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DIREITO ADMINISTRATIVO PROF. JALUSA P. ABAIDE ANO: 2020 Abuso de autoridade e desvio de finalidade Sumário: Introdução. 1 Abuso de autoridade. 1.1 Desvio de finalidade. Palavras-chave: Administração; Poder; Discricionariedades; Desvio; Abuso. INTRODUÇÃO É sabido que o Estado é titular do Direito, pois apenas a ele é resguardada a prerrogativa de fazer justiça, afastando assim, qualquer possibilidade de autotutela. E por essa condição, goza de posição imperiosa em relação aos outros componentes da sociedade, na medida em que estes por vezes, precisam saber abdicar de certos direitos seus, em prol de que o ente estatal possa atuar em seu nome exercendo assim sua função. Contudo, o Estado não se personifica por si mesmo, necessitando para o desenvolvimento de suas atividades de entes públicos. E se nesse contexto de dirigentes e dirigidos o interesse público prevalece em detrimento do individual, fato que nos leva a conclusão de que esse particular enquanto nomeado da administração, tem seu atuar dirigido pela mesma. ABUSO DE AUTORIDADE Em um Estado de Direito como o que adotamos, a administração deve fiel observância aos preceitos legais em tudo que for realizar, inclusive nas manifestações revestidas de discricionariedade, pois, a própria lei determina de qual forma se deve proceder, com qual finalidade e de quem é a competência de sua realização. Sobrando espaço apenas para uma liberdade limitada pela oportunidade e conveniência administrativas. Ainda nesse sentido, entende o doutrinador Antônio Cezar Lima de Fonseca, que a administração ao proceder suas atividades deve ter o condão de observar um dos princípios que a rege, qual seja, a eficiência, não devendo deixar espaço para a subserviência. E para que isso reste alcançado, o ente estatal lança mão de um poder peculiar que lhe permite alcançar sua eficiência; o poder de polícia. Esse poder de polícia é desempenhado pelo Executivo, Legislativo e Judiciário, na medida do que determina a Constituição. Trata-se do instrumento que promove a limitação do uso e gozo de bens, atividade e direitos particulares, em função do bem maior da coletividade ou até mesmo, do próprio ente estatal. Tem o escopo de coibir atuações prejudiciais e impertinentes de alguns indivíduos, de modo a preservar o bem-estar social. No entanto, vem se instalando um contexto no qual esse poder de polícia está desacreditado, com sua imagem arranhada em função de certos abusos cometidos pelas autoridades, que ao invés de trazer sensação de segurança e respeito, passaram-se a se mostrar como inimigas; despertando sentimento de temor ao exceder suas prerrogativas legais no intuito de fazer valer sua vontade. E é considerado abuso porque a autoridade até detinha legitimidade para a prática do ato, mas ao agir não observou as limitações de sua tarefa ou se afastou de seu verdadeiro fim. Nessa conjuntura, aproveita-se para advertir que o ato administrativo - seja vinculado, seja discricionário - deve sempre primar pela obediência do que está disposto formal e ideologicamente em lei. Disso, se infere que o abuso se configura na medida em que o agente extrapola os limites legalmente previstos pra seu atuar, desvirtuando-se assim da essência de sua função e redundando em um autoritarismo que o afasta da necessidade real de seu existir. E essa é uma postura bastante nociva na medida em que fere o regular funcionamento da administração pública. Ressalta-se ainda, que mesmo na hipótese de ser dada à administração a possibilidade de agir com discricionariedade, essa flexibilidade não comporta o cometimento de arbitrariedades que firam a moralidade administrativa, por isso, identificada uma irregularidade sua conseqüência será tornar inválido o ato que a contém.Daí porque, a administração pública ao atuar deve buscar sempre agir com a boa-fé de modo a validar os esses atos. Em ocorrendo qualquer atuação da autoridade que fira diretamente garantias ou direitos individuais respectivos a liberdade, vida privada, intimidade, etc., estar-se-á diante de abuso de autoridade passível de sanção na forma da lei. E essa lei é nº 4.898/65 (alterada pela Lei nº 6.657/79) que elenca expressamente as hipóteses de Abuso de Autoridade. Nesse sentido, realiza tal prática aquele que atenta à liberdade de locomoção, à inviolabilidade do domicílio, ao sigilo da correspondência, à liberdade de consciência e de crença, ao livre exercício do culto religioso, à liberdade de associação, aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto, ao direito de reunião, à incolumidade física do indivíduo, aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício da profissão. Vale determinar, para efeito de aplicação do dispositivo, quais poderão ser os sujeitos ativos desses ilícitos, e a própria lei leciona em seu art. 5º quais sejam: Art. 5º. Considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração. Esses sujeitos podem incorrer em atuações abusivas comissivas ou omissivas. Contudo, isso é irrelevante, pois em ambos os casos haverá desrespeito ao preceito legal e prejuízo a pessoa do administrado. Nesse contexto, adverte- se ainda, que o abuso de poder ou de autoridade raciona-se em duas espécies bem delineadas: o excesso de poder e o desvio de finalidade. O excesso de poder existirá toda vez que a autoridade detiver legitimidade para proceder determinado ato e o faz em demasia, exorbitando sua esfera de atuação administrativa, sua prerrogativa legal, tornando o ato arbitrário, ilícito e nulo.Em decorrência disso o ato será considerado inválido por não observância ao princípio da legalidade que orienta a administração. O administrador público que age dessa maneira remove todo caráter legítimo dessa conduta, pois o poder autorizado a ele tem limites certos e forma definida de acontecer, que não admite violências, favoritismos políticos ou perseguições. Só não havendo represálias se o ato for conforme a lei, a moral administrativa e com respeito e zelo ao alcance do interesse público. 2.1 Desvio de finalidade Antes que se faça a definição de desvio de finalidade é subjaz que se entenda preliminarmente, o que seria a finalidade no universo da administração. Na realidade, a finalidade é implicação do ato administrativo; a decorrência mediata que seu agente intenta conseguir com o mesmo, tais como: disciplina, boa ordem e tudo mais que objetivar atender e proporcionar o interesse público. Em outra medida, o desvio de poder se traduz como uma alteração na execução de uma competência legalmente prevista. Fazendo-se uso do conceito de finalidade citado em parágrafo anterior, se poderia dizer que o desvio resta configurado como ato que procura dar um escopo diferente daquele explicitado na norma, ou seja, não há coincidência entre a essência do ato e finalidade atribuída a ele pela lei. No desvio de finalidade, assim como no excesso de poder, a autoridade está realizando um ato que em essência teria legitimidade se não fosse o fim daquele atuar, que passou a ser discordante com o que preceitua objetivamente a lei, ou o que pede o interesse público. Trata-se de agressão ao conteúdo ideológico do qual a lei se reveste; sua violação moral, uma vez que administrador dá ao ato um escopo diferente do idealizado pelo legislador. Incorre ainda nesse ilícito, aquele que se utiliza de meios ou pretextos imorais para desempenhar um ato administrativo revestido de falsa legalidade. Em função disso, para que seja identificada essa conduta ilegal ou imoral é preciso que se saiba ler os indícios e as circunstâncias que as denuncie. Sobre isso o STF se posiciona entendendo “que vários indícios e concordantes são prova”. Contudo, tal questão pode ser obstada pelo fato de que em grande parte das vezes essa atuação negativa do agente público é desarrazoada, o que semanifesta como dificuldade a demonstração do desvio de poder ou finalidade. Ressalta-se, porém, que isso não é inalcançável, visto que, em análise a cada passo dado por ele antes do cometimento do ato - e às conseqüências do mesmo - é possível que se chegue a essa comprovação. É pertinente citar a Lei nº 4.717/65 da Ação Popular, a qual preceitua que ação prejudicial ao interesse público feita por agente administrativo sugere vício que nulifica a mesma. Valendo ressaltar ainda, que com essa determinação do art. 2º “e” e parágrafo único, o desvio de finalidade restou concretamente estabelecido em nosso Direito como uma das causas de nulidade de atos administrativos. Advirta-se que para a concretização dessa prática, não é exigido que o agente tenha finalidade de cunho ilícito ou de desrespeitar o que diz a lei, bastando apenas que ele tenha atribuído à disposição normativa sentido distinto do que de fato é o seu. Trata-se de apropriação indevida da intenção da norma, como se a ele, a mesma pertencesse. Em sua função, o legislador pode incorrer em duplo sentido: em um, a norma confeccionada por ele pode se prestar a um ou vários fins expressos. No outro, ela se adapta ao atendimento de qualquer finalidade desde que atenda a interesse público. Desse modo, na primeira hipótese, haverá vício pelo fato de o administrador não ter tido cauteloso com sua atuação dando a norma qualquer tipo de interpretação,já no segundo caso, restará a atitude contaminada, se o agente der preferência a realização de um direito seu. E para ambas as ocorrências haverá punição com a invalidação do ato discricionário, visto que houve excesso do agente no momento em que ele ousou tentar preencher lacunas do ordenamento jurídico quando não lhe cabia, lavando-o a redundar em atividade infralegal. E essa sanção encontra sua gravidade demonstrada e justificada nas palavras de Celso Bandeira de Mello, que conceitua desvio como “a utilização de uma competência em desacordo com a finalidade que lhe preside instituição.” Essa definição é relevante, pois estabelece algo que os agentes administrativos devem observar; o fato de que o poder de que gozam no desempenhar de suas funções é mero aparelho disponibilizado a eles por prévia determinação jurídica, para que alcancem o cumprimento de seus deveres e conseqüentemente, a real finalidade da norma que fora pensada pelo legislador. Adverte-se, que não há necessidade de que a vontade do sujeito da administração tenha sido nesse ânimus, bastando que sua atuação concreta não tenha guardado pertinência com a previsão positivada. Contudo, é requisito para que o desvio reste configurado, que o agente tenha certa legitimidade para dispor sobre a matéria consistente no ato que deu causa. Leciona Afonso Rodrigues Queiró, que o desvio pode ser encontrado na forma de omissão quando o agente público tendo a obrigação de agir não o faz, por mera perseguição ou com vistas a favorecer alguém, acarretando com esse posicionamento que o interesse público careça de atendimento. E se a ocorrência dessa inércia do ente administrativo for identificada, diz-se que houve transgressão ao dispositivo lega que o orienta a agir. De certo, que essas atuações de má-fé devem ser combatidas, afinal não há espaço para elas dentro do Direito, que intenta retirar da realidade da administração pública atos com vícios nesse sentido através, inclusive, do judiciário. Nesse sentido, cita-se Caio Tácito que ensina que “a ilegalidade mais grave é a que se oculta sob a aparência de legitimidade”, pensamento esse, que dá suporte a idéia de retaliações a essa práticas. É desvio também quando, visando alcançar o fim almejado, o agente realiza ato que não era o mais indicado para tanto, fato que demonstra a natureza objetiva do vício, que não necessita da identificação da intenção do agente para que se faça a constatação do abuso de poder, bastando que se verifique se seu ato guardou coerência com a norma. A forma que se tem para coibir essas atitudes através do controle das mesmas é com a legalidade, de modo a promover a restauração da ordem jurídica e o respeito e observância a um dos princípios que orientam a administração: a legalidade, afinal, nesse caso, o agente desvirtuou o mérito dado pela norma abstrata para a prática do ato, extrapolando as barreiras da discricionariedade, ensejando ação que lhe barrasse. O professor José Roberto Pimenta leciona fazendo referência ao sentido que deve ter a atuação do administrador: Mesmo na atuação discricionária, a competência não é deferida para fazer valer critérios pautados exclusivamente na vontade do agente, mas para fazer imperar uma eleição objetivamente conduzida pelo requisito teleológico que fundamenta a outorga da esfera de decisão. Nesse sentido, corrobora Celso Bandeira de Mello : O ato será ilegítimo e o Poder Judiciário deverá culminá-lo, pois estará acolhendo, a talho de foice, conduta ofensiva ao direito,que de modo algum poderá ser havida como insindicável, pena de considerar-se o direito como a mais inconseqüente das normações e a mais rúptil e quebradiça das garantias. Deve inexistir, portanto, qualquer razão para que se entenda que tal controle seria de mérito e, desta forma, subtraí-lo da competência do Poder Judiciário. Essa intenção viciada do agente que na maioria dos casos gera o desvio de poder deve ser investigada. Mas isso não é tarefa fácil, especialmente porque esses vícios estão quase sempre são conseqüentes do exercício do poder discricionário. CONCLUSÃO Posto isso, mostra-se claro que o elemento Estado é essencial para a sociedade, pois através dele é que se tutela o Direito e se alcança a justiça, tolhendo assim, qualquer possibilidade de que o indivíduo intente buscar de forma autônoma, aquilo que pensa ser direito seu. E a razão disso, é o fato de que esse ente se encontra em condição de superioridade em relação aos indivíduos, motivo que incorre em supressão de direitos particulares, para o alcance de um bem comum. Contudo, para que o Estado desempenhe essa função faz-se necessário a delegação de poderes a entes públicos, criados por ele mesmo, para atender a interesses coletivos, lançando mão dessa forma, de um poder peculiar que lhe permite alcançar sua eficiência; o poder de polícia, desempenhado pelo Executivo, Legislativo e Judiciário, na medida do que determina a Constituição No entanto, vem se instalando um contexto no qual esse poder de polícia está desacreditado, com sua imagem arranhada em função de certos abusos cometidos pelas autoridades, que ao invés de trazer sensação de segurança e respeito, passaram-se a se mostrar como inimigas; despertando sentimento de temor ao exceder suas prerrogativas legais no intuito de fazer valer sua vontade. REFERÊNCIAS BANDEIRA DE MELLO, CELSO ANTÔNIO. Discricionariedade e Controle Judicial.2 ed.São Paulo: Editora Malheiros,2003, p. 56. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Pressupostos do ato administrativo – vícios, anulação,revogação e convalidação em face das leis de processo administrativo.Disponível em: http://www.tcm.sp.gov.br/legislacao/doutrina/29a03_10_03/4Maria_Silvia4. htm>.Acesso em: 20 jun. 2009. FAZZIO JR, Waldo. O fator humano e o desvio de poder.Disponível em :< http://www.waldo.pro.br/desvio_de_poder.htm> .Acesso em :22 jun.2009. FONSECA, Antonio Cezar Lima. Abuso de Autoridade, Comentários e jurisprudência.1.ed.Porto Alegre: Livraria do Advogado,1997. p.23. JUSTI,Jadson e FERREIRA, William Rosa.Abuso de Autoridade; uma ofensa ao funcionalismo público.Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=633>.Acesso em: 28 mai. *** 2009. MEIRELLES,Hely Lopes.Direito Administrativo brasileiro.32.ed.São Paulo: Malheiros,2006.p.110. PIMENTA OLIVEIRA, José Roberto. Os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade no Direito Administrativo Brasileiro. 1 ed. São Paulo: Editora Malheiros,2006, p. 243. QUEIRO,Afonso Rodrigues.A Teoria do “Desvio de Poder” em Direito Administrativo-Revista de Direito Administrativo.vol. II.Rio de Janeiro: Editora Renovar.p.59.
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