉTICA Existe uma série de teorias que explicam a gênese e os pressupostos do desenvolvimento humano. É necessá- rio lembrar que cada uma delas não tem a aceitação uni- versal e, sozinha, nenhuma conseguiria explicar todas as dimensões do crescimento e do desenvolvimento do ser humano. Por conseguinte, para poder abarcar todas as face- tas do crescimento e desenvolvimento humano torna-se necessária a aplicação de várias teorias, de forma simul- tânea, sob a observação, síntese, análise e conclusão de diversos pontos de vista para se caracterizar, de forma mais precisa, a gênese, o desenvolvimento do processo e os fundamentos que os justificam. A Teoria Epistemológica Genética1 conseguiu, com propriedade, explicar cientificamente “Como se constrói o conhecimento”. A ênfase causal que dá ali- cerce à teoria é a interação de fatores inatos e da expe- riência. O Homem da Teoria Epistemológica Genética é um ser que possui estruturas, que em relação com o mundo, modifica-as ampliando as relações com o meio 1 Significa estudo crítico do conhecimento científico. Teoria explicativa do desenvolvimento da inteligência, que explica o desenvolvimento mental do ser humano no campo do pensamento, da linguagem e da afetividade. 20 em que vive. Dessa forma, o meio desempenha um pa- pel nítido de estimulador. Jean Piaget, cientista, biólogo, filósofo, psicólogo e fundador da Teoria Epistemológica Genética nasceu na Suíça, no dia 9 de agosto de 1896. É considerado por muitos o mais importante teórico do desenvolvimento intelectual humano. Pode-se afirmar que Piaget (1896-1980) defende a visão sociointeracionista de desenvolvimento, buscan- do, assim, compreender e explicar formação da estrutu- ra cognitiva e como se dá a construção do conhecimen- to no campo cognitivo, biofisiológico, social e afetivo. Concebe a criança como um ser ativo, que constante- mente cria hipóteses sobre o seu ambiente. A preocupa- ção central dos seus estudos resumia-se em responder o questionamento: Como o conhecimento se desenvolvia nos seres humanos? Teve a convicção de que cada sujei- to aprende através da sua interação com o ambiente em que vive cujo conhecimento é assimilado ao seu estágio anterior. Desse modo, o conhecimento desenvolve-se no decorrer de um longo e vagaroso processo de rela- cionar as novas ideias às anteriores. Dedicou-se ao estudo dos mecanismos interiores da espécie humana (sujeito epistêmico) e dos indivídu- os (sujeito psicológico), dando ênfase que esses meca- nismos só poderão se desenvolver na interação dos su- jeitos com o ambiente. 21 Difundiu que os fatores internos preponderam so- bre os externos, postulou que o desenvolvimento segue uma sequência fixa e universal de estágios, os quais se- rão discriminados posteriormente. A noção de equilíbrio é a essência da teoria de Pia- get. O estudioso afirma que a inteligência é um caso particular da adaptação biológica da pessoa ao meio ambiente. Para Piaget, (1982, p.15) a inteligência é: “uma organização e sua função consiste em estruturar o universo tal como o organismo estrutura o meio ime- diato”, em outras palavras: “a inteligência é uma ativi- dade organizadora cujo funcionamento prolonga o da organização biológica e o supera, graças à elaboração de novas estruturas (1982, p.378)”. Considerando que Piaget concebeu o desenvolvi- mento intelectual do mesmo modo que o desenvolvi- mento biológico, influência marcante pela sua forma- ção acadêmica de biólogo, entendeu os atos cognitivos como atos de organização e de adaptação ao meio, as- sim, os conceitos e os princípios referentes ao desen- volvimento biológico serão úteis e tornar-se-ão válidos, à medida que seja necessário pesquisar sobre o desen- volvimento intelectual. Organização e adaptação não são vistos por Piaget como processos complementares. 22 Do ponto de vista biológico, organização é inseparável da adaptação: Eles são dois processos complementares de um único mecanismo, sendo que o primeiro é o aspecto interno do ciclo do qual a adaptação constitui o aspecto externo. (PIAGET, 1952c, p.7) Para Piaget, a atividade intelectual não se separa do funcionamento total do organismo. Dessa forma, con- siderou o funcionamento intelectual como uma forma especial de atividade biológica (1952c, p.42). Assim, am- bas as atividades, intelectual e biológica, são partes do processo global através do qual o organismo adapta-se ao meio e organiza as experiências. A pessoa humana é um sujeito cultural ativo, cuja ação tem dupla dimensão: assimiladora e acomodadora. Dessa forma, todo organismo vivo procura manter um estado de forma a superar perturbações na relação que ele estabelece com o meio. O processo dinâmico e constante do organismo busca um novo estado de equilíbrio que é denominado processo de equilibração. Na Teoria Epistemológica Genética, o desenvolvi- mento cognitivo do indivíduo ocorre através de cons- tantes desequilíbrios e equilibrações, em outras palavras: a inteligência funciona sempre da mesma forma: assimi- lações simultâneas e sucessivas tendendo ao equilíbrio. 23 O aparecimento de uma nova possibilidade orgâ- nica no indivíduo ou na mudança de alguma caracterís- tica do meio ambiente, por mínima que seja provoca a ruptura do estado de repouso – da harmonia entre o organismo e meio – causando um desequilíbrio. São acionados para alcançar um novo estado de equilíbrio dois mecanismos: O primeiro recebe o nome de assimilação, através dele o organismo – sem alterar suas estruturas – desenvolve ações destinadas a atri- buir significações, a partir da sua experiência interior, aos elementos do ambiente com os quais interage. Em decorrência, a assimilação é o processo cognitivo pelo qual uma pessoa integra um novo dado perceptual, mo- tor ou conceitual nos esquemas2 ou padrões de com- portamento já existentes. Pela dimensão assimiladora a pessoa produz transformações no mundo objetivo. Etimologicamente, assimilação tem origem no la- tim assimilis, que significa: “tornar a forma de”, “tor- nar-se semelhante”. Nesse sentido, o conceito de assi- milação compreende a interação de elementos do meio exterior às estruturas em desenvolvimento ou já com- pletas de um organismo. A assimilação é um processo de 2 Esquemas: são as estruturas mentais ou cognitivas pelas quais os indiví- duos intelectualmente se adaptam e organizam o meio. Como estruturas, esquemas são os correlatos mentais dos mecanismos biológicos de adap- tação. Não são objetos reais, mas são vistos conjunto de processos dentro do sistema nervoso (WADSWORTH, 1993, p.2). 24 entrada de estímulos que são incorporados à atividade de um indivíduo. Por exemplo, quando a criança ouve as pessoas falarem a seu redor, ela aprende a respeito da construção das frases e do sentido da linguagem muito antes de ser capaz de se expressar verbalmente. Dessa forma, estará assimilando o que ouve, transformando esse conhecimento em algo seu. Segundo prescreve Piaget (1975, p. 32): “A assimilação é, essencialmente, a utilização do meio externo pelo sujeito, tendo em vista alimentar os seus esquemas hereditários e adquiridos”. A assimilação ocorre de forma contínua; a pessoa não processa um estímulo por vez. O ser humano está continuamenteprocessando um grande número de es- tímulos. A assimilação é sempre o fim, o produto. O outro mecanismo, através do qual o organismo tente restabelecer um equilíbrio superior com o meio exterior, é chamado de acomodação. Quando a criança é confrontada com um novo es- tímulo, tenta assimilá-lo a esquemas já existentes. Nem sempre isto é possível. Em algumas ocasiões, um es- tímulo pode não ser incorporado ou assimilado, por não contar a estrutura cognitiva com um esquema no qual ele prontamente possa se encaixar. Em resposta, a criança pode reagir escolhendo apenas uma, dentre duas formas – ambas são formas de acomodação – cria um novo esquema, no qual possa se encaixar o estímulo ou modifica um esquema prévio de forma que o estí- 25 mulo possa ser nele incluído. Segundo afirma Wadsworth (1993, p. 6): “a aco- modação é a criação de novos esquemas ou a modifica- ção de velhos esquemas. Ambas as ações resultam em uma mudança na estrutura cognitiva (esquemas) ou no seu desenvolvimento”. Pela dimensão acomodadora, a pessoa produz transformações em si mesmo, no mundo subjetivo. Agora, entretanto, o organismo é impelido a se modi- ficar, a se transformar para se ajustar às demandas im- postas pelo meio exterior. A criança, incorporando organicamente o ob- jeto do conhecimento por meio da sua interação com ele, atribui-lhe significação. Desse modo, tal processo de introjetar o objeto nas estruturas da pessoa, acomo- dando-as, possibilita a organização dos elementos do conhecimento e da mente na estrutura do indivíduo, fa- zendo com que adapte ao mundo e construa cada vez mais conceitos. Conforme concebe Wadsworth (1993, p. 7): Durante a assimilação, uma pessoa impõe sua estrutura disponível aos estímulos que estão sendo processados. Isto é, os estímulos são ‘forçados’ a se ajustarem à estru- tura da pessoa. Na acomodação, o inverso é verdadeiro. A pessoa é ‘forçada’ a mudar sua estrutura para acomodar os novos estímulos. A acomodação explica o desenvol- 26 vimento (uma mudança qualitativa), e a assimilação ex- plica o crescimento (uma mudança quantitativa); juntos explicam a adaptação intelectual e o desenvolvimento das estruturas cognitivas. Os processos de assimilação e a acomodação são necessários para o crescimento e o desenvolvimento cog- nitivo. Tais processos constituem as duas faces de uma mesma moeda, que se complementam entre si, de todas as ações da pessoa. É a ideia da continuidade funcional e descontinuidade estrutural. O contínuo consiste na reali- dade interpretável, o descontínuo, na interpretação dessa realidade, que vem provocar a transformação. Nenhum comportamento é só assimilação ou só acomodação. Todo o comportamento humano reflete ambos os processos, apesar de alguns comportamen- tos expressem, relativamente, mais um processo do que outro. Em síntese: na assimilação, o organismo “encaixa” os estímulos à estrutura que já existe; na acomodação, o organismo “muda” a estrutura para encaixar o estímulo. Piaget chamou o balanço entre assimilação e aco- modação de equilíbrio. Mecanismo autorregulador, ne- cessário para assegurar uma eficiente interação da crian- ça com o meio exterior. A continuidade funcional, ao longo da experiên- 27 cia de construção de conhecimento dos indivíduos em sua interação com o meio, resulta em estruturas dife- renciadas de pensamento, que são denominados está- gios da teoria piagetiana, muitas vezes tomados, erro- neamente, como a totalidade dessa teoria, que serão estudados posteriormente. Essas novas estruturas geram outra necessidade e vêm à busca de novo conhecimento e assim, sucessi- vamente. Na escola, esse movimento dá-se através do confronto de conhecimento entre o sujeito (criança) e o objeto – a criança vai compreendê-lo em suas rela- ções internas e externas, captar-lhe sua essência. Nesse contexto, o educador tem o dever de colaborar com a criança na decifração, na construção da representação mental do objeto de estudo. O conhecimento não se dá de forma imediata; leva um tempo para o processamento mental. O aluno, de posse do objeto de conhecimento (ex. Língua Portu- guesa), passa pelo primeiro momento da aprendizagem: síncrese – momento de desequilíbrio; visão superficial e baixo nível de assimilação. Posteriormente, passa para o segundo momento: análise – neste instante dá-se o conhecimento; caracte- rizado por alto nível de assimilação. Trata-se do desen- volvimento operacional – é o momento da atividade do aluno (pesquisa bibliográfica, estudo individualizado, estudo em grupo, exercícios de fixação, participação em 28 seminário, dentre outras estratégias didáticas). Dessa forma, aprofunda-se no tema de estudo para estabele- cer relações. Assim, o educador deve fazer o “encaixe” significativo entre o sujeito e o objeto de conhecimento – para isto acontecer é necessário lançar mão de desa- fios cognitivos. Concluindo, através da análise, busca-se chegar ao terceiro momento, que é a síntese pessoal daquilo que foi pesquisado. A síntese é a representação do conhecimen- to. É o momento do equilíbrio que significa ter a capaci- dade de pensar coerentemente, com lógica (pensamento flexível, possuidor da capacidade de reversibilidade). Jean Piaget liderou pesquisas com crianças, por mais de sessenta anos, buscando compreender como era possível se chegar ao conhecimento. Utilizando o método clínico3, onde a observação direta, sistemática e cuidadosa das crianças ocupou es- paço privilegiado, entre as quais, seus três filhos: Jacque- line, Lucienne e Laurent, estudou o sujeito universal, investigou particular e minuciosamente o desenvolvi- mento da criança e sua evolução, para poder explicar a conduta intelectual do adulto. Advogando que o desenvolvimento cognitivo se 3 Visava à obtenção de respostas ao entendimento de como se processava a aquisição do conhecimento, tanto no que se refere aos aspectos figu- rativos (percepção, espaço, tempo, movimento, velocidade), quanto aos operativos (números, quantidades). 29 realiza mediante a sucessão organizada de estágios, o que significa dizer que a natureza e a caracterização da inteligência mudam de modo significativo com o passar do tempo, quando ocorrem mudanças qualitativas no modo de pensar e responder aos estímulos e aos desa- fios impostos pelo meio social. Tais modos de pensar e responder aos estímulos e aos desafios são peculiares aos estágios em que se encontram, seja a criança, o ado- lescente e, posteriormente, o adulto. Piaget constatou experimentalmente, como ocorre a aquisição do conhecimento, destacando que tais co- nhecimentos são mutáveis ao longo das fases da vida humana. Esquematizou o desenvolvimento humano, que obedece a uma evolução psicogenética que tem como base os processos de assimilação e acomodação. Em essência, tal evolução psicogenética é marcada por quatro grandes estágios enunciados no Quadro 01: Convém ressaltar que as idades atribuídas à pas- sagem dos estágios não são rígidas, havendo gran¬des variações e fatores que poderão influir quanto ao início ou final mais precoce ou mais adiado entre as crianças de diferentes culturas. Entretanto, a sequência dos estágios é universal e invariável. 30 QUADRO 01 ― PRINCIPAIS DESENvOLvIMENTOS NOS PRIMEIROS PERíODOS DO CICLO DE vIDA Faixa etária Principais desenvolvimentos ■ Obtenção gradual do controle consciente das ações motoras; ■ Exploração ativa e intencional do ambiente; ■ Percepção imediata e focalizada do ambiente; ■ Interesse em estimulações sensoriais; ■ Tendência egocêntrica; ■ Ao final do estágio, o bebê começa a mostrar sinais de pensamento re- presentativo. Estágio Sensório-motor (0 a 2 anos) Estágio Pré-operacional (2 a 6 anos) ■ Desenvolvimento das representa- ções mentais; ■ Estabelecimento de uma comuni- cação verbal; ■ Tendência egocêntrica; ■ Início do desenvolvimento concei- tual (ainda primário). 31 ■ Capacidade de manipular repre-sentações mentalmente; ■ A manipulação mental está limita- da a objetos “concretos” e não a con- ceitos abstratos; ■ Conservação de quantidade e re- versibilidade do pensamento; ■ Pensamento descentralizado; ■ Início da teoria da mente. Estágio Operatório concreto (6 a 11-12 anos) Estágio Operatório Formal (acima de 11-12 anos) ■ Capacidade de realizar operações mentais sobre abstrações e símbolos que podem não ter formas concretas ou físicas; ■ Plena capacidade referente à teoria da mente. Resumo dos estágios de desenvolvimento de Jean Piaget. Fonte: Flavell, et alii,1999. O paradigma piagetiano direciona suas investiga- ções para o desenvolvimento qualitativo das estruturas intelectuais das crianças e dos adolescentes. Seu estu- do seguia uma referência ontogenética, que favorecia a compreensão do comportamento humano a partir de uma perspectiva evolutiva (FLAVELL, 1988). Sua principal contribuição está na descrição do desenvol- vimento e das mudanças evolutivas decorrentes como 32 um contínuo processo de acomodação e assimilação das informações ambientais. O sistema cognitivo ideali- zado por Piaget é extremamente ativo, pois seleciona e interpreta ativamente a informação ambiental à medida que constrói seu próprio conhecimento (FLAVELL et alii, 1999). Explicar como ocorre a aprendizagem é uma preocupação da Teoria Epistemológica Genética. Assim, neste enfoque, a educação deve estar com- promissada com o conhecimento e não somente com a aprendizagem. Educar para compreendê-lo é educar para o vir-a-ser, é educar para o conhecimento, e co- nhecimento implica construção da própria inteligência. Nessa construção, se as crianças cometem erros é porque, geralmente, estão usando sua inteligência a seu modo. Considerando que o erro é um reflexo do pensamento da criança, a tarefa do professor não é a de corrigir, mas descobrir como foi que a criança fez o erro (KAMII, 1992, p. 64). Seguindo esse rumo, a função do professor é fazer as intervenções necessárias para que o aluno venha a ultrapassar o estágio em que se encontra para alcançar um novo estágio com acréscimo em sua aprendizagem. A mediação está sob responsabilidade do professor em atuar na “zona de desenvolvimento proximal” em que se encontra o aluno, fazendo da avaliação um processo de ressignificação da sua aprendizagem e re-elaboração do plano de trabalho do professor. 33 O erro é lembrado por La Taille, (1997, p. 36), quando afirma que “um erro pode ser mais profícuo que um êxito precoce (...). Vale dizer que um erro pode levar o sujeito a modificar seus esquemas, enriquecen- do-os. Em uma palavra, o erro pode ser fonte de toma- da de consciência e, como tal, pode tornar-se valioso aliado da pedagogia”. O erro construtivo tem por característica a pers- pectiva lógico-matemática, ou seja, existe uma lógica nas hipóteses dos alunos frente à resolução de um novo problema qualquer (que não precisa ser necessaria- mente de matemática) que difere da lógica dos adultos. Mesmo que esta ideia, sob o ponto de vista do adulto, seja errada, este é um erro construtivo. É a hipótese do momento (atual) a respeito de um determinado saber. Pode-se dizer que são construtivas porque estas hipóteses, que foram construídas a priori, vão sendo progressivamente reconstruídas pelo sujeito através de comparações que são estabelecidas entre semelhanças e diferenças com outras situações ou através de um ques- tionamento por parte do professor, que possa levar o aluno a se desestabilizar, a desacomodar-se em relação ao que achava que era certo. A fim de ajudar nesse pro- cesso, a troca de pontos de vista, tanto em grupo como pelos pares, onde cada um tem suas ideias e seus argu- mentos para defender aquilo que acha que está certo, também é uma estratégia importante a considerar na 34 solução de determinado problema. Assumir tal compromisso exige do professor ser o mediador dos conceitos, propondo atividades diferen- ciadas que valorizem a construção do conhecimento e a apropriação desses conceitos matemáticos para que mais tarde eles possam ser utilizados quando os alunos forem aprender os conteúdos mais complexos de Matemática. Borba (2006) ressalta que o professor tem papel de fundamental importância nesse processo, que extrapo- lando o espaço de mediador, ele vem contar com pro- cessos afetivos por parte da criança para com ele e com o conteúdo. Nesse contexto, o autor é claro e enfatiza a relevância de o professor ter: habilidades de propor, planejar, organizar, orquestrar e realizar o ensino de Matemática, além da habilidade de criar um amplo es- pectro de situações de ensino/aprendizagem; descobrir, avaliar, selecionar e criar materiais pedagógicos; inspirar e estimular os alunos; discutir os currículos e justificar as atividades de ensino/aprendizagem com os estudantes (BORBA, 2006, p. 39). Tais habilidades, acompanhadas de compromisso profissional e com o intuito de formar cidadãos críticos e uma educação mais democrática fará com que a Educação Matemática tenha uma melhoria significativa que possa aumentar o êxito escolar. 35 1.1. O ESTUDO DA NATUREZA DO CONHECIMENTO LÓGICO-MATEMÁTICO E DO SEU PROCESSO DE CONSTRUÇÃO PELA CRIANÇA Piaget era um psicólogo do desenvolvimento, pre- ocupado em descobrir as mudanças ontogenéticas4 no funcionamento cognitivo, desde o nascimento até ado- lescência. Para o estudioso, o conhecimento é gerado através de uma interação do sujeito com seu meio, a partir de estruturas de pensamento e, consequentemen- te, sempre se dá após a consolidação do esquema que a suporta, da mesma forma a passagem de um estágio a outro está dependente da consolidação e superação do anterior. Como corolário, o desenvolvimento ocorre de forma que as aquisições de um período sejam necessaria- mente integradas nos períodos posteriores. Assim sendo, a aquisição do conhecimento depende tanto das estrutu- ras cognitivas do sujeito como de sua relação com os ob- jetos. Considerando que Piaget teve sua formação inicial em Biologia, alguns alicerces desta disciplina influencia- ram, decisivamente, sua teoria e descobertas sobre o de- senvolvimento da inteligência infantil. Pelo motivo de ter tido a oprtunidade de investigar a fundo os conceitos e os fundamentos desta ciência, evoluiu na área e, em con- 4 Ontogenética: refere-se às mudanças do desenvolvimento que ocorrem no indivíduo. 36 sequência, em sua teoria privilegiou a maturação biológi- ca (maturação do sistema nervoso central e fisiológica). Piaget defende a ideia de que as estruturas ope- ratórias da inteligência, que estão em formação, mani- festam a presença de três grandes tipos de organiza- ção, que correspondem ao que serão denominadas em Matemática como: estruturas algébricas, de ordem e as topológicas: Em sua origem, o desenvolvimento das operações aritmé- ticas e geométricas espontâneas da criança e, sobretudo, as operações lógicas que constituem suas necessárias condi- ções prévias se encontram em todas as etapas; primeiro, uma tendência fundamental de organização de totalidades ou sistemas, fora dos quais os elementos carecem de signifi- cado e de existência e, em seguida, uma distribuição desses sistemas de conjunto segundo três espécies de proprieda- des que correspondem precisamente às das estruturas algé- bricas, de ordem e topológicas (PIAGET, 1968, p.7). Assim, as estruturas algébricas, de ordem e as to- pológicas constituem-se a base da educação matemáti- ca, que precisa estar compromissada com o desenvol- vimento parcialmente espontâneo e progressivo destas estruturas do pensamento infantil. Neste paradigma de educação matemática o professor ocupa papel relevan- 37 te, à medida que deve liderar este processo de desen- volvimento no dia a dia escolar, o que passa a ser de- safiante. Piaget deixou clara qual seria a diretriz maior deste compromisso: O educador, para ser fiel ao espírito das matemáticas con- temporâneas, deveconsiderar o pensamento matemático como um prolongamento das construções espontâneas da inteligência e recorrer, assim, aos ensinamentos da Psi- cologia tanto como da Lógica (...) O objeto do ensino da Matemática será alcançar o rigor lógico e a compreensão de um formalismo suficiente. Somente a Psicologia está em condições de proporcionar aos pedagogos dados sobre o modo de conseguir, com maior segurança, este rigor e este formalismo. Nada prova que colocando o formalismo a princípio o encontramos ao final. Porém, os estragos de um pseudoformalismo por ser demasiado precoce, mostram os perigos de um método que ignora as leis do desenvolvi- mento mental (PIAGET et alii, 1968, p. 27). Numa concepção piagetiana, a educação matemá- tica deve estabelecer como prioridade a construção de dos conceitos matemáticos, mediante ação da criança, ação esta planejada e intencional, que utiliza a experi- mentação ativa, seja a experimentação física como a ló- gico-matemática, como suporte para o desenvolvimento 38 das estruturas do pensamento infantil. Posteriormente, terá lugar a formalização destes conceitos matemáticos através da linguagem dos sinais operatórios. Piaget lembra que as estruturas lógicas não devem ser interpretadas como formas a priori, uma vez que a apren- dizagem e a experiência são necessárias a sua elaboração. Trata-se, é verdade, de um tipo especial, que não comporta, como e experiência física, uma abstração a partir das ações se exercendo sobre esses objetos e sim de coordenações que ligam essas ações (experiência lógico-matemática). A aprendizagem das estruturas lógicas é, pois, ela mesma, um tipo especial, pois consiste simplesmente em exercer ou diferenciar estruturas lógicas ou pré-lógicas anteriormente adquiridas (PIAGET, 1973, p.99). Com propriedade ímpar, Rangel conceitua experi- ência física como: “... corresponde à concepção clássica do que seja expe- riência; consiste em agir sobre os objetos propriamente ditos. Nela, o sujeito age sobre o objeto e, pela abstração das suas ações se exercendo sobre os objetos, descobre as propriedades físicas deste objeto, bem como as proprie- dades observáveis das ações realizadas materialmente” (RANGEL, 1992, p.22). 39 Na experiência física, a criança constrói o conhe- cimento físico, como por exemplo: ao entregarmos à criança um exemplar de bloco lógico (quadrado verme- lho, grande e grosso), o qual nunca o observou e o ma- nipulou, irá agir sobre o objeto e descobrir que é con- sistente, não quebra, não rasga como o papel, é feito de madeira, é leve e pintado com tinta colorida, serve para brincar etc. A experiência física permite que a criança descubra as características do objeto, suas propriedades, conceber o que é bloco lógico pela abstração das ações exercidas sobre ele. Em decorrência desta ação direta sobre o bloco lógico, a criança tenta transformá-lo na busca pelo seu entendimento e, pela resposta que este objeto retribui à sua ação, descobre quais as proprie- dades físicas que ele abarca: é um quadrado vermelho, grande e grosso; é consistente, não quebra e não rasga como o papel; serve para brincar, é feito de madeira, é leve e pintado com tinta colorida. Para a criança observar e descobrir as proprie- dades dos objetos, mediante a experiência física, há a necessidade de existir uma organização estruturada no nível da inteligência infantil, sem a qual não seria pos- sível o entendimento destas propriedades ou caracte- rísticas. Assim, é necessário que ocorra a assimilação deste objeto às estruturas mentais da criança, até então já construídas pela criança. Dessa forma, destaca-se que 40 é notória a inter-relação entre experiência física e expe- riência lógico-matemática. No exemplo citado do bloco lógico, poderia a crian- ça estabelecer relações entre o bloco lógico e os outros objetos que conhece e já pesquisou e, ao coordenar men- talmente essas relações, e assim, classificar os objetos que são de madeira e os que são de plástico, os grandes dos pequenos, os grossos dos finos, os vermelhos dos amare- los, e assim por diante. Não teria somente blocos lógicos, mas objetos diversificados (peças de quebra-cabeça, pe- ças de construção e peças de outras figuras geométricas). Entre todos os quadrados que têm em mãos, poderia or- dená-los dos maiores de todos, até chegar à sequência do menor de todos, graduando tais diferenças numa ordem lógica. Entre as peças dos blocos lógicos, poderia enu- merar quantos objetos são vermelhos, quantos são azuis, quantos são amarelos, quantos são quadrados, quantos são triângulos, e assim, sucessivamente. Neste exemplo, a criança está relacionando de- terminada peça dos blocos lógicos com outras peças e outros objetos, em função das ações exercidas sobre eles e coordenando tais relações no seu pensamento. Neste caso, não está mais pensando somente no qua- drado vermelho, grande e grosso, seu pensamento está indo além. Para que a experiência atinja o nível de desejabili- dade para o desenvolvimento das estruturas mentais in- 41 fantis, há necessidade de problematizar a situação, onde a criança será levada a refletir sobre estas ações. Este encorajamento deve partir dos estímulos desafiadores dos pais, dos professores e dos pares (os próprios cole- gas ou irmãos). Num primeiro momento, a criança, ao se envolver na experiência lógico-matemática, necessita agir sobre material concreto, da forma como Chiarottino (1984, p. 38) orienta: “as ações lógico-matemáticas do sujeito podem, num momento dado, dispensar aplicação dos objetos físicos, interiorizando-se em operações simbo- licamente manipuláveis”. Conclui-se que somente com os progressos da in- teligência, a criança poderá dispensar a aplicação sobre os objetos. Kamii e Joseph (1995, p. 57) afirmam que o co- nhecimento lógico-matemático tem suas fontes dentro de cada criança e é elaborado a partir de sua própria ação mental. No domínio lógico-matemático, as pesso- as não são fontes de conhecimento para a criança sim- plesmente interiorizar. Contudo, as ideias dos outros são importantes porque elas promovem situações que levam a criança a pensar criticamente sobre suas pró- prias ideias em relação a dos outros. Por ex.: Se no meio de uma atividade, a criança afirma que 5+3=7 e a outra diz que 5+3=8, essa polêmica levará, com certeza, am- bas a pensar criticamente sobre suas próprias ideias, a 42 partir da troca de pontos de vista. O conhecimento lógico-matemático não se adqui- re por interiorização daquilo que é de outrem, mas pela mão única do pensamento autônomo de cada criança. Quando as crianças se convencem de que a ideia do ou- tro é mais sensata, que a sua própria, elas mudam a sua forma de pensar, corrigindo-se de dentro para fora. Pia- get (1980) atribuiu importância relevante para a socioin- teração. Elucidou que essas trocas eram indispensáveis, tanto no sentido de a criança elaborar o seu pensamento lógico, como para a construção adulta das ciências. Apesar de Piaget não ter se dedicado experimental- mente e incorporado tal experimentação em sua teoria sobre a importância da interação social, estudos de Doi- se e Mugny (1984) – pesquisadores da Universidade de Genebra – demonstram que mesmo uma discussão de somente dez minutos entre duas pessoas que têm ambas ideias errôneas num mesmo nível, pode resultar na cons- trução de um nível mais elevado de pensamento. Outra pesquisa liderada por Perret-Clermont (1980), que experimentou grupos de três crianças por vez e comprovou que o choque de opiniões e os esforços para resolver um desacordo durante dez minutos, esti- mulavam a criança pré-operatória a fazer novas relações e raciocinar a um nível mais alto do que as crianças do grupo de controle (as quais não tiveram a oportunidade). Rangel conceitua experiência lógico-matemática 43 como: “...refere-se não somente às abstrações das ações exercidas sobreos objetos, mas às abstrações das coorde- nações que ligam essas ações; ela se relaciona com as pro- priedades das ações e não apenas dos objetos” (RAN- GEL, 1992, p.23). Piaget (1973) ressalta a importância das ações e das experiências lógico-matemáticas concretas para o desen- volvimento cognitivo de crianças e adolescentes O papel inicial das ações e das experiências lógico- mate- máticas concretas é precisamente de preparação necessá- ria para chegar-se ao desenvolvimento de espírito deduti- vo, e isto por duas razões. A primeira é que as operações mentais ou intelectuais que intervém nestas deduções posteriores derivam justamente das ações: ações interio- rizadas, e quando esta interiorização, junto com as co- ordenações que supõem, são suficientes, as experiências lógico-matemáticas enquanto ações materiais resultam já inúteis e a dedução interior se bastará a si mesmo. A segunda razão é que a coordenação de ações e as experi- ências lógico-matemáticas dão lugar, ao interiorizar-se, a um tipo particular de abstração que corresponde precisa- mente à abstração lógica e matemática. Necessário se faz lembrar que Piaget (1950, 1967/71) denomina dois tipos de abstração: simples ou 44 empírica e reflexiva ou construtiva. A abstração simples é característica da experiên- cia física e a abstração reflexiva, própria da experiência lógico-matemática. A abstração simples ou empírica implica a criança focalizar apenas uma única propriedade do objeto, en- quanto ignora as demais. Por exemplo, abstraindo a cor (vermelha) de um objeto, simplesmente desconsidera as outras propriedades, como: peso, tamanho, espessura etc. Em contrapartida, na abstração reflexiva ou cons- trutiva, está envolvida a construção de relações entre os objetos, feita pela criança. É bom lembrar que tais rela- ções não existem na realidade externa. Assim, a simila- ridade ou a diferença entre dois objetos existe somen- te na mente de quem criou essas relações. A abstração reflexiva é uma construção feita pela mente, ao invés de representar apenas o enfoque sobre algo já existente nos objetos. Apesar de fazer a distinção teórica entre abstração empírica e construtiva, Piaget (1967/71) adverte que, na realidade psicológica da criança, nenhum dos dois tipos de abstração pode ocorrer sem o outro. Por exemplo, a criança não poderia construir a relação “diferente” se todos os objetos da realidade externa fossem idên- ticos. Reciprocamente, a criança não poderia construir conhecimentos físicos sem um sistema de referência ló- gico-matemático, que lhe possibilitasse relacionar novas 45 observações com um conhecimento já existente. Para saber que um cachorro é branco, por exemplo, a criança necessita de um esquema de classificação pelo qual pos- sa distinguir a cor “branca” de “todas as outras cores”. Necessita também de um esquema de classificação pelo qual possa distinguir “cachorro” de “todas as outras es- pécies” de animais. Um referencial lógico-matemático torna-se necessário para a abstração empírica porque a criança não poderia “ler” fatos da realidade externa se cada fato permanecesse como um fragmento isolado de conhecimento, sem relações com o conhecimento já construído de forma organizada. Piaget conclui afirmando que: A aprendizagem só é eficaz na medida em que procede a uma estruturação, e que esta estruturação não poderia ser produzida pela simples acumulação passiva de cons- tatações empíricas. Ela se faz a partir de intuições con- cretas, que têm por efeito coordenar, tornando-as mais móveis, e o sucesso de algumas aprendizagens, em vez de mostrar que a lógica pode ter uma origem empíri- ca, marca somente a filiação genética contínua entre as constatações intuitivas e as estruturas operatórias. Evi- dentemente, filiação não significa identidade de nature- za, mas construção progressiva, uma construção onde parece que a atividade do sujeito desempenha papel pri- mordial (PIAGET, 1974, p. 235 e 236). 46 Caminhando na mesma direção, infere-se que para ocorrer a aprendizagem, a criança precisa lançar mão das suas estruturas mentais. Lembra-se que a aprendi- zagem e a experiência são necessárias à elaboração das estruturas lógicas. A construção progressiva que leva à aprendizagem exige, em outras palavras, as experiências físicas e lógico-matemáticas (as abstrações necessárias e as coordenações que ligam as ações sobre os objetos). Na experiência física, a criança constrói o conhe- cimento físico e na experiência lógico-matemática, a criança constrói o conhecimento lógico-matemático. Piaget distingue três tipos de conhecimento, consi- derando suas fontes básicas e seu modo de estruturação: CONHECIMENTO FíSICO - a fonte deste conhecimen- to é parcialmente5 externa ao indivíduo, está no objeto. É o conhecimento das características ou propriedades físicas dos objetos da realidade externa. A criança só adquire este conhecimento através da sua ação sobre os objetos: explorando, manipulando, observando, amas- sando, jogando etc. Essas propriedades físicas estão nos objetos do meio externo e podem ser percebidas empi- ricamente por meio da observação. (ex.: atributos: cor, forma, textura, peso, flexibilidade, tamanho...); 5 Parcialmente, porque está incluso neste processo de construção dos co- nhecimentos a abstração empírica e reflexiva (implica também no envol- vimento das estruturas mentais para a construção dos conhecimentos). 47 CONHECIMENTO LÓGICO-MATEMÁTICO - a fonte está no próprio pensamento do indivíduo; é uma fonte in- terna. Implica na relação entre os objetos. Relações pre- cisam ser criadas por cada pessoa porque ideias como “diferente”, “maior” ou “dois” não existem no meio externo, não é observável. Para que a criança possa construir este conhecimento, é necessário estabelecer relação entre vários objetos. Este conhecimento não é empírico. A construção do conceito de número faz par- te do conhecimento lógico-matemático (ex.: número, classificação, seriação...); CONHECIMENTO SOCIAL (CONvENCIONAL) - a fonte deste conhecimento é parcialmente externa ao indiví- duo; está centrado nas normas sociais, nas convenções desenvolvidas pelas pessoas (ex.: despedir-se quando parte; agradecer, após receber um favor...). A principal característica do conhecimento social é sua natureza geralmente arbitrária. A criança adquire este conheci- mento através da transmissão social; são valores, nor- mas sociais, regras, nomes das pessoas e objetos que o indivíduo precisa saber para se integrar ao meio onde vive. Dessa forma, sua convivência com outras pessoas torna-se indispensável. Ex.: Cumprimentar as pessoas quando chega, dizer obrigado quando alguém lhe presta um favor etc. 48 Apesar dos três tipos de conhecimento coexisti- rem na vida de cada pessoa, deter-nos-emos ao lógico- matemático, objeto do nosso estudo. Na Teoria Epistemológica Genética para a crian- ça adquirir o conhecimento físico ela lança mão da abstração simples, característica da experiência física. E para adquirir o conhecimento lógico-matemático, utiliza a abstração reflexiva, característica da experiên- cia lógico-matemática. Para que a construção do pensamento lógico-mate- mático seja consolidada, a criança deve relacionar a abs- tração empírica com a abstração reflexiva distinguindo as partes do todo, deste modo construir o conhecimen- to físico para possibilitar a elaboração do conhecimento matemático. O conhecimento lógico-matemático não é inato, porém é construído por meio do contato social. Este processo começa a ocorrer desde o estágio sensório-motor, acontecendo de forma interligada, sendo que mais tarde vem desvinculando da abstra- ção empírica, haja vista que a criança já organizou seu pensamento podendo vir a refletir de forma abstrata, no momento em que se situa no estágio operacional- -formal. Na medida em que vão sendo consolidados seus conhecimentos, reconstroem outros através dosjá acumulados, relacionando um conhecimento a outro os adicionando a todos os tipos de conteúdos. Finalizando, a Teoria Epistemológica Genética é 49 essencialmente uma teoria do desenvolvimento e da aprendizagem, assim, pode-se resumi-la em 3 assertivas: ■ O conhecimento se adquire, gradualmente, pela inte- ração da criança com o seu meio; ■ A sofisticação com que uma criança representa o mundo depende do seu estágio de desenvolvimento, que é função de suas estruturas cognitivas; ■ O aprendizado é função da maturação, meio ambien- te, equilíbrio e socialização. 50 SíNTESE DO CAPíTULO Nesta unidade estudamos os principais fundamen- tos que sustentam a Teoria Epistemológica Genética. Considerou-se que a pessoa humana é um sujeito cultu- ral ativo, cuja ação tem dupla dimensão: assimiladora e acomodadora. Tais dimensões foram abordadas de for- ma detalhada. Os estágios de desenvolvimento, segun- do Jean Piaget, foram apresentados. Estudamos a na- tureza do conhecimento lógico-matemático e como se processa a construção pela criança. Foram abordados os conhecimentos físico, lógico-matemático e social. SUGESTÕES PARA COMPLEMENTAÇÃO DE ESTUDOS ■ Leitura individual do livro: Desenvolvimento cog- nitivo. FLAVELL, J.H.; MILLER, P.; MILLER, S.A. Porto Alegre: Artmed, 1999. ■ Leitura individual do livro: O nascimento da inteli- gência na criança. PIAGET, Jean. 4. Ed. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. ■ Leitura individual do texto intitulado: Aprendiza- gem e desenvolvimento – superando dificuldades. Lia Leme Zaia. P.17 a 36. In: Revista Eletrônica Apren- der – Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação. Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Ano V, N. 9, jul/dez. 2007. Site: www.uesb.br/editora/publica- çoes. ■ Assista ao filme: Uma Mente Brilhante. 51 EXERCíCIOS DE FIXAÇÃO 1. Segundo a Teoria Piagetiana a evolução psicogenética é marcada por quatro grandes estágios. Transcreva-os e comente no mínimo duas características de cada estágio. 2. A aquisição do conhecimento lógico-matemático de- pende tanto das estruturas cognitivas do sujeito como de sua relação com os objetos. Comente tal afirmativa. 3. Na Teoria Epistemológica Genética, o desenvolvi- mento cognitivo do indivíduo ocorre através de cons- tantes desequilíbrios e equilibrações, em outras palavras: a inteligência funciona sempre da mesma forma: assimi- lações simultâneas e sucessivas tendendo ao equilíbrio. A pessoa humana é um sujeito cultural ativo, cuja ação tem dupla dimensão: assimiladora e acomodadora. Os processos de assimilação e a acomodação são necessá- rios para o crescimento e o desenvolvimento cognitivo. Comente como funcionam tais processos. 4. Compare a abstração simples ou empírica com a abs- tração reflexiva ou construtiva. 5. Estabeleça a distinção entre conhecimento físico, lógico-matemático e social. "Para os matemáticos, um perene problema é expli- car ao grande público que a importância da Mate- mática vai além de sua aplicabilidade. É como ex- plicar a alguém que nunca ouviu música a beleza de uma melodia. Que se aprenda a Matemática que resolve problemas práticos da vida, mas que não se pense que esta é a sua qualidade essencial. Existe uma grande tradição cultural a ser preservada e en- riquecida, em cada geração. Que se tenha cuidado, ao educar, para que nenhuma geração torne-se surda as melodias que são a substância de nossa grande cul- tura matemática..." Chandler & Edwards UNIDADE 2 A PSICOGÊNESE DA CONSTRUÇÃO DO NúMERO E SUAS IMPLICAÇÕES DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS 55 57 Caro aluno, Nesta Unidade apresentaremos a psicogênese da constru- ção do número e suas implicações didático-pedagógicas. Bom Estudo! 59 2 A PSICOGÊNESE DA CONSTRUÇÃO DO NÚMERO Desde épocas primitivas o homem teve uma noção in- tuitiva do número e o foi construindo em sua interação com o meio a partir da necessidade de organizar a rea- lidade num lento processo de abstração. A necessidade de contar as suas posses fez com que utilizasse o méto- do baseado na correspondência biunívoca, ou seja, cor- respondência um a um - princípio piagetiano. Pode-se perceber que o processo para aquisição do sistema de numeração foi longo e trabalhoso. É exi- gir muito das crianças que, só através da representação simbólica dos números, ela consiga entender e analisar a necessidade de um sistema posicional. Não se pode esquecer que a criança não é um adulto em miniatura. Ela evolui, passa por estágios e em cada estágio, possui necessidades diferentes. Várias pesquisas em nível mundial deixaram cla- ro que as crianças constroem ideias sobre os números e sobre o sistema de numeração ainda antes de terem chegado à escola. Mas sabe-se também que existe uma grande transformação no pensamento das crianças e que o desenvolvimento da inteligência passa por vários estágios. Todas as crianças, de qualquer parte do mun- do, passam pelos mesmos estágios que ocorrem numa 60 ordem determinada, mas não em épocas fixas. Tendo como base os quatro estágios do desenvol- vimento cognitivo, foram destacadas as principais carac- terísticas, bem como as noções matemáticas respectivas: 1º ESTÁGIO SENSÓRIO-MOTOR (DE 0 A 2 ANOS) – Carac- terísticas: Atividades reflexas; primeiros hábitos; coor- denação entre visão e preensão; permanência do objeto, intencionalidade dos atos; diferenciação de esquemas de ação; solução de problemas. Noções matemáticas: Menor/maior; noção de espaço, forma. 2º ESTÁGIO PRé-OPERACIONAL (2 A 6 ANOS) – Carac- terísticas: Linguagem (função simbólica); organizações representativas, pensamento intuitivo; regulação repre- sentativa articulada. Noções matemáticas: Desenhos, ordem; contagem, figuras geométricas; correspondên- cia termo a termo, conservação do número, classifica- ção simples. 3º ESTÁGIO OPERAÇÕES CONCRETAS (6 A 11-12 ANOS) – Características: Operações simples, regras, pen- samento estruturado fundamentado na manipulação de objetos. Noções matemáticas: Reversibilidade, classificação, seriação, transitividade, conservação do tamanho, distância, área, conservação de quantidade discreta, conservação de massa; classe-inclusão, cálculo, frações, conservação de peso, conservação de volume. 61 4º ESTÁGIO OPERACIONAL FORMAL (ACIMA DE 11-12 ANOS) – Características: Lógica hipotética dedutiva, ra- ciocínio abstrato; estruturas formais. Noções matemá- ticas: Proporção, combinação; demonstração, álgebra. A partir dos estudos e descobertas de Jean Piaget e colaboradores a respeito de como a criança pensa, sabe- se que o conceito de número não pode ser transmitido. Este conceito é construído pelo próprio indivíduo, através de um processo que envolve o seu amadureci- mento biológico, as experiências vividas e as informa- ções que recebe do meio. O fato de a criança ter aprendido a contar verbal- mente não significa que ela obteve o domínio do concei- to de número. No período intuitivo, a avaliação numéri- ca permanece ligada à disposição espacial dos elementos de um conjunto; basta alterar a distância entre os objetos para que a criança considere que houve alteração do nú- mero deles. (GOULART, 1987, p. 35) Para que a criança esteja realmente apta a realizar operações com autonomia ou atuar com os números operatórios, é necessário que, além de contar verbal- mente, ela tenha a noção de conservação. Conservação é conceituada por Piaget como a ca- pacidade de perceber que, apesar das variações de forma ou arranjo espacial, uma quantidade ou valor não varia, não se retira ou adiciona algo. Na criança surge entre os 62 7 e os 12 anos durante o estágio das operações concretas, variando conforme a quantidade ou valor a considerar. Assim, é a partir dos 6/7 anos que começa a conseguir conservar números, comprimento e quantidade de líqui- do. Em seguida, vem a conservação de substância - 7/8 anos, já a conservação de área - 9/10 anos, e de volume -11/12 anos. Determinadas quantidades(volume) têm uma possibilidade de experiência concreta mais remo- ta que outras (comprimento). Sabe-se que o raciocínio da criança inicia-se pela percepção concreta que ela tem das coisas. Assim, por exemplo, uma criança dirá que o volume é maior ou menor porque assim “parece”; e não por abstrair que a variação de determinada dimen- são se compensa pela variação de outra. O domínio da percepção é típico da fase pré-operacional. Por isso, a introjeção de objetos e eventos progressivamente mais complexos demanda um concomitante e progressivo amadurecimento da criança. Significa dizer, portanto, que é só na medida em que este domínio da percepção concreta começa a dimi- nuir, que a conservação de quantidades começa a poder ser percebida. É trabalho do educador “favorecer o desenvolvi- mento desta estrutura, em vez de tentar ensinar as crian- ças a darem respostas corretas e superficiais na tarefa de conservação” (KAMII, 1985, p. 28), trabalho que deverá ser realizado nas séries iniciais do ensino fundamental. 63 Kamii recomenda a exploração de atividades de noções de conservação, tanto de quantidades contínu- as (líquido e massa) e descontínuas (contas, palitos, se- mentes) a fim de contribuir com a formação e aprimo- ramento dessa capacidade. Os estudos de Piaget demonstraram que a noção de número não é inata na criança, e que os conceitos numéricos não são adquiridos através da linguagem e troca de experiências somente, mas principalmente de uma construção que só ocorre “através da criação e co- ordenação de relações”. (KAMII, 1985, p. 26). Não é um treino apenas visual, mas sim a construção mental da estrutura lógico-matemática de número que passará a permitir que faça deduções, tornando-a “capaz de ra- ciocinar logicamente numa ampla variedade de tarefas mais difíceis que a da conservação. Contudo, se ela for ensinada a dar meramente respostas corretas à tarefa de conservação, não pode esperar que prossiga em direção a raciocínios matemáticos de nível mais alto.” Piaget via o número como uma estrutura mental onde cada criança construía a partir de uma capacidade natural de pensar, e não algo aprendido do meio o qual estava inserida. Mas esta construção é lenta, partindo do processo de contagem direta, que abrange os números naturais até o processo de medidas. Mas para que esses processos se desenvolvam é necessário conduzirmos a aprendizagem do conceito de número desenvolvendo 64 as habilidades de simbolização, classificação, ordenação, seriação, correspondência e conservação de quantidade. Para Piaget, os símbolos são sinais que surgem fortemente o significado. Esses símbolos podem ser criados pelas crianças, os quais dão informações sobre o tipo de esquema de ação que estão representando. Chama-se esquema de ação uma estrutura mental, um plano de ação, que possui uma sequência de conheci- mentos estruturados para uma finalidade. A classificação é o agrupamento dos elementos de uma dada coleção em categoria, denominada classe, se- gundo determinados critérios: reconhecer semelhanças e diferenças. As noções de classificação, ou maneiras de separar ou agrupar objetos por semelhanças ou di- ferenças vão se tornando mais racionais, e com isso a crianças são capazes de estabelecer outras relações. Em todos os anos a classificação se faz presente como uma operação mental a formação de conceitos, contudo as atividades de ordenação aparecem natural- mente, daquelas em que se aguçou a percepção visual, permitindo que se façam comparações, estabelecendo um critério de ordenação. Com auxílio de materiais manipulativos pode-se pedir à criança que organize do maior para o menor, do mais cumprido para o mais curto, do claro para o escuro, é através desse tipo de atividades que se podem desenvolver conceitos de antecessor, sucessor, maior, menor, igual, diferente. 65 A seriação nos remete à ordenação, quando o cri- tério de posicionamento está relacionado a coisas que possam ser mensuradas. Porém, é mais fácil, para a criança, comparar objetos que possuam tamanhos di- ferentes. A noção de quantidade é mais complexa. No entanto, é importante ressaltar que há outras formas de seriação, tais como: movimentos corporais, manipula- ção de materiais e representação gráfica. Concomitantemente, ao trabalho de classificação e ordenação, devem-se desenvolver atividades envol- vendo correspondência um a um entre os elementos de dois conjuntos, pois elas conduzem a comparação de quantidades. Assim, as atividades que se desenvolvem com as crianças para a formação de conceito de núme- ro, decorrem da observação de atributos especiais entre elementos de duas ou mais coleções: a quantidade. A criança deverá constatar que a cada elemento de uma coleção corresponderá a um único elemento da outra coleção. A ênfase é dada à quantidade de elementos nas coleções apresentadas. Esta quantidade é a mesma e as coleções têm, portanto, um atributo em comum, que não é o tamanho, a cor, nem a forma, mas a quantidade, e enfim, é a ideia de número. O número é uma construção mental, feita a par- tir de relações estabelecidas entre os objetos. Segundo Kamii (1990, p.58): “As crianças não aprendem con- ceitos numéricos com desenhos. Tampouco aprendem conceitos numéricos meramente pela manipulação de 66 objetos. Elas constroem esse conceito pela abstração reflexiva na medida em que atuam (mentalmente)”. As noções de classificação, ordenação, seriação e comparação de quantidades, são noções que embasam o conceito de número e, através delas, os alunos perce- bem que o número é uma propriedade dos conjuntos. Portanto, para a criança construir o conceito de número, deverá fazer a síntese entre dois tipos de re- lações que elabora entre os objetos, por abstração re- flexiva: ordem e inclusão hierárquica de classes (GRÉCO, GRIZE, PAPERT & PIAGET); é necessário que adquira a noção de quantidade. Colocar os objetos em ordem implica em ordená-los mentalmente: cada objeto será contado apenas uma vez e todos os obje- tos deverão ser incluídos na contagem. Para Kamii & Joseph (1995, p.27), a única maneira de um indivíduo estar seguro de não esquecer nenhum e de não contar o mesmo objeto mais de uma vez é colocando os objetos em uma relação de ordem. Os objetos não precisam ser colocados numa ordem espacial; o importante é que o indivíduo os ordene mentalmente, arranjando-os numa relação organizada. 67 Para a criança quantificar numericamente uma co- leção de objetos, tem de colocá-los numa relação de in- clusão hierárquica. A inclusão hierárquica de classes significa que cada objeto contado inclui o objeto que o precede, na proporção “mais” 1. Por exemplo, quando a criança conta 5 objetos, ela vai incluindo mentalmente: 1 em 2; 2 em 3; 3 em 4; 4 em 5. Diante de cinco objetos, pode quantificar numericamente a coleção somente se puder colocar todos os objetos em uma única relação, sintetizando assim, ordem e inclusão hierárquica. Piaget explica a obtenção da estrutura hierárqui- ca da inclusão de classes pela mobilidade crescente do pensamento da criança. Por este motivo, passa a ser imperioso que as crianças possam colocar todos os tipos de conteúdos (objetos, eventos e ações) den- tro de todos os tipos de relações (grifo nosso). 68 Contribuindo de forma decisiva, afirma Kamii (1990, p.23): quando as crianças colocam todos os tipos de conteúdos (objetos, eventos e ações) dentro de todos os tipos de relações, seu pensamento torna-se mais mó- vel, e um dos resultados desta mobilidade é a estrutura lógico-matemática de número, constante na figura 1.2. Kamii (1990, p.15) afirma que a criança progride na construção do conhecimento lógico-matemático pela coordenação das relações simples que anterior- mente ela criou entre os objetos. O conhecimento ló- gico-matemático consiste na coordenação de relações. Por exemplo, ao coordenar as relações de igual, diferen- te e mais,a criança se torna apta a deduzir que há mais animais do que vacas. A diferença é uma relação criada mentalmente pelo indivíduo que relaciona objetos. A diferença não está num ou outro objeto. Se a pessoa não colocasse os objetos dentro desta relação, para ela não existiria a diferença. Enquanto as crianças não tiverem construído a no- ção lógico-matemática de número em suas mentes, tudo o que conseguirão obter é conhecimento físico e empírico. Em torno dos cinco ou seis anos de idade, a gran- de maioria das crianças já construiu a relação lógico- -matemática conhecida como correspondência um-a- -um, em torno dos sete ou oito anos de idade, a maior parte do pensamento das crianças se torna flexível o bastante para ser reversível. 69 A criança de 4 anos, quando recebe do adulto 4 cachorros e 2 gatos em miniatura, na tarefa de inclusão de classes, pergunta-se à criança: – O que é que você vê? Então, pede-se que mostre “todos os animais”, “todos os cachorros” e “todos os gatos”. Após, assegurar-se sobre a compreensão da criança sobre estas palavras é que o adulto apresenta a seguinte questão sobre a in- clusão de classes: – “Existem mais cachorros ou mais animais?” A resposta padrão para crianças desta faixa etária é: “Mais cachorros”. Cabe ao adulto perguntar: – “Mais que o quê?” A resposta da criança de 4 anos é: “Do que gatos”. Apesar de o adulto haver perguntado se havia mais cachorros ou mais animais, a criança ouve: – “Existem mais cachorros ou mais gatos?” Porque uma vez que elas seccionaram mentalmente o todo (animais) em duas partes (cachorros e gatos), a única coisa sobre a qual poderá pensar são as duas partes. Para a criança, naquele momento o todo não existe mais. Consegue pensar no todo, mas não quando está pensando sobre as partes. A fim de comparar o todo com uma parte, a criança tem de realizar duas operações mentais simulta- neamente – cortar o todo em duas partes e recolocar as partes juntas formando um todo. Dessa forma, Kamii (1990, p. 18) afirma que: “du- rante os estágios sensório-motor e pré-operacional a abstração reflexiva não pode acontecer independente- 70 mente da empírica, mais tarde, entretanto, ela poderá ocorrer sem depender desta última.” Por exemplo, se a criança já construiu o conceito de número, por abstra- ção reflexiva, ela será capaz de operar sobre os números e fazer 5 + 5 e 2 x 5 (por abstração reflexiva). De acordo com Piaget e Inhelder (1966/1969), quando a criança conta oito balas, a palavra “oito” ou uma figura com oito balas não representam a ideia de “oito”. Representação é o que a criança faz, e não o que a palavra ou a figura diz. Caso a criança tenha constru- ído a ideia de “oito”, por meio da abstração constru- tiva, representará essa ideia para si mesma quando se defrontarem com a palavra “oito” ou com uma “figura de oito objetos”. Ao contrário, atribuirá um significado pré-numérico à palavra ou à figura. 71 Se a criança já construiu o conceito de número, quando questionada: Onde está o oito? Irá entender que oito não é o objeto; não é o último elemento con- tado até então, mas implica incluir na soma os objetos que precederam a contagem até o numeral oito, inclu- sive este, uma vez que já está concretizada a estrutura mental da inclusão hierárquica. Assim, não irá apontar para o último objeto como se tivesse o nome “oito”. No nível semiconcreto de aprendizado dos núme- ros, Piaget e Inhelder (1966/1969) distinguem símbolos e sinais, que é ilustrado na figura 1.3. 72 Os símbolos são as figuras, os risquinhos e os de- dos usados como instrumento de contagem. São carac- terísticas dos símbolos: dar suporte a uma semelhança figurativa com a ideia que está sendo representada e po- dem ser inventados por cada uma das crianças. Todo símbolo é um signo, diferenciado de seu significado. Qualquer símbolo quer produzido, quer compreendido, pressupõe atividade construtiva de pensamento opera- tório e dele depende; por outro lado, as operações nem sempre exigem símbolos. Os sinais pertencem à área do conhecimento so- cial. Um sinal é um estímulo substituto a que o organis- mo reage sem diferençar o signo significativo do signifi- cado. Assinala o fato externo de maneira indiferenciada. Crianças usam simultaneamente símbolos e sinais para exprimir seu conhecimento lógico-matemático. Kamii & Joseph (1995, p.30) salientam que todas as figuras dos livros-textos são desnecessárias para a criança aprender aritmética, porque as crianças não obtêm seu conhecimento lógico-matemático a partir de figuras. 73 2.2. IMPLICAÇÕES DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE NúMERO Segundo Constance Kamii, pesquisadora do assunto e discípula de Piaget, para o professor trabalhar o conceito de número com a criança, deverá ter a clareza de que um dos seus principais objetivos é explorar a flexibilidade do pensamento infantil. Para criar atividades desafiado- ras, os professores deverão auxiliar seus alunos para que construam o conceito de número a partir dos seguintes princípios de ensino: 1. Encorajar a criança a estar alerta e colocar todos os tipos de objetos, eventos e ações em todas as espécies de relações; A autora reconstruiu a Teoria Epistemológica Ge- nética e constatou que as operações concretas desenvol- vem-se em muitas áreas simultaneamente, as quais impli- cam em indissociabilidade desse desenvolvimento. Piaget e seus colaboradores se debruçaram em infindáveis pes- quisas sobre aspectos que contribuirão no processo da aquisição do conhecimento lógico-matemático como: espaço, tempo, causalidade, quantidades físicas, número, lógica, imagens mentais, função simbólica, representação do real, desenvolvimento moral, dentre outros. Este refe- rencial mostra-nos que o professor não deverá se limitar 74 às atividades no âmbito exclusivamente do número. De- verá propor atividades que abarquem a Teoria Piagetiana como um todo e enfocar os diversos aspectos para o de- senvolvimento das estruturas lógicas infantis. Neste contexto, uma vez que as relações são criadas pela criança a partir de seu interior, e não lhe são ensina- das por outrem, Kamii (1990, p.45) salienta que o profes- sor tem um papel crucial na criação de um ambiente ma- terial e social que encoraje a autonomia e o pensamento. Adverte que se os adultos criarem uma atmosfera que indiretamente encoraja o pensamento, as crianças surgirão com uma quantidade de relações que nos sur- preendem. Por exemplo: Ao observar pela primeira vez uma pessoa rezar antes da refeição, a criança perguntou: – “Por que vovô lê seu prato?” Acrescenta que as situações de conflito poderão encorajar a criança a colocar as coisas em relação. Por exemplo: Numa escola ficou combinado que as crianças iriam brincar num parquinho infantil depois do lanche, entretanto, começou a chover repentinamente. As crian- ças sabiam que não poderiam ir lá fora quando chovia. Entretanto, a criança reclamava que a promessa não fora cumprida, conforme combinado. A reclamação era de- corrente do fato de que a criança colocava apenas dois eventos em relação: a promessa original e a proibição posterior (as quais não se equivaliam). Para ela não estava claro que uma promessa feita sob certas circunstâncias 75 pode não ser mantida, algumas vezes, quando as con- dições mudam. “Depois do lanche” e “quando chove” são dois conjuntos de circunstâncias sobrepondo-se, em parte, e que devem ser coordenadas com a promessa fei- ta anteriormente. Intersecções como esta pode ser observada a todo instante na vida cotidiana. Kamii complementa que o jul- gamento moral e o pensamento lógico desenvolvem-se juntamente quando as crianças são encorajadas a discutir a desejabilidade ou a justificabilidade de uma decisão. As negociações em situação de conflito são extre- mamente exemplares para se colocar as coisas em relação e desenvolver a mobilidade e a coerência do pensamen- to. No momento da negociação(soluções aceitáveis), a criança precisa descentrar e imaginar como a outra pes- soa está pensando. Quando as crianças são encorajadas a tomar decisões, são encorajadas a pensar. Kamii (1990, p.47) conclui que: “... uma criança educada numa família autoritária tem muito menos opor- tunidades de desenvolver sua habilidade de raciocinar lo- gicamente. Tal criança é forçada a obedecer em vez de ser encorajada a inventar argumentos que façam sentido e sejam convincentes.” Cita-se como exemplo de postura adequada do professor, com vistas a encorajar as crianças a tomar de- cisões em situações de conflito: Duas crianças brigam por causa de um brinquedo, a intervenção da professora 76 poderá estimular ou impedir o pensamento infantil. No primeiro caso, ela afirma: – “Tomarei o brinquedo de vo- cês dois porque estão brigando”. O problema passa a ser resolvido, porém a criança não foi encorajada a tomar decisões em situações de conflito. No segundo caso, a professora argumenta: – “O que lhes parece se eu guar- dar na prateleira o brinquedo até vocês decidirem o que fazer? Assim que decidirem, digam-me e eu devolverei a vocês”. Por conseguinte, as crianças são levadas a tomar decisões em situações de conflito e são levadas a pensar sobre a questão. Sob o ponto de vista do desenvolvimento da auto- nomia da criança, faz a diferença ela tomar decisão por si própria. Esta autonomia é indissociavelmente social, intelectual e moral. “Os tradicionais conceitos matemáticos, como: primeiro-segundo, antes-depois, correspondência um- -a-um, são partes das relações que a criança cria na vida cotidiana quando é encorajada a pensar”, diz Kamii (1990, p.47). 2. a) Encorajar a criança a pensar sobre o número e a quantidade de objetos quando estes sejam significativos para ela; É comum observar que crianças de quatro a seis anos de idade, em sua maioria, interessa-se por con- tar objetos e comparar quantidades. O professor deve 77 aproveitar este interesse espontâneo e planejar ativida- des que explorem o pensamento sobre o número e a quantidade de objetos quando estes sejam significativos para a criança. Entretanto, não se recomenda um horário diá- rio predeterminado para a quantificação de objetos. A criança deverá pensar sobre quantidades sempre que houver interesse e sentir necessidade. O professor de- verá estar alerta quanto a isto. Considerando que a autonomia é a finalidade mag- na da educação e que a criança deverá ser mentalmente ativa para construir o conceito de número, caberá ao professor aproveitar as oportunidades e encorajá-la a agir de acordo com a sua escolha e convicção. 2. b) Encorajar a criança a quantificar objetos logica- mente e a comparar conjuntos (ao invés de encorajá-las a contar); Gréco (1962, p. 46) que por muitos anos foi assis- tente de pesquisa de Piaget, ilustra quão importante se torna permitir que a criança escolha o melhor caminho para resolver as questões de quantificação propostas. A mãe de uma criança de 5 anos pediu-lhe que co- locasse um guardanapo sobre o prato de cada pessoa, na hora da refeição. Havia regularmente quatro pessoas à mesa. A criança (que sabia contar até 30 ou mais) foi até o armário da cozinha para pegar o primeiro guar- 78 danapo e colocá-lo sobre o prato, voltou para pegar o segundo e colocou-o no prato seguinte e assim por diante, perfazendo um total de quatro viagens. Aos 5 anos, 3 meses e 16 dias, ele pensou, espontaneamente, em contar os pratos, contou os quatro guardanapos a serem retirados do armário e distribui-os sobre a mesa. Continuou dessa forma durante seis dias. No sétimo dia, havia um hóspede e um prato a mais do que o comum. A criança pegou seus quatro guardanapos, como sempre, distribuiu-os e percebeu que um prato ficou sem. Ao invés de pegar um guarda- napo adicional, recolheu os quatro que já estavam sobre os pratos e colocou-os de volta no armário. Então co- meçou tudo outra vez e fez cinco viagens para comple- tar a tarefa. No dia seguinte, o hóspede foi embora, porém a criança continuou com suas quatro viagens por mais cinco dias, até que redescobriu a contagem. Após usar este método por dez dias, comunicaram à criança que chegaria outro hóspede. Ele distribuiu seus guardana- pos como usualmente, mas desta vez simplesmente pegou mais um no armário, quando observou que ain- da havia um prato sem. No dia seguinte, com quatro pessoas novamente, apenas contou o número de pratos antes de pegar os guardanapos. A chegada de mais um hóspede nunca mais o perturbou. Neste exemplo apresentado por Gréco vemos a 79 diferença entre contagem mecânica e contagem esco- lhida pela criança para solucionar um problema real. A criança do exemplo não possuía instrução precisa e, assim, teve a oportunidade de desenvolver sua autono- mia intelectual e sua autoconfiança. Saber contar é uma coisa, entretanto, saber o que fazer diante de um prato extra é extremamente diferente. Kamii (1990, p. 50) adverte que dizer que a criança precisa construir seu próprio conhecimento não impli- ca em que o professor fique parado ou sentado, omitin- do-se ou deixando a criança sozinha. Assim como a mãe da criança do exemplo, o pro- fessor pode e deverá criar um ambiente no qual a crian- ça tenha um papel importante e lhe seja reservado o direito de decidir por si mesma como desempenhar a responsabilidade que aceitou livremente. O professor deverá ser cuidadoso para não insistir que a criança dê a resposta correta a todo custo. Estudo realizado por Meljac (1979) mostra que se as crianças não usam a contagem como um instrumento, uma vez que não se torna perfeitamente confiável para crianças menores até que atinjam a idade de seis anos. Gréco mostrou nove fichas como consta na figura 1.4.(a) e pediu às crianças que apresentassem o mesmo número. As idades variavam de 4 a 8 anos, sendo que todas sabiam contar, umas até 10 e outras até mais de 30. 80 Apesar de as crianças recitarem números numa sequência correta, não escolhem necessariamente usar esta habilidade como ferramenta confiável. Uma vez construída a estrutura mental do número e assimiladas as palavras a esta estrutura, a contagem torna-se uma ferramenta confiável. Entretanto, antes dos sete anos de idade, a correspondência um-a-um, a cópia da con- figuração espacial ou estimativas imperfeitas represen- tam para a criança procedimentos mais viáveis porque são mais confiáveis. Gréco encontrou 4 níveis: 81 As pesquisas lideradas por Meljac e Gréco, segun- do Kamii (1990, p.55) são significativas para a área da educação, haja vista que comprovaram que existe uma progressão da primeira para a terceira habilidade abaixo discriminada e que este desenvolvimento depende da construção de uma infraestrutura mental de número e sua coordenação com a sequência de palavras aprendi- das “de fora para dentro”. 1. habilidade de dizer palavras numa sequência correta; 2. habilidade de contar objetos (isto é, de fazer a corres- pondência um-a-um entre palavras e objetos); Nível Habilidade Inabilidade de atender até mesmo o pedido do adulto. Contagem – a criança conta o número no mode- lo e o reproduz prontamente. Estimativa visual ou cópia grosseira da configu- ração espacial. Item (b) da figura 1.4. – a criança raramente olha o modelo enquanto arruma as fichas Correspondência um-a-um metódica – a criança olha intermitentemente para o modelo e copia, chegando ao ponto de usar os dedos para apon- tar os elementos correspondentes de cada vez. 0 3 1 2 82 3. escolha da contagem como instrumento mais desejável. Em síntese, caberá ao professor permitir que a criança decida quando deverá usar a contagem, forma de prevenção de imposições e resulta numa fundamen- tação mais lógica para a aprendizagem superior. 2. (c) Encorajar a criança a fazer conjuntos com obje- tos móveis; Pedir para a criança contar objetos não é a melhor maneira de ajudá-las a quantificar objetos. O ideal
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