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Infância medicalizada-Seminário_Fórum_2013-enviado

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A infância medicalizada: uma análise sobre as publicações relacionadas ao TDAH
Dalila dos Santos Silva – UNESP, Assis
Daniele de Andrade Ferrazza – UNESP, Assis
Murilo Galvão Amancio Cruz – UNESP, Assis
Pâmela Massoni Bardella Oliveira – UNESP, Assis
Palavras-chave: medicalização, TDAH, infância.
Quadro Conceitual
A transformação do sofrimento psíquico em doença e seu enquadramento no âmbito da variedade de rotulações diagnósticas produzidas pela psiquiatria têm apresentado sinais de estender-se, atualmente, a uma infância que até pouco tempo era poupada dos veredictos psicopatológicos e da prescrição de psicofármacos que costuma acompanhá-los. Na atualidade, as mais diversas condutas da infância que são consideradas inadequadas e/ou indesejáveis têm sido transformadas, pelo saber psiquiátrico, em manifestações sintomáticas de psicopatologias. Esta é uma característica típica do processo de medicalização que pode ser compreendido como uma forma do saber médico se apropriar de aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos e transformá-los em fenômenos da ordem médica. Nesse processo de medicalização inúmeros aspectos, também, relacionados à infância serão apropriados pelos saberes médicos e transformados em diagnósticos psiquiátricos.
Atualmente, a determinação diagnóstica que mais tem atingido crianças e adolescentes é o “Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade” (TDAH), para o qual a psiquiatria tem recomendado, principalmente, a administração de psicofármacos (LEGNANI; ALMEIDA, 2008; GUARIDO, 2007). Nessa configuração contemporânea, aquelas crianças que não se adaptam às regras e normas da sociedade vigente estariam, então, sujeitas aos discursos e práticas normatizadoras da medicina psiquiátrica que, conforme expõe Caponi (2007, p. 344), “possuem ainda hoje, como ocorreu no início do século XX, diagnósticos ambíguos e imprecisos, terapêuticas de eficácia duvidosa e efeitos colaterais imprevisíveis”.
Ao longo dos últimos 50 anos os procedimentos diagnósticos podem ser localizados, principalmente, no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM). Mesmo período em que, também, assistiríamos aos avanços do tratamento medicamentoso como forma majoritária de intervenção terapêutica no âmbito médico-psiquiátrico (GUARIDO, 2007). É nesse contexto que pode ser identificada a perda dos sentidos e significados de sofrimentos psíquicos e mal-estares subjetivos, uma vez que inúmeros diagnósticos psiquiátricos pretendem estabelecer bases biológicas objetivas para as mais diversas questões da existência humana. 
Desse modo, no mundo contemporâneo, o paradigma das ciências médicas produziria verdades acerca da natureza do sofrimento psíquico reduzidas às estruturas cerebrais e aos desequilíbrios neuroquímicos (CAPONI, 2012). Tal como argumenta Guarido (2007), a psiquiatria contemporânea promove uma naturalização do fenômeno humano e uma subordinação do sujeito à bioquímica cerebral, regulável apenas pelo uso de remédios.
Nessa perspectiva, o grupo de pesquisas “Medicalização do social no contemporâneo” da UNESP, campus de Assis, apresenta um estudo sobre o processo de medicalização da infância que envolve a expansão do diagnóstico de “Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade” (TDAH) e a generalizada prescrição de medicamentos psiquiátricos destinados a silenciarem crianças e adolescentes na contemporaneidade, 
Objetivos
O presente trabalho teve como objetivo estudar o processo de medicalização da infância através da análise de artigos científicos publicados, nos últimos três anos, na base de dados da SciELO que apresentavam como tema o diagnóstico do TDAH.
Metodologia
Para o desenvolvimento da pesquisa foram levantados os artigos científicos publicados e disponibilizados na base de dados da SciELO que apresentavam como indexadores a palavra-chave TDAH, com filtro regional indicando as publicações no Brasil. No total, foram encontrados 129 artigos científicos publicados no período de 2001 a 2013. 
Para o desenvolvimento de uma análise mais detalhada das publicações sobre a temática, selecionamos apenas os trabalhos publicados nos anos de 2010, 2011 e 2012, que perfizeram um total de 46 artigos divididos em dois grupos de análise. No primeiro, selecionamos e analisamos os trabalhos que apresentavam pesquisas e reflexões com bases e fundamentações críticas sobre o processo de medicalização da infância e de banalização do diagnóstico do TDAH. O segundo conjunto de análise seria composto por trabalhos que apresentassem pesquisas do campo das neurociências e das psicofarmacologias que consideram o TDAH como um transtorno da infância.
Os artigos considerados como críticos foram os que apresentaram uma contextualização social, política e histórica sobre o TDAH, e desenvolveram problematizações sobre o processo de patologização da infância. Já os artigos que foram considerados como acríticos desconsideravam todos esses aspectos e reduziram ao funcionamento biológico as dificuldades apresentadas por crianças e adolescentes submetidos ao diagnóstico e ao tratamento medicamentoso. Além disso, os trabalhos considerados como acríticos se baseavam no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) e apresentavam o diagnóstico sem problematizar ou questionar a validade teórico-científica deste instrumento psiquiátrico. 
Nessa configuração, no desenvolvimento da pesquisa, selecionamos 19 artigos científicos publicados no ano de 2010, dos quais apenas três foram considerados como críticos. No ano de 2011, encontramos a publicação de 12 artigos, dos quais a maioria foram considerados como acríticos e apenas 2 considerados críticos. E, finalmente, no ano de 2012, foram analisados 15 artigos, dos quais 7 foram considerados acríticos e 6 críticos. No total, dos 46 artigos publicados no período, apenas 11 foram classificados como críticos.
Resultados e discussões
No ano de 2010 foram encontrados 19 artigos publicados na base de dados da SciELO, dos quais 11 eram relacionados de alguma forma com revistas e publicações da área da saúde, principalmente, da área da psiquiatria ou neurologia. Os outros oito artigos estavam relacionados com publicações de outras áreas, tais como psicologia e filosofia, porém, dentre eles, apenas três foram considerados como críticos.
Dentre as discussões apresentadas nos artigos classificados como acríticos encontramos temas sobre o diagnóstico do TDAH e outras síndromes associadas, sobre pesquisas no campo das neurociências que consideram a existência de estruturas cerebrais e neuroquímicas relacionadas ao diagnóstico, estudos sobre o uso e os efeitos da medicação nos casos de crianças diagnosticadas e pesquisas sobre a utilização de testes para facilitar a identificação dos supostos “portadores” de TDAH. Dentre as diversas análises possíveis, aqui, destacaremos alguns artigos considerados significativos para representar os processos de medicalização da infância.
A administração de medicamentos psicofarmacológicos apresenta reconhecidamente um caráter experimental que gera, muitas vezes, a modificação dos diagnósticos conforme a variação dos sintomas apresentados no decorrer do suposto tratamento terapêutico determinado pela psiquiatria (GUARIDO, 2007). Entretanto, mesmo diante de incertezas, a psiquiatria continua a levar adiante discursos de que nossa vida mental decorreria inteiramente de explicações neurobiológicas. 
A partir dessas considerações, destacamos o artigo Síndrome de Gilles de la Tourette associada ao transtorno de déficit de atenção com hiperatividade: resposta clínica satisfatória a inibidor seletivo da recaptura de serotonina e metilfenidato (2010) como um exemplo desse caráter experimental da administração de medicamentos psiquiátricos. O artigo em questão descreve o caso clínico de um garoto de 12 anos que foi encaminhado ao Serviço de Psiquiatria do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG) para avaliação diagnóstica e conduta terapêutica (aos nove anos, quando cursava a 2ª série do ensino fundamental). Na ocasião, estavaem uso de carbamazepina, ácido valproico, risperidona e fluoxetina, e já utilizava todos esses medicamentos desde os sete anos de idade. Naquele Serviço de Psiquiatria, conforme nos descreve os autores, o menino seria diagnosticado com Síndrome de Tourette, Transtorno obsessivo-compulsivo e Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade, tipo combinado, segundo os critérios diagnósticos do DSM-IV-TR. No decorrer do tratamento, aumentaram a dosagem de fluoxetina, parou-se gradualmente com a carbamazepina, o ácido valproico e a risperidona. Porém, por conta de comportamentos considerados como hiperativos, iniciou-se o tratamento com metilfenidato, combinado a fluoxetina. Na conclusão do caso exposto, os autores comentam que o paciente, em uso daquelas medicações há dois anos, agora, “sentia-se melhor” e com a resolução de todos os problemas escolares. Nesse contexto, chamamos atenção para uma redução do sofrimento psíquico dessa criança a uma disfunção meramente biológica que será tratada essencialmente com medicamentos psicofarmacológicos, em números e dosagens nada desprezíveis, situação observada na maioria dos artigos deste levantamento. 
Dentre os três artigos considerados como críticos podemos citar o estudo, Discurso médico y estrategias de marketing de la industria farmacéutica en los procesos de medicación de la infancia en Argentina (2010), que apresenta uma reflexão qualitativa acerca da problemática da medicalização da infância. Estudo interdisciplinar, que busca explorar o discurso do campo médico – pediatras, psiquiatras infanto-juvenis e neurologistas infantis – em torno da construção diagnóstica do TDAH e sua abordagem terapêutica nos sistemas públicos e privados. De forma complementar, aborda a relevância dos mecanismos de marketing da indústria farmacêutica que influenciam na ampliação do diagnóstico do TDAH. 
Além disso, o artigo Classificações interativas: o caso do Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade infantil (2010) trata da questão das classificações que o mundo ocidental constrói acerca de determinados comportamentos e fenômenos sociais e a representatividade que tem cada um deles. Neste trabalho, os autores abrem espaço, também, para a problematização e compreensão de um fenômeno muitas vezes recorrente aos que foram diagnosticados por essa “classificação oficial” de uma doença e a resposta do social sobre o mesmo. Nesse sentido, o artigo trata de forma crítica o problema recorrente da patogênese e o efeito de arco que incide sobre esta, e destaca ainda que cada classificação, rotulação ou, até mesmo, enquadre medicalizante pode apresentar um peso sobre a vida das pessoas, que ficam à deriva desses conceitos sistematicamente construídos através dos tempos. A biologização – isto é, a postulação de causas biológicas e individuais para os sintomas apresentados pelo sujeito – e a consequente patologização dos comportamentos indesejados, em geral, são bem vistas e incentivadas socialmente. A problemática se instaura quando as práticas de saúde e suas respectivas prescrições se tornam muito frágeis perante as classificações diagnósticas, que são constantemente reformuladas por aquilo que é socialmente aceito. Assim, os limites entre o saudável e o patológico, entre o normal e o anormal, pouco a pouco se tornam difusos.
Nesse sentido, Moysés e Collares (2010) destacam que nas sociedades ocidentais é crescente o deslocamento de problemas inerentes à vida para o campo médico, com a transformação de questões coletivas, de ordem social e política, em questões individuais e biológicas. Dessa forma, as autoras indicam que vivemos tempos em que a biologização e homogeneização de comportamentos se amplifica, de modo a tornar os seres humanos cada vez mais suscetíveis às atuais escalas de classificação e diagnóstico.
Por fim, o terceiro artigo crítico encontrado, intitulado como Notas Sobre a História Oficial do Transtorno do Déficit de Atenção/hiperatividade TDAH (2010), destaca dois pontos importantes da história oficial do diagnóstico do TDAH: as descrições do médico inglês George Still, de 1902, que vinculou o transtorno a um defeito da vontade inibitória, portanto, um “defeito no controle moral” que tinha como base três suportes: cognição, consciência moral e vontade; e a síndrome da encefalite letárgica, na primeira metade do século XX, que foi uma infecção misteriosa que possuía muitas semelhanças com TDAH e impulsionou, assim como o TDAH, uma enorme produção científica sobre o corpo e o cérebro, se apoiando na pesquisa cerebral dos sistemas inibitórios. Neste artigo, a autora considera também os elementos morais e políticos na história oficial do TDAH e define que eles fazem parte dos níveis mais profundos da constituição desse diagnóstico. Para ela, uma das formas de se construir um diagnóstico é desconsiderando todo seu círculo, isto é, “desconsideram os aspectos morais, sociais, políticos, econômicos e institucionais que alimentam a constituição do fato patológico” (CALIMAN, p. 49, 2010). Desse modo, somos convidados a pensar as variáveis culturais e históricas envolvidas no diagnóstico e como o TDAH legitimou um discurso neurobiológico sobre a atenção e vontade.
No ano de 2011, dos 11 artigos analisados, consideramos que 9 eram trabalhos que se classificavam dentro do conjunto de acríticos. E apenas dois apresentavam posicionamentos críticos que tanto traziam perspectivas contrárias ao paradigma das neurociências quanto ressaltavam a importância de valorizarem um novo olhar sobre os problemas relacionados à infância com o intuito de viabilizarem novas práticas para superar as generalizadas prescrições de psicofármacos.
Em relação aos artigos considerados acríticos todos traziam apontamentos sobre o diagnóstico do TDAH baseados no DSM sem problematizarem a validade teórico-científica deste instrumento psiquiátrico que, recentemente, seria questionado inclusive pelo Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos (NIMH), um dos principais órgãos financiadores de pesquisas na área e que participava efetivamente da revisão da nova edição do manual juntamente com a APA (Associação norte-americana de psiquiatria) e que declararia o abandono oficial da futura publicação, o DSM V (INSE, 2013). 
Em quatro daqueles artigos acríticos foram problematizados o papel da escola no manejo com as crianças consideradas hiperativas e com problemas de aprendizagem. Ao contrário daqueles estudos elucidarem os problemas das instituições educacionais, das dificuldades de relacionamento professor-aluno, das salas de aula superlotadas, entre outros fatores que poderíamos elencar aqui, todas aquelas pesquisas consideravam que o mal que acomete cada vez mais crianças e adolescentes está relacionado ao corpo biológico e seus desequilíbrios neuroquímicos. Dentre os trabalhos sobre as instituições educacionais e o TDAH, destacamos o artigo, Escola e desenvolvimento psicossocial segundo percepções de jovens com TDAH (2011), em que os autores consideravam que a escola mal preparada para receber e trabalhar com alunos diagnosticados com TDAH propagaria discursos preconceituosos e bullying. Entretanto, a determinação de diagnóstico, no âmbito da psiquiatria, já é por si só produtor de processos discriminatórios ao definir o que seria um comportamento, atitude e gestos considerados como normais e anormais (FOUCAULT, 2006). 
Dentre os outros artigos classificados como acríticos, podemos destacar o trabalho que recebe como título “Técnicas avançadas de ressonância magnética do crânio em crianças portadoras de TDAH”, no qual o grupo de autores apresenta um estudo sobre pesquisas que mostrariam que na ressonância magnética seria possível identificar diferenças entre os cérebros de crianças diagnosticadas quando comparados aos cérebros de crianças não diagnosticadas com TDAH. Pesquisas como essa têm sido apresentadas no meio científico como uma grande descoberta das neurociências e como forma de confirmar que haveria diferenças orgânicas e estruturais no cérebro de pessoas “portadoras” e não“portadoras” de transtornos mentais.
Por fim, no ano de 2012, foram encontrados sete artigos que se posicionavam de forma acrítica em relação ao processo de patologização e medicalização dos sintomas do TDAH. Esses artigos abordaram questões pertencentes ao TDAH de forma reducionista, de modo a desconsiderar aspectos, sociais, culturais ou educacionais em detrimento dos conhecimentos biológicos e da neurociência.
Dessa forma, os autores dos artigos se utilizaram de testes estatísticos e de estudos com grupo controle e grupo experimental para comprovar suas hipóteses de pesquisa. A partir dos métodos utilizados naquelas pesquisas seriam analisadas pequenas amostras que depois seriam generalizadas para a população diagnosticada com TDAH. Ao se fazer este tipo de análise, principalmente com crianças, os artigos desconsideraram a subjetividade e o desenvolvimento que ocorre de forma diferenciada em cada indivíduo. Assim, o desdobramento da infância e as aquisições intelectuais foram examinados de forma geral sem levar em consideração o tempo particular que cada um necessita para construir ou desconstruir um conhecimento.
Também no ano de 2012 foram encontrados seis artigos com posicionamento crítico em relação ao diagnóstico de TDAH e ao uso de metilfenidato, com denúncias da banalização da prescrição e do extraordinário crescimento de vendas daquele medicamento. Os autores se utilizaram de revisões de literatura sobre o assunto, bem como, do levantamento da história do diagnóstico de TDAH, da história de ascensão da Psiquiatria e da indústria farmacêutica. Além disso, buscou-se analisar de forma abrangente e multifatorial o contexto em que se notaram comportamentos atribuídos ao TDAH e o caminho percorrido em direção à sua identificação/transformação em sintomas patológicos.
Outros artigos apresentaram referenciais da Psicologia Histórico-Cultural, Psicanálise, Filosofia e Ciências Sociais, que permitiram desconstruções de normas e conceitos naturalizados pelo paradigma biomédico. Foram desenvolvidas reflexões acerca da biomedicalização e patologização da vida apoiadas em reducionismos biológicos, além de terem sido trazidos às discussões fatores sociais, culturais, econômicos e políticos típicos da contemporaneidade, que nos permitem pensar a emergência de novas formas de subjetivação características de modos de vida pautados na globalização e capitalismo. Nesse contexto, evidenciou-se a gravidade de pensar sujeitos apenas de acordo com o conhecimento biológico, que pode patologizar e rotular àqueles que fogem da norma.
Enfatizou-se, em alguns artigos, a problemática do sistema educacional, que tem se mostrado pouco efetivo no que diz respeito a acompanhar as transformações dos modos de vida, e atribuído comodamente os problemas de ensino às crianças. Assim, pode-se dizer que o ambiente escolar tem se constituído como uma grande engrenagem que movimenta a ocorrência de diagnósticos de TDAH e a prescrição e comercialização de medicamentos.
Investigaram-se aspectos das Neurociências, bem como da Psiquiatria, que podem nos levar a pensar em uma parceria dessas áreas com a indústria farmacêutica, uma vez que o TDAH se mostra como um transtorno inventado/oficializado posteriormente à descoberta de um medicamento que pudesse amenizar os sintomas atribuídos a esse transtorno. 
Em suma, em alguns artigos o TDAH foi abordado como uma construção consequente de reducionismos biológicos e genéticos. Neles, mostrou-se a necessidade de reflexões sobre o diagnóstico e a utilização de medicamentos, que podem ser claramente prejudiciais aos indivíduos. Contestou-se também a ampla divulgação e incentivo ao diagnóstico, que chega aos mais variados ambientes por meio de estratégias da indústria farmacêutica, e são acatados como formas de combate ou tratamento a patologias já naturalizadas no imaginário social.
Conclusões
Na análise das recentes publicações científicas pudemos perceber como as neurociências desenvolveriam diversas pesquisas e estudos que prometem desvendar a estrutura funcional do cérebro e definir os desequilíbrios que provocariam “perturbações mentais”, conflitos existenciais e problemas escolares e de aprendizagem. No bojo das pesquisas neurocientíficas ainda estariam os pesquisadores das áreas educacionais, como pedagogos e psicólogos, que pretendem desenvolver técnicas cognitivas comportamentais que visem melhorar o desempenho por meio do controle de comportamentos de crianças diagnosticadas com TDAH. A artilharia direcionada à infância problema e diagnosticada com TDAH seria composta por diversos saberes que desenvolveriam diariamente novas estratégias e táticas que prometem acabar com o inimigo seja por meio das técnicas de definição de diagnóstico, dos mecanismos utilizados para reconstrução da normalidade através de ritalinas e pelas determinações terapêuticas e estratégias educacionais nas escolas que englobariam condicionamentos, reforços e controle de condutas consideradas inadequadas.
O presente trabalho pode notar que o número de artigos fundamentados em critérios diagnósticos não confiáveis, como o DSM, é consideravelmente maior que o número de artigos que levantaram um questionamento e uma problematização a respeito do tema. Consideramos, portanto, importante o avanço das pesquisas sobre o assunto a fim de levantar questionamentos e problematizações a todos os pesquisadores da área da saúde mental, além de alertá-los para o fato de que o saber psiquiátrico clássico tal como postulado nos manuais estatísticos não detém toda verdade sobre a subjetividade humana e, ainda, está imerso em uma rede de agenciamentos com interesses políticos, sociais e econômicos próprios que devem ser questionados.
Referências Bibliográficas
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GUARIDO, R. A medicalização do sofrimento psíquico: considerações sobre o discurso psiquiátrico e seus efeitos na educação. Revista Educação e Pesquisa, São Paulo, v.33, n.1, p. 151-161, jan./abr. 2007.
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